quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Mundo árabe: A maldição da estabilidade

Por enquanto a "estabilidade" é a base fundamental sobre a qual o regime egípcio repousa para justificar a sua existência e sua continuidade, tanto interna como externamente. Após sete dias da revolução egípcia, tal estabilidade não é mais aceitável para os egípcios, que repudiam a política do regime sitiado tanto quanto sua propaganda.

Tudo começou com a retirada da segurança das ruas, da frente dos bancos, das prisões que foram abertas para a fuga de criminosos para que alcançassem as ruas, para alarmar especialmente os círculos da classe média que querem restabelecer e manter o status quo.

Este cenário também inclui os meios de comunicação que dão imensa amplificação para qualquer incidente, mesmo pequeno, para atrair a atenção para longe da exigência revolucionária no Egito: as pessoas querem derrubar o regime, querem liberdade, democracia, fim da corrupção, solução das questões sociais e redirecionamentos políticos em favor dos pobres.

O cenário pretende glorificar a estabilidade para permitir que os serviços degradados, públicos e privados, especialmente no que diz respeito à transferência de bens alimentares, à produção de pão, à limitação do horário de trabalho e as quantidades fornecidas pelos postos de gasolina.

O fato é que esses cenários são clássicos nos momentos de vibração que precedem a decadência dos regimes ditatoriais. Os egípcios viram na televisão, alguns dias antes de sua revolta, rigorosamente o mesmo cenário na revolução da Tunísia. No ano de 1973 no Chile, os generais aliados ao empresariado e à CIA prepararam a derrubada de Salvador Allende democraticamente eleito pela população: favorecendo o banditismo, impedindo motoristas de caminhão de trasportarem alimentos do campo à cidade, fechando lojas para colocar pressão sobre os cidadãos e empurrá-los para o desespero.

No momento em que os defensores da mudança e suas famílias começam a pensar numa forma de se proteger da morte ou de saque, garantir comida e água, ou mesmo conseguir dinheiro suficiente em suas contas bancárias para que possam suprir suas necessidades diárias, aparentemente são atacados por esses demônios e passam a defender e glorificar a antiga estabilidade: "Deus nos deu o que temos, talvez sejamos pessoas abençoadas, devemos dar valor à estabilidade", dizem eles, um tanto quanto confusos.

A realidade é que os frutos dessa estabilidade -- pobreza, deterioração da educação e da saúde, opressão, domínio hereditário, saque da riqueza em benefício dos empresários, dos corruptos, em detrimento da vida das pessoas e do seu futuro -- empurraram as pessoas para as ruas, incluindo empresários e dirigentes de empresas, juízes e outras pessoas que estão nas categorias de base da ciência política.

Até mesmo aqueles que estão melhor posicionados economicamente reconhecem o estado de insatisfação da maior parte da população, essa situação não favorece ninguém, e é contra isso que todos estão gritando agora.

No final dos anos oitenta e noventa, milhares de famílias nos centros de Fayoum foram despejados de suas casas pela suspeita de que uma família pertencer ao Movimento Islâmico. Arrancaram as pessoas nuas de suas casas e depois espalharam destruição nas ruas da vila de Tjerishm. Os corpos de islamitas mortos foram colocados em cima de caminhões abertos para circularem pelas ruas da cidade para estabelecer o pânico no coração da população após a liquidação física da organização Alhawkiin.

Após a queda do movimento islâmico, o mais envolvido com os interesses dos mais pobres e dos camponeses, os jornais pararam de noticiar detenções ou torturas sofridas por esse segmento, e voltaram sua atenção para estratos sociais mais altos, isso tornou-se um procedimento básico seguido mesmo em casos criminais. Não há situação pior do que perder a capacidade de proteger a si e a sua família da crueldade do Estado só porque você é pobre e não tem como proteger-se.

O que dizer de Khaled Said, torturado até a morte nas mãos de dois policiais que queriam revistá-lo usando a lei de emergência, a partir da perspectiva de sua família e amigos? Do "caos" em suas vidas? Da sensação de insegurança em suas vidas? O que dizer sobre todos aqueles que foram mutilados ou mortos sob tortura nas prisões e delegacias de polícia?

No que diz respeito à alimentação. A estabilidade que eles querem nos obrigar a voltar, os preconceitos, os outros inconvenientes, são semelhante ao caos que criam para nós agora. Quanto ao pão, a crise chegou ao ponto de pessoas se matarem mutuamente, a fim de obtê-lo. A luta por alimentos é vivida pelo país ano após ano, deixando mortos e feridos. Falar sobre o caos? Não há maior confusão do que os milhões que moram em favelas em condições sub-humanas. Enquanto isso o governo, preocupa-se com o consumo recreativo de alguns poucos, direciondo para eles a maior parte dos recursos.

Ano após ano os graduados universitários terminar seus estudos, e dão de cara com o caos do desemprego. Se conseguem um parente ou amigo que lhes arranja um emprego, este mal dá para cobrir as despesas básicas, muito menos as de um casamento, de habitação, ou outros.

Há caos maior do que o analfabetismo na metade da população? Há caos mais amplo que as fraudulentas estatísticas patrocinadas pelo governo? Há caos mais profundo do que baixos valores de eficiência e de produção em favor do clientelismo e da lealdade para com os governantes?

A verdadeira fonte do caos é um sistema baseado nessa estabilidade e na estabilidade desse sistema, que não é desejada agora nem mesmo por seus aliados no exterior. As massas, os manifestantes do campo e da cidade, os mártires, a solidariedade, a humanidade, o entusiasmo na promoção da liberdade, tudo isso abre para nós uma janela de energia e luz em direção a uma outra comunidade onde não haja lugar para a glorificação dos defensores da "estabilidade" e do regime.

Texto adaptado de http://khoyout.blogspot.com/2011/02/blog-post.html?spref=tw
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