domingo, 19 de julho de 2009

Irã. Médico narra massacre de sábado




Sou médico, e felizmente - ou infelizmente – testemunhei os horríveis acontecimentos de 20 de junho.

Médico narra os fatos

Por diversos motivos permaneci calado diante de tudo que via. Mas agora, após várias semanas, decidi contar algumas das amargas realidades que meus patriotas estão sofrendo. Para ser sincero, isso irá diminuir o peso do fardo que estou carregando todos estes dias e será também um ato religioso, pois fui testemunha única da morte de muitas vítimas. Quero que tudo o que vi fique registrado na história do maltrato que nosso país vem sofrendo. Se houver uma oportunidade, futuramente anotarei todos os detalhes em um livro para que as próximas gerações possam saber o que aconteceu.

Por agora vou contar parte do que aconteceu naquele dia.

Como muitos fui testemunha dos crimes repugnantes dos Basijis. Sou médico e vi de dentro de uma ambulância em frente ao metrô de Navvab, um grupo de Basijis armados com metralhadoras Kalashnikov e G3, postado em cima da laje da mesquita Lulagar e atirando diretamente contra as pessoas embaixo, na rua. Eu vi com meus próprios olhos pedaços do cérebro de um rapaz se espatifando na plataforma negra em frente ao metro. Devo dizer mais dos crimes cometidos pelos Basijis?

Dentro do hospital Emam Khomeini, olhando pelas grades, pude ver - embora em todos os outros lugares do mundo, as bombas de gás lacrimogêneo sejam lançadas para cima em uma trajetória curva - na Praça Towhid, a apenas alguns metros de onde eu estava, um jovem ser atingido na garganta por uma bomba de gás lacrimogêneo disparada propositalmente a queima roupa. Vi sangue espirrando de sua garganta, depois ele caiu no chão e morreu.

Na Rua Jamalzadeh de dentro da ambulância vi motoqueiros Basijis usando correntes para bater nas costas de rapazes e moças. Vi uma jovem bater violentamente o rosto contra o asfalto depois de ser atingida por um Basiji.

Eu vi no cruzamento da Rua do Norte Kargar com o Boulevard Keshavarz, em frente a um quiosque, forças de segurança estacionando furgões brancos com números de placas especiais pertencentes à Guarda Revolucionária. Prenderam muitas pessoas sem qualquer razão e depois as lançaram em um corredor polonês formado por 50 Basijis. Depois da seção de insultos e espancamentos, lançaram corpos ensanguentados dentro dos furgões... No dia seguinte quando eu passei lá, os paralelepípedos ainda estavam com marcas de sangue.

Eu vi um Basiji machucado sendo levado para o hospital, provavelmente caíra da moto enquanto atacava as pessoas. Olhando seu chafiye de perto, em torno de sua cintura, eu notei que por baixo, ele portava uma enorme adaga de lâmina dupla! Meu Deus, o que estou vendo? Um chafiye com um punhal? Uma adaga com um Basiji? E quando lhe perguntei de onde viera, respondeu que fora "contratado" pela Guarda Revolucionária em Shahr-e Rey (no sul de Teerã). Meu Deus, contratado para qual batalha e para lutar contra qual inimigo?



Talvez nunca mais se saiba sobre as vítimas e mártires daquele dia. Impossível ter sido 20 pessoas, como afirmou o comandante das forças de segurança. Deve ter sido várias vezes esse número. Por exemplo, apenas no Hospital Emam Khomeini, no período de 24 horas, 22 vítimas que adentraram naquele dia foram transferidas para o necrotério. E, no Hospital de Rasul Akram Khan Sattar 16, pessoas morreram, entre elas, duas crianças de 4 e 9 anos de idade (os médicos residentes podem confirmar isso). No Hospital Shariati, 9 pessoas morreram. E é importante destacar que pelo menos metade dos feridos e mortos tinham sido transferida para o hospital de Baghiatollah pela Guarda Revolucionária e para o hospital Valiye Asr pelas forças de segurança.

E, por último, um amigo confiável da medicina forense me disse que, até agora, ele sabia que pelo menos 140 pessoas, clamando por liberdade, haviam sido mortas na carnificina do sábado, dia 20 de junho. Muitos mais se tornaram mártires durante os dias seguintes, por exemplo, uma jovem com 3 meses de gravidez, foi atingida na cabeça por uma pancada tão forte que provocou um acidente vascular cerebral. Após uma semana em coma, ela morreu, juntamente com o seu nascituro. Parece que o motoqueiro Basiji que bateu nela a tenha confundido com outra pessoa. Muitos ainda pensam que as vítimas foram apenas Neda e alguns outros que foram filmados pelas câmeras, e que os crimes foram apenas aqueles que foram mostradas na televisão e na internet!

Nunca, nunca! No dia anterior ao massacre, chegaram de carro milhares de Basijis vindos das províncias de Teerã movidos pelos discursos emocionais e ilógicos que ouviram no culto de sexta-feira. Um ponto interessante foi que algumas das vítimas foram os próprios Basijis, que, vestidos com chafiye verde ou faixa na cabeça, passaram a ser atacados com bastões por outros Basijis. Eu nunca vou esquecer quando vi um desses Basijis vestidos de verde, sobre a maca na emergência, pegar sua credencial Basiji, e picá-la diante de nossos olhos, amaldiçoando a si mesmo por um dia ter-se tornado Basij.

Na verdade, este é o cume do reinado da maldade, da estupidez e do cego extremismo: irmão contra irmão, Basiji contra a nação, Basiji contra Basiji! Eu nunca vou esquecer o rapaz de barba curta e pulseira verde em torno do braço, colocado em uma maca na emergência no Hospital Emam Khomeini. Não havia cama e nem espaço suficiente para a maca. Teve fígado e baço destruídos por um tiro a queima roupa. Eu e outro colega ainda tentamos reanimá-lo, mas foi em vão. Em seus últimos momentos ele sorriu, olhou para um ponto no espaço, e disse: "Ya Hossein, Hossein ya, ya Hossein..." antes de morrer.

A quantidade de crimes que testemunhei é tão enorme quanto inimaginável. Muitos detidos foram torturados, e dois dias mais tarde seus corpos foram trazidos para o necrotério do hospital, e de lá para o serviço forense, e de lá para um mercado de frutas ao sul de Teerã! Nunca ninguém saberá ao certo da dimensão desta tragédia, porque nunca permitirão a qualquer pessoa o acesso ao necrotério desativado da Praça Bahman e a outros dois necrotérios na mesma área...

"O doutor desconhecido"



Denunciado por: Saloumeh

Traduzido por: Narges

Publicado no blog “esquerdistas iranianos”. O texto acima pode ser republicado desde que mencione o nome do blog.

Fonte: http://iranian009.blogfa.com/post-37.aspx

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