terça-feira, 27 de abril de 2010

Tributo a Baltasar Garzón

O julgamento de Baltasar Garzón não é apenas um insulto à memória da Espanha é um insulto à memória do mundo. Abre o debate sobre os processos de impunidade das ditaduras. Diz respeito a qualquer país, inclusive o Brasil, que nunca julgou os crimes dos seus carrascos.

A Argentina fez questão de julgar os crimes da ditadura militar e fazer justiça à memoria das vítimas. Em alguns casos, demorou tanto quanto foi necessário. Mas, esta semana, não hesitou em condenar o general Reynaldo Bignone, o último ditador, agora com 82 anos, a 25 anos de prisão.

Os demais paises da América Latina têm lidado de forma diferente com os crimes passados das sua ditaduras. Tomemos, por exemplo, o Brasil e o Chile.

O Brasil, pela lei da anistia, jogou para baixo do tapete crimes contra a humanidade enquanto o advogado Luiz Eduardo Greenhalgh coloca em seu próprio bolso milhões de reais obtidos com a máquina de "indenizações de vítimas da ditadura" que montou com conivência do Planalto. Enquanto engorda sua conta bancária com 30% de cada processo ganho, Greenhalgh cinicamente repete "o Brasil não está pronto para punir torturadores" e "a verdade elimina as penas".

O Chile consentiu que Pinochet e seus comparsas entregassem o poder que ilegitimamente detinham em troca da impunidade. Acordaram tarde para o seu erro. Hoje, no país e fora dele, é possível insinuar, sem escândalo geral, que Pinochet se tratou de um mal menor.

Na Espanha, por via de uma queixa dos fascistas da Falange, é o juiz Baltasar Garzón que está a ser julgado por, supostamente, ter violado a lei de anistia negociada com os franquistas no processo de transição. Dá-se o caso da anistia ter sido aprovada (com a oposição dos partidos de direita) com o objetivo de garantir que, não havendo um processo revolucionário, aqueles que combateram a ditadura estariam a salvo do que sobrevivesse da repressão franquista.

Extraordinariamente, uma organização residual, entretanto afastada do processo, conseguiu, com ajuda de um dos juízes que vai julgar Garzón, virar as coisas ao contrário. Assim, quem quis aplicar as leis internacionais e garantir o julgamento de crimes contra a humanidade acabará sentado no banco dos réus enquanto os assassinos e os seus herdeiros reescrevem a história.

É essencial que seja feita justiça. Não apenas por respeito às vítimas e aos seus familiares, mas sobretudo como prevenção para o futuro. Os ditadores e aqueles que aceitam ser autores materiais dos seus crimes têm de saber que a justiça pode tardar, mas não falha. Têm de saber que podem estar protegidos pelo terror das ditaduras que alimentam, mas que quando as coisas mudarem pagarão pelas mortes e pelo sofrimento que causaram. Não pode continuar instituída a ideia de que os valores fundamentais ficam suspensos na nossa consciência quando a arbitrariedade chega ao poder.

Botar criminosos contra a humanidade no banco dos réus sem puni-los exemplarmente, acaba legitimando a impunidade das ditaduras. A África do Sul, por exemplo, com suas comissões de verdade e reconciliação, organizou uma espécie julgamentos sem pena em que os autores dos crimes apenas mostravam o seu arrependimento à sociedade. Ou seja, crimes atrozes são cometidos e perdoados com um simples "desculpe, estou arrependido". O leitor pode conceber carniceiros como Hitler ou Stalin saindo de um tribunal para as ruas após dizer "desculpe estou arrependido"? Se isso ocorresse, a sociedade, incluindo os autores dos crimes, deixaria claro a tolerância à impunidade dos crimes do passado.

Em Portugual, Espanha, Chile, Argentina, Brasil, Paraguai, Chile, Bolívia, Colômbia, África do Sul e em vários países europeus isto é um debate. Toda ditadura é carniceira e qualquer remanescente ou vestígio dela deve ser combatido, julgado e arrancado pela raiz.

O massacre da revolução popular e da guerra civil espanhola não deixou feridas apenas nos espanhóis, deixou feridas em todos aqueles que viram em Franco o espelho do ditador e do torturador que esmaga a liberdade em seus respectivos paises. Carniceiros tanto da direita quanto da esquerda que viveram o resto das suas vidas descansados, sem que nunca tivessem de responder pelos seus crimes, obrigando suas vítimas e seus descendentes a engolir esta humilhação a seco.

A ausência de julgamentos permite que as barbaridades das execuções sumárias, das prisões politicas e dos crimes dos anos de chumbo paulatinamente sejam apagados da nossa memória coletiva. E com este impunidade passa-se a ideia de que as ditaduras não foram bem ditaduras, como insinuou o recente editorial do jornal Folha de São Paulo, que chegou ao desplante de qualificar a ditadura brasileira de ditabranda, uma ditadura que, quando comparada com outras, foi de uma brandura quase comovente. Qual é o problema? É que quando se falha na memória não se aprende com o passado. E aumenta o risco de, depois da memória viva da ditadura acabar, se criar o caldo necessário para tudo voltar a acontecer.

O julgamento de Garzón diz respeito diretamente a todos aqueles que se colocam como cidadãos do mundo, e é importante para nós. Se o juiz fosse condenado os saudosistas dos fascismos ibéricos, europeus, latinoamericanos, e de toda parte teriam uma enorme vitória. A chamada democracia não só não condenaria os seus crimes, como ainda os premiaria pelo seu comportamento. No Supremo espanhol não é Garzón que está no banco dos réus. São todos os que ousaram resistir. O insulto ao seu legado seria um crime tão grave como os que foram praticados pelo franquismo. Era como se os resistentes morressem pela segunda vez.

domingo, 25 de abril de 2010

Manifesto Contra a Impunidade do Franquismo

Em Madri, ontem, personalidades como o cineasta Pedro Almodóvar e o poeta Marcos Ana, lançaram o manifesto abaixo. Fora do país, também estão previstos protestos em frente a embaixadas espanholas em Buenos Aires, Paris, México, Londres e Lisboa.

Manifesto Contra a Impunidade do Franquismo

Justiça não é só uma palavra formosa.

A justiça é uma condição imprescindível da dignidade humana.

A justiça é também calor, fraternidade, solidariedade com aqueles que sofreram a implacável injustiça do terror.

A sociedade civil saiu esta tarde à rua, em toda Espanha, para assumir a causa das vítimas do terror franquista, e para reivindicar a dignidade das centenas de milhares de homens e mulheres que deram suas vidas pela liberdade e pela democracia de nosso país.

Hoje, tantos anos depois, estamos conscientes do preço que eles pagaram para que possamos reunir-nos livre e pacificamente nesta praça, em nome deles e em nome da liberdade, da justiça e da democracia.

Acima dos tecnicismos, das argucias legais e os labirintos jurídicos, queremos afirmar que hoje, uma vez mais, é a dignidade das vítimas do franquismo o que está em jogo.

As conseqüências de um processo que, em democracia, suja sua memória, despreza a dor de seus filhos, de seus netos, e condena as aspirações de justiça de centenas de milhares de famílias espanholas, e vai além do próprio processo.

Esta causa poderia interpretar-se, e assim o fez a imprensa estrangeira, como uma lamentável prova da menoridade da democracia espanhola, um estado que trinta e cinco anos depois do desaparecimento do ditador, segue acusando os efeitos do terror indiscriminado ao que Francisco Franco recorreu para tiranizar aos espanhóis durante quatro intermináveis décadas.

O fato das diversas iniciativas judiciais de organizações de extrema direita terem conseguido paralisar a investigação dos crimes do franquismo representa um escândalo sem precedentes na história recente de nosso país, repugna à natureza essencial dos princípios democráticos e nos devolve à noite escura dos assassinos.

Ninguém pode ignorar que os 113.000 cadáveres que, ainda hoje, seguem enterrados em valetas e descampados, são a prova de um processo de extermínio sistemático de uma parte da população, que só pode entender-se como um crime contra a Humanidade.

Ninguém pode admitir que o desejo dos filhos, netos, viúvas, que querem recuperar os restos de seus seres queridos para devolver-lhes a dignidade que lhes arrebatou uma morte injusta e reivindicar a memória de sua luta pela liberdade e pela democracia, possa ser objeto de delito.

Ninguém pode sequer compreender que um estado democrático impute um delito de prevaricação a um juiz que assumiu os princípios da verdade, da justiça e da reparação das vítimas, por aplicar na Espanha a doutrina do Direito Penal Internacional que, faz uns anos, permitiu-lhe atuar contra crimes semelhantes cometidos em países como Argentina ou Chile.

Os crimes contra a Humanidade não podem ser anistiados e não prescrevem jamais.

A lei de Anistia de 1977, preconstitucional, não pode prevalecer sobre a própria Constituição, nem sobre os tratados e acordos internacionais assinados por nosso país em matéria de Direitos Humanos.

A Espanha não pode continuar sendo uma exceção para a Justiça espanhola.

Hoje, nesta tarde de abril, a sociedade civil está nas ruas para reivindicar a maturidade de nossa democracia e para fazer sua a causa das vítimas do franquismo.

O impulso democrático que desembocou na aprovação parlamentar da Lei da Memória Histórica deve continuar, e aprofundar-se para impedir que no futuro se reproduzam fatos tão vergonhosos como o ato do juiz Varela.

Em solidariedade com as vítimas, pela justiça universal e pela dignidade democrática da Espanha:

Não à impunidade!

Pesquisar os crimes do franquismo não é delito!

quinta-feira, 22 de abril de 2010

O Evangelho da Prosperidade e o Evangelho do Reino


É impossível viver no Brasil de hoje sem dar de cara, de uma forma ou de outra, com o chamado "evangelho da prosperidade".

Os críticos do movimento, tanto cristãos quanto secularistas, são rápidos em apontar a hipocrisia desses pregadores da prosperidade com seus jatinhos particulares e mansões de luxo comprados com o dinheiro das ofertas de fiéis pobres. Tais críticas são sem dúvida bem fundamentadas, mas podem, segundo David Maxwell*, não abranger o contexto de situações de pobreza e de desespero que conduz cristãos a abraçar tal movimento. Em outras palavras, fixar-se apenas nos abusos dos líderes da prosperidade pode desviar a nossa atenção do outro lado da questão, as pessoas gananciosas que atendem seus apelos e que são capazes de fazer qualquer coisa, inclusive fraudar, oprimir e explorar, para alcançar seus intentos. O fato de conseguirem ou não "prosperar" pode ser mais associado a ceder a tentações diabólicas por poder, glória e riqueza, semelhantes àquelas que Cristo sofreu no deserto, do que ao recebimento de bênçãos divinas.

A boa notícia de Cristo não é buscar coisas em primeiro lugar em detrimento do Reino de Deus e de sua justiça, é exatamente o contrário. O que Cristo prega é que no ambiente do Reino e da justiça de Deus nada falta e que lá tudo que realmente necessitamos é automaticamente acrescentado. Naturalmente deve-se denunciar enfaticamente os erros desses líderes que embora usando o nome de Jesus pregam um outro evangelho. João Batista chamou os escribas de "raça de víboras", Cristo qualificava-os como "túmulos caiados de branco". Tal denúncia faz parte da "boa nova". O Reino de Deus não pode ser confundido com posse nem com desejo de posse de riquezas materiais, pois ter mais do que o estritamente necessário pode resultar na criação de ambientes de probreza e de miséria. A doença que cria o excesso de conforto e de bens de uns é a mesma que origina o excesso de desconforto e a miséria de outros. Trata-se principal e simplesmente de lembrar a quem Jesus dirige sua mensagem e qual mensagem é essa. A existência de pobreza e de doença dentro de uma sociedade é o efeito de uma causa. Colocar o Reino de Deus em primeiro lugar significa arrancar pela raiz a gênese da pobreza e da doença. Buscar a cura e a riqueza antes do Reino pode significar disseminar ainda mais doença e miséria dentro da sociedade.

O fato de algumas pessoas adquirirem riqueza lutando por ela não é uma negação da mensagem de Jesus, é uma prova de que o poder do mal ainda está ativo em nosso mundo.


No Evangelho de Lucas o próprio Jesus identifica diretamente seu público no início do seu ministério. "O Espírito do Senhor... Me ungiu para levar boas notícias aos pobres ... para libertar os oprimidos" (Lc 4:18). O Evangelho de Mateus identifica a mesma audiência com palavras ligeiramente diferentes.

"Jesus percorria a Galiléia ensinando nas sinagogas, pregando o evangelho do Reino e curando todas as enfermidades e moléstias entre o povo .... E trouxeram-lhe todos os enfermos, os que estavam aflitos com várias doenças e dores .. .. E grande multidão o seguia desde a Galiléia... (Mt. 4:23-25).

O relato de Mateus é particularmente instrutivo, pois é a essa mesma multidão -- que segue Jesus por causa de seu ministério de cura -- que ele começa a ensinar. Ou seja, a diretriz dos três versos curtos no final do capítulo 4, introduzidos diretamente no "sermão do monte", é enfatizada também nos capítulos 5-7. Embora Mateus afirme inicialmente que o "ensino" de Jesus no monte era direcionado a "seus discípulos", era "a multidão" que "ficava impressionada com o seu ensino" após "Jesus terminar de dizer estas coisas" (Mt 5:1 - 2, 7:28). Em suma, Jesus se preocupava com as multidões -- os pobres, os oprimidos, os aflitos. Esses eram os destinatários da boa notícia.

Se a audiência de Jesus, portanto, consistia de uma multidão de pessoas pobres e aflitas, podemos agora perguntar sobre o conteúdo específico dessa boa notícia anunciada. Qual seria essa "boa notícia aos pobres"?

Seguindo a narração de Mateus sobre o ensino de Jesus para a multidão, encontramos muito sobre saúde humana e riqueza -- a prosperidade. Aprendemos, por exemplo, que "o Pai celeste" de fato se preocupa com o que as pessoas "comem", "bebem", "vestem". Deus se preocupa com a vida humana, com seu corpo. Deus sabe que as pessoas "precisam de tudo isso". Além de saber, Deus provê tais coisas. Assim como Deus esbanja coisas boas e belas para seres menos valiosos que os pobres -- "as aves do céu" e "os lírios do campo" -- da mesma forma Deus dará "o pão de cada dia" (6:11) a eles. Ao contrário do anunciado pelas modernas versões mecanicistas do evangelho da prosperidade ("nós damos a fim de obter"), "a boa notícia do Reino" é o próprio Reino: "Mas, buscai primeiro o Reino de Deus e sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas "(Mt. 6:25-33).

"Todas estas coisas" não são "acrescentadas" como resultado de nossos meios, de nossa "busca" ou "esforço", para adquiri-los. O fato de algumas pessoas adquirirem riqueza lutando por ela não é uma negação da mensagem de Jesus, é uma prova de que o poder do mal ainda está ativo em nosso mundo. Mas para aqueles que ousam seguir os ensinos de Jesus buscando "primeiro o Reino de Deus e a sua justiça", a glória das "coisas acrescentadas" desaparece. Ela não se compara com o "Reino de Deus" que é "justiça, paz e alegria no Espírito Santo" (Rom. 14:17). Ela não se compara com "a paz de Deus, que excede todo o entendimento" (Fp 4:7). Somente quando vemos o engodo das "coisas acrescentadas" e abraçamos a vida sem elas, é que elas nos são acrescentadas. Somente experimentando "a glória de Deus na face de Jesus Cristo" encontramos aquilo que realmente precisamos (2 Coríntios. 4:6).

As multidões que seguiam Jesus viram tal glória e a reconheceram na poderosa, absoluta e convincente "autoridade" daquele que "ensinava não como os escribas" (Mt. 7:29). Naquele tempo havia muitos escribas. Nossos modernos escribas são os mestres da prosperidade ocupando milionários espaços na midia. Apesar da grande aceitação do evangelho da aquisição pregado por eles, o evangelho do amor de Deus pregado por Jesus ainda não desapareceu. Nós, estreitamente envolvidos com aqueles com quem Jesus estava envolvido, fariamos bem redescobrindo a alegria simples da palavra de Jesus que quebra nossa escravidão das "coisas acrescentadas" e que nos conduz mais profundamente nos mistérios do Reino de Deus.

*Maxwell, David. African Gifts of the Spirit: Pentecostalism & the Rise of a Zimbabwean Transnational Religious Movement. Oxford: James Currey, 2006.

Texto criado a partir da leitura de http://anisa.org.za/node/294

domingo, 18 de abril de 2010

Tolstoi e Nietzsche

Uma opinião interessante no começo do século XX expressava que os alemães foram fortemente influenciados pela filosofia de Nietzsche, enquanto que os russos foram influenciados pelo ensino de Tolstoi. Foi verdade? Segundo um provérbio russo, "Os paroquianos se assemelham aos pároco". Então o homem comum alemão e o homem comum russo foram apenas o que seus respectivos padres lhes ensinaram a ser.

Nietzsche atirou ao mar as virtudes cristãs e incitou o capataz a atropelar seus subordinados cruelmente sob seus cascos. E belgas, franceses, servios, poloneses e romenos passaram a ser submetidos a todo tipo de atrocidades.

Nietzsche se revoltou contra a democracia moderna e confirmou a aristocracia do super-homem. Ele pregou a "Sede pelo Poder", e os alemães obedientemente responderam e escreveram em sua bandeira. "O Poder Está Certo".

Todos os biógrafos concordam que Nietzsche tornou-se mentalmente perturbado e morreu louco. E há muitas pessoas inclinadas a acreditar que a Alemanha na primeira metade do Século XX tornou-se um país de paranóicos.

Tolstoi, por sua vez, durante muitos anos praticou a temperança. Curiosamente, naquele tempo, na Rússia, caiu bastante o consumo da vodka. O homem comum russo, como por um milagre, aos poucos tornava-se sóbrio. Tolstoi nunca reconheceu a Igreja Ortodoxa nem a aristocracia russa.

Diante do fato de que o Governo Imperial estava arruinando o país, em 1917 houve uma grande revolta contra o Czar, e tanto soldados, camponeses, como operários se levantaram unidos para derrubar o Czar.

Tolstoy ensinava "não resistência ao mal", e a manutenção da paz com o mundo inteiro e o povo no poder, afinado com ele, concordava em acabar com a guerra de uma vez, almejando uma paz sem anexação nem indenização.

Infelizmente, o Exército russo escorregou das mãos do povo e caiu nas mãos dos bolcheviques. Tolstói era um anarquista, ele queria agir e viver como um anarquista. A história revelou que Tolstoi estava certo, que os bolcheviques estavam errados e que Nietzsche nunca passou mesmo de um "estúpido e anormal".

Após o golpe contra a revolução de 1917 consolidar-se em 1922 com o massacre em Kronstadt, os bolcheviques, terrivelmente autoritários e ignorantes, passaram a fingir ensinar a sua política aos franceses, britânicos, italianos e americanos. Essa farsa demorou muito tempo mas acabou desabando em 1990.

A farsa capitalista e o mito nietzscheniano do super-homem ainda vivem, mas estão em seus últimos momentos.

sábado, 10 de abril de 2010

O Que eu Creio - Jacques Ellul

INTRODUÇÃO

Definitivamente seria muito mais fácil eu dizer aquilo que não acredito do que dizer aquilo que acredito. Esta declaração inicial poderia ser atribuída ao negativismo do qual sou injustamente acusado, ou por repetidamente dizer que o dever primevo das pessoas livres é dizer não, ou porque eu frequentemente adoto o conceito hegeliano da natureza positiva do negativo. Mas é um engano deduzir pessimismo da negatividade desta perspectiva, pois ninguém é tão radicalmente otimista como eu. Minha visão última sempre é positiva. Leitura apressada permite julgamentos precipitados.

Para mim a diferença entre o que não acredito e o que acredito tem uma origem muito diferente. O que não acredito é muito claro e preciso. O que acredito é complexo, difuso -- diria quase que inconsciente e teórico. Envolve a mim mesmo, considerando que o que eu não acredito pode estar distante. Eu posso considerar isto como algo exterior e portanto relativamente bem definido. Pode ser o objeto de uma taxonomia. O que eu acredito me deixa totalmente implicado pessoalmente. Eu posso falar sobre isso apenas quando falo sobre mim mesmo. Eu não acredito em um objeto mas em uma rede de relações que eu realmente não posso expor porque tal exposição exige um procedimento didático, uma divisão de realidades que se pertencem mutuamente. Eu não posso lidar imediatamente com tudo. Pessoas de grande talento podem com um toque de gênio oferecer aos leitores todo o complexo do que eles acreditam sem romper laços e relações, compondo um grande texto poético e também dando aos leitores o senso de um vibrante complexo e o facho de luz de uma realidade repentinamente captada. Mas eu não sou tal pessoa. Enquanto pesquisador industrioso preciso desvendar as complexidades,

2

seguir um caminho lúcido e racional, tomar objetos que eu posso examinar um depois do outro. Assim, privo as coisas de sua natureza, faço plânctons moldados de coisas vivas, separo as relações entre eles. Posso evocar o complexo mas não posso reconstituí-lo para outros. Eu pus algo definido e saltei para algo infinito.

Nada, então, é tão desencorajador para mim do que tentar dizer o que eu acredito, pois quando faço isso dou origem a todo o tipo de malentendidos. Ainda não sei como proceder. Dizer o que não acredito é simples. Eu não acredito em desenvolvimento, religião, políticas, ou ciência como a resposta final. Eu não acredito que nesta sociedade, tal qual é, possamos solucionar os problemas econômicos do próximo século e os problemas do Terceiro Mundo. O que complica as coisas é que aquilo que não acredito está estreitamente ligado com aquilo que acredito. Na prática, ambos não podem ser dissociados. Contudo, não são diretamente opostos: Eu não diria que se não acredito em desenvolvimento é porque eu acredito na ausência de progresso. A relação é mais íntima e menos lógica. As duas coisas dependem da tomada de posições em um mais alto, mais definido, e mais decisivo gráu hierárquico ou gráu de abstração. Eu tenho que retornar aos dados essenciais para ver o que se tornará o que eu acredito e o que eu não acredito, um junto com o outro. Eu não posso delinear o que acredito sem implicitamente traçar um caminho em um monte de possibilidades, escolhendo um e rejeitando outros que não são necessariamente contraditórios mas simplesmente diferentes. Eu não posso tranquilamente dizer que eu não acredito em algo sem ao mesmo tempo recorrer a uma implicação daquilo que eu acredito. Assim, temos que agarrar os dois juntos. Ainda que esse algo possa ser claramene definido, considero o remanescente para mim um objeto de constante deliberação e investigação. Naquilo que se torna didatícamente separado, há uma necessidade de afroxar os laços, reunir novamente os temas, jogar o jogo sutil das relações múltiplas. Aqui, como em cada um de nós, tudo está conectado com tudo, e nada está isolado, sem referência ou referente. E se o leitor puder fazer o que é requerido, agir assim não é apenas um jogo ou uma questão de curiosidade, é o único caminho para o entendimento.

Eu também preciso dizer algo sobre a questão da fé em si.

3

Duas palavras pedem destaque, fé e crença.(1) Nós temos a péssima tendência de confundir uma com a outra. Crença é um tema cotidiano e aponta para a base de tudo aquilo que constitui nossa existência. Tudo depende dela; todas as relações humanas repousam nela. A menos que eu tenha boas razões para o contrário, eu acredito espontaneamente naquilo que as pessoas me falam: Eu tenho confiança nelas a priori. Se não fosse assim, as relações humanas seriam impossíveis, como no tipo de fala que só causa confusão ou derrisão. Eu também acredito nas verdades científicas. Eu acredito que E = mc2 porque me relataram isto. Todo o sistema educacional está baseado na crença. Os estudantes crêem naquilo que seus professores ou seus livros dizem; eles aprendem na base da crença. Nós também cremos espontaneamente no testemunho de nossos sentidos, até mesmo quando eles estão transtornados. Nós acreditamos semelhantemente em certas palavras, como bem, ou liberdade, ou justiça, que nós não definimos claramente ou consistentemente mas às quais nos agarramos firmemente sem nos importar com o conteúdo delas. Uma sociedade não pode funcionar se não fincar suas bases nas convicções ocultas, nos profundos interstícios, de cada um de seus membros, produzindo sentimentos e ações coerentes. Uma sociedade sem crenças coletivas (que são, claro, individuais aos olhos de cada membro) logo entraria em colapso e mergulharia num processo de dissolução. Crenças são definitivamente a razão de ser da sociedade.

Fé é muito diferente -- refere-se a Deus. Mas crenças também podem ser religiosas. Sempre houve uma assimilação de crença na religião, e ainda há. Crenças religiosas são parte do todo. Frequentemente (de um modo discutível) religio está conectado com religare, "religar". Religião liga as pessoas entre si e liga-as enquanto grupo ao seu deus. É precisamente este caráter ligador que causa o problema, isto nos mergulha em uma análise sociológica da religião. É por causa da necessidade de mútuo companheirismo que as pessoas recorrem a um ser mais alto ou deus ao qual servirão como garantia de grupo e símbolo. Os objetos desta religião podem ser muito diferentes, dependendo se um ou mais deuses projetaram o céu, ou o Universo. Outras dimensões do humano podem ser apoteosadas. A razão pode ser deificada, ou cientifizada.

--------------------------
¹ Lidei com este tema, mas de forma bem diferente, em Living Faith: Belief Doubt in a Perilous World, trans. Peter Heinegg (San Francisco: Harper & Row, 1983).

4

O hitlerismo fez sua própria religião, assim como o marxismo-leninismo até os anos setenta. O país pode ser considerado divino. Progresso se tornou um termo fundamental na moderna religião. Cada culto tem seus próprios ritos, mitos, hereges, crentes, razão de ser, e crenças em potencial. Mas o objeto da religião não é necessariamente Deus.

Fé em Deus -- em um Deus que não encarne alguma força natural ou que não é o abstrato e projeção hipostatizada de um de nossos próprios desejos, aspirações ou valores (Feuerbach), fé em um Deus que é diferente de tudo aquilo nós podemos conceber ou imaginar -- não pode ser assimilado pela crença. Por isso Deus não pode ser assimidado por uma das representações que poderíamos facilmente multiplicar. Se Deus é Deus, ele é inevitavelmente diferente de tudo aquilo que os politeístas chamam deus. Cada um desses deuses pode ser descrito e pode ser definido; cada um tem sua própria função e esfera de ação. Mas o Deus da fé é inacessível e inassimilável. Ele é tão fundamentalmente outro (se ele não fosse, se ele pudesse ser medido contra um de nossos valores ou convicções, ele não seria Deus) que não podemos nem definir nem contemplar. O Deus de fé é totalmente inacessível. A afirmação de Feuerbach, de que Deus é um valor absolutizado, foi simplista e pueril. Em primeiro lugar, não temos nenhuma idéia do que é o absoluto ou o infinito. Nós não podemos dizer nada sobre tais conceitos e nem podemos assimilá-los. Falar sobre um valor absolutizado pode ser falar sobre Deus, mas não é possível para seres humanos absolutizar qualquer coisa.

Com respeito aos inúmeros ataques dirigidos a Deus, simplesmente podemos dizer que esses que o fazem não sabem sobre o que estão falando. Frequentemente com justa causa eles estão atacando a imagem de Deus que em um determinado tempo e lugar as pessoas construíram. Mas esta é a sua própria imagem de Deus, feita por conveniência -- não é Deus. Uma fórmula comumente repetida que é aceita agora como patente é que nós construímos Deus à nossa própria imagem. Mas dizer isto é não saber o que se diz; é conversa infantil. Pois se Deus for Deus, então tudo aquilo que podemos dizer sobre ele é apenas nossa própria abordagem ou percepção, como uma criança que enche um balde com agua do mar, mexe-o até espumar, e depois diz estar carregando o oceano e suas ondas. Por nós próprios nada sabemos de Deus. Só quando ele escolhe revelar uma minúscula parte de seu ser é que nós alcançamos uma minúscula noção e reconhecimento.

5

Em sua revelação Deus tem que pôr a si mesmo em nosso nível de apreensão, em nosso nível cultural e intelectual, para que aquilo que ele quer comunicar seja acessível. Portanto, há variações, não porque Deus seja variável, mas porque aqueles aos quais ele se dirige o são. Ele usa os meios mais apropriados para estabelecer comunicação conosco -- a palavra. Quando ele se dirige a uma pessoa, sempre é uma interrelação muito pessoal.

A questão que surge, naturalmente, é por que Deus escolhe dar esta revelação parcial. Por que ele não mantém uma distância absoluta? Por que ele não permanece solitário, no trabalho ou em repouso, e nos deixa resolver nossos próprios problemas na terra? A primeira resposta é que nenhuma resposta é possível. Deus é incondicionado. Se ele fosse condicionado por qualquer outra coisa, ele não seria Deus. Não há, portanto, nenhum "porque" no caso dele. Nenhuma razão anterior pode ser dada para as decisões e atos dele. Ele decide se revelar de certo modo para que simplesmente possamos absorver, mas porque ele decide se revelar. Mas quando eu olho para o que me é relatado sobre a revelação no Judaísmo e Cristianismo, eu posso dar outra resposta não contraditória mas complementar. Como Criador, Deus não quer deixar suas criaturas sem relação ou referência, como um refugo infantil recém-nascido a beira da rodovia. Amoroso, Deus não pode permanecer só; o amor tem que se dirigir a alguém fora do ego. Deus não é nenhum solícito. Ele dirige seu amor à criação, para suas criaturas, e lhes conta o que precisam saber dele se eles vão sobreviver e florescer.

Vamos ver agora a diferença entre fé neste Deus e crenças em geral. Uma crença que permite a manutenção de uma sociedade é necessariamente coletiva. Apta para abranger a plenitude de seu objeto, é uma força enaltecedora que faz com que nos superemos (embora possa fazer muito dano quando finge ser absoluta e exclusiva). Fé é diametralmente o oposto disso. Em primeiro lugar é uma relação pessoal. Não esgota sua abundância a quem é dirigida. Não é útil à sociedade; pelo contrário, é uma força perturbadora, na medida em que provoca fraturas em gargalos sociais. Acima de tudo, ela pode aflorar apenas porque é Deus que vem até nós. Este é o ponto fundamental. A crença sempre tenta montar o que considera Deus. A fé recebe aquele que se coloca sob sua transcendência para fixar-se ao nível de uma criança que ele quer reacoplar. Nada poderia ser mais diferente.

6

Embora a historia revele que fé pode virar crença, crença nunca pode virar fé. A fé sofre esta metamorfose quando reivindica ter conhecimento completo do Deus ao qual se dirige; quando traz consigo o estabelecimento de instituições para conservá-la e transmiti-la; quando tenta se explicar em fórmulas radicais que servem determinar o que é verdade; quando finge abraçar o todo da sociedade (e naquele momento indubitavelmente se torna o cimento desta sociedade); quando estabelece formas fixas em afirmações definitivas e inalteráveis; quando pensa que pode forçar as pessoas a reconhecer a verdade de seu Deus. Sempre que qualquer uma destas coisas acontece é porque não há mais fé, mas crença e religião institucional. Mas por este livro mencionar ambiguamente crença em seu título, vejo-me obrigado a falar sobre crença e também tentar dizer o que a fé significa significa para mim.

Eu não terminei com crença, pois se um aspecto da crença é crer naquilo que clamo ser valores absolutos, há também um sentido bem diferente. Crença significa estimar pensamentos, valores. Eu acredito naquilo que considero preciso, e que eu aceito em minhas avaliações, entretanto tais coisas em que acredito podem ser irracionais e subjetivas. Eu acredito que alguém é meu amigo. Eu acredito que poderia ser-me útil ler tal livro. Eu acredito que um evento acontecerá. Eu acredito que determinado ato ou decisão resultará em certas conseqüências. Todas estas crenças tomam lugar em uma confluência de coisas internas e coisas externas, de coisas sensoriais e coisas intelectuais, de coisas imaginárias e coisas experimentais.

Esta crença pode se desdobrar em várias facetas, mas no fim dá na mesma. O mistério da identidade! Que prova tenho sobre quem sou? Todas as células de meu corpo mudam a cada sete anos. Torno-me diferente, e mesmo assim mantenho a invencível crença de que sou a mesma pessoa que era alguns anos atrás. Vejo meu corpo deteriorar, contudo sou sempre eu mesmo. De forma semelhante, aqueles que receberam transplante de órgãos ou próteses importantes estão convictos de que são ainda as mesmas pessoas. Elementos no sistema podem se acomodar mas o sistema mantém sua identidade e processos. Outro profundo significado da crença é que sem nenhuma prova ou garantia eu creio intensamente que sou eu mesmo, e que não existe

7

nada mais falso ou fútil do que dizer para mim que sou uma outra pessoa. Tudo o que posso dizer é que nunca me conheço completamente, que há uma boa dose de mistério em cada um de nós, e conjecturar que outra pessoa resida lá é um truísmo. Insistir que sou outro e não eu, é uma falsidade inspirada nos intelectuais europeus em suas tentativas de destruir o ser, de desvendar a personalidade, de diluir e debilitar as coisas. A isto eu oponho minha firme crença de que eu sou eu mesmo e não apenas um rótulo que não corresponde a nenhuma coisa viva. Eu reconheço que aquilo que assumi como verdade durante alguns anos não corresponde a nenhuma certeza, contudo, reconheço também que minha crença é enriquecida por experiências, encontros, chances e indagações que não me deram certeza mas que me fizeram diferente e ainda o mesmo.

Um outro ponto é que não querer ou recusar crer, sempre foi para mim um ascpecto importante da crença. A pessoa pode olhar para este aspecto de dois modos. Um evento acontece envolvendo e combinando claramente muitos fatores que acho horríveis, inaceitáveis, e muito dolorosos. Eu vejo os resultados dos atos e das decisões dos políticos. Eu vejo a proliferação de opiniões tolas e desastrosas que engolfam as massas sob a orientação dos meios de comunicação de massa. Para mim há aqui uma certeza trágica; o desenvolvimento da situação parece inevitável. Mas enquanto eu não puder mudar coisas, eu recuso crer nelas. Eu sei que elas serão fatais, mas eu não creio nisto. Não digo que elas não acontecerão, mas meu frágil protesto se baseia na recusa em crer. Lembro-me que em 1939, um mês antes da declaração de guerra, caminhando ao longo de uma estrada fora de Bordeaux, quanto mais pensava na situação mais via que aquela guerra era inevitável. Mas com todo meu ser em ebulição eu recusava crer naquilo que sabia ser certo. Toda minha vida eu me deparei com situações em que apesar de ver claramente o resultado de algo me recusei a crer, um frágil obstáculo que em minha angústia tento opor diante de coisas irresistíveis. A única coisa que eu posso fazer em tais circunstâncias é proferir advertências, instar para que as pessoas permaneçam atentas e se recusem acreditar que tudo dará certo. Hoje, ai! Estou assombrado pela certeza terrível de uma guerra nuclear, mas eu não quero acreditar nisto. Quando eu anuncio o que vai acontecer, qual será o desdobramento lógico das decisões atuais,

8

as pessoas não podem crer no que digo por apoiarem o evento atual que conduz a implicações que vão além de suas concepções. Foi assim com Cuba, Vietnã e Camboja. E é assim com a crença na sociedade tecnológica, com desemprego, e com a fatal evolução de um governo esquerdista na França.

Relativo a este governo esquerdista, eu escrevi um artigo na eleição de Sr. Mitterand que causou muita polêmica por ter dito que nada importante acontecera. Estava claro a mim que com exceção de alguns gestos espetaculares mas fúteis, como as nacionalizações, os socialistas seriam forçados a entrar no mesmo caminho de progresso tecnológico como qualquer outro governo, que eles poderiam alterar as regras do jogo político com mandatos e carreirismo político mas que eles não poderiam alterar as estruturas da sociedade ou a dominação econômica das corporações multinacionais, e que como os demais regimes eles tomariam medidas conforme as demandas circunstanciais. Tudo isso pareceu inevitavel para mim. Mas eu, como os socialistas, apreciando ideais de justiça e liberdade, poderia almejar que eles provocariam uma verdadeira revolução socialista, como frequentemente afirmei. Assim, eu recusei crer que as coisas aconteceriam do jeito que eu gostaria. De forma que em meus ataques aos socialistas eu na realidade queria mostrar a eles que a tarefa era mais dura do que eles pensavam. Foi tudo em vão.

Há outro aspecto bem diferente em minha recusa em crer. Eu vejo objetos existentes, sejam políticos ou econômicos; vejo tendências e elementos irredutíveis neles. Vejo-os como posso ver uma rocha. Mesmo assim recuso dar-lhes meu apoio, recuso acreditar em sua excelência ou avaliação, recuso crer na existência delas. Vejo o estado moderno, ou burocracia, ou dinheiro, ou técnica² -- tais coisas são o que são. Nunca acreditarei nessas coisas. Tais coisas são autosuficientes, embora elas constantemente solicitem minha aderência e até mesmo minha reverência. Elas estão por aí, mas não creio em seus valores, virtudes,

------------

² Para Ellul, técnica [ou tecnologia] significa "a totalidade dos métodos racionalmente aceitos como dotados de absoluta eficiência (para uma determinada fase d desenvolvimento) em qualquer campo da atividade humana". (The Technological Society, trans. John Wilkinson [New York: Knopf, 19641, p. xxv). See also Jacques Ellul, Perspectives on Our Age, trans. Joachim Neugroschel, ed. William H. Vanderburg (New York: Seabury, 1981), pp. 32-33.-TRANS.

9

verdades, utilidades ou vantagens. Que celebrem sua existência. Eu não, embora saiba perfeitamente que não posso me livrar delas. O que vemos aqui é que a crença humana acrescenta a tais objetos um valor incomparável. O que imediatamente as torna muito mais do que coisas; elas adquirem uma perspectiva humana. Marx frequentemente comparou o capitalismo ao legendário vampiro. Poderíamos extender essa comparação a todos os objetos sociais, políticos e econômicos. São apenas coisas, mas repentinamente assumem aspectos ativos, proeminentes, e incontestáveis. Exercem efeitos quando as pessoas começam a acreditar nelas. Não se alimentam de sangue como o vampiro mas de crenças que tendem à confiança e mesmo ao afeto. Quanto a mim, recuso acreditar nelas.

Tais, portando, são meus esclarecimentos sobre a simples palavra crença. Em cada momento há algo em que creio. Isto aqui não é psicanálise. Não há de fato nenhuma espontaneidade ou imediação na realidade sobre crença contrária ao sentimento comum! Para descobrir o que cremos e o que não cremos temos que nos auto examinar e refletir por nós mesmos. Também somos desafiados, quando a questão aflora, sobre se é legítimo acreditar nisto ou naquilo. Falar sobre crença é simultaneamente investigar sua validade ou verdade. É entrar em um estudo crítico não isento de perigo. Não há nenhum lugar para o ceticismo fácil que diz não acreditar precisamente em nada porque crê cegamente. Temos que ser sérios porque nosso ser inteiro está em jogo aqui. Quando me pergunto sobre o que creio, estou "procurando minha própria consciência", como se costuma dizer. Submeto o que eu creio a julgamento quando o trago para a luz. Conforme alguém avança, um duplo movimento toma lugar provocando um constante cruzamento de crenças que embora frequentemente ocultas, também provêem a necessária pausa para repassar sua crítica. "Conforme alguém avança" -- é necessário avançar ou permanecer calado. Eu não posso dizer facilmente o que eu avalio ou penso agora mesmo, sobre o que considero verdadeiro. Se tentar trazer à luz as raízes de minhas convicções, tenho que fazer algo mais difícil que sem dúvida envolverá algumas avaliações políticas.

10

PARTE I
AS VÁRIAS CRENÇAS

Capítulo 1
A VIDA TEM SIGNIFICADO

Eu creio que a vida tem significado. Não estamos nesta terra por acaso; não vimos de lugar algum para ir para parte alguma. Isto é uma declaração; não pode ser provada. Significado implica tanto direção como manifestação. Nem todo evento, ato ou palavra tem significado, mas tudo tende para a orientação e para o significado. A orientação cobre uma série de escolhas que empurraram a raça da Idade Paleolitica para a Idade Neolitica e então para a Idade do Bronze e para a idade da informação. Tomo cuidado para não falar de filosofia da história ou de uma mistura entre aventura casual e meta a ser atingida. Eu não sigo Teilhard de Chardin quando ele fala sobre saltos qualitativos para períodos superiores e uma convergência em cada caso.

Mas eu rejeito o absurdo. Aqui novamente estou fazendo uma declaração arbitrária. É claro que o absurdo reina; encontro-o em toda parte. Estou convencido de que a conduta é frequentemente permeada de eventos absurdos, e muitos parecem ser irracionais. Mas eles parecem ser assim por não podermos situá-los no contexto total. É absurdo para os pais de uma criança anormal, mongolóide ou mentalmente deficiente, querer expor esta criança em vez de direcioná-lo para uma instituição especializada. Mas quando consideramos o milagre de amor que esta situação poderia representar, a mutação que poderia causar neles em torno dessa criança, o desenvolvimento humano e psicológico concernente a essa situação, o ato absurdo se torna um modelo de humanidade. Eu vi isto.

Eu também conheci um homem que, quando sua esposa tornou-se gravemente hemiplégica e perdeu a fala, vendeu sua loja e dedicou todo seu tempo para cuidar dela em sua doença. Este

14

cuidado abarcou toda sua vida desde o tempo em que tinha cinqüenta anos. Ele veio de um ambiente humilde mas desenvolveu uma filosofia genuína de vida. Ele poderia dizer-me: "A vida é boa e maravilhosa. Todos nós temos uma missão terrena em curso mas temos que perceber acima de tudo que a vida sempre é boa". Um ato absurdo? Um significado de vida? Ele continuamente buscou a riqueza interior e a realização em vez de buscar conforto insignificante e felicidade. Ele não era crente, nem conheceu outro fim além de morte. Mas isto não lhe impediu de dar significado a todo momento da vida. Para encontrar significado nós temos que olhar para um evento na complexidade das interrelações humanas e em longo prazo. O que não parece fazer sentido algum agora para mim, quando estou disposto a ignorá-lo, amanhã pode revelar-se pleno de implicações positivas e pode dar direção a uma série de eventos que parecem estar inertes.

Mas precisamos fazer algumas distinções para evitar ambiguidades. A declaração de que a vida tem sentido pode ser levada de dois modos. Primeiro, pode significar que a vida tem sentido intrínseco. Neste caso, não importa nossa atitude, tudo que acontece tem sentido. O sentido qualifica a própria vida. Nossa tarefa neste caso é achar o sentido.¹ Este é o ponto do famoso ditado: A História tem sentido. Para os sucessores de Marx o sentido da história foi desvelado pela descoberta da luta de classes. Nós apenas precisamos aplicar este critério a cada situação, dizem eles, e nós achamos seu significado (no duplo significado do termo -- sentido e direção). E se nós descobrimos isto ou não, a história

------------

¹ Quando recebeu o Nobel de literatura em 1985, Claude Simon começou seu discurso dizendo nada ter a dizer. Nem precisava confessar, seus romances provam isso. Não há verdade em parte alguma. Na realidade ele foi assim durante toda sua vida e depois de suas muitas experiências ele nunca encontrou sentido em lugar algum e em nada, (como Barthes, dizia, comentando Shakespeare) concluindo que o significado do mundo é simplesmente existir. Mas isso não significa nada e não denota nada exceto a si mesmo, implicando numa ausência de qualquer direção ou valor (entretanto, o que fez, por exemplo, o próprio Simon fugir do campo de concentração durante Segunda Guerra Mundial?), e coisas assim não podem conceber qualquer verdade. Se a pessoa se prende ao sentido estrito destas palavras, não haverá nenhum significado, não haverá nenhum ponto vivo exceto enquanto algo que está lá meramente porque está lá. E se não há nenhum ponto vivo, onde isso vai dar? Eu acho que afirmar a ausência de significado nos remete a uma escolha final: ficar furioso ou cometer suicídio. A menos que expressar-se assim seja apenas um modo de falar, uma forma literária. Eu acredito que este é o caso de Simon. Mas se tudo o que ele escreve carece de sentido, então os livros dele não fazem sentido para ninguém, e nesse caso por que escreve?



Tradução (inconclusa) por Railton S. Guedes

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Chacina Colateral (Collateral Murder) parte 1 de 2 ---- C E N S O R E D


















"A linguagem política destina-se a fazer com que a mentira soe como verdade e o crime se torne respeitável, bem como a imprimir ao vento uma aparência de solidez". George Orwell

Por ações como esta, o governo dos E.U.A. é a organização mais sanguinária do mundo. É e sempre foi o campeão da injustiça, da intromissão, e acima de tudo da opressão. Esse vídeo desvenda para o mundo todo a mais evidente expressão de covardia. Um crime de guerra. Escancara uma chacina perpetrada contra homens inocentes, desarmados e indefesos, inclusive ferindo duas crianças. É a instalação definitiva da barbárie. Muito do sofrimento atual das pessoas no mundo pode ser diretamente atribuído ao governo (não ao povo) dos E.U.A, de longe a maior organização de assassinos na história.

Este video mostra cenas reais - filmadas a partir de um helicótero de guerra estadunidense - da chacina cometida por soldados estadunidenses no Iraque em 2007. Antes da divulgação desse video o governo dos Estados Unidos deu versões contrárias aos fatos agora finalmente revelados pelo video.

Divulgado no Youtube pelo grupo WikiLeaks com o nome de "Collateral Murder", esse documento vem chocando o mundo ao mostrar soldados estadunidenses, entre risos e palavrões, metralhando e matando 12 inocentes entre civis e jornalistas. Os soldados agiam e se comportavam como se estivessem num jogo de video game. Como se não bastasse, nesse ataque aéreo a populares e fotógrafos, também feriram 2 crianças, negando-lhes a seguir, por ordens do alto comando, a melhor forma de socorro.

Chacina Colateral (Collateral Murder) parte 2 de 2:


Chacina Colateral (Collateral Murder) parte 1 de 2: