terça-feira, 30 de agosto de 2011

O planeta doente



por Guy Debord



A “poluição” está hoje na moda, exatamente da mesma maneira que a revolução: ela se apodera de toda a vida da sociedade e é representada ilusoriamente no espetáculo. Ela é tagarelice tediosa numa pletora de escritos e de discursos errôneos e mistificadores, e, nos fatos, ela pega todo mundo pelo pescoço. Ela se expõe em todo lugar enquanto ideologia e ganha terreno enquanto processo real. Esses dois movimentos antagônicos, o estágio supremo da produção mercantil e o projeto de sua negação total, igualmente ricos de contradições em si mesmos, crescem em conjunto. São os dois lados pelos quais se manifesta um mesmo momento histórico há muito tempo esperado e freqüentemente previsto sob figuras parciais inadequadas: a impossibilidade da continuação do funcionamento do capitalismo.

A época que tem todos os meios técnicos de alterar as condições de vida na Terra é igualmente a época que, pelo mesmo desenvolvimento técnico e científico separado, dispõe de todos os meios de controle e de previsão matematicamente indubitável para medir com exatidão antecipada para onde conduz — e em que data — o crescimento automático das forças produtivas alienadas da sociedade de classes: isto é, para medir a degradação rápida das condições de sobrevida, no sentido mais geral e mais trivial do termo.

Enquanto imbecis passadistas ainda dissertam sobre, e contra, uma crítica estética de tudo isso, e crêem mostrar-se lúcidos e modernos por se mostrarem esposados com seu século, proclamando que a auto-estrada ou Sarcelles têm sua beleza que se deveria preferir ao desconforto dos “pitorescos” bairros antigos ou ainda fazendo observar gravemente que o conjunto da população come melhor, a despeito das nostalgias da boa cozinha, já o problema da degradação da totalidade do ambiente natural e humano deixou completamente de se colocar no plano da pretensa qualidade antiga, estética ou outra, para se tornar radicalmente o próprio problema da possibilidade material de existência do mundo que persegue um tal movimento. A impossibilidade está de fato já perfeitamente demonstrada por todo o conhecimento científico separado, que discute somente sua data de vencimento; e os paliativos que, se fossem aplicados firmemente, a poderiam regular superficialmente. Uma tal ciência apenas pode acompanhar em direção à destruição o mundo que a produziu e que a mantém; mas ela é obrigada a fazê-lo com os olhos abertos. Ela mostra assim, num nível caricatural, a inutilidade do conhecimento sem uso.

Mede-se e se extrapola com uma precisão excelente o aumento rápido da poluição química da atmosfera respirável, da água dos rios, dos lagos e até mesmo dos oceanos; e o aumento irreversível da radioatividade acumulada pelo desenvolvimento pacífico da energia nuclear, dos efeitos do barulho, da invasão do espaço por produtos de materiais plásticos que podem exigir uma eternidade de depósito universal, da natalidade louca, da falsificação insensata dos alimentos, da lepra urbanística que se estende sempre mais no lugar do que antes foram a cidade e o campo; assim como as doenças mentais — aí compreendidas as fobias neuróticas e as alucinações que não poderiam deixar de se multiplicar bem cedo sobre o tema da própria poluição, da qual se mostra em todo lugar a imagem alarmante — e do suicídio, cujas taxas de expansão se entrecruzam já exatamente com as de edificação de um tal ambiente (para não falar dos efeitos da guerra atômica ou bacteriológica, cujos meios estão posicionados como a espada de Dâmocles, mas permanecem evidentemente evitáveis).

Logo, se a amplitude e a própria realidade dos “terrores do Ano Mil” são ainda um assunto controverso entre os historiadores, o terror do Ano Dois Mil é tão patente quanto bem fundado; ele é desde o presente uma certeza científica. Contudo, o que se passa não é em si mesmo nada novo: é somente o fim necessário do antigo processo. Uma sociedade cada vez mais doente, mas cada vez mais poderosa, recriou em todo lugar concretamente o mundo como ambiente e decoração de sua doença, enquanto planeta doente. Uma sociedade que não se tornou ainda homogênea e que não é mais determinada por si mesma, mas cada vez mais por uma parte dela mesma que lhe é superior, desenvolveu um movimento de dominação da natureza que contudo não se dominou a si mesmo. O capitalismo finalmente trouxe a prova, por seu próprio movimento, de que ele não pode mais desenvolver as forças produtivas; e isso não quantitativamente, como muitos acreditaram compreender, mas qualitativamente.

Contudo, para o pensamento burguês, metodologicamente, somente o quantitativo é o sério, o mensurável, o efetivo; e o qualitativo é somente a incerta decoração subjetiva ou artística do verdadeiro real estimado em seu verdadeiro peso. Ao contrário, para o pensamento dialético, portanto, para a história e para o proletariado, o qualitativo é a dimensão a mais decisiva do desenvolvimento real. Eis aí o que o capitalismo e nós terminamos por demonstrar.

Os senhores da sociedade são obrigados agora a falar da poluição, tanto para combatê-la (pois eles vivem, apesar de tudo, no mesmo planeta que nós; é este o único sentido ao qual se pode admitir que o desenvolvimento do capitalismo realizou efetivamente uma certa fusão das classes) e para a dissimular, pois a simples verdade dos danos e dos riscos presentes basta para constituir um imenso fator de revolta, uma exigência materialista dos explorados, tão inteiramente vital quanto o foi a luta dos proletários do século XIX pela possibilidade de comer. Após o fracasso fundamental de todos os reformismos do passado — que aspiram todos eles à solução definitiva do problema das classes —, um novo reformismo se desenha, que obedece às mesmas necessidades que os precedentes: lubrificar a máquina e abrir novas oportunidades de lucros às empresas de ponta. O setor mais moderno da indústria se lança nos diferentes paliativos da poluição, como em um novo nicho de mercado, tanto mais rentável quanto mais uma boa parte do capital monopolizado pelo Estado nele está a empregar e a manobrar. Mas se este novo reformismo tem de antemão a garantia de seu fracasso, exatamente pelas mesmas razões que os reformismos passados, ele guarda em face deles a radical diferença de que não tem mais tempo diante de si.

O desenvolvimento da produção se verificou inteiramente até aqui enquanto realização da economia política: desenvolvimento da miséria, que invadiu e estragou o próprio meio da vida. A sociedade em que os produtores se matam no trabalho, e cujo resultado devem somente contemplar, lhes deixa claramente ver, e respirar, o resultado geral do trabalho alienado enquanto resultado de morte. Na sociedade da economia superdesenvolvida, tudo entrou na esfera dos bens econômicos, mesmo a água das fontes e o ar das cidades, quer dizer que tudo se tornou o mal econômico, “negação acabada do homem” que atinge agora sua perfeita conclusão material. O conflito entre as forças produtivas modernas e as relações de produção, burguesas ou burocráticas, da sociedade capitalista entrou em sua fase última. A produção da não-vida prosseguiu cada vez mais seu processo linear e cumulativo; vindo a atravessar um último limiar em seu progresso, ela produz agora diretamente a morte.

A função última, confessada, essencial, da economia desenvolvida hoje, no mundo inteiro em que reina o trabalho-mercadoria, que assegura todo o poder a seus patrões, é a produção dos empregos. Está-se bem longe das idéias “progressistas” do século anterior [século XIX] sobre a diminuição possível do trabalho humano pela multiplicação científica e técnica da produtividade, que se supunha assegurar sempre mais facilmente a satisfação das necessidades anteriormente reconhecidas por todos reais e sem alteração fundamental da qualidade mesma dos bens que se encontrariam disponíveis. É presentemente para produzir empregos, até nos campos esvaziados de camponeses, ou seja, para utilizar o trabalho humano enquanto trabalho alienado, enquanto assalariado, que se faz todo o resto; e, portanto, que se ameaça estupidamente as bases, atualmente mais frágeis ainda que o pensamento de um Kennedy ou de um Brejnev, da vida da espécie.

O velho oceano é em si mesmo indiferente à poluição; mas a história não o é. Ela somente pode ser salva pela abolição do trabalho-mercadoria. E nunca a consciência histórica teve tanta necessidade de dominar com tanta urgência seu mundo, pois o inimigo que está à sua porta não é mais a ilusão, mas sua morte.

Quando os pobres senhores da sociedade da qual vemos a deplorável conclusão, bem pior do que todas as condenações que puderam fulminar outrora os mais radicais dos utopistas, devem presentemente reconhecer que nosso ambiente se tornou social, que a gestão de tudo se tornou um negócio diretamente político, até as ervas dos campos e a possibilidade de beber, até a possibilidade de dormir sem muitos soníferos ou de tomar um banho sem sofrer de alergias, num tal momento se deve ver também que a velha política especializada deve reconhecer que ela está completamente finda.

Ela está finda na forma suprema de seu voluntarismo: o poder burocrático totalitário dos regimes ditos socialistas, porque os burocratas no poder não se mostraram capazes nem mesmo de gerir o estágio anterior da economia capitalista. Se eles poluem muito menos — apenas os Estados Unidos produzem sozinhos 50% da poluição mundial — é porque são muito mais pobres. Eles somente podem, como por exemplo a China, reunindo em bloco uma parte desproporcionada de sua contabilidade de miséria, comprar a parte de poluição de prestígio das potências pobres, algumas descobertas e aperfeiçoamentos nas técnicas da guerra termonuclear, ou mais exatamente, do espetáculo ameaçador. Tanta pobreza, material e mental, sustentada por tanto terrorismo, condena as burocracias no poder. E o que condena o poder burguês mais modernizado é o resultado insuportável de tanta riqueza efetivamente empestada. A gestão dita democrática do capitalismo, em qualquer país que seja, somente oferece suas eleições-demissões que, sempre se viu, nunca mudava nada no conjunto, e mesmo muito pouco no detalhe, numa sociedade de classes que se imaginava poder durar indefinidamente. Elas aí não mudam nada de mais no momento em que a própria gestão enlouquece e finge desejar, para cortar certos problemas secundários embora urgentes, algumas vagas diretrizes do eleitorado alienado e cretinizado (U.S.A., Itália, Inglaterra, França). Todos os observadores especializados sempre salientaram — sem se preocuparem em explicar — o fato de que o eleitor não muda nunca de “opinião”: é justamente porque é eleitor, o que assume, por um breve instante, o papel abstrato que é precisamente destinado a impedir de ser por si mesmo, e de mudar (o mecanismo foi demonstrado centenas de vezes, tanto pela análise política desmistificada quanto pelas explicações da psicanálise revolucionária). O eleitor não muda mais quando o mundo muda sempre mais precipitadamente em torno dele e, enquanto eleitor, ele não mudaria mesmo às vésperas do fim do mundo. Todo sistema representativo é essencialmente conservador, mesmo se as condições de existência da sociedade capitalista não puderam nunca ser conservadas: elas se modificam sem interrupção, e sempre mais rápido, mas a decisão — que afinal é sempre a decisão de liberar o próprio processo da produção capitalista — é deixada inteiramente aos especialistas da publicidade, quer sejam eles únicos na competição ou em concorrência com aqueles que vão fazer a mesma coisa, e aliás o anunciam abertamente. Contudo, o homem que vota “livremente” nos gaullistas ou no P.C.F., tanto quanto o homem que vota, constrangido e forçado, num Gomulka, é capaz de mostrar o que ele verdadeiramente é, na semana seguinte, participando de uma greve selvagem ou de uma insurreição.

A autoproclamada “luta contra a poluição”, por seu aspecto estatal e legalista, vai de início criar novas especializações, serviços ministeriais, cargos, promoção burocrática. E sua eficácia estará completamente na medida de tais meios. Mas ela somente pode se tornar uma vontade real ao transformar o sistema produtivo atual em suas próprias raízes. E somente pode ser aplicada firmemente no instante em que todas suas decisões, tomadas democraticamente em conhecimento pleno de causa, pelos produtores, estiverem a todo instante controladas e executadas pelos próprios produtores (por exemplo, os navios derramarão infalivelmente seu petróleo no mar enquanto não estiverem sob a autoridade de reais soviets de marinheiros). Para decidir e executar tudo isso, é preciso que os produtores se tornem adultos: é preciso que se apoderem todos do poder.

O otimismo científico do século XIX se desmoronou em três pontos essenciais. Primeiro, a pretensão de garantir a revolução como resolução feliz dos conflitos existentes (esta era a ilusão hegelo-esquerdista e marxista; a menos notada naintelligentsia burguesa, mas a mais rica e, afinal, a menos ilusória). Segundo, a visão coerente do universo, e mesmo simplesmente, da matéria. Terceiro, o sentimento eufórico e linear do desenvolvimento das forças produtivas. Se nós dominarmos o primeiro ponto, teremos resolvido o terceiro; e saberemos fazer bem mais tarde do segundo nossa ocupação e nosso jogo. Não é preciso tratar dos sintomas, mas da própria doença. Hoje o medo está em todo lugar, somente sairemos dele confiando-nos em nossas próprias forças, em nossa capacidade de destruir toda alienação existente e toda imagem do poder que nos escapou. Remetendo tudo, com exceção de nós próprios, ao único poder dos Conselhos de Trabalhadores possuindo e reconstruindo a todo instante a totalidade do mundo, ou seja, à racionalidade verdadeira, a uma legitimidade nova.

Em matéria de ambiente “natural” e construído, de natalidade, de biologia, de produção, de “loucura” etc., não haverá que escolher entre a festa e a infelicidade, mas, conscientemente e em cada encruzilhada, entre, de um lado, mil possibilidades felizes ou desastrosas, relativamente corrigíveis, e, de outra parte, o nada. As escolhas terríveis do futuro próximo deixam esta única alternativa: democracia total ou burocracia total. Aqueles que duvidam da democracia total devem esforçar-se para fazer por si mesmos a prova dela, dando-lhe a oportunidade de se provar em marcha; ou somente lhes resta comprar seu túmulo a prestações, pois “a autoridade, se a viu em obra, e suas obras a condenam” (Jacques Déjacque).

“A revolução ou a morte”: esse slogan não é mais a expressão lírica da consciência revoltada, é a última palavra do pensamento científico de nosso século [XX]. Isso se aplica aos perigos da espécie como à impossibilidade de adesão pelos indivíduos. Nesta sociedade em que o suicídio progride como se sabe, os especialistas tiveram que reconhecer, com um certo despeito, que ele caíra a quase nada em maio de 1968. Essa primavera obteve assim, sem precisamente subi-lo em assalto, um bom céu, porque alguns carros queimaram e porque a todos os outros faltou combustível para poluir. Quando chove, quando há nuvens sobre Paris, não esqueçam nunca que isso é responsabilidade do governo. A produção industrial alienada faz chover. A revolução faz o bom tempo.

Escrito em 1971, por Guy Debord, para aparecer no nº 13 da revista Internacional Situacionista, este artigo permaneceu inédito até recentemente, quando foi publicado, junto com dois outros textos do mesmo autor, em La Planète malade (Paris, Gallimard, 2004, pp. 77-94).  A tradução de “O planeta doente” aqui publicada apareceu pela primeira vez em http://juralibertaire.over-blog.com/article-13908597.html. Tradução de Emiliano Aquino (http://emilianoaquino.blogspot.com/).

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Líbia: A Revolução Arruinada


Enviado por Asad AbuKhalil, sexta-feira, 26/08/2011, 15:22

Isso não é uma revolução. Isso não é nem mesmo um levante popular. Isso é uma revolução arruinada. Não foi a NATO que transformou o levante popular com um potencial revolucionário em um movimento político reacionário encabeçado por ex-tenentes de Kadafi? Não foi essa intervenção da NATO que esmagou as ações concretas dos jovens revolucionários árabes? A NATO suprimiu os sonhos daqueles que esperavam um momento verdadeiramente revolucionário que desse um fim no bizarro modelo de governo do Jamahiriyyah. Esses sonhos foram destruídos sob as botas dos soldados franceses e ingleses.
O bravo povo da Líbia agia por conta própria para se livrar dos grilhões da tirania de Kadafi, quando as forças sinistras da nostalgia colonial interferiram. Essas forças ocidentais eram as mesmas que, há pouco, estavam completamente apaixonadas por Kadafi. O presidente "liberdade", George W. Bush, foi paradoxalmente - o paradoxo da retórica apenas - o presidente dos EUA que ganhou a honra de normalizar as relações entre o ditador líbio e as potências ocidentais. Foi um príncipe saudita, o notório Bandar Bin Sultan, que ajudou a Líbia a se aproximar dos países ocidentais.
Como isto poderia ser uma revolução com a NATO agora no comando? Se o Egito e a Tunísia não constituem uma verdadeira "revolução", no sentido marxista, em que os poderes políticos e sociais são desmontados, então a situação da Líbia está muito aquém de tal critério.
Liberais e conservadores (e ex-esquerdistas), que unem NATO e "revolução" na mesma frase parecem não notar este fato. Mas não é a primeira vez que eles se juntam para abençoar mais uma intervenção militar ocidental. Hillary Clinton reuniu-se - a poucas semanas - com o chefe da polícia secreta da Líbia, Mu`tasim - um dos filhos de Kadafi, para acusar seu regime de violações dos direitos humanos, lembrando a natureza brutal de seu mundo. Obama fez o mesmo. Ambos demagogicamente, porque ambos têm total desprezo para com os árabes. Eles realmente não acham que os árabes são inteligentes o suficiente para perceber ou recordar suas posições recentes, semanas antes, quando adotaram o ditador.
O povo líbio está de parabéns por derrubar o ditador, mas precisa tomar cuidado: a nova Líbia não pode cumprir as promessas de liberdade e prosperidade. As empresas de petróleo ocidentais se degladiam para obter uma posição na nova Líbia, da mesma forma que competiam para serem favorecidas pelo regime de Kadafi. O Conselho de Transição da Líbia não augura nada de bom: é chefiada pelo ministro da Justiça de Kadafi e pelo seu segundo em comando cujo ex-mentor não é outro senão o própiro filho de Kadafi, Sayf Al-Islam. A era Kadafi pode ter terminado, mas com a NATO no comando, é provável que o novo líder da Líbia seja um outro Hamid Karzai ou um cliente ainda mais compatível compativel com potências ocidentais. Mustafa Abd al-Jalil será o líder mais fraco do Oriente Médio; Com a NATO no comando, é certo que a Líbia não será livre. Para que isso aconteça, o povo líbio tem que levantar-se novamente, desta vez contra as forças externas das potências coloniais, e contra as ideologias reacionárias que o novo governo líbio trará junto com ele.
Extraído de http://goo.gl/EZNjF, traduzido pelo google tradutor e rapidamente revisado.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Belo Monte: Desobediência Civil, Violência e Religião

Fonte: Serviço Paz e Justiça SERPAJ-Brasil


Por Rosalvo Salgueiro*


Todo governo, por mais poderoso e avassalador que seja só se sustenta se tiver a aquiescência e a colaboração dos governados, por outro lado, a legitimidade e autoridade de um governo não residem exclusivamente em sua legalidade, mas também e principalmente na justiça de suas práticas e busca verdadeira do bem comum das suas decisões.


O cidadão antes de ser súdito é ser humano e como tal tem a orientar sua vida e seu proceder não apenas as leis e as ordens escritas emanadas pelos poderes e constituídos. Deve ele em primeiro lugar obediência à própria consciência que se funda em leis morais, éticas e religiosas, e porque não dizer, culturais. Assim, antes de obedecer cegamente uma lei ou uma ordem está o ser humano obrigado a se perguntar pela justiça e a moralidade do ditame a ser obedecido.


Há quem sustente que a desobediência civil seja um ato egoísta e um golpe mortal na democracia, e um desrespeito ao governo da maioria. Não se pode olvidar que a democracia não é apenas o governo da maioria. É isto sim, o governo da maioria, mas respeitando e defendendo o direito da minoria. Destarte, não apenas os governos manifestamente tiranos e ditatoriais podem ser legitimamente desobedecidos, mas todo governo ou autoridade que profira leis ou ordens injustas e que violentem a consciência das pessoas ou os direitos naturais.


Ao longo da história da humanidade, muitas foram as ocasiões em que se praticou desobediência civil, em todos os casos os acontecimentos futuros legitimaram essa prática.


Comumente se reconhece como precursores e expoentes da desobediência civil, o ativista americano do século 19, Hanry David Thoreau, que é tido como o sistematizador dessa prática, também são lembradas e aplaudidas as ações do líder indiano e profeta da Não-Violência Mahatma Gandhi, e do pacifista negro americano Martin Luter King.


Na maioria das culturas podem ser encontrados esses momentos. Na Bíblia, entre tantas, temos a história das parteiras Fua e Séfora que desobedeceram ao Faraó que lhes ordenara que matassem os filhos varões das mulheres hebréias. (Ex. 1, 15-22),


Desobediência Civil é diferente de manifestações populares e a pressão legítima que se exerce contra determinado ato do poder constituído para que atenda determinada reivindicação. Para haver a desobediência é necessária existência de uma autoridade, uma ordem ou uma lei injusta a ser afrontada, à qual, pelo menos em tese se deveria obedecer.


O dever de obediência reside na justiça e não a legalidade! Todo governo injusto e imoral que não oriente suas leis e ações na busca do bem comum e não se mostre sensível às reclamações, reivindicações e à participação democrática, deve ser desobedecido, ter a legitimidade contestada e a cooperação negada. A desobediência deve ser pública e de forma não-violenta.


Na America Latina mesmo depois da redemocratização e da eleição de governos chamados de “esquerda” há muitos casos em que não resta à população outra alternativa que não seja a prática efetiva da desobediência civil.


Na Nicarágua, o estilo autoritário do presidente Daniel Ortega, assim como sua prática de perseguir adversários políticos, está levando antigos companheiros de Revolução Sandinista a apoiar e praticar a Desobediência Civil, como é o caso do padre Ernesto Cardenal, do ex-comandante Sérgio Ramires, da defensora dos Direitos Humanos Vilma Nuñes, do cantor e compositor Carlos Mejia Godoy e tantos outros.


Na Argentina, o Prêmio Nobel da Paz e presidente internacional do SERPAJ-AL, Serviço Paz e Justiça na América Latina, Adolfo Pérez Esquivel juntamente com outros intelectuais lideram lutas contras a mineração de ouro a céu aberto e outras agressões ao meio ambiente. Adolfo Esquivel diz:“... não apenas somos a favor da desobediência civil como a temos praticado, não apenas contra as mineradoras, mas também contra a destruição dos bosques e a violação dos Direitos Humanos na Argentina e por toda a America Latina...”


No Brasil, o governo Lula retomou um projeto da época da Ditadura Militar de construir na Amazônia uma série de mega usinas hidrelétricas, sendo a primeira delas, a Barragem de Belo Monte, no Rio Xingu, no Estado do Pará. Esta será a terceira maior hidrelétrica do mundo, ficando atrás apenas das Três Gargantas na China e da Itaipu Binacional, Brasil/Paraguay. Para uma produção de 11.223 Mw, que devido ao regime de chuvas local, será alcança somente durante quatro meses por ano, no mais terá uma produção sustentada, não superior a 4.700 MW, essa barragem vai criar um lago de 516 km² cobrindo a floresta, além da construção de dois canais de 500 metros de largura por 35 km de comprimento cada um, maior que o canal do Panamá, em plena selva amazônica. Esses canais desviarão o rio do seu curso natural convertendo-o num filete d’água em uns trechos e completamente seco noutros, numa alça mais de 100 quilômetros do Xingu conhecida como Volta Gr ande.


A construção já foi contratada no dia 20 de abril último, em Brasília, por 19,6 milhões de reais, por meio de um conturbado processo de licitação que envolveu muito embargos e recursos judiciais, e que culminou com um leilão em que da apresentação, leitura das propostas, suas avaliações, proclamação do resultado e encerramentos levaram tão só sete minutos. Tudo sob intensos protestos de grupos indígenas, ONGs naturalistas e de Defesa dos Direitos Humanos.


Segundo José Ailton de Lima, diretor de energia e construções da CHESF - Companhia Hidroelétrica do São Francisco, empresa que lidera o consórcio ganhador do leilão, os trabalhos começarão em no máximo seis meses, tempo necessário para atender algumas exigências burocráticas. A obra vai atrair para região mais de 100 mil pessoas entre trabalhadores diretos e infra-estrutura de apoio, que certamente demandarão mais áreas da floresta que também serão desmatadas para sua instalação.


Para dar lugar ao lago serão removidas mais de 20 mil famílias que vivem na região, inclusive da zona rural de Altamira. Esta barragem vai modificar profundamente o estilo de vida e atingir pelo menos 15 etnias indígenas, inclusive algumas isoladas, (ainda não contatadas pelo homem branco) que vão perder suas áreas de caça, pesca e cultivo, e serão obrigados a abandonar suas terra e seus lugares sagrados onde vivem em harmonia com a natureza, praticam sua cultura, sua religião, e cultuam seus ancestrais.


A comunidade científica brasileira e internacional têm demonstrado de maneira cabal que o Brasil tem muitas outras e melhores alternativas para gerar energia, inclusive com menor custo, que vão da a re-potenciação das hidrelétricas antigas, a otimização da capacidade já instalada até a utilização do potencial eólico e solar que são abundantes no país.


A Igreja através de Dom Erwin Kräutler, bispo de Altamira a principal cidade da região e presidente do CIMI (Conselho Indigenista Missionário), e mesmo da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), assim como, as lideranças indígenas e os movimentos ambientalistas têm feito todo esforço para convencer o presidente Lula e seu governo dos enormes prejuízos sociais e danos ambientais que essa barragem trará, alertando para as graves conseqüências não só para a população local, mas que também contribuirá fortemente para o aquecimento global e provocará alteração climática prejudicando todo o planeta.


O diálogo com a comunidade indígena, nesses casos, é uma obrigação prevista na Constituição Federal do Brasil em seu artigo 231 e só teve início por imposição do poder judiciário, e ainda assim aconteceu de “mentirinha”, tudo já estava definido antes das consultas, o que se viu foi uma tremenda manipulação e feroz brutalidade do governo ao impedir que os verdadeiros e reconhecidos líderes indígenas participassem livremente do processo de consultas, essa prática foi amplamente denunciada na ocasião, pelos caciques Raoni Metuktire e Megaron Txucarramãe, assim como pelas organizações não governamentais e a Igreja. Além da constituição de seu país, Lula desrespeita também tratados internacionais como Convenção 69 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), que o Brasil assinou se comprometendo a obter o consentimento prévio dos indígenas antes de tomar medidas que os afetem diretamente.


O governo brasileiro, através da Resolução nº 102, de 13 de abril de 2010, do Conselho da Justiça Federal (CJF), criou às pressas a 9ª Vara Federal Ambiental e Agrária da Capital do Estado do Pará, que será especializada em julgar questões agrárias e ambientais retirando assim do juiz de Altamira, que tem reconhecido o direito dos índios e ribeirinhos, a competência para julgar os assuntos relacionados com construção da Barragem de Belo Monte. Casuísmos como este, configuram uma clara manipulação do poder judiciário brasileiro.


Ao se fechar para o diálogo, inclusive violando a Constituição do País, e manipulando o Poder Judiciário, o governo não deixa à sociedade outra alternativa de ação além da desobediência civil.


Nenhum governo pode simplesmente tomar suas decisões e fazer suas obras ao arrepio da lei e da opinião pública, ele precisa sempre se justificar e tentar ganhar os corações e as mentes dos cidadãos, principalmente em tempos de eleição.


Se as pessoas e movimentos sociais e ambientais que se opõem a essa barragem conseguirem mostrar para o conjunto da sociedade, inclusive a nível internacional o desastre que essa obra significa, puxando a opinião pública para o seu lado, que hoje em razão a insignificante cobertura dos meios de comunicação ignora os fatos, há chances efetivas de forçar o governo a voltar atrás ou pelo menos adiar essa tragédia.


A região aonde vai ser criado o lago abriga uma extra-ordinária biodiversidade cujas espécies se contam às centenas, sendo que algumas estão ameaçadas de extinção e outras são endêmicas (só ocorrem ali) existem também muitas espécies que ainda nem foram catalogadas e que se perderão para sempre.


O EIA (Estudo de Impactos Ambientais) feito pelo próprio governo dá conta de que ali já foram encontrados e catalogados: 174 espécies de peixes, 387 de répteis, 440 de aves e 259 de mamíferos, sem se falar dos insetos, fungos e todas as espécies de vegetais.


Cobrir com água a floresta é mais grave que simplesmente queimá-la, pois a decomposição de corpos orgânicos submersos tira o oxigênio da água e emite gás metano (CH4), para a atmosfera e provoca o aquecimento global, e é extraordinariamente mais prejudicial que o dióxido de carbono (CO²), que é o gás emitido na queima de materiais orgânicos e combustíveis fósseis.


Existe um embate midiático a ser travado, quem levar a melhor nessa área vencerá esse confronto. Cabe aos movimentos planejar eventos e criar fatos que sejam notícias, e que os meios de comunicação de massa não possam ignorá-los ou esconde-los, ainda que o queiram.


A causa é nobre e tem conseguido mobilizar personalidades importantes de todos os setores sejam da política, das artes, e das religiões, como é o caso do senador Pedro Simon entre outros, do cineasta e diretor da mega produção e mega sucesso hollyoodiana Avatar, James Cameron e o cantor de rock o inglês Sting, do Prêmio Nobel da Paz Adolfo Pérez Esquivel, assim como de expressivos teólogos da libertação como os brasileiros Frei Betto e Leonardo Boff, além de cientistas mundialmente conhecidos como Célio Bermann e Paulo Buckup, e muitos outros, ainda falta, entretanto, ganhar mais espaço nos meios de comunicação, que na verdade é quem faz a opinião pública.


Numa relação de injustiça a solidariedade vem sempre em favor do injustiçado, assim o movimento precisa ter o cuidado de não sair desse pólo da ação, deixando-o livre para ser assumido pelo governo, coisa que o presidente Lula sabe fazer muito bem.


Muitas são as ações concretas que os movimentos podem lançar mão, é importante que sejam fortes e impactantes e que possam facilmente ser compreendidas e aceitas pela população para que então, responda de forma solidária.


Como a primeira ação concreta de desobediência civil nessa luta, após a conclusão do processo de licitação, que foi o leilão realizado pelo governo do dia 20 de abril último, liderados pelo cacique kayapó Megaron Txucarramãe indígenas do Parque Nacional do Xingu paralisaram o serviço de travessia da balsa no Rio Xingu.


Os líderes indígenas encaminharam um comunicado ao comando da Polícia Militar de São José do Xingu explicando a ação. “A gente quer fazer um movimento pacífico e por isso pedimos ajuda para que a polícia não deixe os carros descerem para usar a balsa.”


Na correspondência eles informaram que o fechamento da travessia do Rio Xingu é por tempo indeterminado e deixam claro que o motivo do protesto é devido ao leilão realizado de Belo Monte (hidrelétrica do Rio Xingu) da qual não se aceita que o governo mantenha a construção.


A carta aberta do cacique Megaron ao presidente Lula deixa claro os objetivos e a disposição dos índios: Nós não somos bandidos, nós não somos traficantes para sermos tratados assim, o que nós queremos é a não construção da barragem de Belo Monte. Aqui nós não temos armas para enfrentar a força, se Lula fizer isso ele quer acabar com nós como vem demonstrando, mas o mundo inteiro vai poder saber que nós podemos morrer, mas lutando pelo nosso direito.”


Muitas outras ações podem ser realizadas, tais como a recusa decidida e consciente das pessoas em deixar suas terras para dar lugar ao lago, ou mesmo a ocupação dos canteiros e escritórios das empresas impedindo assim o avanço das obras. Cada ação deve ser analisada e assumida no momento, e da forma que se considere estratégicos para a sua prática.


Aqui estão presentes todos os elementos que justificam a desobediência civil, estão presentes: a causa justa, a autoridade arrogante, a lei e a ordem injusta que deve ser desobedecida, o povo consciente organizado e disposto a resistir, a articulação nacional e internacional. Falta ainda melhor articulação com a mídia.


A luta contra essa barragem de Belo Monte tem, pois, todos os ingredientes e as possibilidades de ser a maior experiência de desobediência cível da história na América Latina, com reais possibilidades de ser vencedor e um marco histórico na luta mundial para a salvação do planeta.


*Coordenador do Serviço Paz e Justiça SERPAJ-Brasil


Esse texto foi publicado na revista canadense Relations, nº 744, em novembro de 2010, tratando a temática Violência e Religião.

domingo, 21 de agosto de 2011

Carta aberta ao companheiro Lenin *


Herman Gorter**



(...) Ainda falta defender a Esquerda contra você em relação à questão do parlamentarismo. [1] A linha de esquerda, também em relação a esta questão, baseia-se nas mesmas razões gerais e teóricas levantadas quanto à questão sindical: isolamento do proletariado, enorme poderio do inimigo, necessidade de a massa se educar à altura de sua tarefa de, antes de tudo, só acreditar nela mesma, etc. Não preciso expor novamente todas estas razoes.

Mas neste ponto, e em relação à questão sindical, ainda existem razões suplementares.

Para começar: os operários e, em geral, as massas trabalhadoras da Europa Ocidental estão totalmente sob a dependência ideológica da cultura burguesa, das concepções burguesas e, em conseqüência, do sistema representativo e do parlamentarismo burguês, da democracia burguesa, num nível muito mais alto que os operários da Europa Oriental.

Entre nós a ideologia burguesa tomou conta de toda a vida social e, em conseqüência. também da vida política, peneirando profundamente na cabeça e no coração dos operários. E neste quadro que foram educados, cresceram, e isto já há muitos séculos. Eles estão saturados pelas concepções burguesas.

O companheiro Pannekoek descreve muito apropriadamente a situação na revista Comunismo, publicada em Viena

“A experiência alemã nos coloca frente ao grande problema da revolução na Europa Ocidental. Nestes países o modo de produção burguês e a sua cultura secular altamente desenvolvida marcaram profundamente a maneira de sentir e de pensar das massas populares. Por isso o seu caráter íntimo e espiritual é completamente diferente do que existe nos países orientais que nunca conheceram a dominação burguesa. E é nisto que reside, antes de tudo, a diferença do processo revolucionário a leste e a oeste da Europa. Na Inglaterra, França, Holanda, Escandinávia, Itália. Alemanha, uma forte burguesia florescia desde a Idade Média, na base de uma produção pequeno-burguesa e capitalista primitiva. E, quando se derrubou o feudalismo, desenvolveu-se igualmente no campo uma classe forte e independente de camponeses, que se tornou senhora de sua própria pequena economia. Nesta base desenvolveu-se a vida espiritual burguesa numa sólida cultura nacional. Isto ocorreu principalmente nos Estados litorâneos como a Inglaterra e a França, que tomaram a dianteira do desenvolvimento capitalista. Sujeitando o conjunto da economia à sua direção, vinculando mesmo as fazendas mais longínquas à esfera de sua economia mundial, o capitalismo, durante o século XIX, elevou o nível da cultura nacional, refinou-a, e através de seus meios espirituais de propaganda — a imprensa, a escola e a igreja — forjou com base neste modelo o cérebro popular, tanto no que se refere às massas proletarizadas atraídas para a cidade como em relação às que ficaram no campo.

“Tais considerações são válidas não somente para os países de origem do capitalismo mas também. embora sob formas um pouco diferentes, para a Austrália e a América, onde os europeus fundaram novos Estados, da mesma forma que para os países da Europa Central, como a Alemanha, a Áustria e a Itália, onde o novo desenvolvimento capitalista pôde se enxertar na antiga economia retardatária e na cultura pequeno-burguesa, O capitalismo, quando penetrou nos países da Europa do Leste, encontrou um material e tradições inteiramente diferentes. Na Rússia, na Polônia. na Hungria e nos países a leste do Elba não se encontra mais uma burguesia forte para dominar tradicionalmente a vida espiritual. A situação agrária, caracterizada pela grande propriedade fundiária, pelo feudalismo patriarca e pelo comunismo de aldeia, dava o tom à ideologia.”

Frente ao problema ideológico, o companheiro Pannekoek tocou a nota certa nesta citação. Muito melhor do que nós, ele demonstrou ao nível ideológico a diferença entre a Europa Ocidental e a Oriental, revelando, deste ponto de vista, a chave de uma tática revolucionária para a Europa Ocidental.

Se se estabelece a ligação disso com a causa material da força inimiga, ou seja, com o capital financeiro, então o conjunto da tática torna-se claro.

No entanto, pode-se dizer mais a respeito do problema ideológico. A liberdade burguesa, a força do parlamento, foram conquistas das gerações anteriores, dos antepassados, em sua luta libertadora na Europa Ocidental; conquista utilizada pelos proprietários, mas realizada pelo povo. A lembrança destas lutas é ainda uma tradição profundamente enraizada no sangue do povo. De fato, uma revolução é a lembrança mais profunda de um povo. O raciocínio de que ser representado no parlamento representa uma vitória atua inconscientemente como uma força imensa e tranqüila. Isto é sobretudo válido para os velhos países de burguesia, onde houve longas e constantes lutas pela liberdade: na Inglaterra, na Holanda e na França. E também, mas numa medida menos, na Alemanha, na Bélgica e nos países escandinavos. Um habitante da Europa Oriental não pode provavelmente imaginar a força que pode assumir esta influência.

Além disso, os operários lutaram aqui, freqüentemente durante muitos anos, pelo sufrágio universal, e o conquistaram na luta, direta ou indiretamente. A vitória produziu resultados na época. São generalizados o pensamento e o sentimento de que ter representantes no parlamento burguês, atribuindo-lhes a defesa de seus próprios interesses, constitui uma vitória e um progresso. Não se deve também subestimar a força desta ideologia.

E, finalmente, a classe operária da Europa Ocidental caiu no reformismo sob a direção dos parlamentares que a conduziram à guerra, à aliança com o capitalismo. A influência do reformismo também é gigantesca. Por todas estas razões o operário tornou-se escravo do parlamento, deixando-o agir sem controles. O próprio operário não atua mais. [2]

Sobrevém a revolução. Agora ele próprio deve fazer tudo. O operário deve lutar sozinho contando apenas com sua classe. Contra o tremendo inimigo deve travar a luta mais terrível de todos os tempos. Nenhuma tática de dirigente pode ajudá-lo. Todas as classes formam uma muralha abrupta diante dele, e nenhuma está com ele. Ao contrário, se ele se abandona aos seus dirigentes ou a outras classes no parlamento, um grande perigo o ameaça — o de voltar a cair em sua antiga fraqueza, deixando os dirigentes agirem por conta própria, o de se perder no sonho de que outros podem fazer a revolução por ele, o de ir a reboque das ilusões, o de continuar dominado pela ideologia burguesa.

Esta atitude das massas em relação aos dirigentes é também muito bem descrita pelo companheiro Pannekoek:

“O parlamentarismo é a forma típica da luta mediada por dirigentes, em que as massas desempenham um papel secundário. Sua prática consiste no fato de que deputados, personalidades particulares, travam a luta essencial. Eles devem, em conseqüência. despertar nas massas a ilusão de que outros podem travar a luta por elas. Antigamente, acreditava-se que os dirigentes poderiam obter reformas importantes para os operários através da via parlamentar, prevalecendo mesmo a ilusão de que os parlamentares poderiam realizar a revolução socialista através de medidas legislativas. Hoje, na medida em que o parlamentarismo tem um ar mais modesto, avança-se o argumento de que os deputados podem fazer uma grande propaganda pelo comunismo no parlamento. Mas sempre a importância decisiva é atribuída aos dirigentes. Naturalmente, encontram-se nesta situação os profissionais que dirigem a política – se necessário sob o disfarce democrático das discussões e resoluções de congressos. A história da social-democracia é, deste ponto de vista, uma lição de tentativas inúteis no sentido de que os próprios membros do partido determinem a linha política. Sempre que o proletariado luta pela via parlamentar isto é inevitável, e a situação permanecerá a mesma enquanto as massas não criarem órgãos para a sua própria ação, ou seja, enquanto a revolução estiver ainda por vir. Mas logo que as próprias massas entram em cena, para decidir e agir, os defeitos do parlamentarismo pesam na balança.

“O problema da tática consiste em encontrar os meios de extirpar a mentalidade tradicional burguesa que domina a sociedade e enfraquece as forças da massa dos proletários. Tudo o que fortalece novamente a concepção tradicional é nocivo. O aspecto mais firme, mais persistente desta mentalidade é exatamente sua dependência em relação aos dirigentes, aos quais os operários entregam a solução de todas as questões gerais, a direção de seus interesses de classe. O parlamentarismo tende inevitavelmente a paralisar a atividade das massas necessária à revolução. Podem-se proferir belos discursos para despertar a ação revolucionária! A atividade revolucionária não se alimenta de tais frases, mas apenas da dura e difícil necessidade, quando não há outra saída.

“A revolução exige ainda algo mais que o combate das massas, capaz de derrubar um sistema governamental sabemos que isto não pode ser provocado, mas deverá originar-se na necessidade profunda das massas. A revolução exige que o proletariado assuma as grandes questões da reconstrução social, as decisões mais difíceis, a revolução exige que o proletariado assuma integralmente o movimento criador. E isto é impossível se, de início, a vanguarda, e depois as massas, sempre e cada vez mais amplas, não tomarem as coisas em suas mãos, não se considerarem como responsáveis, não se dedicarem a tentar, a fazer a propaganda, a lutar, a procurar, a pensar, a pesar, a ousar e a executar até o fim. Mas tudo isto é difícil e penoso. Enquanto a classe operária for levada a acreditar na possibilidade de um caminho mais fácil onde outros atuem em seu lugar — conduzam a agitação de uma tribuna elevada, tomem decisões, dêem o sinal para a ação, façam leis – ela vacilará e ficará passiva sob o peso da velha mentalidade e das velhas debilidades.”

Os operários da Europa Ocidental devem – é preciso repetir isto mil vezes e, se for necessário, cem mil, um milhão de vezes (e quem não compreendeu isto e não aprendeu esta lição dos acontecimentos desde novembro de 1918 é um cego, mesmo se tratando de você, companheiro), os operários do Ocidente devem agir, antes de tudo, por sua própria conta, não somente no terreno sindical, mas também no terreno político. Porque eles estão sós e nenhuma astúcia tática dos dirigentes poderia ajuda-los. A maior força de impulsão deve surgir deles mesmos. Aqui, pela primeira vez, num nível mais alto que na Rússia, a emancipação da classe operária será obra dos próprios operários. É por isto que os companheiros da “esquerda” têm razão quando dizem aos companheiros alemães: não participem das eleições, boicotem o parlamento. Politicamente é preciso que vocês próprios façam tudo. Vocês não serão vitoriosos enquanto não tiverem consciência desta verdade e não agirem em conseqüência. Vocês apenas vencerão se agirem assim durante dois, cinco, dez anos esforçando-se homem por homem, grupo por grupo, em cada cidade, em cada província, enfim, em todo o país, como Partido, como União, como Conselhos de Fábrica, como Massa. como Classe. Através do exemplo e da luta sempre renovados, através das derrotas, a grande maioria de vocês acabará formando um bloco e poderá, depois de ter passado por esta escola, constituir uma massa grande e homogênea.

Mas os companheiros, os esquerdistas do KAPD, teriam cometido um grave erro se houvessem defendido esta linha apenas em palavras, pela propaganda. Na questão política, a luta e o exemplo têm ainda mais importância que na questão sindical.

Os companheiros do KAPD tinham pleno direito e obedeciam a uma necessidade histórica quando se separaram rapidamente do Spartacusbund, “rachando” com ele, ou melhor, com a sua central — quando esta não quis mais desenvolver esta propaganda. De fato, o proletariado alemão e os operários da Europa Ocidental precisavam, antes de tudo, de um exemplo. Era necessário, no quadro de um povo de escravos políticos, no mundo de oprimidos da Europa Ocidental, surgir um grupo exemplar de combatentes livres, sem dirigentes, ou seja, sem dirigentes à moda antiga. Sem deputados no parlamento.

E isto, sempre, não porque fosse belo ou bom, ou porque dessa forma fosse heróico ou maravilhoso, mas porque o povo trabalhador alemão e ocidental está só nesta terrível luta, não podendo esperar nenhum apoio das outras classes ou da inteligência dos dirigentes. Uma única coisa pode defendê-lo, a vontade e a decisão das massas, homem por homem, mulher por mulher, em bloco.

A esta tática, baseada em razões tão profundas, opõe-se a participação no parlamento, que só pode ser nociva à linha correta; e o prejuízo é infinitamente maior que à pequena vantagem da propaganda. (proporcionada pela tribuna parlamentar). É por isso que a esquerda recusa o parlamentarismo.

Você afirma que o companheiro Liebknecht [3] poderia, se estivesse vivo, fazer um trabalho maravilhoso no Reichstag. [4] É o que nós negamos. Ele não poderia manobrar politicamente num lugar onde todos os partidos da grande e da pequena burguesia fazem frente contra nós. E ele assim não ganharia melhor as massas do que fora do parlamento. Ao contrário, grande parte da massa ficaria satisfeita com seus discursos, e sua presença no parlamento seria portanto nociva. [5]

Sem dúvida um tal trabalho da “esquerda’ durará anos e as pessoas que desejam, por uma razão qualquer, êxitos imediatos, importantes cifras de adesões e de votos, grandes partidos e uma poderosa Internacional (em aparência), deverão esperar ainda muito tempo. Mas estarão satisfeitos com esta tática os que entendem que a vitória da revolução na Alemanha e na Europa Ocidental só será realidade se a maioria, se a massa dos operários, começar a ter confiança em si mesma.

Companheiro, você conhece o individualismo burguês da Inglaterra, sua liberdade burguesa, sua democracia parlamentar, da forma como se desenvolveram durante seis ou sete séculos? Da forma como realmente são: infinitamente diferentes da situação na Rússia? Você sabe como estas idéias estão profundamente enraizadas em cada indivíduo, inclusive nos proletários, na Inglaterra e nas colônias? Você conhece esta estrutura unificada num imenso conjunto? Sua importância geral, na vida social e pessoal? Acho que nenhum russo, nenhum europeu do Leste, conhece esta situação. Se vocês a conhecessem, vocês admirariam os operários ingleses que ousam se levantar radicalmente contra este imenso edifício, contra a maior construção política do capitalismo em todo o mundo.

Para chegar a esta atitude, no caso de ela ser plenamente consciente, não é sem dúvida necessário um sentido revolucionário mais apurado que o possuído pelos que romperam em primeiro lugar com o czarismo? A ruptura com o conjunto da democracia inglesa já significa o embrião da revolução inglesa. Porque esta ação se realiza com a mais firme decisão, como corresponde a uma Inglaterra alicerçada num passado histórico gigantesco e de poderosas tradições. Porque o proletariado inglês representa a maior força (é o mais forte do mundo, proporcionalmente). Reparem que ele se levanta de repente frente à burguesia mais forte do mundo, que ele se levanta com todas as forças e repudia rapidamente toda a democracia inglesa, embora em seu país a revolução ainda não esteja à vista.

A sua vanguarda, a esquerda, já fez tudo isto, assim como a vanguarda sabe que a classe operária está isolada, não podendo esperar apoio de nenhuma outra classe na Inglaterra, que o próprio proletariado, antes de tudo, deve lutar e vencer com sua vanguarda e não por intermédio de seus dirigentes. [6]

O proletariado inglês mostra, pelo exemplo de sua vanguarda, como quer lutar: sozinho contra todas as classes da Inglaterra e de suas colônias.

E, mais uma vez, age como a vanguarda alemã: dando o exemplo. Criando um partido comunista que repudia o parlamento, gritando para toda a classe operária da Inglaterra: rompam com o parlamento, símbolo da força capitalista. Formem o seu próprio partido e suas próprias organizações por fábrica. Contem somente com vocês mesmos.

Este orgulho e esta dignidade nascidos no seio do maior capitalismo deveriam afinal vir á tona na Inglaterra. E logo que a ação começou, já se torna homogênea.

Companheiro, foi um dia histórico, quando, no mês de junho, durante uma assembléia, fundou-se o primeiro partido comunista, rompendo com toda a construção e a organização do Estado em vigor há sete séculos. Eu desejaria que Marx e Engels estivessem presentes. Penso que eles teriam sentido um imenso prazer se pudessem ver aqueles operários ingleses repudiar o Estado inglês, protótipo de todos os Estados burgueses do mundo, centro e fortaleza do capital mundial já há séculos, dominando em terço da humanidade, se eles pudessem vê-los repudiar este Estado e seu parlamento.

É tanto mais razoável adotar esta tática na Inglaterra quanto sabemos que o capitalismo inglês está decidido a apoiar o capitalismo em todos os demais países, e certamente não vacilará em chamar tropas de todas as partes do mundo contra qualquer proletariado estrangeiro e particularmente contra o seu. A luta do proletariado inglês é portanto uma luta contra o capitalismo mundial. Mais uma razão para que o comunismo inglês dê o exemplo mais elevado e mais claro, para que ele apóie de forma exemplar a causa do proletariado com sua luta e seu exemplo. [7]

Deveria haver, assim, e sempre, um grupo que assumisse todas as conseqüências de sua posição na luta, Os grupos deste tipo são o sal da humanidade. (...)



* Transcrito de: Herman GORTER. Carta aberta ao companheiro Lenin. (Resposta do autor a Esquerdismo, Doença Infantil do Comunismo, de Lenin). In: TRAGTENBERG, Maurício. (Org.) Marxismo Heterodoxo. São Paulo, Brasiliense, 1981, pp. 45-54. (Tradução de Daniel Aarão Reis Filho)
** Herman Gorter (1864/1927): militante revolucionário, poeta de renome e teórico marxista na Holanda. Fez parte do grupo articulado em torno do jornal De Tribune e foi fundador do Partido Social-Democrático de Esquerda em 1909. Internacionalista e pacifista durante a guerra de 1914-18, ligou-se a esquerda que promoveu a Conferência de Zimmerwald, influenciando com seus textos os espartaquistas alemães reunidos em torno de Liebknecht e Rosa Luxemburgo. Aderiu ao Partido Comunista Holandês e participou do Bureau de Amsterdan em 1920. Adversário da ação parlamentar e da participação dos comunistas nos sindicatos reformistas, polemizou duramente com os bolcheviques na célebre Carta Aberta a Lenin em que refutava as teses expostas por este no Esquerdismo, Doença Infantil do Comunismo. Em 1921 deixou o PC holandês e fundou o Partido Comunista Operário. Seus escritos influenciaram a liderança do PC alemão. Após 1922 retirou-se da vida política. [Apresentação de Maurício Tragtenberg. In idem, p. 10]

[1] No começo pensei que se tratava de uma questão secundária. A atitude oportunista do Spartacusband quando do golpe do Kapp e a que você adota no seu texto, em relação à questão, me persuadiram de que se tratava de uma importante questão. [Nota de H. GORTER]

[2] Esta grande influência, o conjunto desta ideologia da Europa Ocidental, dos Estados Unidos e das colônias inglesas, não é compreendida na Europa do Leste, na Turquia e nos Bálcãs (para não falar da Ásia). [Nota de H. GORTER]

[3] Referência a Karl Liebknecht, deputado social-democrata no Reichstag, que votara contra os créditos de guerra (1914-18) solicitados pelo governo contrariando a maioria do Partido, que votara a favor dos mesmos. Foi assassinado com Rosa Luxemburgo, por ocasião da repressão à revolução socialista alemã em 1919 dirigida pela ala direita da social-democracia alemã em conluio com o Exército e a burguesia, Noske e Scheidermann. [N. do Org.]

[4] Parlamento Alemão. [N. do Org.]

[5] Oexemplo do companheiro Liebknecht prova exatamente a correção de nossa tática. Antes da revolução, quando o imperialismo estava no apogeu de sua força e as leis de exceção do tempo da guerra asfixiavam qualquer movimento, ele pôde exercer uma grande influência com suas denúncias no parlamento. Mas durante a revolução a influência desapareceu. Logo que os operários tomarem seus destinos nas próprias mãos, devemos abandonar o parlamentarismo. [Nota de H. GORTER]

[6] É claro que a Inglaterra não tem camponeses pobres que poderiam apoiar o capital. Por outro lado, entretanto, ela conta com uma classe média muito maior e ainda mais ligada ao capitalismo. [Nota de H. GORTER]

[7] O perigo do oportunismo existe com mais força na Inglaterra do que nos demais países. Assim, parece que também nossa companheira Sylvia Pankhurst (embora não tenha aprofundado suficientemente suas concepções pelo estudo, nem por isso deixou de ser uma boa precursora do movimento de esquerda, por temperamento, instinto e experiência) teria mudado de opinião. Ela abandona a luta antiparlamentar, ou seja, um ponto essencial da luta contra o oportunismo, pela vantagem imediata da unidade. Toma assim o caminho já percorrido por milhares de dirigentes do movimento operário inglês: entrega-se ao oportunismo e, em última análise, à burguesia. Isto não tem nada de extraordinário, mas o fato de que foi você, companheiro Lenin, que a levou a reboque e a convenceu, àquela que era a única dirigente conseqüente e ousada da Inglaterra, isto foi um duro golpe para a Revolução Russa e mundial. [Nota de H. GORTER]

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Resumo e tradução da carta de demissão de Wagner Rossi, alvo de denúncias de irregularidades no ministério

Como ministro consegui:

No governo Dilma, continuar as cagadas iniciadas no Governo Lula;

Abraçar agrobandidos como a Cutrale, garantindo-lhes preço mínimo por sua produção de laranjas entupidas de agrotóxicos;

Apoiar os barões da pecuária e monocultura (café, cana, laranja, milho, soja, etc.) aumentando os ganhos deles todos, em especial os produtores fascistas da UDR e da CNA;

Dar dinheiro quase de graça para pecuaristas que destróem o solo do país, tornando-o ácido e desértico; e para usineiros, preferindo alimentar veículos automotores a pessoas.

Dar um montante inimaginável de dinheiro público para latifundiários e fazendeiros ligados a Ronaldo Caiado e a Kátia Abreu;

Dar uma enrolada nos ambientalistas com Programas tipo ABC, Agrotóxico de Baixo Custo, primeiro programa mundial que obriga agricultores a importar veneno para colocar em suas lavouras. Trazendo um futuro de câncer para a população brasileira;

Apoiar todas as monoculturas e a transgenia (milho, soja, algodão, etc.) para acabar com a semente crioula, e fuder de vez os pequenos produtores do Brasil que hoje estão em extinção por causa do agrobanditismo que eu apóio e faço parte da quadrilha;

Chupei os ovos dos criadores e produtores de carne bovina, suína e de aves, que são os maiores responsáveis pelas doenças em todo o mundo;

Lutei pela reforma do Código Florestal para poder acabar com as florestas e as matas ciliares e consequentemente com o que ainda resta de rios limpos no Brasil. Em breve o Rio Amazonas e seus afluentes, Xingú, Madeira, etc, tornar-se-ão um imenso esgoto a céu aberto como o Rio Tietê em São Paulo. Eu quero mesmo é que o Brasil inteiro se transforme num imenso canavial, plantações de soja a perder de vista, para alimentar as corporações, automóveis, e matar o mundo inteiro com venenos e com fome.

O que interessa para mim é eu mesmo, minha família, e meus amigos da UDR e do CNA. Eles me interessam. O resto que se foda.

Ao latifúndio tudo, à Reforma Agrária a lei.

Wagner Rossi
Ministro de Estado da Agricultura, Pecuária e Abastecimento

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Aos mendigos e escravos

"Sou bancário. Chegou a época do dissídio da categoria. Meu sindicato já negocia com os banqueiros. Talvez eu tenha um bom aumento este ano. Não como o aumento de mais de 60% que políticos e juízes dão a si mesmos brasil afora, (sim! brasil com b minúsculo. Um país onde tais coisas acontecem impunemente não merece mais o maiúsculo em seu nome). O mundo do cada um por si aqui embaixo reflete e fortalece o mundo do cada um por si lá em cima. De onde vem os recursos? De todos nós, mas eles estão no poder, e o controle das forças armadas pertence a eles. E eles detêm o monopólio do uso da violência, das chaves dos cofres públicos, da manipulação e interpretação das leis. O roubo é um delito... só para os pobres. Aos ricos tudo, aos pobres a lei.

"Mas e os professores? Problema deles. Nada tenho a ver com isso. E os químicos? E os comerciários? E os metalúrgicos? E os camelôs perseguidos nos bairros e no centro da cidade? E os desempregados de todas as categorias? E as crianças nos faróis fazendo malabarismos, pedindo esmolas? E os amigos da floresta ameaçados e abatidos a bala no Amazonas? E os índios em pânico, expulsos de suas terras pelas mineradoras, empreiteiras e governo? E a fome na Somália? E as centenas de rebeldes presos na Inglaterra por causa dos "distúrbios" contra o assassinado de um negro? E os desempregados e sem-teto que se multiplicam nos Estados Unidos e Europa? E os assassinatos diários perpetrados pelos governantes da Síria e da Líbia? E os genocídios da Al Caeda, fratricídios da OTAN? Essa guerras estúpidas promovidas por governos contra governos, onde a maior vítima é sempre o povo pobre? Nada disso interessa. Quero apenas meu aumento em setembro, para colocar em dia meu cartão de crédito, comprar minha TV LCD 42", e o mundo ao redor que se exploda.

"Sim, eu confesso. Na verdade, sei que sou cúmplice e servo dos piores bandidos da história da humanidade. Sou escravo de banqueiros, o seleto grupo de hienas que faz da rapinagem seu modo de vida. Sou cúmplice sim. Mas fazer o que? Preciso comer, vestir-me, pagar minha faculdade. Preciso de dinheiro para minhas baladas, espetáculos, meu carro, combustível, remédios, bebidas intoxicantes.

"Sei que quando o povo pobre põe seus parcos e raros recursos numa caderneta de poupança, recebe míseros 0,5% de juros ao mês, enquanto que meus patrões banqueiros arrecadam a cada 30 dias de atraso nas faturas de cartões de crédito estonteantes 19% de juros ao mês. E tudo dentro da lei. Da lei do cão que nos é enfiada goela abaixo, sem qualquer sinal de resistência de nossa parte.

"Sei também que o governo, aliado às corporações e a esses mesmos banqueiros pega incalculáveis recursos do BNDES, dinheiro que pertence ao povo, entregando-os praticamente de graça para mineradoras, com seus projetos de destruição na Amazônia, e com carência de dezenas de anos para pagar.

"E daí? sou bancário. Quero meu aumento. O resto que se exploda. Que se dane".

Essa é a mentalidade do bancário, do professor, do gari, do químico, do metalúrgico, do camelô, do desempregado, do menino malabarista nos faróis, do comerciante legal e ilegal, dos guardadores de carro.

Cada um pensa apenas em si mesmo.

Estamos todos separados uns dos outros pelos nossos pensamentos egoístas. E estamos cada vez mais miseráveis. Cada vez mais pobres. Cada vez mais controlados. Cada vez mais isolados. Cada vez mais fracos por causa disso.

Enquanto essas coisas acontecem, nossos cândidos sindicalistas seguem o mote, preocupam-se apenas com si próprios. Preparam suas candidaturas pegando dinheiro de banqueiros, de patrões, de lobistas, para alçarem aos cargos do parlamento. E já preparam as mentiras que dirão aos trabalhadores no momento da campanha eleitoral e na propaganda da TV.

Isso tem que mudar. Isso não pode mais continuar. Esse estado de coisas há muito alcançou o estado de saturação. Nós, povo, trabalhadores, de todas as idades e profissões, precisamos nos unir para mudar essa situação de separação. Precisamos nos unir em torno da mudança: todos por um, um por todos. Não pode mais haver bancários, professores, químicos, desempregados, malabaristas pedindo esmolas nos cruzamentos, favelados, estudantes universitários, estudantes em geral. Devemos nos unir, todos, que estamos embaixo, contra os que estão em cima. Devemos nós mesmos gerir a sociedade em que vivemos.

Façamos a Revolução! Unamo-nos em todo o mundo em uma só voz e um único clamor. Por quê atravessar a vida inteira pedindo migalhas a patrões e a governantes se podemos tomar tais recursos - que nos pertencem de direito e de fato, pois nos foram roubados - e disponibilizá-los para todos?

Saia às ruas em 7 de setembro para pedir Real Democracia e em 15 de outubro para pedir Democracia Real. Chega de esmolar restos para tua categoria. De agora em diante nada mais pediremos a patrão ou a governante. Não se pede o que nos pertence. Se toma. Chega de humilhação. Levantemos todos nossas cabeças. A única perspectiva nossa para com governantes, patrões é a derrocada deles. Para que nós mesmos possamos gerir nossos recursos e as riquezas de nosso país. Em favor de todos. Nunca mais a favor de alguns ou de uma elite.

Façamos a Revolução! Não sejamos mais títeres de sindicalistas e de corruptos políticos. Ocupemos as praças por tempo indeterminado. Participemos de assembléias verdadeiramente democráticas.

DEMOCRACIA REAL JÁ!

sábado, 13 de agosto de 2011

O que se pode esperar de quem exerce ou busca poder sobre outros?

Nada. Quem tem o poder político no governo, empresas públicas ou privadas tem apenas uma coisa em mente, manter seu status quo, permanecer indefinidamente em seu cargo, favorecer seus afetos, parentes e amigos. E quem ainda não tem esse poder não pensa em outra coisa a não ser alcançá-lo, a todo e qualquer custo. É a mais pura ilusão pensar que alguma coisa diferente disso possa vir dessas mentes perturbadas. Se muitos de nós passou a vida toda lutando por liberdade, justiça, igualdade de oportunidade para todos, é bom saber que muitos outros dedicaram toda sua vida ao favorecimento próprio, não importa como, e para isso, não exitando em suprimir liberdade e posse alheia, trilhar rotas de corrupção.

Dizem que a única coisa que as massas devem fazer, além de trabalhar para poder alimentá-los com seus impostos, é escolher nomes de uma lista que lhes é apresentada a cada 2 anos. Nomes que, uma vez eleitos, terão todos os poderes. Para dobrar seus próprios salários, para montar quadrilhas de assalto aos cofres públicos. Para encher ainda mais as burras de banqueiros e empresários. Para elaborar leis que beneficiam eles mesmos, com vantagens exclusivas, viagens ao exterior, cartões corporativos, prostitutas de luxo.

Político profissional e empresário corporativo têm a mesma natureza selvagem e predatória de hienas famintas a procura de presas frágeis e desorganizadas. Parecem insaciáveis em sua gana por destruição. Como disse um sábio, a sede deles por fama, poder, dinheiro, equivale a beber água do mar. Quanto mais bebem mais tem sede. Não passam de personalidades enfermas, perdidas no labirinto e na vacuidade de suas próprias vidas egoístas, que perderam todo o senso de responsabilidade, e que não dão um passo à frente sem exaltar a si mesmos, sem tecer autoelogios, em propagandas mentirosas e cínicas.

Muitos se iludem. Caem no lenga-lenga dos noticiários sobre política, onde comentaristas vigiados, fantasiados de especialistas, altamente comprometidos com as ordens de seus patrões, de seus cargos altamente remunerados, apresentam descrições de CEOs corporativos, partidos políticos e de seus líderes como coisas ou pessoas sérias e com alguma virtude. E quando tecem críticas são considerações superficiais que não atingem o âmago do problema, nem expõem a mentira do sistema representativo.

Nada devemos esperar desses crápulas que estão na ponta da pirâmide política e corporativa. Nossa principal perspectiva com relação a eles deve ser sua mais urgente derrocada.

Democracia pode ser real no mundo de hoje?




Democracia é uma palavra de origem grega (demos: povo, kratos: poder). No sentido original é uma forma de governo na qual a decisão é exercida diretamente pelos cidadãos. Nesse caso é conhecida como democracia direta.

Bem longe disso, tanto no tempo quanto na prática, a praxis atualmente no mundo é o sistema representativo, criado, adaptado e desenvolvido para atender aos interesses de grupos ligados a ideologias e ou classes dominantes, entre elas, banqueiros, corporações, grandes empresários, e políticos profissionais. Esses grupos ideológicos e ou classes dominantes através da propaganda massiva e maciça procuram convencer o homem comum, pelo menos no dia da eleição, de que é ele que está no comando, e que tudo que precisa fazer é escolher nomes de políticos profissionais que lhes são apresentados a cada dois anos para ocuparem cargos ligados à criação de leis e fiscalização, e cargos ligados à administração dos recursos arrecadados coercitivamente da população.

Do ponto de vista do beneficiamento das massas, esse sistema fracassou há muito em todo o mundo. Tanto partidos políticos como os organismos sindicais que são usados como trampolim ao poder, transformaram-se em verdadeiras gangs de engravatados, e quadrilhas de bandidos, cujo interesse principal é tirar proveito do cargo em benefício próprio e de seus grupos empresariais que lhes dão apoio e sustento.

Mudar esse sistema não será fácil. Os meios de comunicação de massa estão nas mãos de pessoas que não tem interesse na horizontalização nos processos decisórios. As grandes e poderosas corporações e grandes empresas organizadas de forma piramidal, também querem manter o status quo de seus dirigentes. A luta por essa mudança jamais poderia ser implementada com sucesso em um ou outro país, mas pode ter sucesso absoluto se implementada simultaneamente em todo o mundo. O mais forte aliado do atual estado de coisas é o Estado, com suas inúmeras ferramentas de repressão, como as forças armadas, seu sistema carcerário, seus juízes, em sua maioria míopes aos direitos da grande maioria das pessoas, e prontos a servir os ricos e grandes proprietários.

Mas os tempos estão mudando. Essa tarefa de acabar com o sistema representativo será implementada simultaneamente em todo o mundo a partir de 15 de outubro de 2011, conectada à tag #15o. A tática escollhida inspirou-se nos acampamentos e assembléias massivas implementadas na praça Tahrir no Cairo e na praça Syntagma na Grécia. Esses acampamentos gigantescos e assembléias populares são ao mesmo tempo um meio e um fim. Um meio porque as pessoas que se unem nesses ajuntamentos sabem que ali terão voz efetiva de tomada de decisão. E um fim porque serão essas assembléias que futuramente ditarão o destino dos bairros, das cidades, das nações.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Pequeno guia anti-distúrbios


Gangue da Matriz


Gangue da Matriz

Tonho Crocco

Composição: Tonho Crocco Instrumental: What'cha Want (beastie Boys)
36 contra 1, aí é covardia
O crime aconteceu em plena luz do dia
Votado e aprovado pelos próprios deputados
Subiram seu salário; me senti 1 otário
Capitalistas, comunistas
Todas as vertentes presentes na lista
Raul carrion que decep''som''
Até os que eu achava que eram sangue bom
20 mil por mês pro gilmar sossela
Traz que eu asso
2 mil kilos de costela
Aloísio classmann, gerson burmann
A casa dominada só tem bam bam bam
Gangue da matriz
Gangue da matriz
Ali no alto da bronze
Gangue da matriz
Gangue da matriz
São 36 contra 11
Yeah
Custe o que custar
Esse é o ajuste
Odone e záchia
No grenal do reajuste
Pedro westphalen
E pedro pereira
Kalil sehbe
Nunca pisaram na pedreira
Francisco pinho
Francisco appio
Abílio dos santos
Aqui são todos santos
Luciano azevedo
Adroaldo loureiro
Befran rosado
Até fiquei corado
Alô joão fisher e adolfo brito
Aviso, eles querem ganhar no grito
Heitor schuch
Edson brum
João scopel
Paulo brum
Miki breier e
Alberto oliveira
Alexandre postal e alceu moreira
Silvana covatti
Ciro simoni
Zilá breitenbach
Carlos gomes não dá
Yeah
Marcio biolchi
Gilberto capoani
Só falta o tiririca vir trampar aqui
Nelson harter e também marco alba
Confortavelmente embaixo dessa aba
73 por cento
Feriu meu sentimento
Lá vem o paulo broges trazendo o mal tempo
Bota-tira-bota
Bota-tira-troca
Se a gente não trocar o adilson troca
Bate o ponto, tem diária e não trabalha
Pra eles benefícios
Pro povo migalhas
Frederico antunes já foi chefe da casa
Aposto que o salário deles nunca atrasa
É hora de falar
É hora de mudar
Não sei quanto a você mas eu vou lutar
E se a memória é curta mude sua conduta
Posso perder um round mas não fujo da luta

Gangue da matriz
Gangue da matriz
Ali no alto da bronze
Gangue da matriz
Gangue da matriz
São 36 contra 11