sábado, 30 de abril de 2011

Da Ditadura à Democracia – Gene Sharp

Da Ditadura à Democracia 

Uma Estrutura Conceitual para a Libertação

Gene Sharp



São Paulo – Brasil
The Albert Einstein Institution
Todo o material constante nesta publicação
é de domínio público e pode ser
reproduzido sem a permissão de Gene Sharp.
Citação da fonte e notificação à
Instituição Albert Einstein para a reprodução, tradução e
reimpressão desta publicação são apreciados.
Primeira Edição, Maio de 2002
Segunda Edição, Junho de 2003
Terceira Edição Fevereiro de 2008
Quarta Edição, Maio de 2010

Da Ditadura à Democracia foi publicado originalmente em Bangkok em 1993, pelo Comité para a restauração da democracia na Birmânia, em associação com Khit Pyaing (O Jornal Nova Era). Desde então foi traduzido em pelo menos trinta e uma outras línguas, e foi publicado na Sérvia, Indonésia e Tailândia, entre outros países. Esta é a quarta edição dos Estados Unidos.
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The Albert Einstein Institution Caixa Postal 455 East Boston, MA 02128, EUA Tel.: EUA +1 617-247-4882 Fax: USA +1 617-247-4035 E-mail: einstein@igc.org Website: www.aeinstein.org
ISBN 1-880813-09-2


Sumário
Prefácio    5

Um
Enfrentando Ditaduras Realisticamente
 7
Um problema persistente    7
Liberdade através da violência?    8
Golpes, eleições, salvadores estrangeiros?    9
Enfrentando a dura verdade    11

Dois
Os Perigos de Negociações
 12
Méritos e limitações das negociações    12
Rendição negociada?    13
Poder e Justiça em Negociações    13
Ditadores “Agradáveis”    14
Que tipo de paz?    15
Três
De onde vem o poder?
 17
A fábula “O Mestre dos Macacos”    17
Fontes necessárias de poder político    18
Centros de poder democrático    19

Quatro
Ditaduras têm fraquezas
 21
Identificando o calcanhar de Aquiles    21
Fraquezas das ditaduras    21
Atacando as fraquezas das ditaduras    22

Cinco
Exercitando o poder
 23
O funcionamento da luta não violenta    23
Abertura, sigilo, e altos padrões    25
Mudando as relações de poder    26
Efeitos democratizantes do desafio político    27
Complexidade da luta não violenta    28

Seis
A necessidade de planejamento estratégico
 29
Planejamento realista    29
Obstáculos ao planejamento    30
Quatro termos importantes em planejamento estratégico    31

Sete
Estratégia de planejamento
 34
Escolha de meios    35
Planejando para a democracia    35
Ajuda externa    35
Formulando uma grande estratégia    36
Planejando estratégias de campanha    37
Disseminando a ideia da não cooperação    38
Repressão e contramedidas    39
Aderindo ao plano estratégico    40

Oito
Aplicando o desafio político
 41
Resistência seletiva    41
Desafio simbólico    42
Distribuindo a responsabilidade    42
Visando o poder dos ditadores    43
Mudanças na estratégia    44

Nove
Desintegrando a Ditadura
 45
Escalada da liberdade    46
Desintegrando a Ditadura    47
Lidando com o sucesso de maneira responsável    47

Dez
Bases para a Democracia Durável
 49
Ameaças de uma nova ditadura    49
Bloqueando golpes    49
Elaboração da Constituição    50
Um política de defesa democrática    50
Uma responsabilidade meritória    51

Apêndice Um
Os métodos de ação não violenta
 53
Apêndice Dois
Agradecimentos e notas sobre a história de Da Ditadura à Democracia
 61
Apêndice Três
Uma nota sobre as traduções e reimpressão desta publicação
 63
Leitura Complementar 64

Prefácio

Uma das minhas grandes preocupações por muitos anos, foi como as pessoas podem evitar e destruir ditaduras. Isso foi alimentado, em parte devido à crença que os seres humanos não devem ser dominados e destruídos por tais regimes. Essa crença foi reforçada por leituras sobre a importância da liberdade humana, sobre a natureza das ditaduras (desde Aristóteles até analistas do totalitarismo), e as histórias de ditaduras (especialmente os sistemas nazista e estalinista).

Ao longo dos anos, tive a oportunidade de conhecer pessoas que viveram e sofreram sob o regime nazista, incluindo alguns que sobreviveram aos campos de concentração. Na Noruega, conheci pessoas que haviam resistido ao domínio fascista e sobrevivido, e ouvi sobre aqueles que pereceram. Conversei com judeus que haviam escapado das garras nazistas e com pessoas que tinham ajudado a salva-los.

Conhecimento do terror do regime comunista em vários países foi aprendido mais com livros do que contatos pessoais. O terror desses sistemas pareceu-me ser especialmente doloroso porque essas ditaduras foram impostas em nome da libertação da opressão e da exploração.

Nas décadas mais recentes, através de visitas de pessoas provenientes de países governados ditatorialmente, como o Panamá, Polônia, Chile, Tibete e Birmânia, as realidades das ditaduras atuais tornaram-se mais reais. De tibetanos que tinham lutado contra a agressão comunista chinesa; russos que haviam derrotado o golpe da linha dura em agosto de 1991 e tailandeses, que tinham bloqueado de maneira não violenta um retorno à ditadura militar, eu ganhei perspectivas muitas vezes perturbadoras sobre a natureza insidiosa das ditaduras.
O sentimento de emoção e indignação contra as brutalidades, junto com a admiração pelo heroísmo calmo de homens e mulheres incrivelmente corajosos, foi, por vezes, reforçado por visitas a locais onde os perigos ainda são grandes, e ainda assim, o desafio de pessoas corajosas continuou. Estes incluíram o Panamá sob Noriega; Vilnius na Lituânia, sob contínua repressão soviética; a Praça Tiananmen, em Pequim, tanto durante a manifestação festiva de liberdade quanto enquanto os primeiros veículos blindados entraram naquela noite fatídica, e os quartéis na selva da oposição democrática em Manerplaw em “Mianmar libertada”.

Às vezes, eu visitei os locais dos caídos, como a torre de televisão e o cemitério em Vilnius; o parque público em Riga, onde as pessoas tinham sido mortas a tiros; no centro de Ferrara, no norte da Itália, onde os fascistas alinharam e fuzilaram resistentes; e um simples cemitério em Manerplaw cheio de corpos de homens que haviam morrido jovens demais. É uma triste conclusão que todas as ditaduras deixam tal morte e destruição em seu rastro.

Dessas preocupações e experiências cresceu uma esperança determinada de que a prevenção da tirania pode ser possível, que lutas bem sucedidas contra as ditaduras poderiam ser travadas sem massacres mútuos em massa, que as ditaduras poderiam ser destruídas e novas ditaduras impedidas de ressurgir das cinzas.
Tentei pensar cuidadosamente sobre as formas mais eficazes em que as ditaduras podem ser desintegradas com sucesso com o menor custo possível em sofrimento e vidas. Nisso, ao longo de muitos anos, eu baseei meus estudos de ditaduras, movimentos de resistência, revoluções, pensamento político, sistemas governamentais e, sobretudo, luta não violenta realista.

Esta publicação é o resultado. Estou certo de que está longe de ser perfeita. Mas, talvez, ele ofereça algumas orientações para auxiliar o pensamento e planejamento para produzir movimentos de libertação que sejam mais poderosos e eficazes do que poderia ser o caso.

Da necessidade e da escolha deliberada, o foco deste ensaio está no problema genérico de como destruir uma ditadura e impedir o surgimento de uma nova. Não sou competente para produzir uma análise detalhada e prescrição para um determinado país. Mas, é minha esperança que esta análise genérica pode ser útil para pessoas, infelizmente, em demasiados países que agora enfrentam a realidade de regimes ditatoriais. Elas precisarão examinar a validade dessa análise para suas situações, e em que medida as suas recomendações mais importantes são, ou pode ser tornadas aplicáveis às suas lutas pela liberdade.

Em nenhum lugar desta análise, eu suponho que desafiar ditadores será uma tarefa fácil e gratuita. Todas as formas de luta têm complicações e custos. Combater ditadores, é claro, produzirá vítimas. É minha esperança, no entanto, que essa análise estimulará os líderes da resistência a considerar estratégias que possam aumentar a sua potência efetiva, ao mesmo tempo em que reduz o nível relativo de baixas.

Também não deve esta análise ser interpretada no sentido de que, quando a ditadura em particular terminou, todos os outros problemas também desaparecerão.

A queda de um regime não traz consigo uma utopia. Pelo contrário, ela abre o caminho para trabalho duro e longos esforços para construir relacionamentos sociais, econômicos e políticos mais justos, e para a erradicação de outras formas de injustiças e opressão. Minha esperança é que esta breve análise de como uma ditadura pode ser desintegrada possa ser útil onde quer que as pessoas vivam sob dominação e o desejo de ser livre.

Gene Sharp
06 de outubro de 1993
Albert Einstein Institution
Boston, Massachusetts

Um
Enfrentando Ditaduras Realisticamente

Nos últimos anos, várias ditaduras – tanto de origem interna quanto externa – entraram em colapso ou caíram quando confrontadas por pessoas desafiadoras e mobilizadas. Muitas vezes vistas como firmemente entrincheiradas e inexpugnáveis, algumas dessas ditaduras provaram ser incapazes de suportar o desafio político econômico e social organizado do povo.

Desde 1980, as ditaduras ruíram perante o desafio predominantemente não violento de pessoas na Estônia, Letônia e Lituânia, Polônia, Alemanha Oriental, Checoslováquia e Eslovênia, Madagascar, Mali, Bolívia e Filipinas. Resistência pacífica tem promovido o movimento em direção à democratização no Nepal, Zâmbia, Coreia do Sul, Chile, Argentina, Haiti, Brasil, Uruguai, Malásia, Tailândia, Bulgária, Hungria, Nigéria, e em várias partes da antiga União Soviética (desempenhando um papel significativo na derrota do golpe de estado de linha dura de Agosto de 1991).

Além disso, desafio político em massa ocorreu na China, Birmânia e Tibete nos últimos anos. Embora essas lutas não tenham posto fim às ditaduras ou ocupações dominantes, eles expuseram a natureza brutal destes regimes repressivos à comunidade mundial, e forneceram as populações uma valiosa experiência com esta forma de luta.

O colapso das ditaduras nos países acima citados, certamente não apagou todos os outros problemas nessas sociedades: pobreza, criminalidade, ineficiência burocrática, e a destruição ambiental são, muitas vezes, o legado de regimes brutais. No entanto, a queda destas ditaduras elevou minimamente grande parte do sofrimento das vítimas da opressão e abriu o caminho para a reconstrução dessas sociedades com maior democracia política, liberdades pessoais e justiça social.

Um problema persistente

Tem havido uma tendência de maior democratização e liberdade no mundo nas últimas décadas. De acordo com a Freedom House, que compila um relatório anual internacional da situação dos direitos políticos e liberdades civis, o número de países ao redor do mundo classificados como “Livres” cresceu significativamente nos últimos anos:

LivresParcialmente livresNão-livres
1983544764
1993757338
2003895548
2009896242


No entanto, esta tendência positiva é atenuada pelo grande número de pessoas ainda vivendo sob condições de tirania. A partir de 2008, 34% da população mundial de 6,6 bilhões vivia em países designados como “não livres”, ou seja, áreas com extremas restrições aos direitos políticos e liberdades civis. Os 42 países na categoria “não-livres” são governados por uma série de ditaduras militares (como na antiga Birmânia), monarquias tradicionais repressivas (como na Arábia Saudita e do Butão), partidos políticos dominantes (como na China e Coréia do Norte), ocupantes estrangeiros (como no Tibete e no Saara Ocidental), ou estão em estado de transição.

Muitos países estão hoje em estado de rápida mudança econômica, política e social. Embora o número de países “Livres” tenha aumentado nos últimos anos, há um grande risco de que muitas nações, diante de tais mudanças fundamentais rápidas, se movam na direção oposta, e experimentem novas formas de ditadura. Panelinhas militares, indivíduos ambiciosos, oficiais eleitos e partidos políticos doutrinários repetidamente procurem impor suas vontades. Golpes de Estado são e continuarão a ser uma ocorrência comum. Os direitos humanos e políticos básicos continuarão a serem negados a um vasto número de pessoas.

Infelizmente, o passado ainda está conosco. O problema das ditaduras é profundo. Pessoas em muitos países vêm experimentando décadas ou mesmo séculos de opressão, seja de origem nacional ou estrangeira. Com frequência, a submissão cega a figuras de autoridade e governantes tem sido inculcada por muito tempo. Em casos extremos, as instituições sociais, políticas, econômicas, religiosas e até mesmo da sociedade – fora do controle do estado – foram deliberadamente enfraquecidas, subordinadas, ou mesmo substituídas por novas instituições arregimentadas utilizadas pelo Estado ou pelo partido governante para controlar a sociedade. A população tem sido muitas vezes atomizada (transformada em uma massa de indivíduos isolados) incapazes de trabalhar juntos para alcançar a liberdade, confiar uns nos outros, ou até mesmo fazer muita coisa por sua própria iniciativa.

O resultado é previsível: a população torna-se fraca, não tem autoconfiança, e é incapaz de resistir. As pessoas estão, frequentemente, muito assustadas para compartilhar seu ódio à ditadura e seu desejo de liberdade, mesmo com a família e amigos. As pessoas estão muitas vezes demasiado aterrorizadas para pensar seriamente em resistência pública. Em todo caso, de que valeria? Em vez disso, elas enfrentam sofrimento sem fim e um futuro sem esperança.

As condições atuais nas ditaduras de hoje podem ser muito piores do que antes. No passado, algumas pessoas podem ter tentado resistir. Protestos em massa de curta duração e manifestações podem ter ocorrido. Talvez os espíritos tivessem se elevado temporariamente. Em outras ocasiões, indivíduos e pequenos grupos podem ter feito gestos corajosos, porém impotentes, afirmando algum princípio ou simplesmente sua rebeldia. Por mais nobres que fossem os motivos, tais atos passados de resistência foram, com frequência, insuficientes para superar o medo do povo e o hábito de obediência, um pré-requisito necessário para destruir a ditadura. Infelizmente, esses atos podem ter trazido, ao invés, só aumento do sofrimento e morte e não, vitórias ou até mesmo a esperança.

Liberdade através da violência?

O que deve ser feito nessas circunstâncias? As possibilidades óbvias parecem inúteis. Barreiras legais e constitucionais, decisões judiciais e a opinião pública são normalmente ignoradas pelos ditadores. Compreensivelmente, reagir às brutalidades, torturas, desaparecimentos e assassinatos, as pessoas, com frequência concluíram que só a violência pode acabar com a ditadura. Vítimas enraivecidas algumas vezes organizaram-se para lutar contra os brutais ditadores com qualquer capacidade militar e violenta de que pudessem dispor, apesar das probabilidades serem contra elas. Essas pessoas, muitas vezes, lutaram bravamente, com um grande custo em termos de vidas e sofrimento. Suas realizações foram por vezes notáveis, mas eles raramente ganharam a liberdade. Rebeliões violentas podem desencadear uma repressão brutal que, frequentemente, deixa a população mais indefesa do que antes.

Independentemente do mérito da opção de violência, no entanto, uma coisa é certa. Ao depositar a confiança nos meios violentos, escolhe-se exatamente o tipo de luta em que os opressores, quase sempre têm a superioridade. Os ditadores estão equipados para aplicar violência esmagadora. Não importa quão longa ou brevemente esses democratas possam continuar, eventualmente, as duras realidades militares tornam-se inevitáveis. Os ditadores têm quase sempre superioridade em equipamento militar, munições, transportes, e tamanho das forças militares. Apesar da bravura, os democratas não são (quase sempre) páreo para eles.
Quando a rebelião militar convencional é reconhecida como irrealista, alguns dissidentes, então, preferem a guerrilha. Mas, a guerrilha raramente, se alguma vez, beneficia a população oprimida ou traz uma democracia. A guerrilha não é uma solução óbvia, sobretudo tendo em conta a tendência muito forte de produzir um número imenso de vítimas entre seu próprio povo. A técnica não é garantia contra a falha, apesar de dar suporte à análise teórica e estratégica, e por vezes apoio internacional. Lutas de guerrilha muitas vezes duram muito tempo. As populações civis são frequentemente deslocadas pelo governo estabelecido, com imenso sofrimento humano e deslocamento social.

Mesmo quando bem sucedida, as lutas de guerrilha têm frequentemente significativas consequências estruturais negativas de longo prazo. Imediatamente, o regime atacado se torna mais ditatorial, como resultado de suas contramedidas. Se os guerrilheiros finalmente têm sucesso, o regime resultante, com frequência é mais ditatorial do que seu antecessor devido ao impacto centralizador das forças militares ampliadas e o enfraquecimento ou a destruição de grupos e instituições independentes da sociedade durante a luta – órgãos que são vitais para o estabelecimento e manutenção de uma sociedade democrática. Pessoas hostis às ditaduras devem procurar outra opção.

Golpes, eleições, salvadores estrangeiros?

Um golpe militar contra uma ditadura pode parecer relativamente uma das maneiras mais simples e rápidas de remover um regime particularmente repugnante. Mas, existem problemas muito sérios com essa técnica. Mais importante ainda, ela deixa no lugar a má distribuição de poder existente entre a população e a elite que controla o governo e suas forças militares. A remoção das pessoas e grupos em particular de cargos governamentais mais provavelmente possibilitará que outro grupo tome seus lugares. Teoricamente, esse grupo poderia ser mais suave em seu comportamento e mais aberto de forma limitada a reformas democráticas. Mas, é mais provável que aconteça o contrário.

Depois de consolidar sua posição, a nova camarilha pode vir a ser mais cruel e mais ambiciosa que a antiga. Por conseguinte, a nova camarilha – em quem foram depositadas as esperanças – será capaz de fazer o que quiser sem se preocupar com a democracia ou direitos humanos. Essa não é uma resposta aceitável para o problema da ditadura.

Não existem eleições sob ditaduras como instrumento de mudança política significativa. Alguns regimes ditatoriais, tais como as do antigo bloco oriental dominado pelos soviéticos, passava por esse trâmite, com o objetivo de parecer democráticos. Aquelas eleições, no entanto, eram apenas plebiscitos rigidamente controlados para obter endosso público dos candidatos já escolhidos a dedo pelos ditadores. Ditadores sob pressão às vezes podem concordar com novas eleições, mas depois eles as instrumentalizam para colocar fantoches civis em cargos governamentais. Se os candidatos da oposição tivessem sido autorizados a concorrer e fossem realmente eleitos, como ocorreu na Birmânia em 1990 e na Nigéria em 1993, os resultados podem ser simplesmente ignorados e os “vencedores” submetidos a intimidação, detenção ou, até mesmo, execução. Ditadores não estão no negócio de autorizar eleições que possam removê-los de seus tronos.

Muitas pessoas que agora estão sofrendo sob uma ditadura brutal, ou que tenham ido para o exílio para escapar de seu alcance imediato, não acreditam que os oprimidos possam se libertar. Eles esperam que o seu povo só possa ser salvo pelas ações de outros. Essas pessoas colocam a sua confiança em forças externas. Elas acreditam que somente a ajuda internacional pode ser forte o suficiente para derrubar os ditadores.
A visão de que os oprimidos são incapazes de agir eficazmente algumas vezes é precisa por um determinado período. Como foi observado, muitas vezes as pessoas oprimidas não estão dispostas e estão temporariamente incapazes de lutar, porque não têm confiança na suas capacidades para enfrentar a ditadura cruel, e nenhuma maneira conhecida para se salvarem. Por isso, é compreensível que muitas pessoas coloquem sua esperança de libertação nos outros. Esta força externa pode ser a “opinião pública”, as Nações Unidas, um determinado país, ou as sanções econômicas e políticas internacionais.

Tal cenário pode soar reconfortante, mas há problemas graves com esta confiança em um salvador externo. Essa confiança pode estar totalmente equivocada. Geralmente, nenhum salvador externo está vindo, e se um estado estrangeiro intervir, ele provavelmente não será confiável.

Algumas realidades duras sobre dependência de intervenção estrangeira devem ser enfatizados aqui:

• Frequentemente, estados estrangeiros tolerarão, ou até mesmo ajudarão positivamente uma ditadura, a fim de defender seus próprios interesses econômicos ou políticos.

• Estados estrangeiros também podem estar dispostos a vender um povo oprimido em vez de manter as promessas de ajudar em sua libertação à custa de outro objetivo.

• Alguns estados estrangeiros agirão contra uma ditadura só para ganhar o controle econômico, político ou militar sobre o país.

• Os estados estrangeiros podem se envolver ativamente para fins positivos somente se e quando o movimento de resistência interna já começou a abalar a ditadura, tendo, assim, a atenção internacional direcionada para a natureza brutal do regime.

Ditaduras normalmente existem principalmente por causa da distribuição interna do poder no país de origem. A população e a sociedade são demasiado fracas para causar à ditadura sérios problemas; a riqueza e o poder estão concentrados em muito poucas mãos. Embora a ditadura possa se beneficiar ou ser um pouco debilitado por ações internacionais, sua existência depende principalmente de fatores internos.

Pressões internacionais podem ser muito úteis; mas quando elas estão apoiando um poderoso movimento de resistência interna. Então, por exemplo, boicotes econômicos internacionais, embargos, rompimento das relações diplomáticas, expulsão de organizações internacionais, condenação por organismos das Nações Unidas, e assemelhados podem ajudar muito. Mas, na ausência de um movimento de resistência interna forte, tais ações por outros são improváveis que ocorram.

Enfrentando a dura verdade

A conclusão é dura. Quando se quer derrubar uma ditadura de forma mais eficaz e com o menor custo, então se tem quatro tarefas imediatas:

• Deve-se fortalecer a própria população oprimida em sua determinação, autoconfiança e habilidades de resistência;

• É preciso fortalecer os grupos sociais e instituições independentes do povo oprimido;

• É preciso criar uma poderosa força interna de resistência; e

• Deve-se desenvolver um grande e sábio plano estratégico para a libertação e implementá-lo com habilidade.

A luta de libertação é um momento de autoconfiança e fortalecimento interno do grupo em luta. Conforme Charles Stewart Parnell gritou durante a campanha irlandesa de greve contra os aluguéis em 1879 e 1880:
Não adianta confiar no governo. . . . Você deve confiar somente em sua própria determinação. . . . Ajudar-se permanecendo unido. . . fortalecer aqueles entre vocês que são fracos. . . , unirem-se, organizarem-se. . . e vocês devem vencer. . .

Quando você tiver tornado esta pergunta madura para o acerto, então e só então ela vai ser acertada.
Contra uma força autossuficiente, dada a estratégia sensata, ação disciplinada e corajosa, e força genuína, a ditadura acabará por ruir. Minimamente, no entanto, os quatro requisitos acima precisam ser atendidos.
Como a discussão acima indica, a libertação das ditaduras, em última análise, depende da capacidade das pessoas de libertar a si mesmas. Os casos de desafio político bem sucedido – ou luta não violenta para fins políticos – citados acima indicam que os meios existem para que as populações se libertem, mas essa opção permanece subdesenvolvida. Examinaremos esta opção em detalhes nos capítulos seguintes. Mas, devemos primeiro examinar a questão das negociações como meio de desmantelar ditaduras.

Dois
Os Perigos de Negociações

Quando confrontados com os graves problemas de enfrentar uma ditadura (como estudado no Capítulo I), algumas pessoas podem cair de volta em submissão passiva. Outros, não vendo qualquer perspectiva de alcançar a democracia, podem concluir que devem chegar a um acordo com a ditadura aparentemente permanente, esperando que através de “conciliação” de “compromisso” e “negociações” eles possam ser capazes de recuperar alguns elementos positivos e acabar com as brutalidades. Na superfície, na falta de opções realistas, há um apelo àquela linha de raciocínio.

A luta séria contra as ditaduras brutais não é uma perspectiva agradável. Por que é necessário ir por esse caminho? Não é possível todo mundo simplesmente ser razoável e encontrar maneiras de falar, de negociar o caminho até um fim gradual da ditadura? Não podem os democratas apelar ao senso de humanidade comum dos ditadores e convencê-los a reduzir a sua dominação progressivamente, e talvez, finalmente a ceder completamente ao estabelecimento de uma democracia?

Alega-se, por vezes, que a verdade não está toda de um lado. Talvez os democratas não tenham compreendido os ditadores, que podem ter agido por motivos bons em circunstâncias difíceis? Ou talvez alguns possam pensar que os ditadores de bom grado retirar-se-iam da difícil situação que o país enfrenta se, simplesmente, alguém desse algum incentivo e seduções. Pode-se argumentar que se poderia oferecer aos ditadores uma solução em que todos ganhassem, onde cada um ganha alguma coisa. Os riscos e as dores de mais lutas poderiam ser desnecessários, pode-se argumentar, se a oposição democrática só estivesse disposta a resolver pacificamente o conflito através de negociações (que poderiam até, talvez, serem assistidas por alguns indivíduos qualificados ou mesmo por outro governo). Não seria isso preferível a uma luta difícil, mesmo se fosse conduzida uma luta não violenta e não pela guerra militar?

Méritos e limitações das negociações

Negociações são uma ferramenta muito útil na resolução de certos tipos de problemas em conflitos, e não devem ser negligenciadas ou rejeitadas quando são adequadas.

Em algumas situações em que não há questões fundamentais em jogo e, portanto, um compromisso é aceitável, as negociações podem ser um importante meio para resolver um conflito. Uma greve por melhores salários é um bom exemplo do papel apropriado das negociações em um conflito: uma solução negociada pode proporcionar um aumento em algum lugar entre os montantes inicialmente propostos por cada um dos lados em conflito. Conflitos trabalhistas com os sindicatos legais são, no entanto, completamente diferente do que os conflitos nos quais a manutenção de uma ditadura cruel ou a instauração da liberdade política estão em jogo.

Quando as questões em jogo são fundamentais, afetando princípios religiosos, questões da liberdade humana, ou todo o desenvolvimento futuro da sociedade, as negociações não fornecem uma maneira de alcançar uma solução mutuamente satisfatória. Em algumas questões básicas não deve haver qualquer compromisso. Só uma mudança nas relações de poder em favor dos democratas pode proteger adequadamente as questões básicas em jogo. Tal mudança ocorrerá por meio da luta, não das negociações. Isso não quer dizer que as negociações nunca devam ser usadas. O ponto aqui é que as negociações não são uma forma realista para remover uma ditadura forte na ausência de uma forte oposição democrática.

As negociações, é claro, podem simplesmente não ser uma opção. Ditadores firmemente entrincheirados que se sentem seguros em sua posição podem se recusar a negociar com seus adversários democráticos. Ou, quando as negociações tiverem sido iniciadas, os negociadores democráticos podem desaparecer e nunca mais se ouviu falar deles.

Rendição negociada?

Indivíduos e grupos que se opõem à ditadura e são a favor das negociações, muitas vezes, têm bons motivos. Especialmente quando uma luta militar continuou durante anos contra uma ditadura brutal sem vitória final, é compreensível que todas as pessoas, independentemente da sua orientação política queiram a paz. As negociações são particularmente susceptíveis de se tornarem um problema entre os democratas, onde os ditadores têm clara superioridade militar e a destruição e morte entre seu próprio povo não são mais suportáveis. Em seguida, haverá uma forte tentação de explorar qualquer outra via que pode salvar alguns dos objetivos dos democratas, enquanto põe fim ao ciclo de violência e contra violência.

A oferta de “paz” por uma ditadura por meio de negociações com a oposição democrática é, claro, um pouco hipócrita. A violência poderia ser encerrada imediatamente pelos próprios ditadores, se pelo menos eles parassem a guerra contra seu próprio povo. Eles poderiam, por sua própria iniciativa, sem qualquer negociação restaurar o respeito pela dignidade humana e direitos, libertar os presos políticos, acabar com a tortura, suspender as operações militares, retirar-se do governo e pedir desculpas ao povo.

Quando a ditadura é forte, mas existe uma resistência irritante, os ditadores podem querer negociar a rendição da oposição, sob o pretexto de fazer a “paz”. O convite para negociar pode parecer atraente, mas podem existir graves perigos à espreita na sala de negociações.

Por outro lado, quando a oposição é excepcionalmente forte e a ditadura está verdadeiramente ameaçada, os ditadores podem procurar as negociações a fim de salvar o máximo de seu controle ou o máximo de riqueza possível. Em nenhum caso os democratas devem ajudar ditadores atingir seus objetivos.

Os democratas deveriam ter cuidado com as armadilhas que podem ser deliberadamente construídas em um processo de negociação pelos ditadores. A chamada para as negociações quando questões básicas de liberdades políticas estão envolvidas pode ser um esforço por parte dos ditadores para induzir os democratas a se render pacificamente, enquanto a violência da ditadura continua. Nesses tipos de conflitos, a única função adequada das negociações pode ocorrer no final de uma batalha decisiva em que o poder dos ditadores tenha sido efetivamente destruído, e eles buscam passagem segura pessoal até um aeroporto internacional.

Poder e Justiça em Negociações

Se este julgamento parece ser um comentário demasiado duro em negociações, talvez um pouco do romantismo associado a eles deva ser moderado. Pensamento claro é exigido quanto à forma como funcionam as negociações.

“Negociação” não significa que os dois lados se sentam juntos em base de igualdade e discutem e resolvem as diferenças que produziram o conflito entre eles. Dois fatos devem ser lembrados. Primeiro, nas negociações não é a justiça relativa dos pontos de vista conflitantes e os objetivos que determinam o conteúdo de um acordo negociado. Em segundo lugar, o conteúdo de um acordo negociado é largamente determinado pela capacidade de poder de cada lado.

Várias questões difíceis devem ser consideradas. O que pode fazer cada lado em data posterior para atingir seus objetivos se o outro lado não consegue chegar a um acordo na mesa de negociação? O que pode fazer cada lado depois de um acordo ser alcançado, se o outro lado quebrar sua palavra e usar suas forças disponíveis para atingir seus objetivos, apesar do acordo?

Um acordo não é alcançado nas negociações através de uma avaliação dos erros e acertos das questões em jogo. Embora esses possam ser muito discutido, os resultados reais nas negociações vêm de uma avaliação das situações de poder absoluto e relativo dos grupos em conflito. O que podem os democratas fazer para garantir que suas reivindicações mínimas não possam ser negadas? O que podem os ditadores fazer para ficar no controle e neutralizar os democratas? Em outras palavras, se um acordo surgir, é mais provável que o resultado de cada lado estimando como se compara a capacidade de poder dos dois lados, e depois calculando quanto uma luta aberta poderia acabar.

Atenção deve ser prestada ao que cada um dos lados está disposto a ceder, a fim de chegar a um acordo. Nas negociações bem sucedidas há compromisso, uma divisão das diferenças. Cada lado recebe parte do que quer, e cede parte dos seus objetivos.

No caso de ditaduras de extremas o que as forças pró-democracia devem ceder aos ditadores? Quais os objetivos dos ditadores são as forças pró-democracia a aceitar? Os democratas devem ceder aos ditadores (seja um partido político ou uma conspiração militar) um papel permanente constitucionalmente estabelecido no futuro governo? Onde está a democracia nisso?

Mesmo supondo que tudo vai bem nas negociações, é necessário perguntar: Que tipo de paz será o resultado? A vida será melhor ou pior do que seria se os democratas começassem ou continuassem a luta?

Ditadores “Agradáveis”

Os ditadores podem ter muitos motivos e objetivos subjacentes à sua dominação: poder, posição, riqueza, remodelar a sociedade, e assim por diante. Devemos nos lembrar de que nenhum destes será atingido se eles abandonarem as suas posições de controle. No caso de as negociações, os ditadores tentarão preservar seus objetivos.

Sejam quais forem as promessas oferecidas por ditadores em qualquer solução negociada, não se deve esquecer que os ditadores podem prometer qualquer coisa para garantir a submissão de seus adversários democráticos e, em seguida descaradamente violar esses mesmos acordos.

Se os democratas concordam em suspender a resistência para obter uma suspensão da repressão, eles podem ficar muito decepcionados. Um interrupção da resistência raramente leva à redução da repressão. Uma vez que a força de restrição da oposição interna e internacional tenha sido removida, os ditadores podem até mesmo tornar sua opressão e violência mais brutal do que antes. O colapso da resistência popular, muitas vezes elimina a força de contrapeso que limitava o controle e brutalidade da ditadura. Os tiranos podem, então, avançar contra quem quer que seja. “Porque o tirano tem o poder de infligir apenas a quem falta a força para resistir”, escreveu Krishnalal Shridharani.

A resistência, não as negociações, é essencial para a mudança nos conflitos em que questões fundamentais estão em jogo. Em quase todos os casos, a resistência deve continuar a conduzir os ditadores para fora do poder. O Sucesso é mais frequentemente

determinado não pela negociação de um acordo, mas através da utilização racional dos meios mais apropriados e potentes de resistência disponíveis. É nosso argumento, a ser explorado mais tarde com mais detalhes, que o desafio político, ou a luta não violenta, é o meio mais poderoso disponível para aqueles que lutam pela liberdade.

Que tipo de paz?

Se finalmente ditadores e democratas devem falar sobre a paz, raciocínio extremamente claro é necessário devido aos perigos envolvidos. Nem todo mundo que usa a palavra “paz” quer a paz com liberdade e justiça. A submissão à opressão cruel e aquiescência passiva a ditadores cruéis que cometeram atrocidades em centenas de milhares de pessoas não é a verdadeira paz. Hitler muitas vezes pediu paz, com o que ele queria dizer submissão à sua vontade. A paz dos ditadores é muitas vezes nada mais que a paz da prisão ou do sepulcro.

Há outros perigos. Os negociadores bem intencionados, às vezes confundem os objetivos das negociações e o processo de negociação em si. Além disso, negociadores democráticos ou especialistas em negociação estrangeiros aceitos para ajudar nas negociações podem em um único golpe fornecer aos ditadores a legitimidade interna e internacional que havia sido negado anteriormente devido à sua tomada do estado, violações dos direitos humanos e brutalidades . Sem aquela legitimidade desesperadamente necessária, os ditadores não pode continuar a governar indefinidamente. Expoentes da paz não devem lhes dar legitimidade.

Razões para se ter esperança

Conforme afirmado anteriormente, os líderes da oposição podem se sentir forçados a prosseguir as negociações com um sentimento de desesperança da luta democrática. No entanto, essa sensação de impotência pode ser alterada. Ditaduras não são permanentes. As pessoas que vivem sob ditaduras não precisam permanecer fracas, e os ditadores não precisam ser autorizados a permanecer fortes por tempo indeterminado. Aristóteles observou há muito tempo ” . . . A oligarquia e a tirania têm vida mais curta do que qualquer outra constituição. . . . Todas juntas, as tiranias não duraram muito tempo. ” 6 As ditaduras modernas também são vulneráveis. Seus pontos fracos podem ser agravados e o poder dos ditadores pode ser desintegrado. (No Capítulo Quatro, examinaremos esses pontos fracos em detalhes.)

A história recente mostra a vulnerabilidade das ditaduras e revela que elas podem se desintegrar em um curto espaço de tempo: enquanto que dez anos – 1980-1990 – foram necessários para derrubar a ditadura comunista na Polônia; na Alemanha Oriental e na Tchecoslováquia em 1989 ela ocorreu dentro de semanas. Em El Salvador e na Guatemala em 1944, as lutas contra os ditadores militares brutais entrincheirados exigiram cerca de duas semanas cada. O poderoso regime militar do Xá do Irã foi solapado em alguns meses. A ditadura de Marcos nas Filipinas caiu diante do poder do povo dentro de algumas semanas em 1986: o governo dos Estados Unidos abandonou rapidamente o presidente Marcos quando a força da oposição tornou-se aparente. O golpe da linha dura tentado na União Soviética em Agosto de 1991 foi bloqueado em dias pelo desafio político. Depois disso, muitos de suas nações constituintes dominadas por longo tempo, em poucos dias, semanas, meses recuperaram suas independências.

O antigo preconceito de que meios violentos sempre funcionam rapidamente e meios não violentos exigem mais tempo claramente não é válido. Embora muito tempo possa ser necessário para a evolução da situação e da sociedade subjacentes, a luta efetiva contra uma ditadura, por vezes, ocorre de forma relativamente rápida através de luta não violenta.

As negociações não são a única alternativa a uma guerra contínua de aniquilação de um lado e capitulação do outro. Os exemplos que acabei de citar, bem como aqueles enumerados no Capítulo I, mostram que existe outra opção para aqueles que querem a paz e a liberdade: o desafio político.

Três
De onde vem o poder?

Alcançar uma sociedade com liberdade e paz não é, obviamente, tarefa simples. Exigirá grande habilidade estratégica, organização e planejamento. Acima de tudo, exigirá poder. Os democratas não podem esperar derrubar uma ditadura e estabelecer liberdade política sem a capacidade de aplicar o seu próprio poder de forma eficaz.

Mas como isso é possível? Que tipo de poder pode a oposição democrática mobilizar que será suficiente para destruir a ditadura militar e sua vasta redes militar e de polícia? As respostas estão em uma compreensão frequentemente ignorada do poder político. A aprendizagem dessa percepção não é realmente uma tarefa tão difícil. Algumas verdades básicas são bastante simples.

A fábula “O Mestre dos Macacos”

Uma parábola chinesa do Século XIV de autoria de Liu Ji, por exemplo, descreve muito bem esse entendimento negligenciado do poder político:

No estado feudal de Chu, um velho sobrevivia mantendo macacos ao seu serviço. O povo de Chu o chamava de “ju gong” (mestre dos macacos).

Todas as manhãs, o velho reunia os macacos em seu pátio, e dava ordem ao mais velho de liderar os outros até as montanhas para colher frutos de arbustos e árvores. A regra era que cada macaco tinha que dar um décimo de sua colheita ao velho. Aqueles que não conseguissem fazê-lo seriam chicoteados impiedosamente. Todos os macacos sofriam amargamente, mas não se atreviam a reclamar.

Um dia, um pequeno macaco perguntou aos outros macacos: “Foi o velho quem plantou todas as árvores de fruto e arbustos ?” Os outros disseram: “Não, eles cresceram naturalmente.” O pequeno macaco ainda perguntou: “Não podemos colher os frutos sem a permissão do velho ?” Os outros responderam: “Sim, todos nós podemos,” O pequeno macaco continuou: “Então, por que devemos depender do velho; por que todos nós devemos servi-lo?”

Antes que o pequeno macaco pudesse terminar sua declaração, todos os macacos de repente se tornaram iluminados e despertos.

Naquela mesma noite, vendo que o velho tinha adormecido, os macacos derrubaram todas as barricadas da paliçada em que estavam confinados e destruíram totalmente a paliçada. Eles também levaram os frutos que o velho tinha em estoque, trouxeram todos eles consigo para a floresta, e nunca mais retornaram. O velho finalmente morreu de inanição.

Yu-li-zi diz, “Alguns homens no mundo governam seus povos por meio de truques e não através de princípios justos. Eles não são exatamente como o mestre dos macacos? Eles não estão conscientes das suas confusões mentais. Assim que seus povos se tornam iluminados, seus truques não funcionam mais.”

Fontes necessárias de poder político

O princípio é simples. Ditadores exigem o apoio do povo que governam, sem a qual eles não pode garantir e manter as fontes de poder político. Estas fontes de poder político incluem:

•     Autoridade, a crença entre as pessoas de que o regime é legítimo, e que têm o dever moral de obedece-lo;

•     Recursos humanos, o número e a importância das pessoas e grupos que estão obedecendo, cooperando, ou a prestando apoio aos governantes;

•     Habilidades e conhecimentos necessários para o regime execute ações específicas e fornecidos pelas pessoas e grupos que colaboraram;

•     Fatores intangíveis, fatores psicológicos e ideológicos que podem induzir as pessoas a obedecer e ajudar os governantes;

•     Recursos materiais, o grau em que os governantes controlam ou têm acesso a bens, recursos naturais, recursos financeiros, o sistema econômico, e meios de comunicação e transporte, e
•     Sanções, punições, ameaçadas ou aplicadas contra o desobediente e não-cooperativo para assegurar a submissão e cooperação que são necessárias para que o regime exista e realize suas políticas. Todas estas fontes, no entanto, dependem da aceitação do regime, da submissão e obediência da população, e da colaboração de inúmeras pessoas e as diferentes instituições da sociedade. Estes não são garantidos.
Total cooperação, obediência e apoio aumentarão a disponibilidade das fontes de poder necessárias e, consequentemente, ampliarão a capacidade de poder de qualquer governo.

Por outro lado, a retirada de colaboração popular e institucional com os agressores e os ditadores diminui, e pode até cortar a disponibilidade das fontes de poder de que todos os governantes dependem. Sem disponibilidade dessas fontes, o poder dos governantes enfraquece e, finalmente, se dissolve.
Naturalmente, os ditadores são sensíveis a ações e ideias que ameaçam sua capacidade de fazer o que gostam. Os ditadores são, portanto, susceptíveis de ameaçar e punir aqueles que desobedecem, fazem greve, ou deixam de cooperar. Mas, esse não é o fim da história. Repressão, até mesmo brutalidades, nem sempre produzem uma retomada do grau necessário de submissão e de cooperação para que o regime funcione.
Se, apesar da repressão, as fontes de poder podem ser restringidas ou cortadas por tempo suficiente, os resultados iniciais podem ser incerteza e confusão dentro da ditadura. É provável que isso seja seguido por um claro enfraquecimento do poder da ditadura. Com o tempo, a retenção das fontes de poder pode produzir a paralisia e impotência do regime, e em casos graves, sua desintegração. O poder de ditadores morrerá, lenta ou rapidamente, de inanição política.

O grau de liberdade ou a tirania em qualquer governo é, consequentemente, em grande parte um reflexo da determinação relativa dos súditos de serem livres e sua disposição e capacidade de resistir aos esforços para escravizá-los.

Contrariamente à opinião popular, mesmo as ditaduras totalitárias dependem da população e das sociedades que governam. Como o cientista político Karl W. Deutsch observou em 1953:

O poder totalitário só é forte se ele não tem que ser usado com muita frequência. Se o poder totalitário precisa ser utilizado em todos os momentos contra toda a população, é improvável que continue poderoso por muito tempo. Uma vez que os regimes totalitários exigem mais poder para lidar com seus súditos do que outros tipos de governo, tais regimes exigem mais hábitos generalizados e confiáveis de cumprimento de normas entre seus povos, mais que isso, eles precisam ser capazes de contar com o apoio ativo de pelo menos partes significativas da população em caso de necessidade.

O teórico inglês do século XIX, John Austin descreveu a situação de uma ditadura confrontando um povo descontente. Austin argumentava que, se a maioria da população estava determinada a destruir o governo e estava disposta a suportar a repressão para fazê-lo, então o poder do governo, incluindo aqueles que a apoiavam, não poderia preservar o governo odiado, mesmo que ele recebesse ajuda externa. O povo desafiador não poderia ser forçados a voltar à obediência e submissão permanente, concluía Austin.
Nicolau Maquiavel muito mais cedo argumentou que o príncipe “. . . que tem o público como um todo como seu inimigo nunca poderá estar seguro, e quanto maior a sua crueldade, o mais fraco seu regime se torna” .
A aplicação prática política dessas ideias foi demonstrada pela heroicos resistentes noruegueses contra a ocupação nazista e, conforme citado no Capítulo I, pelos bravos poloneses, alemães, tchecos, eslovacos, e muitos outros que resistiram à agressão comunista e à ditadura e, finalmente, ajudaram a produzir o colapso do regime comunista na Europa. Este, naturalmente, não é fenômeno novo: casos de resistência não violenta, ocorriam já em 494 A.C., quando plebeus retiraram sua cooperação de seus senhores patrícios romanos. Luta não violenta tem sido empregada em vários momentos pelos povos de toda a Ásia, África, Américas, Australasia, ilhas do Pacífico, assim como a da Europa.

Três dos fatores mais importantes para determinar em que grau o poder de um governo será ou não controlados, são: (1) o desejo relativo da população de impor limites ao poder do governo, (2) a força relativa das organizações independentes e instituições dos súditos de retirar coletivamente as fontes de poder, e (3) a capacidade relativa da população de reter seu consentimento e apoio.

Centros de poder democrático

Uma característica de uma sociedade democrática é que existem, independente do estado, um grande número de grupos e

instituições não governamentais. Estas incluem, por exemplo, famílias, organizações religiosas, associações culturais, clubes desportivos, instituições econômicas, sindicatos, associações estudantis, partidos políticos, vilas, associações de bairro, de jardinagem, clubes, organizações de direitos humanos, grupos musicais, sociedades literárias, entre outros. Esses órgãos são importantes para servir os seus próprios objetivos e também para ajudar a atender às necessidades sociais.

Além disso, esses órgãos têm um grande significado político. Eles fornecem as bases institucionais e de grupo através das quais as pessoas podem exercer influência sobre os rumos da sua sociedade, e resistir a outros grupos ou ao governo quando eles são vistos como interferindo injustamente sobre os seus interesses, atividades ou finalidades. Indivíduos isolados, não integrantes desses grupos, geralmente são incapazes de produzir um impacto significativo sobre o resto da sociedade, muito menos sobre um governo e, certamente, não sobre uma ditadura.

Consequentemente, se a autonomia e a liberdade de tais organismos podem ser tiradas pelos ditadores, a população estará relativamente impotente. Além disso, se essas instituições podem ser elas mesmas ditatorialmente controladas pelo regime central ou substituídas por novos entes controlados, elas podem ser usadas para dominar tanto os membros individuais quando também aquelas áreas da sociedade.

No entanto, se a autonomia e a liberdade das instituições civil independentes (fora do controle do governo) podem ser mantidas ou restabelecidas, elas são muito importantes para a aplicação do desafio político. A característica comum dos exemplos citados em que as ditaduras foram desintegradas ou enfraquecidas tem sido a corajosa aplicação em massa de desafio político pela população e suas instituições.

Conforme foi dito, estes centros de poder proporcionam as bases institucionais a partir das quais a população pode exercer pressão ou pode resistir aos controles ditatoriais. No futuro, elas farão parte da base estrutural indispensável para uma sociedade livre. Sua independência e crescimento contínuos, portanto, são muitas vezes um pré-requisito para o sucesso da luta de libertação.

Se a ditadura foi amplamente bem-sucedida em destruir ou controlar organismos independentes da sociedade, será importante para os resistentes criar novos grupos sociais e instituições independentes, ou reafirmar o controle democrático sobre os organismo sobreviventes ou parcialmente controlados. Durante a Revolução Húngara de 1956-1957, uma infinidade de conselhos de democracia direta surgiram, mesmo se unindo para estabelecer, por algumas semanas, todo um sistema federado de instituições e de governo. Na Polônia, durante o final dos anos 80, os trabalhadores sindicatos Solidariedade ilegais e, em alguns casos, assumiram o controle dos sindicatos oficiais dominado pelos comunistas. Tais evoluções institucionais podem ter consequências políticas importantes.

Naturalmente, nada disto significa que fragilizar e destruir as ditaduras é fácil, nem que toda tentativa será bem sucedida. E certamente não significa que a luta estará livre de baixas, porque aqueles que ainda servem os ditadores provavelmente reagirão em um esforço para forçar a população a retomar a cooperação e a obediência.

A percepção do poder acima não significa, contudo, que a desintegração deliberada das ditaduras é possível. Ditaduras em particular, têm características específicas que as tornam altamente vulneráveis ao desafio político habilmente implementado. Vamos examinar essas características com mais detalhes.

Quatro
Ditaduras têm fraquezas

As ditaduras frequentemente parecem ser invulneráveis. As agências de inteligência, policia, forças militares, prisões, campos de concentração e esquadrões da morte são controlados por um punhado de poderosos. As finanças de um país, os recursos naturais e as capacidades de produção são muitas vezes arbitrariamente saqueadas por ditadores e utilizadas para apoiar a vontade dos ditadores.

Em comparação, as forças da oposição democrática parecem frequentemente extremamente fracas, ineficazes e impotentes. Essa percepção de invulnerabilidade contra a impotência torna improvável a oposição eficiente.

Mas, essa não é toda a história.

Identificando o calcanhar de Aquiles

Um mito da Grécia Clássica ilustra bem a vulnerabilidade daqueles supostamente invulneráveis. Contra o guerreiro Aquiles, nenhum golpe feriria e nenhuma espada penetraria sua pele. Quando ainda bebê, a mãe de Aquiles o teria supostamente mergulhado nas águas do rio mágico Estige, resultando na proteção de seu corpo contra todos os perigos. Houve, no entanto, um problema. Uma vez que o bebê foi segurado por seu calcanhar para que ele não fosse lavado pelas águas, a água mágica não cobriu essa parte pequena de seu corpo. Quando Aquiles era um homem adulto, ele parecia a todos ser invulnerável às armas dos inimigos. Mas, na batalha contra Tróia, instruído por alguém que conhecia a fraqueza, um soldado inimigo apontou sua flecha para o calcanhar desprotegido de Aquiles, o único lugar onde ele poderia ser ferido. O golpe se provou fatal. Ainda hoje, a expressão “calcanhar de Aquiles” refere-se a parte vulnerável de uma pessoa, de um plano, ou de uma instituição que se for atacado não oferece qualquer proteção.

O mesmo princípio se aplica ditaduras cruéis. Elas, também, podem ser conquistadas, mas mais rapidamente e com menor custo, se os seus pontos fracos puderem ser identificados e o ataque concentrado neles.

Fraquezas das ditaduras

Entre os pontos fracos das ditaduras estão os seguintes:

  1. Os requisitos e os efeitos das políticas do passado do regime de alguma forma limitam sua capacidade atual de adotar e implementar políticas conflitantes.
  2. O sistema pode se tornar rotineiro em sua operação, menos capaz de se adaptar rapidamente às novas situações.
  3. O pessoal e os recursos já alocados para as tarefas existentes não estarão facilmente disponíveis para novas necessidades.
  4. Os subordinados com medo de desagradar seus superiores podem não relatar informações precisas ou completas necessárias pelos ditadores para tomar decisões.
  5. A ideologia pode corroer, e mitos e símbolos do sistema podem se tornar instáveis.
  6. Se uma forte ideologia estiver presente, que influencie a visão da realidade das pessoas, a firme adesão a ela pode causar desatenção às condições e necessidades reais.
  7. A deterioração da eficiência e competência da burocracia, ou controles e regulamentos excessivo podem tornar ineficazes as políticas e operação do sistema.
  8. Os conflitos institucionais e rivalidades pessoais internos e hostilidades podem prejudicar e até mesmo interromper o funcionamento da ditadura.
  9. Intelectuais e estudantes podem se tornar inquietos em resposta às condições, restrições, doutrinalismo e repressão.
  10. O público em geral pode, ao longo do tempo, tornam-se apático, cético e até mesmo hostil ao regime.
  11. Diferenças regionais, de classe, culturais, ou nacionais podem se tornar agudas.
  12. A hierarquia de poder da ditadura é sempre instável, até certo ponto, e às vezes extremamente instável. Os indivíduos não só se mantêm na mesma posição no ranking, mas pode subir ou descer até outros graus, ou ser totalmente removido e substituído por novas pessoas.
  13. Seções da polícia ou das forças armadas podem agir para alcançar seus próprios objetivos, mesmo contra a vontade estabelecida dos ditadores, inclusive através de golpe de Estado.
  14. Se a ditadura é nova, é necessário tempo para que ela se torne bem estabelecida.
  15. Com tantas decisões tomadas por tão poucas pessoas nas ditaduras, erros de julgamento, política e ação provavelmente ocorrerão.
  16. Se o regime visa evitar esses perigos e descentraliza controles e tomada de decisão, seu controle sobre as alavancas centrais do poder pode ser ainda mais corroído.
  17. A cooperação entre uma multidão de pessoas, grupos e instituições necessárias para operar o sistema pode ser limitada ou revogada.

Atacando as fraquezas das ditaduras

Com o conhecimento de tais fraquezas inerentes, a oposição democrática pode procurar agravar estes “calcanhares de Aquiles” deliberadamente, a fim de alterar drasticamente o sistema ou desintegrá-lo.
A conclusão então é clara: apesar da aparência de força, todas as ditaduras têm fraquezas, ineficiências internas, rivalidades pessoais, deficiências institucionais, e conflitos entre organizações e departamentos. Essas fraquezas, ao longo do tempo, tendem a tornar o regime menos eficaz e mais vulneráveis às mudanças de condições e resistência deliberada. Nem tudo o que o regime se propõe a realizar será completado. Às vezes, por exemplo, mesmo as ordens diretas de Hitler nunca foram aplicadas porque aqueles abaixo dele na hierarquia se recusaram a cumpri-las. O regime ditatorial pode, às vezes, até mesmo desmoronar rapidamente, como já observamos.

Isso não significa que as ditaduras possam ser destruídas sem riscos e vitimas. Cada curso de ação possível para a libertação envolverá riscos e sofrimentos em potencial, e levará tempo para funcionar. E, naturalmente, nenhum meio de ação pode garantir o sucesso rápido em qualquer situação. Mas, os tipos de luta que visam os pontos fracos identificados da ditadura têm maior chance de sucesso do que aqueles que visam combater a ditadura onde ela é claramente mais forte. A questão é como essa luta deve ser travada.

Cinco
Exercitando o poder

No Capítulo Um observamos que a resistência militar contra as ditaduras não os ataca onde eles são mais fracos, mas sim onde eles são mais fortes. Ao optar por concorrer nas áreas de forças militares, fornecimento de munições, tecnologia de armas, e assemelhadas, os movimentos de resistência tendem a se colocar em clara desvantagem. As ditaduras quase sempre serão capazes de reunir recursos superiores nestas áreas. Os perigos de contar com potências estrangeiras para a salvação também foram descritos. No Capítulo Dois examinamos os problemas de se depender de negociações como meio para remover as ditaduras.
Quais são então os meios disponíveis que oferecerão à resistência democrática vantagens distintas e tenderão a agravar as deficiências identificadas das ditaduras? Que técnica de ação capitalizará sobre a teoria do poder político discutida no Capítulo Três? A alternativa de escolha é o desafio político.

O desafio político tem as seguintes características:

• Ele não aceita que o resultado será decidido por meio de combates escolhidos pela ditadura.
• É difícil para o regime combate-lo.
• Ele pode agravar a única fraqueza da ditadura e pode cortar suas fontes de poder.
• Ele pode, ao atuar, ser amplamente disperso, mas também pode ser concentrado em um objetivo específico.
• Ele leva a erros de julgamento e ação pelos ditadores.
• Ele pode utilizar eficazmente a população como um todo e grupos e instituições da sociedade na luta pelo fim da brutal dominação de uns poucos.
• Ele ajuda a espalhar a distribuição de poder efetivo na sociedade, tornando mais possível o estabelecimento e a manutenção de uma sociedade mais democrática.

O funcionamento da luta não violenta

Da mesma forma que as capacidades militares, o desafio político pode ser utilizado para uma variedade de propósitos, que vão desde esforços para influenciar o adversário a tomar medidas diferentes, criar condições para uma resolução pacífica do conflito, ou desintegrar o regime do oponente. No entanto, o desafio político opera de forma muito diferente da violência. Embora ambas as técnicas sejam meios de se travar a luta, elas o fazem com meios e consequências muito diferentes. As formas e os resultados dos conflitos violentos são bem conhecidos. Armas físicas são usadas para intimidar, ferir, matar e destruir.

A luta não violenta é um meio muito mais complexo e variado que a violência. Em vez disso, a luta é travada por armas psicológicas, sociais, econômicas e políticas aplicadas pela população e as instituições da sociedade. Estas têm sido conhecidos sob vários nomes de protestos, greves, não cooperação, boicotes, ruptura e o poder do povo. Conforme mencionado anteriormente, todos os governos só podem governar enquanto recebem reposição das fontes necessárias de seu poder a partir da cooperação, submissão e obediência da população e instituições da sociedade. O desafio político, ao contrário da violência, é perfeitamente capaz de cortar aquelas fontes de poder.

Armas e disciplina não violentas

O erro comum de campanhas de desafio político no passado é a dependência de apenas um ou dois métodos, tais como greves e demonstrações em massa. De fato, existe uma multiplicidade de métodos que permitem aos estrategistas da resistência concentrar e dispersar a resistência, conforme necessário.
Cerca de duas centenas de métodos específicos de ação não violenta foram identificadas, e há certamente dúzias de outros. Esses métodos são classificados em três grandes categorias: protesto e persuasão, não cooperação e intervenção. Métodos de protesto não violento e persuasão são demonstrações largamente simbólicas, incluindo paradas, marchas e vigílias (54 métodos). A não cooperação é dividida em três subcategorias: (a) não cooperação social (16 métodos), (b) não cooperação econômica, incluindo boicotes (26 métodos) e greves (23 métodos), e (c) não cooperação política (38 métodos). A intervenção não violenta, por meio psicológicos, físicos, sociais, econômicos ou políticos, tais como jejum, ocupação não violenta, e governo paralelo (41 métodos), é o grupo final. Uma lista de 198 desses métodos está incluída como apêndice à presente publicação.

O uso de um número considerável desses métodos – cuidadosamente escolhidos, aplicados persistente e em grande escala, exercitados no contexto de uma estratégia sensata e táticas adequadas por civis treinados – pode, provavelmente, causar problemas graves a qualquer regime ilegítimo. Isso se aplica a todas as ditaduras.

Em contraste com meios militares, os métodos de luta não violenta pode ser focado diretamente sobre as questões em jogo. Por exemplo, uma vez que a questão da ditadura é essencialmente política, então as formas políticas da luta não violenta seriam cruciais. Estas incluiriam a negação de legitimidade aos ditadores e a não cooperação com os seus regimes. A não cooperação também seria aplicada contra políticas específicas. Às vezes, protelação e procrastinação podem ser praticadas tranquilamente e até mesmo secretamente, enquanto que em outros momentos a desobediência aberta e desafiadora em manifestações públicas e greves podem ser visíveis a todos.

Por outro lado, se a ditadura é vulnerável às pressões econômicas, ou se muitas das queixas populares contra ela são de natureza econômica, então ações econômicas, tais como boicotes ou greves podem ser métodos adequados de resistência. Os esforços dos ditadores para explorar o sistema econômico podem ser enfrentados com greves gerais limitadas, operações tartaruga, e recusa de assistência por (ou desaparecimento de) especialistas indispensáveis. O uso seletivo de diferentes tipos de greve podem ser realizados em pontos chave na produção, nos transportes, no fornecimento de matérias-primas e na distribuição de produtos.

Alguns métodos de luta não violenta exigem que as pessoas pratiquem atos não relacionados com suas vidas normais, tais como a distribuição de folhetos, operação de imprensa clandestina, greves de fome, ou sentar-se nas ruas. Esses métodos pode ser difíceis de serem realizados por algumas pessoas, exceto em situações muito extremas.

Outros métodos de luta não violenta, ao invés exigem que as pessoas continuem a levar aproximadamente suas vidas normais, embora de maneiras um pouco diferentes. Por exemplo, as pessoas podem comparecer ao trabalho, ao invés de fazer greve, mas, então, deliberadamente trabalhar mais devagar ou de forma menos eficiente que o habitual. “Erros” podem ser cometidos conscientemente, com maior frequência. A pessoa pode ficar “doente” e “incapaz” para trabalhar em determinados momentos. Ou, pode simplesmente se recusar a trabalhar. Pode-se ir a cultos religiosos em que o ato expressa, não só as convicções religiosas, mas também as convicções políticas. Pode-se agir para proteger as crianças contra propaganda dos atacantes através de educação em casa ou em aulas ilegais. Pode-se recusar a participar de certas organizações “recomendadas” ou obrigatórias às quais não se teria aderido livremente em épocas anteriores. A semelhança de tais tipos de ação com as atividades habituais das pessoas e o grau limitado de afastamento de suas vidas normais pode tornar a participação na luta de libertação nacional muito mais fácil para muitas pessoas.

Uma vez que a luta não violenta e a violência funcionam de maneiras fundamentalmente diferentes, mesmo a resistência violenta limitada durante uma campanha de desafio político será contraproducente, pois transformará a luta em uma em que os ditadores têm uma vantagem esmagadora (guerra militar). A disciplina não violenta é a chave para o sucesso, e deve ser mantida, apesar de provocações e brutalidades pelos ditadores e seus agentes.

A manutenção da disciplina não violenta contra os adversários violentos facilita o funcionamento dos quatro mecanismos de mudança em luta não violenta (discutidos abaixo). A disciplina não violenta é também extremamente importante no processo de jiu-jitsu político. Neste processo, a brutalidade crua do regime contra os ativistas claramente não violentos se reflete politicamente contra a posição dos ditadores, causando discórdia em suas próprias fileiras, bem como fomentando suporte aos resistentes entre a população em geral, os defensores habituais do regime e terceiros.

Em alguns casos, entretanto, a violência limitada contra a ditadura pode ser inevitável. Frustração e ódio ao regime podem explodir em violência. Ou, determinados grupos podem não estar dispostos a abandonar a meios violentos, apesar de reconhecer o papel importante da luta não violenta. Nestes casos, o desafio político não precisa ser abandonado. No entanto, será necessário separar a ação violenta, na medida do possível, da ação não violenta. Isto deve ser feito em termos de geografia, grupos de população, tempo e questões. Caso contrário, a violência pode ter um efeito desastroso sobre o uso potencialmente muito mais poderoso e bem sucedido do desafio político.

Os registros históricos indicam que, embora baixas em termos de mortos e feridos devem ser esperadas em desafios políticos, elas serão muito menores que as baixas em guerra militar. Além disso, este tipo de luta não contribui para o ciclo interminável de matança e brutalidade.

A luta não violenta luta tanto exige quanto tende a produzir uma perda (ou maior controle) do medo do governo e de sua repressão violenta. Este abandono ou o controle do medo é um elemento fundamental para destruir o poder dos ditadores sobre a população em geral.

Abertura, sigilo, e altos padrões

Sigilo, engano e conspiração subterrânea apresentam problemas muito difíceis para um movimento que esteja usando ação não violenta. Muitas vezes, é impossível impedir que a polícia política e agentes de inteligência fiquem informados sobre intenções e planos. Do ponto de vista do movimento, o segredo não está apenas enraizado no medo, mas contribui para o medo, o que amortece o espírito de resistência e reduz o número de pessoas que podem participar em uma determinada ação. Ele também pode contribuir para suspeitas e acusações, muitas vezes injustificadas, dentro do movimento, a respeito de quem é um informante ou um agente dos adversários. O sigilo também pode afetar a capacidade de um movimento de permanecer não violento. Em contraste, a abertura com relação a intenções e planos não só terão efeito contrário, mas contribuirão para uma imagem de que o movimento de resistência é de fato extremamente poderoso. O problema é, naturalmente, mais complexo do que isso sugere, e há aspectos importantes das atividades de resistência que podem exigir sigilo. Uma avaliação bem informada será necessária por aqueles que têm conhecimento sobre as dinâmicas da luta não violenta, e também do significado de vigilância da ditadura na situação específica.

A edição, impressão e distribuição de publicações proibidas, o uso de transmissões ilegais de rádio do interior do país, bem como a coleta de informações sobre as operações da ditadura estão entre os tipos especiais limitado de atividades, onde um alto grau de sigilo será necessário.

A manutenção de elevados padrões de comportamento na ação não violenta é necessária em todas as fases do conflito. Fatores tais como o destemor e manutenção de disciplina não violenta são sempre necessários. É importante lembrar que um grande número de pessoas pode, muitas vezes, ser necessário para efetuar mudanças específicas. Mas, esses números podem ser obtidos como participantes de confiança somente com a manutenção dos elevados padrões do movimento.

Mudando as relações de poder

Os estrategistas precisam lembrar que o conflito em que o desafio político é aplicado é um campo de luta em constante mudança, com interação contínua de ações e reações. Nada é estático. As relações de poder, tanto absolutas quanto relativas estão sujeitas a mudanças constantes e rápidas. Isto é possibilitado pelos resistentes continuando sua persistência não violenta, apesar da repressão.

As variações no poder respectivos das partes nesse tipo de situação de conflito tendem a ser mais extremas do que em conflitos violentos; ocorrer mais rapidamente e ter consequências mais diversificadas e politicamente significativas. Devido a essas variações, ações específicas dos resistentes são susceptíveis de ter consequências muito além do tempo e lugar específico em que elas ocorrem. Estes efeitos se refletirão para fortalecer ou enfraquecer um grupo ou outro.

Além disso, o grupo não violento pode, em grande medida, por suas ações exercer influência sobre o aumento ou a diminuição do poder relativo do grupo adversário. Por exemplo, a resistência não violenta corajosa e disciplinada diante das brutalidades dos ditadores pode induzir inquietação, insatisfação, insegurança e, em casos extremos, até mesmo um motim entre os próprios soldados do ditador e a população. Essa resistência pode também resultar na crescente condenação internacional da ditadura. Além disso, o uso hábil, disciplinado e persistente de desafio político pode resultar em maior ou menor participação na resistência por pessoas que normalmente dariam o seu apoio tácito ao ditadores ou, geralmente, permaneceriam neutras no conflito.

Quatro Mecanismos de mudança

A luta não violenta produz mudança de quatro maneiras. O primeiro mecanismo é o menos provável, embora tenha ocorrido. Quando os membros do grupo adversário estão emocionados com o sofrimento da repressão imposta aos corajosos resistentes não violentos, ou estão racionalmente persuadidos de que a causa dos opositores é justa, eles podem vir a aceitar os objetivos dos resistentes. Esse mecanismo é chamado de conversão. Embora casos de conversão em ação não violenta efetivamente ocorram algumas vezes, eles são raros, e na maioria dos conflitos isso simplesmente não ocorre ou pelo menos não em escala significativa.

Muito mais frequentemente, a luta não violenta opera mudando a situação de conflito e a sociedade de modo que os adversários simplesmente não possam fazer como eles querem. É essa mudança que produz os outros três mecanismos: acomodação, coerção não violenta, e desintegração. Qual destes ocorre depende do grau em que as relações de poder absoluto e relativo são deslocadas em favor dos democratas.

Se os problemas não são os fundamentais, as demandas da oposição em uma campanha limitada não são consideradas ameaçadoras e o conflito de forças alterou as relações de poder em algum grau, o conflito imediato pode ser encerrado através de um acordo, uma divisão da diferenças ou um compromisso. Este mecanismo é chamado de acomodação. Muitas greves são resolvidas dessa maneira, por exemplo, com ambos os lados alcançando alguns dos seus objetivos, mas não conseguindo tudo o que queria. Um governo pode perceber que este tipo de solução tem alguns benefícios positivos, tais como diminuir a tensão, criar uma sensação de “justiça”, ou polir a imagem internacional do regime. É importante, portanto, que grande cuidado seja tomado na seleção das questões sobre as quais um acordo por acomodação seja aceitável. A luta para derrubar uma ditadura não é um deles.

A luta não violenta pode ser muito mais poderosa do que o indicado pelos mecanismos de conversão ou de acomodação. Não cooperação e desafio em massa podem, assim, mudar situações sociais e políticas, especialmente as relações de poder, em que a capacidade dos ditadores de controlar os processos econômicos, sociais e políticos de governo e a sociedade é de fato retirada. As forças militares dos adversários podem se tornar tão pouco confiáveis que elas simplesmente não mais obedecem às ordens de reprimir os resistentes. Embora os líderes dos oponentes permaneçam em seus cargos, e se aferrem a seus objetivos iniciais, sua capacidade de agir eficientemente lhes foi tirada. Isso é chamado de coerção não violenta .

Em algumas situações extremas, as condições de produção de coerção não violenta são levadas ainda mais longe. A liderança dos adversários, de fato, perde toda a capacidade de agir e sua própria estrutura de poder desmorona. A autodireção dos resistentes, não cooperação e desafio tornam-se tão completas que agora falta aos adversários até mesmo um simulacro de controle sobre eles. A burocracia do adversário recusa-se a obedecer à sua própria liderança. As tropas do adversário e polícia se amotinam. Os habituais apoiadores do adversário ou a população repudiam sua antiga liderança, negando que eles tenham qualquer direito de governar. Daí, seu apoio e obediência antigos desaparecem. O quarto mecanismo de mudança, a desintegração do sistema dos oponentes é tão completa que nem sequer têm energia suficiente para se render. O regime simplesmente se estilhaça.

No planejamento de estratégias de libertação, esses quatro mecanismos devem ser mantidos em mente. Eles, às vezes, operam essencialmente por acaso. Mas, a seleção de um ou mais desses como o mecanismo destinado a efetuar mudanças em um conflito, tornará possível formular estratégias específicas e mutuamente reforçadoras. Qual mecanismo (ou mecanismos) selecionar dependerá de inúmeros fatores, incluindo o poder absoluto e relativo dos grupos rivais, e as atitudes e objetivos do grupo de luta não violenta.

Efeitos democratizantes do desafio político

Em contraste com os efeitos da centralização de sanções violenta, o uso de técnica de luta não violenta contribui para a democratização da sociedade política de diversas maneiras.

Uma parte do efeito democratizante é negativa. Ou seja, em contraste com meios militares, esta técnica não fornece um meio de repressão sob o comando de uma elite dominante que pode se voltar contra a população para estabelecer ou manter uma ditadura. Líderes de um movimento de desafio político podem influenciar e aplicar pressão sobre seus seguidores, mas eles não podem prendê-los ou executá-los quando eles discordarem ou escolher outros líderes.

Outra parte do efeito democratizante é positiva. Ou seja, a luta não violenta oferece à população os meios de resistência que podem ser utilizados para alcançar e defender sua liberdade contra os ditadores existentes ou futuros. Abaixo estão alguns dos efeitos positivos da democratização que a luta não violenta pode ter:
• Experiência na aplicação de luta não violenta pode resultar em a população ser mais autoconfiante em desafiar as ameaças do regime e a capacidade para repressão violenta.

• A luta não violenta fornece os meios de desafio não cooperativo pelos quais a população pode resistir a controles antidemocráticos sobre eles por qualquer grupo ditatorial.

• A luta não violenta pode ser usada para afirmar a prática das liberdades democráticas, como a liberdade de expressão, liberdade de imprensa, organizações independentes liberdade de reunião diante de controles repressivos.

• A luta não violenta contribui fortemente para a sobrevivência, renascimento e fortalecimento dos grupos independentes e instituições da sociedade, conforme discutido anteriormente. Estes são importantes para a democracia devido à sua capacidade de mobilizar a capacidade de poder da população, e impor limites ao poder efetivo de qualquer aspirante a ditador.

• A luta não violenta fornece meios pelos quais a população pode exercer poder contra polícia repressiva e ação militar por um governo ditatorial.

• A luta não violenta fornece métodos pelos quais a população e as instituições independentes podem, no interesse da democracia, restringir ou cortar as fontes de poder para a elite dominante, ameaçando assim a sua capacidade para continuar a sua dominação.

Complexidade da luta não violenta

Como vimos a partir desta discussão, a luta não violenta é uma técnica complexa de ação social, envolvendo uma multiplicidade de métodos, uma série de mecanismos de mudança, e requisitos específicos de comportamento. Para ser eficiente, especialmente contra uma ditadura, o desafio político exige um planejamento e preparação cuidadosa. Os interessados em participar precisarão entender o que lhes é exigido. Recursos precisarão ter sido disponibilizados. E os estrategistas precisarão ter analisado como a luta não violenta pode ser aplicada mais eficazmente. Agora, voltamos nossa atenção para este último elemento crucial: a necessidade de planejamento estratégico.

Seis
A necessidade de planejamento estratégico

As campanhas de desafio político contra as ditaduras pode começar em uma variedade de maneiras. No passado, essas lutas quase sempre não eram planejada e eram essencialmente acidentais. Queixas específicas que provocaram ações iniciais no passado variaram bastante, mas muitas vezes incluíram novas brutalidades, a prisão ou a morte de uma pessoa altamente considerado, uma nova política ou ordem repressiva, escassez de alimentos, desrespeito a crenças religiosas, ou um aniversário de um evento importante relacionado. Às vezes, um ato em particular da ditadura enraiveceu tanto o povo que eles se lançaram em ações sem ter a mínima ideia de como o levante poderia terminar. Em outros momentos, uma pessoa corajosa ou um pequeno grupo pode ter agido de modo a despertar apoio. A queixa específica pode ser reconhecida pelos outros como semelhante a injustiças que haviam experimentado e, eles também, podem assim juntar-se à luta. Às vezes, um apelo específico à resistência de um pequeno grupo ou indivíduo pode encontrar uma resposta inesperadamente grande.

Embora a espontaneidade tenha algumas qualidades positivas, com frequência ela tem inconvenientes. Frequentemente, os resistentes democráticos não previram as brutalidades da ditadura, de modo que eles sofreram gravemente e a resistência desmoronou. Às vezes, a falta de planejamento dos democratas deixou decisões cruciais ao acaso, com resultados desastrosos. Mesmo quando o sistema opressor foi derrubado, a falta de planejamento sobre como lidar com a transição para um regime democrático contribuiu para o surgimento de uma nova ditadura.

Planejamento realista

No futuro, ação popular não planejada, sem dúvida, desempenhará papéis importantes nos levantes contra as ditaduras. Mas, agora é possível calcular os meios mais eficazes para derrubar uma ditadura, avaliar quando a situação política e humor populares estão maduros, e escolher a forma de iniciar uma campanha. É necessário pensamento muito cuidadoso com base em uma avaliação realista da situação e as capacidades da população a fim de selecionar os meios eficazes para conseguir a liberdade sob tais circunstâncias.
Se alguém deseja realizar alguma coisa, é sábio planejar como fazê-lo. Quanto mais importante o objetivo, ou a mais graves as consequências da falha, mais importante se torna o planejamento. O planejamento estratégico aumenta a probabilidade de que todos os recursos disponíveis serão mobilizados e empregados de forma mais eficaz. Isto é especialmente verdadeiro para um movimento democrático – o que tem recursos materiais limitados e cujos adeptos estarão em perigo – que está tentando derrubar uma ditadura poderosa. Em contraste, a ditadura em geral terá acesso a vastos recursos materiais, força de organização e capacidade de cometer atrocidades.

“Planejar uma estratégia” aqui significa calcular um curso de ação que tornará mais provável ir da presente situação até a futura situação desejada. Em termos dessa discussão, significa de uma ditadura para um sistema democrático futuro. Um plano para atingir esse objetivo, normalmente consiste em uma série progressiva de campanhas e outras atividades organizadas, destinadas a fortalecer a população e a sociedade oprimida e enfraquecer a ditadura. Observe-se aqui que o objetivo não é simplesmente destruir a atual ditadura, mas estabelecer um sistema democrático. Uma excelente estratégia que limite seu objetivo a destruir a ditadura atualmente no poder corre grande risco de produzir outro tirano.

Obstáculos ao planejamento

Alguns expoentes da liberdade em diferentes partes do mundo não trazem sua capacidade total para se aplicar ao problema de como conseguir a libertação. Só raramente esses defensores reconhecem plenamente a extrema importância de um planejamento estratégico cuidadoso antes de agir. Por conseguinte, isso quase nunca é feito.

Por que é que as pessoas que têm a visão de trazer a liberdade política ao seu povo deveria tão raramente preparar um plano estratégico global para alcançar este objetivo? Infelizmente, muitas vezes a maioria das pessoas em grupos de oposição democrática não entende a necessidade de planejamento estratégico, ou não está acostumada ou treinada a pensar estrategicamente. Esta é uma tarefa difícil. Constantemente perseguidos pela ditadura e oprimidos por responsabilidades imediatas, os líderes da resistência muitas vezes não têm a segurança ou o tempo para desenvolver habilidades de pensamento estratégico.

Em vez disso, é um padrão comum simplesmente reagir às iniciativas da ditadura. A oposição está, assim, sempre na defensiva, procurando manter as liberdades limitadas ou os bastiões da liberdade, na melhor das hipóteses retardando o avanço dos controles ditatoriais ou causando certos problemas para as novas políticas do regime.

Alguns indivíduos e grupos, é claro, podem não ver a necessidade de amplo planejamento de longo prazo de um movimento de libertação. Em vez disso, podem ingenuamente pensar que, se eles simplesmente esposam seu objetivo fortemente, firmemente, e por tempo suficiente, ele de alguma forma passará. Outros presumem que, se eles simplesmente viverem e testemunharem de acordo com seus princípios e ideais diante das dificuldades, estarão fazendo todo o possível para implementá-los. O casamento de metas humanas e lealdade com os ideais é admirável, mas é manifestamente insuficiente para acabar com a ditadura e conseguir a liberdade.

Outros opositores da ditadura podem ingenuamente pensar que se usam violência suficiente, a liberdade virá. Mas, conforme observado anteriormente, a violência não é garantia de sucesso. Ao invés de libertação, ela pode levar à derrota, tragédia em massa, ou ambos. Na maioria das situações, a ditadura está mais bem equipada para a luta violenta, e as realidades militares raramente, se é que alguma vez acontece, favorecem os democratas.

Há também os ativistas que baseiam suas ações sobre o que “sentem” que devem fazer. Essas abordagens são, no entanto, não só egocêntricas, mas elas não oferecem orientação para o desenvolvimento de uma grande estratégia de libertação.

Ação baseada em uma “brilhante ideia” que alguém teve também é limitada. O que é necessário, ao invés, é ação com base em cálculos cuidadosos dos “próximos passos” necessários para derrubar a ditadura. Sem análise estratégica, os líderes da resistência muitas vezes não sabemos qual deve ser esse “próximo passo”, porque eles não pensaram bem sobre as etapas sucessivas específicas necessárias para alcançar a vitória. Criatividade e ideias brilhantes são muito importantes, mas elas precisam ser utilizadas para fazer avançar a situação estratégica das forças democráticas.

Absolutamente consciente da multiplicidade de ações que poderiam ser realizadas contra a ditadura e incapazes de determinar por onde começar, algumas pessoas aconselham “Fazer tudo simultaneamente.” Isso poderia ser útil, mas, claro, é impossível, especialmente para os movimentos relativamente fracos. Além disso, essa abordagem não oferece qualquer orientação sobre onde começar, onde concentrar esforços, e como usar recursos muitas vezes limitados.

Outras pessoas e grupos podem ver a necessidade de um planejamento, mas só são capazes de pensar em curto prazo ou em bases táticas. Eles não podem ver se o planejamento de longo prazo é necessário ou possível. Eles, às vezes, podem ser incapazes de pensar e analisar em termos estratégicos, permitindo-se ser repetidamente distraídos por questões relativamente pequenas, muitas vezes respondendo às ações do adversário, ao invés de tomar a iniciativa para a resistência democrática. Dedicando tanta energia a atividades de curto prazo, esses líderes muitas vezes não conseguem explorar vários cursos de ação alternativos que poderiam orientar os esforços globais para que o objetivo seja constantemente abordado.

Também é bem possível que alguns movimentos democráticos não planejem uma estratégia global para derrubar a ditadura, concentrando-se apenas em questões imediatas, por outra razão. No fundo, eles não acreditam realmente que a ditadura pode ser destruída por seus próprios esforços. Portanto, planejar como fazê-lo é considerado um desperdício de tempo romântico ou um exercício de futilidade. Pessoas que lutam pela liberdade contra ditaduras brutais estabelecidas são frequentemente confrontados por um poder militar e de polícia tão imenso que parece que os ditadores podem conseguir tudo o que quiserem. Na falta de esperança real, essas pessoas, no entanto, desafiarão a ditadura por razões de integridade e talvez, história. Embora eles nunca admitirão, talvez nunca conscientemente reconhecerão que suas ações lhes parecem impossíveis Assim, para eles, o planejamento estratégico abrangente de longo prazo não tem mérito.

O resultado de tais falhas de planejamento estratégico é, muitas vezes, drástico: a força é dissipada, as ações são ineficazes, a energia é desperdiçada em questões de menor importância, as vantagens não são utilizadas, e os sacrifícios são em vão. Se os democratas não planejarem estrategicamente, é provável que eles não consigam atingir os seus objetivos. Uma mistura estranha de atividades mal planejadas não moverá à frente uma resistência mais significativa. Em vez disso, é mais provável que permita à ditadura aumentar seus controles e poder.

Infelizmente, devido ao fato de que amplos planos estratégicos de libertação são raramente desenvolvidos, as ditaduras são muito mais duráveis do que elas são de fato. Eles sobrevivem por anos ou décadas a mais do que precisaria ser o caso.

Quatro termos importantes em planejamento estratégico

A fim de ajudar-nos a pensar estrategicamente, a clareza sobre os significados de quatro termos básicos é importante.

Grande estratégia é o conceito que serve para coordenar e dirigir o uso de todos os recursos adequados e disponíveis (econômicos, humanos, morais, políticos, organizacionais, etc) de um grupo que busca atingir seus objetivos em um conflito.

A grande estratégia, dirigindo a atenção primária sobre os objetivos e recursos do grupo no conflito, determina a técnica de ação mais adequada (como a guerra militar convencional ou a luta não violenta) a ser empregada no conflito. No planejamento de uma grande estratégia, os líderes da resistência devem avaliar e planejar quais pressões e influências devem ser exercidas sobre os adversários. Além disso, a grande estratégia incluirá decisões sobre as condições adequadas e o momento certo em que campanhas de resistência inicial e subsequentes serão lançadas.

A grande estratégia define a estrutura básica para a seleção de estratégias mais limitadas para travar a luta. A grande estratégia também determina a atribuição de tarefas gerais a determinados grupos e a distribuição dos recursos a eles para usar na luta.

Estratégia é a concepção de qual a melhor forma para atingir determinados objetivos em um conflito, operando no âmbito da grande estratégia escolhida. A estratégia está preocupada se, quando e como lutar, bem como a forma de alcançar a máxima eficácia na luta para determinados fins. A estratégia tem sido comparada ao conceito do artista, enquanto um plano estratégico é a planta do arquiteto.

A estratégia também pode incluir esforços para desenvolver uma situação estratégica que seja tão vantajosa que os adversários serão capazes de prever que o conflito aberto é susceptível de levar a sua derrota certa e, portanto, capitular sem luta aberta. Ou, se não, a situação estratégica melhorada tornará certo o sucesso dos adversários em luta. A estratégia envolve também como agir para fazer bom uso de sucessos quando conseguidos.

Aplicada ao curso da luta em si, o plano estratégico é a ideia básica de como deverá se desenvolver uma campanha; e como os seus componentes separados devem ser montados para contribuir de maneira mais vantajosa para atingir seus objetivos. Ela envolve a implantação hábil de grupos particulares de ação especial nas operações menores. Planejar para uma estratégia sensata deve levar em consideração os requisitos para o sucesso na operação da técnica escolhida de luta. Diferentes técnicas terão exigências diferentes. 
Naturalmente, apenas cumprir “exigências” não é suficiente para garantir o sucesso. Outros fatores também podem ser necessários.

Ao elaborar estratégias, os democratas devem definir claramente os seus objetivos, e determinar como medir a eficácia dos esforços para alcançá-los. Esta definição e análise permitem ao estrategista identificar os requisitos específicos para garantir cada objetivo selecionado. Essa necessidade de clareza e definição aplica-se também ao planejamento tático.

Táticas e métodos de ação são utilizados para implementar a estratégia. As táticas estão relacionadas com o uso hábil das forças para o melhor proveito em uma situação limitada. A tática é uma ação limitada, utilizada para atingir um objetivo restrito. A escolha das táticas é regida pela concepção em uma fase restrita de um conflito da melhor forma de utilizar os meios de luta para implementar a estratégia. Para ser mais eficaz, as táticas e métodos devem ser escolhidos e aplicados com uma atenção constante à consecução dos objetivos estratégicos. Ganhos táticos que não reforçam a consecução dos objetivos estratégicos podem, no final, acabar por ser desperdício de energia.

Uma tática está, portanto, preocupada com um curso de ação limitado que se encaixa dentro da estratégia mais ampla, assim como uma estratégia se encaixa dentro da grande estratégia. As táticas estão sempre preocupadas com o combate, enquanto que a estratégia inclui considerações mais amplas. Uma tática em particular só pode ser compreendida como parte da estratégia global de uma batalha ou campanha. As táticas são aplicadas aos períodos mais curtos do que as estratégias, ou em áreas menores (geográfica, institucional, etc), ou por um número mais limitado de pessoas, ou para objetivos mais limitados. Na ação não violenta, a distinção entre um objetivo tático e um objetivo estratégico pode ser parcialmente indicado pelo fato de o objetivo escolhido da ação ser mais ou menos importante.

Engajamentos táticos ofensivos são selecionados para apoiar a realização dos objetivos estratégicos. Engajamentos táticos são as ferramentas do estrategista na criação de condições favoráveis para o lançamento de ataques decisivos contra um oponente. É muito importante, portanto, que aqueles a quem são atribuídas responsabilidades de planejar e executar operações táticas sejam hábeis na avaliação da situação, e selecionem os métodos mais apropriados para isso. Aqueles de quem se espera participar devem ser treinados no uso da técnica escolhida e dos métodos específicos.

Método refere-se às armas específicas ou meios de ação. Dentro da técnica de luta não violenta, este incluem dezenas de formas particulares de ação (tais como os muitos tipos de greves, boicotes, não-cooperação política, e assim por diante), citado no Capítulo Cinco. (Veja também o apêndice).

O desenvolvimento de um plano estratégico eficaz e responsável para uma luta não violenta depende da formulação e seleção cuidadosas da grande estratégia, das estratégias, das táticas e dos métodos.

A principal lição desta discussão é que o uso calculado do intelecto é necessário no cuidado planejamento estratégico para a libertação de uma ditadura. Falha em planejar inteligentemente pode contribuir para desastres, enquanto que o uso eficaz da capacidade intelectual pode traçar uma rota estratégica que criteriosamente utilizará os recursos disponíveis para mover a sociedade em direção à meta da liberdade e da democracia.

Sete
Estratégia de planejamento

Para aumentar as chances de sucesso, os líderes da resistência precisarão formular um plano abrangente de ação capaz de fortalecer as pessoas que sofrem, enfraquecendo e destruindo a ditadura e construindo uma democracia duradoura. Para realizar tal plano de ação, uma avaliação cuidadosa da situação e das opções para uma ação efetiva é necessária. Fora tal análise cuidadosa, tanto uma grande estratégia quanto as estratégias específicas de campanha para conseguir a liberdade podem ser desenvolvidas. Embora relacionados, o desenvolvimento da grande estratégia e das estratégias de campanha são dois processos separados. Somente após a grande estratégia ter sido desenvolvida , as estratégias específicas de campanha específica podem ser plenamente desenvolvidas. As estratégias de campanha precisarão ser concebido para atingir e reforçar os grandes objetivos estratégicos.

O desenvolvimento de estratégia de resistência exige atenção a muitas questões e tarefas. Aqui identificaremos alguns dos fatores importantes que precisam ser considerados, tanto em nível de grande estratégia quanto em nível de estratégia de campanha. Todo o planejamento estratégico, entretanto, exige que os planejadores da resistência tenham uma compreensão profunda da situação de conflito inteira, incluindo a atenção a fatores físicos, históricos, governamentais, militares, culturais, sociais, políticos, psicológicos, econômicos e internacionais. As estratégias só podem ser desenvolvidas no contexto da luta particular e seus antecedentes.

De primordial importância, os líderes democráticos e planejadores estratégicos devem avaliar os objetivos e importância da causa. Os objetivos valem uma grande luta, e por quê? É fundamental determinar o verdadeiro objetivo da luta. Nós argumentamos aqui que a derrubada da ditadura ou remoção dos ditadores atuais não é suficiente. O objetivo nesses conflitos tem de ser o estabelecimento de uma sociedade livre, com um sistema democrático de governo. Clareza sobre este ponto influenciará o desenvolvimento de uma grande estratégia e das estratégias específicas que se seguem.

Particularmente, os estrategistas terão que responder a muitas questões fundamentais, tais como:

• Quais são os principais obstáculos para se alcançar a liberdade?
• Quais os fatores que facilitarão a obtenção da liberdade?
• Quais são os principais pontos fortes da ditadura?
• Quais são os vários pontos fracos da ditadura?
• Em que medida são vulneráveis as fontes de poder para a ditadura?
• Quais são os pontos fortes das forças democráticas e da população em geral?
• Quais são os pontos fracos das forças democráticas e como eles podem ser corrigidos?
• Qual é o status de terceiros, não diretamente envolvidos no conflito, quem já ajuda ou pode ajudar, tanto a ditadura quanto o movimento democrático, e em caso afirmativo, de que forma?

Escolha de meios

Ao nível da grande estratégica, os planejadores precisam escolher os principais meios de luta a serem empregados no conflito iminente. Os méritos e limitações das diferentes técnicas alternativas de luta terão de ser avaliados, tais como guerra militar convencional, guerrilha, desafio político e outros.

Ao fazer esta escolha, os estrategistas precisarão considerar questões como as seguintes: O tipo escolhido de luta está dentro das capacidades dos democratas? A técnica escolhida utiliza os pontos fortes da população dominada? Esta técnica visa os pontos fracos da ditadura, ou ela ataca os seus pontos fortes? Os meios ajudam os democratas a se tornar mais autossuficientes, ou eles exigem dependência de terceiros ou fornecedores externos? Qual é o registro do uso dos meios escolhidos na derrubada de ditaduras? Eles aumentam ou limitam o número de vítimas e destruição que podem ocorrer no conflito iminente? Presumindo-se o sucesso em acabar com a ditadura, qual seria o efeito dos meios escolhidos sobre o tipo de governo que surgiria a partir da luta? Os tipos de ação definidos como contraproducentes terão de ser excluídos da grande estratégia desenvolvida.

Nos capítulos anteriores, argumentamos que o desafio político oferece significativas vantagens comparado a outras técnicas de luta. Os estrategistas precisarão analisar a sua situação de conflito em particular, e determinar se o desafio político fornece respostas afirmativas às perguntas acima.

Planejando para a democracia

É preciso lembrar que contra uma ditadura o objetivo da grande estratégia não é simplesmente derrubar ditadores, mas instalar um sistema democrático e tornar impossível a ascensão de uma nova ditadura. Para realizar estes objetivos, os meios escolhidos de luta terão de contribuir para uma mudança na distribuição de poder efetivo na sociedade. Sob a ditadura, a população e as instituições da sociedade civil têm sido muito fracasso, e o governo forte demais. Sem uma mudança nesse desequilíbrio, um novo conjunto de governantes podem, se assim o desejarem, ser tão ditatoriais quanto os antigos. A “revolução palaciana” ou um golpe de Estado, portanto, não é bem-vinda.

O desafio político contribui para uma distribuição mais equitativa de poder efetivo, através da mobilização da sociedade contra a ditadura, conforme foi discutido no Capítulo Cinco. Esse processo ocorre de várias maneiras. O desenvolvimento de uma capacidade de luta não violenta significa que a capacidade da ditadura para a repressão violenta já não produz tão facilmente a intimidação e submissão entre a população. A população terá à sua disposição meios poderosos para contrariar e às vezes bloquear o exercício do poder dos ditadores. Além disso, a mobilização do poder popular através de desafio político fortalecerá as instituições independentes da sociedade. A experiência de ter uma vez exercido efetivamente o poder não é rapidamente esquecida. O conhecimento e a habilidade adquiridos com a luta tornarão menos provável que a população seja facilmente dominada pelos aspirantes a ditadores. Esta mudança nas relações de poder, no limite, acabaria por tornar muito mais provável o estabelecimento de uma sociedade democrática durável.

Ajuda externa

Como parte da preparação de uma grande estratégia, é necessário avaliar quais serão os papéis relativos da resistência interna e das pressões externas para desintegrar a ditadura. Nesta análise, argumentamos que a principal força da luta deve ser suportada a partir do interior do próprio país. Na medida em que a assistência internacional vem, ela será estimulada pela luta interna.

Como um modesto suplemento, esforços podem ser feitos para mobilizar a opinião pública mundial contra a ditadura, por razões humanitárias, morais e religiosas. Esforços podem ser feitos para obter sanções diplomáticas, políticas e econômicas por governos e organizações internacionais contra a ditadura. Estes podem assumir a forma de embargos econômicos e militares de armas; redução nos níveis de reconhecimento diplomático ou o rompimento das relações diplomáticas; proibição de ajuda econômica e à proibição de investimentos no país ditatorial; expulsão do governo ditatorial de várias organizações internacionais e dos órgãos das Nações Unidas. Além disso, assistência internacional, tal como a prestação de apoio financeiro e de comunicações também podem ser fornecidos diretamente às forças democráticas.

Formulando uma grande estratégia

Após uma avaliação da situação, a escolha dos meios e a determinação do papel da ajuda externa, os planejadores da grande estratégia deverão esboçar em grandes linhas a forma como o conflito poderia ser mais bem conduzido. Este plano amplo abrangeria do presente até o futuro da libertação e da instituição de um sistema democrático.

Na formulação de uma grande estratégia, esses planejadores precisarão se fazer uma série de perguntas. As perguntas seguintes colocam (de uma forma mais específica do que anteriormente) os tipos de considerações necessárias na concepção de uma grande estratégia para a luta de desafio político:

Como deveria a luta de longo prazo melhor começar? Como pode a população oprimida reunir suficiente autoconfiança e força para agir e desafiar a ditadura, mesmo que, inicialmente, de forma limitada? Como poderia ser aumentada a capacidade da população de aplicar a não cooperação e desafio com o tempo e a experiência? Quais poderiam ser os objetivos de uma série de campanhas limitadas para recuperar o controle democrático sobre a sociedade e limitar a ditadura?

Existem instituições independentes que sobreviveram à ditadura que poderiam ser usadas na luta para estabelecer a liberdade? Quais instituições da sociedade podem ser recuperadas do controlar dos ditadores, ou quais instituições precisam ser recém-criadas pelos democratas para atender às suas necessidades e estabelecer as esferas da democracia, mesmo enquanto a ditadura continua?

Como pode ser desenvolvida força organizacional na resistência? Como os participantes podem ser treinados? Quais recursos (finanças, equipamentos, etc) seriam necessários ao longo da luta? Que tipos de simbolismo pode ser mais eficazes na mobilização da população?

Com que tipos de ação e em que estágios podem as fontes de poder dos ditadores serem progressivamente enfraquecidas e divididas? Como pode a população resistente persistir simultaneamente em seu desafio e também manter a necessária disciplina não violenta? Como pode a sociedade continuar a satisfazer suas necessidades básicas durante o curso da luta? Como pode a ordem social ser mantida no meio do conflito? Conforme se aproxima a vitória, como pode a resistência democrática continuar a construir a base institucional da sociedade pós-ditadura para tornar a transição tão suave quanto possível?

Deve ser lembrado que não existe nem pode ser criada uma fórmula única para planejar uma estratégia para cada movimento de libertação contra as ditaduras. Cada luta para derrubar uma ditadura e estabelecer um sistema democrático será um pouco diferente. Não há duas situações exatamente iguais; cada ditadura terá algumas características individuais, e as capacidades da população em busca de liberdade podem variar. Dos planejadores da grande estratégia para a luta por desafio político serão exigidos uma profunda compreensão não só da sua situação de conflito específica, mas também dos meios de luta escolhidos.

Quando a grande estratégia da luta tiver sido cuidadosamente planejada, há razões sólidas para torná-la amplamente conhecida. O grande número de pessoas necessárias para participação podem estar mais dispostas e capazes de agir se elas compreenderem a concepção geral, bem como instruções específicas. Este conhecimento pode potencialmente ter um efeito muito positivo sobre o seu moral, sua vontade de participar e agir adequadamente. As linhas gerais da grande estratégia chegariam ao conhecimento dos ditadores em qualquer caso e o conhecimento de suas características poderia, potencialmente, levá-los a serem menos brutais em sua repressão, sabendo que isso poderia se voltar politicamente contra eles próprios. A compreensão das características especiais da grande estratégia poderia, potencialmente, contribuir também para a dissensão e deserções no próprio campo dos ditadores.

Uma vez que um grande plano estratégico para derrubar a ditadura e estabelecer um sistema democrático tenha sido adotado, é importante que os grupos pró-democracia persistam em sua aplicação. Só em circunstâncias muito raras a luta deve afastar-se da grande estratégia inicial. Quando há provas abundantes de que a grande estratégia escolhida está errada, ou que as circunstâncias da luta mudaram, os planejadores podem precisar alterar a grande estratégia. Mesmo assim, isso deve ser feito somente após uma reavaliação básica e um novo e mais adequado grande plano estratégico ter sido elaborado e aprovado.

Planejando estratégias de campanha

Não importando quanto possa ser sábia e promissora a grande estratégia desenvolvida para acabar com a ditadura e instaurar a democracia, uma grande estratégia implementa a si própria. Estratégias particulares precisarão ser desenvolvidas para orientar a campanhas mais importantes destinadas a minar o poder dos ditadores. Estas estratégias, por sua vez, incorporarão e orientarão uma série de compromissos táticos que terão como objetivo aplicar golpes decisivos contra o regime dos ditadores. As táticas e os métodos específicos de ação devem ser escolhidos com cuidado, para que eles contribuam para atingir os objetivos de cada estratégia específica. A discussão aqui se centra exclusivamente no nível da estratégia.

Dos estrategistas planejando as campanhas mais importantes será exigido, como daqueles que planejaram a grande estratégia, um conhecimento aprofundado da natureza e dos modos de operação de sua técnica de luta escolhida. Assim como os oficiais militares precisam entender as estruturas de força, táticas, logística, munições, os efeitos da geografia, e outros, a fim de traçar a estratégia militar, os planejadores do desafio político devem compreender a natureza e os princípios estratégicos de luta não violenta. Mesmo assim, contudo, o conhecimento da luta não violenta, a atenção às recomendações neste ensaio e as respostas às questões aqui colocadas não produzirão, eles mesmos, as estratégias. A formulação de estratégias para a luta ainda exige uma criatividade informada.

No planejamento das estratégias para as campanhas específicas de resistência seletiva e para o desenvolvimento no longo prazo da luta de libertação, os estrategistas do desafio político precisarão considerar várias questões e problemas. Os seguintes estão entre estes:

• Determinação dos objetivos específicos da campanha e sua contribuição para a execução da grande estratégia.

• Consideração dos métodos específicos, ou armas políticas que podem ser mais bem utilizados para implementar as estratégias escolhidas. Dentro de cada plano geral para uma campanha estratégica em particular, será necessário determinar quais planos menores e táticos, e quais métodos de ação específicos devem ser utilizados para impor restrições e pressões contra as fontes de poder da ditadura. Deve ser lembrado que a realização dos objetivos mais importantes virá como resultado de medidas menores especificas cuidadosamente escolhidas e implementadas.

• Determinação se, ou como, as questões econômicas deve estar relacionadas com a luta global essencialmente política. Se as questões econômicas devem ser proeminentes na luta, será preciso cuidado para que os problemas econômicos possam realmente ser sanados após o término da ditadura. Caso contrário, a desilusão e o descontentamento pode se instalar, se soluções rápidas não são providenciadas durante o período de transição para uma sociedade democrática. Essa desilusão poderia facilitar o surgimento de forças ditatoriais prometendo um fim aos problemas econômicos.

• Determinação com antecedência de que tipo de estrutura de liderança e sistema de comunicações funcionará melhor para iniciar a luta de resistência. Quais meios de tomada de decisão e de comunicação serão possíveis durante o curso da luta para continuar a dar orientação aos resistentes e à população em geral?

• Comunicação de notícia de resistência à população em geral, às forças dos ditadores e à imprensa internacional. Alegações e relatórios devem sempre ser rigorosamente factuais. Exageros e alegações infundadas minarão a credibilidade da resistência.

• Planos para atividades sociais, educacionais, econômicas e políticas autossuficientes e construtivas para atender às necessidades de próprio povo durante o conflito iminente. Tais projetos podem ser conduzidos por pessoas não envolvidas diretamente nas atividades da resistência.

• Determinação do tipo de ajuda externa desejável em apoio à campanha específica ou à luta geral de libertação. Como pode a ajuda externa ser mais bem mobilizada e utilizada sem tornar a luta interna dependente de fatores externos incertos? Será necessário prestar atenção a quais grupos externos mais provavelmente e mais adequadamente ajudarão, tais como organizações não governamentais (movimentos sociais, grupos religiosos ou políticos, sindicatos, etc.), governos e / ou as Nações Unidas e os seus diferentes órgãos.

Além disso, os planejadores de resistência precisarão tomar medidas para preservar a ordem e atender às demandas sociais por suas próprias forças durante a resistência em massa contra os controles ditatoriais. Isto não só criará estruturas democráticas alternativas e independentes e atenderá às necessidades reais, mas também reduzirá a credibilidade de qualquer alegação de que repressão violenta seja necessária para deter a desordem e a anarquia.

Disseminando a ideia da não cooperação

Para o desafio político bem-sucedido contra uma ditadura, é essencial que a população entenda a ideia da não cooperação. Conforme ilustrado pela história do “Mestre dos Macacos” (ver Capítulo III), a ideia básica é simples: se um número suficiente de subordinados se recusa a continuar a sua cooperação por tempo suficiente, apesar da repressão, o sistema opressivo será enfraquecido e, finalmente, entrará em colapso.
As pessoas que vivem sob a ditadura já podem estar familiarizadas com esse conceito a partir de diversas fontes. Mesmo assim, as forças democráticas deveriam deliberadamente difundir e popularizar a ideia da não cooperação. A história do “Mestre dos Macacos” ou uma fábula semelhante poderá ser difundida por toda a sociedade. Tal história poderia ser facilmente entendida. Uma vez que o conceito geral de não cooperação é apreendido, as pessoas serão capazes de entender a relevância de futuras chamadas à prática de não cooperação com a ditadura. Eles também serão capazes por si sós de improvisar uma miríade de formas específicas de não cooperação em novas situações.

Apesar das dificuldades e perigos na tentativa de comunicar ideias, notícias e instruções de resistência, enquanto vivem sob ditaduras, os democratas têm frequentemente provaram ser isso possível.

Mesmo sob o regime nazista e o comunista, foi possível para os resistentes se comunicar não só com outros indivíduos, mas, mesmo com grandes audiências através da produção de jornais clandestinos, folhetos, livros, e nos últimos anos via cassetes de áudio e vídeo.

Com a vantagem de um planejamento estratégico prévio, orientações gerais para a resistência podem ser preparadas e divulgadas. Estas podem indicar as questões e circunstâncias em que a população deve protestar e recusar-se a cooperar, e como isso deve ser feito. Então, mesmo que a comunicação da liderança democrática sejam cortados, e instruções específicas não tenham sido emitidas ou recebidas, a população saberá como agir em certas questões importantes. Essas orientações também forneceriam um teste para identificar falsas “instruções de resistência”, emitidas pela polícia política destinadas a provocar ação de descrédito.

Repressão e contramedidas

Os planejadores estratégicos terão de avaliar as possíveis respostas e repressão, em especial o limite da violência da ditadura às ações da resistência democrática. Será necessário determinar a forma de resistir, contra atacar ou evitar esse possível aumento da repressão, sem submissão. Taticamente, para ocasiões específicas, as advertências adequadas à população e os resistentes sobre a repressão esperado seriam necessários, de modo que eles conheçam os riscos de participação. Se a repressão pode ser grave, os preparativos para a assistência médica aos resistentes feridos devem ser feitos.

Antecipando a repressão, os estrategistas devem considerar antecipadamente a utilização de táticas e métodos que contribuam para alcançar o objetivo específico de uma campanha, ou a libertação, mas que tornem a repressão brutal menos provável ou menos possível. Por exemplo, manifestações de rua e desfiles contra as ditaduras extremas pode ser dramático, mas também apresentam o risco de milhares de manifestantes mortos. O alto custo para os manifestantes não pode, contudo, efetivamente aplicar mais pressão sobre a ditadura do que ocorreria se todo mundo ficasse em casa, uma greve ou atos em massa de não cooperação de funcionários públicos.

Se tivesse sido proposto que a ação de resistência provocativa arriscando muitas baixas seria necessário para uma finalidade estratégica, então se deve considerar com muito cuidado os custos da proposta e os possíveis ganhos. Será que a população e os resistentes provavelmente se comportarão de uma forma disciplinada e não violenta durante o curso da luta? Eles podem resistir a provocações à violência? Os planejadores devem considerar quais medidas podem ser tomadas para manter a disciplina não violenta, e manter a resistência apesar de brutalidades. Será que medidas, tais como promessas, declarações políticas, folhetos sobre disciplina, encarregados de manifestações e boicotes de pessoas e grupos pró violência seriam possíveis e eficazes? Os líderes devem estar sempre alertas para a presença de agentes provocadores, cuja missão será a de incitar os manifestantes à violência.

Aderindo ao plano estratégico

Depois de um bom plano estratégico está implantado, as forças democráticas não devem ser distraídos por pequenos movimentos dos ditadores que podem tentá-los a se afastar da grande estratégia e da estratégia para uma campanha específica, levando-os a concentrar as principais atividades sobre questões sem importância. Também as emoções do momento – talvez em resposta às novas brutalidades da ditadura – não devem desviar a resistência democrática de sua grande estratégia ou da estratégia de campanha. As brutalidades pode ter sido perpetradas precisamente para provocar as forças democráticas a abandonar seu plano bem-definido e até mesmo cometer atos violentos, a fim de que os ditadores possam derrotá-las mais facilmente.

Enquanto a análise básica é considerada boa, a tarefa das forças pró democracia é avançar etapa por etapa. Naturalmente, mudanças nas táticas e objetivos intermédios ocorrerão e os bons líderes estarão sempre prontos para explorar oportunidades. Esses ajustes não devem ser confundidos com os objetivos da grande estratégia ou os objetivos da campanha específica. A cuidadosa implementação da grande estratégia escolhida e de estratégias para campanhas particulares contribuirá grandemente para o sucesso.

Oito
Aplicando o desafio político

Em situações em que a população se sente impotente e assustada é importante que as tarefas iniciais para o público sejam de baixo risco, ações de fortalecimento da confiança. Estes tipos de ações – tais como o uso de uma roupa em uma forma incomum – pode registrar publicamente uma opinião divergente e proporcionar uma oportunidade ao público de participar de forma significativa nos atos de dissidência. Em outros casos, uma questão relativamente menos importante (na superfície) e apolítica (por exemplo, garantir um abastecimento de água potável) pode ser transformada no foco de ação do grupo. Os estrategistas devem escolher um tema cujo mérito será amplamente reconhecido e difícil de rejeitar. O sucesso em tais campanhas limitada não só poderia corrigir queixas específicas, mas também convencer a população que ela realmente tem o potencial de poder.

A maioria das estratégias de campanhas na luta de longo prazo não deve visar a queda completa imediata da ditadura, mas sim ganhar objetivos limitados. Nem todas as campanhas exigem a participação de todos os setores da população.

Ao contemplar uma série de campanhas específicas para implementar a grande estratégia, os estrategistas do desafio devem considerar como as campanhas no início, meio e perto da conclusão da luta de longo prazo serão diferentes umas das outras.

Resistência seletiva

Nos estágios iniciais da luta, campanhas separadas, com diferentes objetivos específicos podem ser muito úteis. Tais campanhas seletivas podem seguir uma após a outra. Ocasionalmente, duas ou três podem se sobrepor no tempo.

Ao planejar uma estratégia de “resistência seletiva” é necessário identificar as questões ou queixas limitadas que simbolizam a opressão geral da ditadura. Tais questões podem ser os alvos adequados para a realização de campanhas visando ganhar objetivos estratégicos intermediários no âmbito da grande estratégia geral.
Estes objetivos estratégicos intermediários precisam ser alcançáveis pela capacidade atual ou projetada de poder das forças democráticas. Isso ajuda a garantir uma série de vitórias, que são boas para o moral, e também contribuir para mudanças incrementais vantajosas nas relações de poder para a luta de longo prazo.
Estratégias de resistência seletiva devem se concentrar principalmente sobre questões sociais, econômicas ou políticas específicas. Estas podem ser escolhidos de forma a manter alguma parte do sistema social e político fora do controle dos ditadores; para recuperar o controle de alguma parte atualmente controlada pelos ditadores; ou para negar aos ditadores um objetivo particular. Se possível, a campanha de resistência seletiva também deve atacar um ou mais pontos fracos da ditadura, conforme já foi discutido. Dessa forma, os democratas podem fazer o maior impacto possível com a sua capacidade de poder disponível.

Muito cedo, os estrategistas precisam planejar, pelo menos, a estratégia para a primeira campanha. Quais são os seus objetivos limitados? Como eles ajudarão a realizar a grande estratégia escolhida? Se possível, é sensato formular, pelo menos, as linhas gerais das estratégias para uma segunda e possivelmente uma terceira campanha. Todas essas estratégias precisarão implementar a grande estratégia escolhida e operar dentro de suas diretrizes gerais.

Desafio simbólico

No início de uma nova campanha para enfraquecer a ditadura, as primeiras ações, mais especificamente políticas pode ter escopo limitado. Elas devem ser projetadas ema parte para testar e influenciar o humor da população, e prepará-la para continuar a luta através da não cooperação e desafio político.

A ação inicial é susceptível de assumir a forma de protesto simbólico, ou pode ser um ato simbólico de não cooperação limitada ou temporária. Se o número de pessoas dispostas a agir for pequeno, então o ato inicial pode, por exemplo, envolver a colocação de flores em um local de importância simbólica. Por outro lado, se o número de pessoas dispostas a agir é muito grande, então, uma parada de cinco minutos de todas as atividades ou alguns minutos de silêncio podem ser usados. Em outras situações, alguns indivíduos poderiam realizar uma greve de fome, uma vigília em um local de importância simbólica, um breve boicote estudantil das aulas, ou um “sit-in” temporário em um escritório importante. Sob uma ditadura, essas ações mais agressivas provavelmente enfrentariam uma dura repressão.

Certos atos simbólicos, tais como uma ocupação física em frente ao palácio do ditador ou da sede da polícia política pode envolver alto risco e, portanto, não são aconselháveis para o início de uma campanha.
Ações iniciais de protesto simbólico, às vezes despertaram a atenção nacional e internacional importante – como as manifestações de rua em massa na Birmânia em 1988, ou a ocupação por estudantes e greve de fome na Praça Tiananman em Pequim, em 1989. O grande número de baixas entre os manifestantes em ambos os casos aponta para o grande cuidado que os estrategistas devem ter no planejamento de campanhas. Apesar de terem um tremendo impacto moral e psicológico, tais ações por si mesmas não são susceptíveis de derrubar uma ditadura, pois elas permanecem em grande parte simbólicas e não afetam a posição de poder da ditadura.

Geralmente não é possível cortar a disponibilidade das fontes de poder dos ditadores completa e rapidamente no início de uma luta. Isso exigiria praticamente que toda a população e quase todas as instituições da sociedade – que já haviam sido amplamente submissas – rejeitasse absolutamente o regime e, de repente, desafiá-lo através de não cooperação forte e em massa. Isso ainda não ocorreu, e seria muito difícil de alcançar. Na maior parte dos casos, portanto, uma rápida campanha de não cooperação plena e desafio é uma estratégia irreal para uma campanha precoce contra a ditadura.

Distribuindo a responsabilidade

Durante uma campanha de resistência seletiva, o peso da luta é por algum tempo normalmente suportado por um setor ou mais da população. Em uma campanha posterior com um objetivo diferente, o ônus da luta seria transferido para outros grupos populacionais. Por exemplo, os estudantes podem realizar greves sobre uma questão educacional; líderes religiosos e fiéis podem se concentrar na questão da liberdade religiosa; trabalhadores ferroviários podem meticulosamente obedecer às normas de segurança, de modo a atrasar o sistema de transporte ferroviário; jornalistas podem desafiar a censura através da publicação de artigos com espaços em branco onde artigos proibidos teriam aparecido, ou a polícia pode falhar repetidamente em localizar e prender integrantes da oposição democrática procurados. Dividir as campanhas de resistência em fases, por assunto e grupo populacional permitirá que determinados segmentos da população descansem enquanto a resistência continua.

A resistência seletiva é especialmente importante para defender a existência e a autonomia de grupos e instituições sociais, econômicos e políticos independentes, fora do controle da ditadura, que foram brevemente discutidos anteriormente. Estes centros de poder proporcionam as bases institucionais a partir das quais a população pode exercer pressão ou pode resistir aos controles ditatoriais. Na luta, eles são susceptíveis de estar entre os primeiros alvos da ditadura.

Visando o poder dos ditadores

À medida que a luta de longo prazo se desenvolve para além das estratégias iniciais em fases mais ambiciosas e avançadas, os estrategistas precisarão calcular como fontes de poder dos ditadores podem ser ainda mais restringidas. O objetivo seria usar não cooperação popular para criar uma situação estratégica mais vantajosa para as forças democráticas.

À medida que as forças da resistência democrática ganham força, os estrategistas criariam não cooperação e desafios mais ambiciosos para romper as fontes do poder da ditadura, com o objetivo de aumentar a paralisia política, e no final a desintegração da própria ditadura.

Será necessário planejar cuidadosamente a forma como as forças democráticas podem enfraquecer o apoio que as pessoas e grupos ofereciam anteriormente à ditadura. Será que seu apoio pode ser enfraquecido pelas revelações das brutalidades cometidas pelo regime, pela exposição das consequências desastrosas das políticas econômicas dos ditadores, ou por um novo entendimento de que a ditadura pode ser terminada? Os defensores da ditadores deveriam pelo menos ser induzido a se tornarem “neutros” (em cima do muro) em suas atividades ou, preferencialmente, tornar-se apoiadores ativos do movimento pela democracia.
Durante o planejamento e implementação de desafio político e não cooperação, é muito importante prestar atenção a todos os principais adeptos e auxiliares dos ditadores, incluindo a sua camarilha interna, partido político, policiais e burocratas, mas especialmente o seu exército.

O grau de lealdade das forças militares, tanto soldados quanto oficiais, à ditadura precisa ser cuidadosamente avaliado, e uma decisão deve ser tomada quanto a se os militares estão abertos à influência das forças democráticas. Será que muitos dos soldados comuns são recrutas infelizes e assustados? Será que muitos dos soldados e oficiais são alienados do regime por motivos pessoais, familiares, ou políticos? Quais outros fatores podem tornar soldados e oficiais vulneráveis à subversão democrática?

Logo no início da luta de libertação, uma estratégia especial deve ser desenvolvida para se comunicar com as tropas e funcionários dos ditadores. Por meio de palavras, símbolos e ações, as forças democráticas podem informar as tropas que a luta de libertação será forte, determinada e persistente. As tropas devem aprender que a luta terá um caráter especial, que visa minar a ditadura, mas não para ameaçar suas vidas. Tais esforços devem visar, em última análise, minar o moral das tropas dos ditadores e, finalmente, subverter sua lealdade e obediência em favor do movimento democrático. Estratégias semelhantes poderiam ser destinadas à polícia e funcionários públicos.

A tentativa de angariar simpatia de e, eventualmente, provocar a desobediência entre as forças dos ditadores não deve ser interpretada, no entanto, como significando o incentivo às forças militares para dar um final rápido à ditadura atual através de ação militar. Tal cenário provavelmente não instalará uma democracia funcional, porque (como já discutimos) um golpe de Estado faz pouco para reduzir o desequilíbrio das relações de poder entre a população e os governantes. Portanto, será necessário planejar como oficiais militares simpáticos aos democratas podem ser levados a compreender que nem um golpe militar, nem uma guerra civil contra a ditadura é necessário ou desejável.

Oficiais simpáticos aos democratas podem desempenhar um papel vital na luta democrática, por exemplo, através da propagação de descontentamento e não cooperação das forças militares, encorajando ineficiências deliberada e ignorando silenciosamente as ordens, e apoiando a recusa de realizar a repressão. Os militares também podem oferecer várias modalidades de assistência não violenta positiva ao movimento pró democracia, incluindo passagem segura, informações, alimentos, suprimentos médicos, e assim por diante.

O exército é uma das mais importantes fontes de poder dos ditadores, porque ele pode usar suas unidades militares disciplinadas e armas para atacar diretamente e punir a população desobediente. Os estrategistas do desafio devem lembrar que será extremamente difícil, ou impossível, desintegrar a ditadura, se a polícia, os burocratas e as forças militares continuarem a ser plenamente favoráveis à ditadura e obedientes na execução de seus comandos . Estratégias destinadas a subverter a lealdade das forças dos ditadores devem receber alta prioridade pelos estrategistas democráticos.

As forças democráticas devem lembrar que a insatisfação e desobediência entre as forças militares e policiais podem ser altamente perigoso para os membros desses grupos. Soldados e policiais poderia esperar duras penalidades para qualquer ato de desobediência e pela execução de atos de rebelião. As forças democráticas não devem pedir que os soldados e oficiais se amotinem imediatamente. Em vez disso, onde a comunicação é possível, deve ficar claro que há uma infinidade de formas relativamente seguras de “desobediência disfarçada” que podem adotar inicialmente. Por exemplo, policiais e soldados podem realizar as instruções para a repressão de forma ineficiente, falar em localizar pessoas procuradas, alertar os resistentes sobre repressão iminente, detenções ou deportações e falhar em comunicar informações importantes a seus oficiais superiores. Oficiais descontentes, por sua vez, podem deixar de enviar ordens para a repressão abaixo na cadeia de comando. Os soldados podem atirar sobre as cabeças dos manifestantes. Da mesma forma, por sua vez, os funcionários públicos podem perder arquivos e instruções, trabalhar ineficientemente, e ficar “doentes” para que precisem ficar em casa até que se “recuperem”.

Mudanças na estratégia

Os estrategistas do desafio político precisarão constantemente avaliar como a grande estratégia e as estratégias de campanha específicas estão sendo implementadas. É possível, por exemplo, que a luta possa não ir tão bem como esperado. Nesse caso, será necessário calcular quais mudanças na estratégia podem ser necessárias. O que pode ser feito para aumentar a força do movimento e recuperar a iniciativa? Em tal situação, será necessário identificar o problema, fazer uma reavaliação estratégica, possivelmente transferir responsabilidades da luta para um grupo da população diferente, mobilizar fontes adicionais de poder e desenvolver cursos de ação alternativos. Quando isso é feito, o novo plano deve ser implementado imediatamente.

Por outro lado, se a luta foi muito melhor que o esperado e a ditadura está entrando em colapso mais cedo do que o calculado anteriormente, como podem as forças democráticas capitalizar os ganhos inesperados e avançar em direção da paralização da ditadura? Exploraremos esta questão no próximo capítulo.

Nove
Desintegrando a Ditadura

O efeito cumulativo de campanhas de desafio político bem conduzidas e bem sucedidas é o de reforçar a resistência e estabelecer e expandir as áreas da sociedade, onde a ditadura enfrenta limites ao seu controle efetivo. Essas campanhas também proporcionam uma experiência importante em como recusar a cooperação e como oferecer desafio político. Essa experiência será de grande ajuda quando chegar a hora de não-cooperação e desafio em escala maciça.

Conforme foi discutido no Capítulo Três, a cooperação, obediência e submissão são essenciais para que os ditadores sejam poderosos. Sem acesso às fontes de poder político, o poder dos ditadores se enfraquece e, finalmente, se dissolve. A retirada de apoio é, portanto, a principal ação necessária para desintegrar uma ditadura. Ela pode ser útil para analisar como as fontes de poder podem ser afetadas pelo desafio político.
Atos de repúdio simbólico e desafio estão entre os meios disponíveis para minar a autoridade moral e política do regime – sua legitimidade. A maior autoridade do regime, a maior e mais confiável é a obediência e cooperação que ele receberá. A desaprovação moral precisa ser expressa em ação, a fim de ameaçar seriamente a existência da ditadura. A retirada da cooperação e a obediência são necessárias para romper a disponibilidade de outras fontes de poder do regime.

Uma segunda e importante fonte de poder são os recursos humanos, o número e a importância das pessoas e grupos que obedecem, cooperam com, ou ajudam os governantes. Se a não-cooperação é praticada por grandes porções da população, o regime estará em sérios apuros. Por exemplo, se os funcionários públicos não funcionam mais com a sua eficácia normal, ou até mesmo ficam em casa, o aparelho administrativo será gravemente afetado.

Da mesma forma, se as pessoas e grupos não colaboradores incluírem aqueles que anteriormente forneciam habilidades e conhecimento especializado, então os ditadores verão a sua capacidade de implementar suas vontades gravemente enfraquecida. Mesmo sua capacidade de tomar decisões bem-informadas e desenvolver políticas eficazes pode ser seriamente reduzida.

Se influências psicológicas e ideológicas – chamados fatores intangíveis – que normalmente induzem as pessoas a obedecer e ajudar os governantes são enfraquecidas ou revertidas, a população estará mais inclinada a acatar e a não cooperar.

O acesso dos ditadores aos recursos materiais também afeta diretamente o seu poder. Com o controle de recursos financeiros, o sistema econômico, a propriedade, recursos naturais, transportes e meios de comunicação nas mãos de adversários reais ou potenciais do regime, outra importante fonte de seu poder fica vulnerável ou removida. Greves, boicotes e crescente autonomia da economia, comunicações e transporte enfraquecerão o regime.

Conforme discutido anteriormente, a capacidade dos ditadores de ameaçar ou aplicar sanções – punições contra seções desobedientes, rebeldes, e não-cooperativas da população – é uma fonte central de poder de ditadores. Esta fonte de poder pode ser enfraquecida de duas maneiras. Em primeiro lugar, se a população está disposta, como em uma guerra, ao arriscar sérias consequências como preço do desafio, a eficácia das sanções disponíveis será drasticamente reduzida (ou seja, a repressão dos ditadores não assegura a submissão desejada). Segundo, se a própria polícia e as forças militares se tornarem insatisfeitas, elas podem em base individual ou em massa simplesmente fugir ou desafiam diretamente as ordens para prender, bater ou atirar nos resistentes. Se os ditadores já não podem confiar na polícia e nas forças militares para realizar a repressão, a ditadura está seriamente ameaçada.

Em resumo, o sucesso contra uma ditadura entrincheirada exige que a não-cooperação e o desafio reduzam e eliminem as fontes de poder do regime. Sem reposição constante das fontes de poder necessárias, a ditadura enfraquecerá e finalmente se desintegrará. Planejamento estratégico competente de desafio político contra as ditaduras, por conseguinte, precisa visar as mais importantes fontes de poder dos ditadores.

Escalada da liberdade

Combinado com o desafio político durante a fase de resistência seletiva, o crescimento das instituições sociais, econômicas, culturais, políticas autônomas progressivamente alargam o “espaço democrático” da sociedade e reduzem o controle da ditadura. À medida que as instituições da sociedade civil se tornam mais fortes em relação à ditadura, então, não importa o que os ditadores possam desejar, a população vai gradativamente construindo uma sociedade independente, fora do seu controle. Se e quando a ditadura intervém para interromper essa “escalada de liberdade”, a luta não violenta pode ser aplicada em defesa deste espaço recém-conquistado e a ditadura será confrontada com mais uma “frente” na luta.
Com o tempo, essa combinação de resistência e de criação de instituições pode conduzir à liberdade de facto, provocando o colapso da ditadura e a instalação formal de um sistema democrático inegável, pois as relações de poder dentro da sociedade foram fundamentalmente alteradas.

A Polônia nas décadas de70 e 80 fornece um exemplo claro da progressiva recuperação das funções de uma sociedade e instituições através da resistência. A igreja católica tinham sido perseguida, mas nunca ficou sob controle completo dos comunistas. Em 1976, certos intelectuais e trabalhadores formaram pequenos grupos, tais como o KOR (Comitê de Defesa dos Trabalhadores) para promover suas ideias políticas. A organização do sindicato Solidariedade com o seu poder para comandar greves eficazes forçou sua própria legalização em 1980. Camponeses, estudantes, e muitos outros grupos também formaram as suas próprias organizações independentes. Quando os comunistas perceberam que esses grupos tinham mudado as realidades de poder, o Solidariedade foi novamente banido e os comunistas recorreram ao regime militar.

Mesmo sob a lei marcial, com muitas prisões e perseguição implacável, as novas instituições independentes da sociedade continuaram a funcionar. Por exemplo, dezenas de jornais e revistas ilegais continuaram a ser publicados. As editoras ilegais publicaram anualmente centenas de livros, enquanto escritores conhecidos boicotavam publicações Comunistas e editoras do governo. Atividades semelhantes continuaram em outras partes da sociedade.

Sob o regime militar de Jaruselski, o governo militar-comunista estava em um ponto descrito como se debatendo no topo da sociedade. Os funcionários ainda ocupavam escritórios e edifícios do governo. O regime ainda podia atacar a sociedade, com punições, prisões, detenções, apreensão de rotativas e similares. A ditadura, no entanto, não conseguia controlar a sociedade. A partir daí, foi só uma questão de tempo até que a sociedade fosse capaz de derrubar completamente o regime.

Mesmo quando a ditadura ainda ocupava cargos no governo, às vezes é possível organizar um “governo paralelo” democrático. Isto cada vez mais operaria como um governo rival para o qual a lealdade, respeito, cooperação são dadas pela população e pelas instituições da sociedade. A ditadura, então, consequentemente, em bases crescentes seria privada destas características de governo. Eventualmente, o governo democrático paralelo pode substituir completamente o regime ditatorial, como parte da transição para um regime democrático. No devido tempo, então, uma Constituição seria aprovada e as eleições realizadas como parte da transição.

Desintegrando a Ditadura

Embora a transformação institucional da sociedade esteja ocorrendo, o movimento de desobediência e não cooperação pode escalar. Os estrategistas das forças democráticas devem contemplar bem cedo que chegará um momento em que as forças democráticas podem ir além da resistência seletiva e lançar desafios em massa. Na maioria dos casos, será necessário tempo para criar, construir ou expandir as capacidades de resistência, e o desenvolvimento de desafios em massa só podem ocorrer após vários anos. Durante este período de transição as campanhas de resistência seletiva devem ser lançadas com objetivos políticos cada vez mais importantes. Os setores maiores da população em todos os níveis da sociedade devem se envolver. Dado um desfio político determinado e disciplinado durante esta escalada de atividades, as fraquezas internas da ditadura tendem a se tornar cada vez mais evidentes.

A combinação de desafio político forte e criação de instituições independentes provavelmente produzirá, com o tempo a atenção da comunidade internacional favorável às forças democráticas. Ela também pode produzir condenações internacionais diplomáticas, boicotes e embargos em apoio às forças democráticas (como aconteceu no caso da Polônia).

Os estrategistas devem estar cientes de que em algumas situações o colapso da ditadura pode ocorrer muito rapidamente, como aconteceu na Alemanha Oriental em 1989. Isso pode acontecer quando as fontes de poder são maciçamente cortadas como resultado da repulsa de toda a população contra a ditadura. Esse padrão não é usual, entretanto, e é melhor planejar para uma luta de longo prazo (mas estar preparado para uma luta curta).

Durante o curso da luta de libertação, as vitórias, mesmo em questões limitadas devem ser comemoradas. Aqueles que ganharam a vitória devem ser reconhecidos. Celebrações com vigilância deve também ajudar a manter elevado o moral necessário para as futuras fases da luta.

Lidando com o sucesso de maneira responsável

Planejadores da grande estratégia devem calcular antecipadamente as maneiras possíveis e preferenciais em que uma luta bem-sucedida pode ser mais bem realizada, a fim de evitar o surgimento de uma nova ditadura e garantir o estabelecimento progressivo de um sistema democrático durável.

Os democratas devem calcular como a transição da ditadura para o governo interino será tratada no final da luta. É desejável naquele momento estabelecer rapidamente um novo governo funcional. Mas, ele não deve ser apenas o velho governo com novas pessoas. É necessário calcular quais seções da antiga estrutura governamental (como a polícia política) devem ser completamente abolidas devido ao seu caráter inerentemente antidemocrático, e quais seções conservadas para serem submetidas a esforços de democratização posteriores. Um completo vazio governamental poderia abrir caminho para o caos ou para uma nova ditadura.

Reflexão deve ser dedicada com antecedência, a determinar qual deve ser a política para altos funcionários da ditadura quando seu poder se desintegrar. Por exemplo, devem os ditadores serem levados a julgamento em um tribunal? Ser-lhes-á permitido deixar o país de forma permanente? Quais outras opções podem existir que sejam compatíveis com o desafio político, a necessidade de reconstruir o país, e a construção de uma democracia, após a vitória? Um banho de sangue devem ser evitado, que poderia ter consequências drásticas sobre a possibilidade de um futuro sistema democrático.

Planos específicos para a transição para a democracia devem estar prontos para aplicação quando a ditadura estiver enfraquecendo ou desmoronando. Tais planos ajudarão a evitar que outro grupo tome o poder estatal através de um golpe de Estado. Planos para a instituição do governo democrático constitucional, com plena liberdade política e pessoal também serão necessários. As mudanças ganhas a um preço enorme não devem ser perdidas por falta de planejamento.

Quando confrontado com a população cada vez mais capacitadas e o crescimento de grupos e instituições democráticas independentes – que a ditadura é incapaz de controlar – os ditadores descobrirão que sua aventura inteira está se desfazendo. Paradas maciças da sociedade, greves gerais, paralizações em massa, marchas desafiadoras, ou outras atividades minarão cada vez mais a organização dos próprios ditadores e instituições relacionadas. Como consequência de tal desafio e não cooperação, executada com sabedoria e com participação em massa ao longo do tempo, os ditadores se tornariam impotentes e os defensores da democracia triunfariam sem violência. A ditadura se desintegraria diante da população desafiadora.
Nada desse esforço será bem-sucedido, especialmente não facilmente, e raramente rapidamente. Deve ser lembrado que, como tantas guerras militares são perdidas quantas são vencidas. Mas, o desafio político oferece uma possibilidade real de vitória. Conforme afirmado anteriormente, essa possibilidade pode ser muito aumentada através do desenvolvimento de uma grande estratégia sensata, planejamento estratégico cuidadoso, trabalho árduo, e luta disciplinada e corajosa.

Dez
Bases para a Democracia Durável

A desintegração da ditadura é, naturalmente, motivo de grande comemoração. As pessoas que sofreram por muito tempo e esforçaram-se por um preço enorme merecem um tempo de alegria, relaxamento e reconhecimento. Eles devem se sentir orgulhosos de si mesmos e de todos os que lutaram com eles para ganhar a liberdade política. Nem todos viverão para ver esse dia. Os vivos e os mortos serão lembrados como heróis que ajudaram a moldar a história da liberdade em seu país.

Infelizmente, este não é um momento para redução da vigilância. Mesmo no caso de uma desintegração bem-sucedida da ditadura através do desafio político, precauções cuidadosas deve ser tomadas para evitar o surgimento de um novo regime opressor a partir da confusão após o colapso do antigo regime. Os líderes das forças pró-democracia devem ter-se preparado com antecedência para uma transição ordenada para a democracia. As estruturas ditatoriais precisarão ser desmontadas. As bases constitucionais e legais e os padrões de comportamento de uma democracia duradoura precisarão ser construídos.

Ninguém deve acreditar que com a queda da ditadura, uma sociedade ideal aparecerá imediatamente. A desintegração da ditadura simplesmente fornece o ponto de partida, em condições de maior liberdade, para esforços de longo prazo para melhorar a sociedade e satisfazer as necessidades humanas de forma mais adequada. Graves problemas políticos, econômicos e sociais continuarão durante anos, exigindo a cooperação de muitas pessoas e grupos na busca de sua resolução. O novo sistema político deve proporcionar as oportunidades às pessoas com diferentes perspectivas e medidas favoráveis para continuar o trabalho construtivo e desenvolvimento de políticas para lidar com problemas no futuro.

Ameaças de uma nova ditadura

Aristóteles advertiu há muito tempo que “. . . a tirania pode também se transformar em tirania… “. Há ampla evidência histórica da França (os Jacobinos e Napoleão), Rússia (os bolcheviques), Irã (o aiatolá), Birmânia (SLORC), e outros lugares onde o colapso de um regime opressivo será visto por algumas pessoas e grupos como mera oportunidade para entrar em cena como novos senhores. Seus motivos podem variar, mas os resultados são aproximadamente os mesmos. A nova ditadura pode ser até mais cruel e total no seu controle do que a antiga.

Mesmo antes do colapso da ditadura, os membros do antigo regime podem tentar abreviar a luta de desafio pela democracia, encenando um golpe de Estado destinado a antecipar a vitória da resistência popular. Eles podem alegar derrubar a ditadura, mas na verdade procuram apenas impor um novo modelo renovado do antigo regime.

Bloqueando golpes

Existem várias maneiras em que os golpes contra as sociedades recém-libertadas podem ser derrotados. Conhecimento antecipado daquela capacidade de defesa às vezes pode ser suficiente para impedir a tentativa. A preparação pode produzir prevenção. Imediatamente após um golpe ter começado, os golpistas exigem legitimidade, ou seja, a aceitação de seu direito moral e político de governar. O primeiro princípio básico de defesa antigolpe é, portanto, negar a legitimidade aos golpistas.

Os golpistas também exigem que os líderes civis e da população sejam apoiadores, confusos, ou apenas passivos. Os golpistas exigem a colaboração de especialistas e assessores, burocratas e funcionários públicos, administradores e juízes, a fim de consolidar seu controle sobre a sociedade afetada. Os golpistas também exigem que a multidão de pessoas que operam o sistema político, as instituições da sociedade, a economia, a polícia e as forças militares passivamente se apresentem e executem suas funções habituais, alteradas pela ordens e políticas dos golpistas.

O segundo princípio básico de defesa antigolpe é resistir aos golpistas através de não cooperação e desafio. A cooperação e a assistência necessária devem ser negadas. Basicamente, os mesmos meios de luta que foram usados contra a ditadura podem ser usados contra a nova ameaça, mas aplicados imediatamente. Se tanto a legitimidade quanto a cooperação forem negados, o golpe pode morrer de inanição política e a chance de construir uma sociedade democrática restaurada.

Elaboração da Constituição

O novo sistema democrático exigirá uma constituição que estabeleça o quadro desejado para o governo democrático. A Constituição deve estabelecer os propósitos do governo, limites dos poderes governamentais, os meios e o calendário de eleições em que os funcionários governamentais e parlamentares serão escolhidos, os direitos inerentes ao povo, e a relação do governo nacional com outros níveis inferiores de governo .

Dentro do governo central, se é para continuar democrático, uma divisão clara da autoridade deve ser estabelecida entre os poderes legislativo, executivo e judiciário do governo. Fortes restrições devem ser incluídas às atividades da polícia, serviços de inteligência e forças militares para proibir qualquer tipo de interferência política legal.

No interesse de preservar o sistema democrático e impedir tendências e medidas ditatoriais, a constituição deve ser preferencialmente uma que estabeleça um sistema federal com significativas prerrogativas reservadas para os níveis estadual, regional e local de governo. Em algumas situações, o sistema suíço de cantões pode ser considerado em que áreas relativamente pequenas retêm prerrogativas mais importantes, ao mesmo tempo em que continua a fazer parte do país como um todo.

Se uma Constituição com muitas dessas características existia antes na história do país recém-libertado, pode ser sábio simplesmente restaurar sua operação, alterando-a conforme necessário e desejável. Se uma Constituição mais antiga adequada não existir, pode ser necessário operar com uma constituição provisória. Caso contrário, uma nova Constituição precisará ser preparada. Preparar uma nova Constituição exigirá tempo e reflexão consideráveis. A participação popular neste processo é desejável e necessária para a ratificação de um novo texto ou alterações. Deve-se ser muito cauteloso sobre a inclusão na Constituição de promessas que mais tarde podem se provar impossíveis de implementar ou disposições que exigiriam um governo altamente centralizado, porque ambos podem facilitar uma nova ditadura.

O texto da Constituição deve ser facilmente entendido pela maioria da população. Uma constituição não deve ser tão complexa ou ambígua que apenas os advogados ou outras elites pode pretender compreendê-la.

Um política de defesa democrática

O país libertado também pode enfrentar ameaças externas para as quais seria necessária uma capacidade de defesa. O país também pode ser ameaçado por tentativas estrangeiras de estabelecer dominação econômica, política ou militar.

No interesse da manutenção da democracia interna, grande consideração deve ser dada à aplicação dos princípios básicos de desafio político para as necessidades da defesa nacional. Colocando capacidade de resistência diretamente nas mãos dos cidadãos, países recém-libertados puderam evitar a necessidade de estabelecer uma forte capacidade militar que pudesse ameaçar a própria democracia ou exigir vastos recursos econômicos tão necessários para outros fins.

Deve ser lembrado que alguns grupos ignorarão qualquer disposição constitucional em seu objetivo de se estabelecerem como novos ditadores. Portanto, um papel permanente existirá para a população aplicar desafio político e não cooperação contra pretensos ditadores, e para preservar as estruturas, direitos e procedimentos democráticos.

Uma responsabilidade meritória

O efeito da luta não violenta não é apenas enfraquecer e remover os ditadores, mas também dar poder aos oprimidos. Esta técnica permite que as pessoas que antes se sentiam apenas peões ou vítimas exercer o poder diretamente, a fim de obter por seus próprios esforços maior liberdade e justiça. Esta experiência de luta tem importantes

consequências psicológicas, contribuindo para o aumento da autoestima e autoconfiança entre aqueles anteriormente impotentes.

Uma das consequências benéficas de longo prazo importantes da utilização da luta não violenta para estabelecer um governo democrático é que a sociedade será mais capaz de lidar com problemas contínuos e futuros. Estes podem incluir futuro abuso governamental e corrupção, maus tratos de qualquer grupo, injustiças econômicas, e limitações das qualidades democráticas do sistema político. A população com experiência na utilização de desafio político menos provavelmente será vulnerável às futuras ditaduras.

Após a libertação, a familiaridade com a luta não violenta fornecerá os meios para defender a democracia, as liberdades civis, direitos das minorias, e as prerrogativas do Estado, regionais, governos locais e instituições não-governamentais. Tais meios também fornecem maneiras pelas quais as pessoas e grupos possam expressar discordância de forma pacífica em questões vistas como tão importante que grupos de oposição algumas vezes, recorreram ao terrorismo ou à guerra de guerrilha.

Os pensamentos neste exame do desafio político ou da luta não violenta se destinam a ser úteis a todas as pessoas e grupos que buscam se livrar da opressão ditatorial de seu povo e estabelecer um sistema democrático durável, que respeite as liberdades humanas e a ação popular para melhorar a sociedade.
Existem três conclusões mais importantes às ideias esboçadas aqui:

• A libertação de ditaduras é possível;
• Reflexão muito cuidadosa e planejamento estratégico serão necessários para alcançá-lo, e
• Vigilância, trabalho árduo e luta disciplinada, muitas vezes a grande custo, serão necessários.

A frase muito citada “A liberdade não é livre” é verdadeira. Nenhuma força externa está vindo para dar aos povos oprimidos, a liberdade que eles tanto desejam. As pessoas terão de aprender a conquistar, elas mesmas, aquela liberdade. Fácil, não pode ser.

Se as pessoas puderem entender o que é necessário para sua própria libertação, elas podem traçar rotas de ação que, através de muitas dores, podem, com o tempo, lhes trazer sua liberdade. Então, com a diligência eles podem construir uma nova ordem democrática e preparar sua defesa. A liberdade conquistada por luta desse tipo pode ser duradoura. Ela pode ser mantida por um povo tenaz comprometido com a sua preservação e enriquecimento.

Apêndice Um
Os métodos de ação não violenta

OS MÉTODOS DE PROTESTO NÃO VIOLENTOS E PERSUASÃO

Declarações formais
1. Discursos públicos
2. Cartas de oposição ou de apoio
3. Declarações de organizações e instituições
4. Declarações públicas assinadas
5. Declarações da acusação e de intenção
6. Comunicações de petições em Grupo ou em massa

Comunicação com uma audiência mais ampla
7. Slogans, caricaturas e símbolos
8. Banners, cartazes e comunicações exibidas
9. Folhetos, panfletos e livros
10. Jornais e revistas
11. Discos, rádio e televisão
12. Escritas com fumaça no céu ou na terra

Representações em grupo
13. Delegações
14. Prêmios satíricos
15. Grupos de lobby
16. Piquetes
17. Simulacros de eleições

Atos públicos simbólicos
18. Exibição de bandeiras e cores simbólicas
19. Uso de símbolos
20. Oração e culto
21. Entrega de objetos simbólicos
22. Nudez em protesto
23. Destruição de propriedade própria
24. Luzes simbólicas
25. Mostra de retratos
26. Pintura como forma de protesto
27. Novos sinais e nomes
28. Sons simbólicos
29. Reclamações simbólicas
30. Gestos rudes

Pressões sobre os indivíduos
31. “Atormentar” funcionários
32. “Insultar” funcionários
33. confraternização
34. Vigílias

Teatro e música
35. Sketches cômicos e brincadeiras
36. Desempenho de jogos e música
37. Canto

Procissões
38. Marchas
39. Desfiles
40. Procissões religiosas
41. Peregrinações
42. Cortejos

Homenagem aos mortos
43. Luto Político
44. Simulacros de funerais
45. Funerais demonstrativos
46. Peregrinação a locais de sepultamento

Assembleias públicas
47. Assembleias de protesto ou de apoio
48. Reuniões de protesto
49. Reuniões camufladas de protesto
50. Invasões de aulas

Retirada e renúncia
51. Abandono de recinto
52. Silêncio
53. Renúncias a homenagens
54. Virar as costas

MÉTODOS DE NÃO COOPERAÇÃO SOCIAL

ostracismo de pessoas
55. boicote Social
56. Boicote social seletivo
57. greve de sexo
58. Excomunhão
59. Interdições

não cooperação com os eventos sociais, costumes e instituições
60. Suspensão de atividades sociais e esportivas
61. Boicote a assuntos sociais
62. Greve estudantil
63. Desobediência Social
64. Retirada de instituições sociais

Retirada do sistema social
65. Permanência em casa
66. Não-cooperação pessoal total
67. Fuga de trabalhadores
68. Santuário
69. Desaparecimento coletivo
70. Emigração em protesto (hegira)

OS MÉTODOS DE NÃO COOPERAÇÃO ECONÔMICA:
(1) BOICOTES ECONÔMICOS


ação por parte de consumidores
71. boicote de consumidores
72. Não-consumo de mercadorias boicotadas
73. Política de austeridade
74. Retenção de aluguel
75. Recusa de alugar
76. boicote nacional de consumidores
77. Boicote internacional de consumidores

ação por parte dos trabalhadores e produtores
78. Boicote de Trabalhadores
79. Boicote de produtores

Ações por intermediários
80. Boicote de Fornecedores e manipuladores

ação de proprietários e gerentes
81. Boicote de negociadores
82. Recusa a alugar ou vender imóveis
83. Locaute
84. Recusa de assistência industrial
85. “Greve geral” de comerciantes

Ação por parte dos titulares de recursos financeiros
86. Retirada de depósitos bancários
87. Recusa de pagamento de taxas, encargos e multas
88. Recusa de pagamento de dívidas ou de juros
89. Corte de fundos e de crédito
90. Recusa da receita
91. Recusa de dinheiro de um governo

ação de governos
92. Embargo Doméstico
93. “Lista negra” de comerciantes
94. Embargo de vendedores internacionais
95. Embargo de compradores internacionais
96. Embargo de comércio internacional

OS MÉTODOS DE NÃO COOPERAÇÃO ECONÔMICA:
(2) GREVE


greves simbólicas
97. greve de protesto
98. Paralização rápida (greve relâmpago)

greves agrícolas
99. Greve de camponeses
100. Greve de trabalhadores agrícolas

Greves de grupos especiais
101. Recusa de trabalho impresso
102. Greve de prisioneiros
103. Greve de Artesãos
104. Greve Profissional

Greves industriais comuns
105. Greve de Estabelecimento
106. Greve de Indústria
107. Greve de Simpatia

greves restritas
108. Greve detalhada
109. Greve de recusa
110. Operação tartaruga
111. Operação padrão
112. Informe de “doença”
113. Greve por demissão
114. greve limitada
115. greve seletiva

greves multi-industriais
116. greve generalizada
117. Greve geral

combinações de greves e fechamentos econômicos
118. Hartal (fechamento geral)
119. Desligamento Econômico

MÉTODOS DE NÃO COOPERAÇÃO POLÍTICA

rejeição da autoridade
120. Retirada ou contingenciamento de fidelidade
121. Recusa de apoio público
122. Literatura e discursos defendendo a resistência

não-cooperação dos cidadãos com o governo
123. Boicote de corpos legislativos
124. Boicote às eleições
125. Boicote de emprego e cargos no governo
126. Boicote aos departamentos governamentais, agências e outros órgãos
127. Retirada de instituições de ensino governamentais
128. Boicote de organizações apoiadas pelo governo
129. Recusa de assistência aos agentes da lei
130. Remoção de sinais próprios e marcadores
131. Recusa em aceitar funcionários nomeados
132. Recusa a dissolver as instituições existentes

alternativas dos cidadãos à obediência
133. Respeito relutante e lento
134. Não-obediência na ausência de supervisão direta
135. Não-obediência Popular
136. Desobediência disfarçada
137. Recusa de uma assembleia ou reunião dispersar-se
138. Ocupação sentada
139. Não-cooperação com o serviço militar obrigatório e deportação
140. Ocultação, fuga e identidades falsas
141. Desobediência civil a leis “ilegítimas”

ação de funcionários do governo
142. Recusa seletiva de assistência por assessores do governo
143. Bloqueio de linhas de comando e informações
144. Retardamento e obstrução
145. não-cooperação administrativa geral
146. Não-cooperação judiciária
147. Ineficiência deliberada e não-cooperação seletiva de agentes da lei
148. Motim

Ação governamental doméstica
149. Evasões semilegais e atrasos
150. Não-cooperação por unidades governamentais

ação governamental internacional
151. Mudanças na representação diplomática e outras representações
152. Atraso e cancelamento de eventos diplomáticos
153. Retenção do reconhecimento diplomático
154. Rompimento das relações diplomáticas
155. Retirada de organizações internacionais
156. Recusa de participação em organismos internacionais
157. Expulsão de organizações internacionais

OS MÉTODOS DE INTERVENÇAO NÃO VIOLENTA

intervenção psicológica
158. Auto exposição aos elementos
159. Jejum
(a) Jejum de pressão moral
(b) Greve de fome
(c) jejum Satyagrahica
160. Julgamento reverso
161. Assédio não violento

Intervenção física
162. Ocupação sentada
163. Ocupação de pé
164. Ocupação de meios de transporte
165. Ocupação de rios
166. Ocupação de usinas
167. Ocupação rezando
168. Ataques Não violentos
169. Bombardeios aéreos não violentos
170. Invasão não violenta
171. interjeição não violenta
172. Obstrução não violenta
173. Ocupação não violenta

intervenção social
174. Estabelecimento de novos padrões sociais
175. Sobrecarga de instalações
176. interferência retardatoria
177. Intervenção com discursos
178. Teatro de guerrilha
179. Instituições sociais alternativas
180. Sistema alternativo de comunicação

Intervenção econômica
181. Greve reversa
182. Greve com permanência
183. Ocupação de terra não violenta
184. Desafio a bloqueios
185. Falsificação politicamente motivada
186. Compra preventiva
187. Apreensão de bens
188. Dumping
189. Patrocínio Seletivo
190. Mercados alternativos
191. Sistemas de transporte alternativo
192. Instituições econômicas alternativas

Intervenção política
193. Sobrecarga dos sistemas administrativos
194. Revelação da identidades de agentes secretos
195. Busca de prisão
196. Desobediência civil de leis “neutras”
197. Trabalho sem colaboração
198. Dupla soberania e governo paralelo

Apêndice Dois
Agradecimentos e notas sobre a história
de Da Ditadura à Democracia

Tenho várias dívidas de gratidão ao escrever a edição original deste ensaio. Bruce Jenkins, meu assessor especial em 1993, deu uma contribuição inestimável com sua identificação de problemas em conteúdo e apresentação. Ele também fez recomendações incisivas para apresentações mais rigorosas e precisas das ideias difíceis (especialmente em matéria de estratégia), reorganização estrutural e melhorias de redação.
Também sou grato pela assistência editorial de Stephen Coady. Dr. Christopher Kruegler e Robert Helvey ofereceram críticas e conselhos muito importantes. Dr. Hazel McFerson e Dra. Patrícia Parkman forneceram informações sobre as lutas na África e na América Latina, respectivamente. Mas, a análise e as conclusões aqui contidas são exclusivamente de minha responsabilidade.

Nos últimos anos, orientações especiais para traduções foram desenvolvidas, principalmente devido à orientação de Jamila Raqib e às lições aprendidas em anos anteriores. Isso foi necessário para garantir a precisão de linguagem em que se tenha sido anteriormente estabelecida uma terminologia clara para este campo.

“Da ditadura à Democracia” foi escrito a pedido do falecido U Tin Maung Win, um proeminente democrata birmanês exilado que era então editor do Khit Pyaing (O Jornal Nova Era).

A preparação do presente texto baseou-se em mais de quarenta anos de pesquisa e escrita sobre a luta não violenta, ditaduras, regimes totalitários, movimentos de resistência, teoria política, análise sociológica, e outros campos.

Eu não poderia escrever uma análise que tivesse um foco apenas na Birmânia, pois eu não conhecia bem a Birmânia. Portanto, eu tinha que escrever uma análise genérica.

O ensaio foi publicado originalmente em capítulos em birmanês Khit Pyaingin e inglês em Bangkok, Tailândia, em 1993. Posteriormente, foi emitido como um livreto em ambos os idiomas (1994) e, uma vez mais, em birmanês (1996 e 1997). As edições em brochura original de Bangkok foram publicadas com o apoio da Comissão para a Restauração da Democracia na Birmânia.

Ela circulou tanto sub-repticiamente na Birmânia quanto entre exilados e simpatizantes em outros lugares. Esta análise destinava-se exclusivamente para uso dos democratas birmaneses e vários grupos étnicos da Birmânia, que queriam a independência do governo central dominado pelos Birmaneses em Rangun. (Birmaneses são o grupo étnico dominante na Birmânia).

Eu não percebi, então, que o foco genérico tornasse a análise potencialmente relevantes em qualquer país com um governo autoritário ou ditatorial. No entanto, essa parece ter sido a percepção que pessoas que nos últimos anos têm procurado traduzi-lo e distribuí-lo nos idiomas de seus países. Várias pessoas relataram que pode ser lido como se fosse escrito para o seu país.

A ditadura militar SLORC de Rangun não perdeu tempo em denunciar esta publicação. Pesados ataques foram feitos em 1995 e 1996, e teriam continuado nos últimos anos em jornais, rádio e televisão. Ainda em 2005, pessoas eram condenadas a penas de prisão de sete anos apenas por estar na posse da publicação proibida.

Embora nenhum esforço tenha sido feito para promover a publicação para uso em outros países, traduções e distribuição da publicação começaram a se espalhar por conta própria. Uma cópia da edição em idioma Inglês foi vista em exposição na vitrine de uma livraria em Bangkok por um estudante da Indonésia, foi comprado e levado de volta para casa. Lá, ele foi traduzido para o indonésio e publicado em 1997 por uma grande editora da Indonésia com uma introdução de autoria de Abdurrahman Wahid. Ele era, então, chefe da Nadhlatul Ulama, a maior organização muçulmana do mundo, com trinta e cinco milhões de membros, e mais tarde presidente da Indonésia.

Durante este tempo, em meu escritório na Albert Einstein Institution tínhamos apenas um punhado de fotocópias do livrinho de Bangkok em inglês. Durante alguns anos tivemos de fazer cópias dele quando tínhamos pedidos para os quais ele era relevante. Mais tarde, Marek Zelaskiewz, da Califórnia, levou uma dessas cópias a Belgrado durante o tempo de Milosevic e deu-a à organização Civic Initiatives. Eles o traduziram para o sérvio e o publicaram. Quando visitei a Sérvia, após o colapso do regime de Milosevic foi-nos dito que o livro tinha sido bastante influente no movimento de oposição.

Igualmente importante foi o seminário sobre luta não violenta que Robert Helvey, um coronel do Exército americano aposentado, tinha dado em Budapeste, Hungria, a cerca de vinte jovens sérvios sobre a natureza e o potencial da luta não violenta. Helvey também lhes deu cópias completas de A Política de Ação Não violenta. Estas foram as pessoas que se tornaram a organização Otpor que liderou a luta não violenta que derrubou Milosevic.

Geralmente não sabemos como o conhecimento desta publicação se espalhou de um país para outro. Sua disponibilidade em nosso site, nos últimos anos tem sido importante, mas claramente este não é o único fator. Rastrear estas conexões seria um importante projeto de pesquisa.

“Da Ditadura à Democracia” é uma análise pesada e não é uma leitura fácil. Mesmo assim, ela tem sido considerada importante o suficiente para ter pelo menos 28 traduções (até Janeiro de 2008) a serem preparadas, embora elas exijam muito trabalho e despesa.

As traduções da publicação em versão impressa ou o site Web incluem os seguintes idiomas: Amárico (Etiópia), árabe, azeri (Azerbaijão), Bahasa da Indonésia, Bielorrusso, Birmanês, Chin (Birmânia), Chinês (simplificado e Mandarim tradicional), Dhivehi (Maldivas), Persa (Irã), Francês, Georgiano, Alemão, Jing Paw (Birmânia), Karen (Birmânia), Khmer (Camboja) Curdo, Quirguiz (Quirguistão), Nepalês, Pashto (Afeganistão e Paquistão), Russo, Sérvio, Tibetano, Espanhol, Tigrinya (Eritreia), Ucraniano, Usbeque (Uzbequistão), e Vietnamita. Vários outros estão em preparação.

Entre 1993 e 2002 houve seis traduções. Entre 2003 e 2008 houve 22.

A grande diversidade das sociedades e idiomas em que as traduções se espalharam apoiam a conclusão de que as pessoas que inicialmente se deparar com este documento viram que sua análise é relevantes para a sociedade.

Gene Sharp
Janeiro de 2008
Albert Einstein Institution
Boston, Massachusetts

Apêndice Três
Uma nota sobre as traduções e reimpressão desta publicação

Para facilitar a divulgação desta publicação, ela foi colocada no domínio público. Isso significa que qualquer pessoa está livre para reproduzi-la ou divulgá-la.

O autor, no entanto, tem vários pedidos que ele gostaria de fazer, embora os indivíduos não tenham a obrigação legal de acatar tais pedidos.

• O autor pede que nenhuma alteração seja feita no texto, acréscimos ou supressões, se ele for reproduzido.
• O autor solicita a notificação de indivíduos que pretendam reproduzir este documento. A notificação pode ser enviada ao Albert Einstein Institution (informações de contato aparecem no início desta publicação, imediatamente antes do Índice).

• O autor pede que, se esse documento for ser traduzido, muito cuidado seja tomado para preservar o significado original do texto. Alguns dos termos na presente publicação não se traduzem facilmente em outras línguas como equivalentes diretos para a “luta não violenta” e termos relacionados podem não estar disponíveis. Assim, cuidadosa atenção deve ser prestada à forma como estes termos e conceitos devam ser traduzidos, de forma a ser entendido exatamente por novos leitores.

Para os indivíduos e grupos que queiram traduzir este trabalho, a Instituição Albert Einstein desenvolveu um conjunto padrão de processos de tradução que podem ajudá-las. Eles são os seguintes:

• Ocorre um processo de seleção para selecionar um tradutor. Os candidatos são avaliados quanto à sua fluência em Inglês e na língua em que o trabalho será traduzido. Os candidatos também são avaliados quanto aos seus conhecimentos gerais em torno da matéria e sua compreensão dos termos e conceitos presentes no texto.

• Um avaliador é selecionado através de um processo semelhante. A tarefa do avaliador consiste em examinar criticamente a tradução e fornecer feedback e críticas ao tradutor. Muitas vezes, é melhor que o tradutor e o avaliador não conheçam a identidade um do outro.

• Uma vez que o tradutor e avaliador sejam selecionados, o tradutor apresenta uma amostra de tradução de duas ou três páginas do texto, bem como uma lista de um número significativo de termos-chave que estão presentes no texto.

• O avaliador avalia esta amostra de tradução e apresenta comentários ao tradutor.

• Se existirem problemas mais importantes entre a tradução da amostra do tradutor e avaliação do avaliador daquela tradução, então, ou o tradutor ou o avaliador pode ser substituído, dependendo da decisão do indivíduo ou grupo que está patrocinando a tradução. Se existem problemas menos importantes, o tradutor prossegue com a tradução completa do texto, levando em conta as observações do avaliador.

• Uma vez que todo o texto esteja traduzido, o avaliador avalia o texto inteiro e dá um feedback para o tradutor.

• Uma vez que o tradutor tenha considerou este feedback e feito as alterações necessárias, a versão final do texto está completa e o livro traduzido estará pronto para ser impresso e distribuído.

Leitura Complementar

  1. The Anti-Coup por Gene Sharp e Bruce Jenkins. Boston: The Albert Einstein Institution, 2003.
  2. Dictionary of Civilian Struggle: Technical Terminology of Nonviolent Action and the Control of Political Power por Gene Sharp. Próxima publicação.
  3. On Strategic Nonviolent Conflict: Thinking About the Fundamentals por Robert L. Helvey. Boston: The Albert Einstein Institution, 2002.
  4. The Politics of Nonviolent Action (3 vols.) por Gene Sharp. Boston: Extending Horizons Books, Porter Sargent Publishers, 1973.
  5. Self-Liberation por Gene Sharp com a ajuda de Jamila Raqib. Boston: The Albert Einstein Institution, 2010.
  6. Social Power and Political Freedom por Gene Sharp. Boston: Extending Horizons Books, Porter Sargent Publishers, 1980.
  7. There Are Realistic Alternatives por Gene Sharp. Boston: The Albert Einstein Institution, 2003.
  8. Waging Nonviolent Struggle: 20th Century Practice and 21st Century Potential por Gene Sharp. Boston: Extending Horizons Books, Porter Sargent Publishers, 2005.
Para informações sobre pedidos, favor contatar:
The Albert Einstein Institution
P.O. Box 455
East Boston, MA 02128, USA
Tel: USA +1 617-247-4882
Fax: USA +1 617-247-4035
Website: www.aeinstein.org
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