segunda-feira, 29 de junho de 2009

Tsunami Verde. Iranianas Desafiam Regime




Por Golbarg bashi em Nova York | 29 de Junho de 2009

[TEHRAN BUREAU] Grassa na internet e nas telas de TV por toda parte do mundo fotos de mulheres, jovens e idosas, religiosas e não religiosas, denunciando fraude no resultado das eleições presidenciais de junho de 2009, esse extraordinário heroísmo e seu grande número despertou o interesse da mídia internacional pela presença feminina no Movimento Verde iraniano (Nehzat-e Sabz).

Diante disso, surgem pungentes questões: O que as iranianas querem? Porque falam tanto em liberdades civis? Em que medida elas participam na definição dos objetivos e aspirações do Movimento Verde?

Muitos não sabem, principalmente fora do Irã, que o movimento iraniano pelos direitos das mulheres além de ser incansavelmente proclamado, vem ampliando suas exigências pelo fim da discriminação de gênero, num país onde tanto as leis como as famílias tratam as mulheres como cidadãs de segunda classe. Desde a década de 1990 várias ONG's, revistas como Zanan, advogados independentes, e campanhas específicas, como a "Stop Stoning Forever Campaign" (Chega de Apedrejamento) vêm lutando incansavelmente pela quebra das barreiras ideológicas, pela mobilização e pelo atendimento de suas demandas específicas pelos direitos das mulheres na esfera jurídica. O número de mulheres marchando pelas ruas de Teerã, Shiraz e outras cidades se multiplica cogumelos. São filhas de décadas de uma luta popular robusta e independente.

Um Levante Feminista (sem a palavra "Feminista") lento mas firme emergiu no período pós-revolucionário iraniano. No Irã, mais de 63% dos graduados universitários são do sexo feminino e, ao contrário de muitos países da região, as mulheres iranianas têm visibilidade em todas as áreas da vida pública. São advogadas, médicas, artistas, editoras, jornalistas, blogueiras, políticas, estudantes e professoras. Em 2003, quando visitei Teerã e outras grandes cidades iranianas, as equipes de radiodifusão de notícias da rádio estatal eram sempre compostas por mulheres: Negin, Parvaneh, Sara, Fatemeh... Esta era a regra e não a exceção. Mas é bom tomar cuidado, não se deve pintar um quadro demasiado otimista das mulheres no Irã. Apenas 12,3% delas trabalham em serviços públicos e para muitas o casamento é a unica saída para fora da casa de seus pais. O escalonamento na taxa de 30% de desemprego é particularmente acentuado entre as mulheres jovens, que também enfrentam a discriminação sexual enquanto força de trabalho.

Durante a campanha presidencial em junho de 2009, a esposa do candidato do Movimento Verde Mir Hossein Mousavi, Zahra Rahnavard, pintora consagrada, professora universitária e ex-chanceler, de mãos dadas com o marido defendeu a iguadade de gênero diante de milhares de mulheres. Sua postura levou muitas mulheres a votar em Mir Hossein Mousavi. Rahnavard foi removida de sua funções administrativas (Vice Chanceler) da Universidade de Mulheres (Al-Zahra), assim que Mahmoud Ahmadinejad assumiu o cargo de presidênte em 2005. Sua história é a de uma muçulmana feminista que, como muitas outras, percebeu que a República Islâmica não estava cumprindo seus deveres religiosos, constitucionais e internacionais na defesa dos direitos das mulheres.

Mas Zahra Rahnavard é apenas a ponta do iceberg. Em abril de 2009, 12 semanas antes da eleição presidencial de junho de 2009, uma coligação de mulheres desenvolveu e propôs: "nós -- enquanto participantes do movimento de mulheres no Irã, enquanto ativistas pró direitos civis em diversas ONGs, partidos políticos, campanhas, imprensa, sindicatos -- descobrimos muitas maneiras de alcançar as demandas das mulheres. Quando é necessário, falamos em uníssono. Hoje, decidimos formar uma outra coligação que apresenta as demandas das mulheres no nosso país através do espaço e do período crucial das eleições presidenciais. O único objectivo desta coligação é declarar demandas das mulheres. Não apoiamos nenhum candidato específico nem vamos interferir no direito do cidadão e da decisão de participar ou não na eleição".

Algumas das mais proeminentes participantes do movimento de mulheres, como Parvin Ardalan e Sussan Tahmasebi, feministas seculares, não assinaram esta proposta. Em seu famoso blog, Leila Mouri, blogueira e participante ativa da "Stop Stoning Forever Campaign", agora estudando nos Estados Unidos, escreveu: "Quero minhas amigas do movimento dos direitos das mulheres mais ativas do que nunca, com o avanço do movimento social nossa presença será mais pronunciada nesse momento crucial. Talvez elas tenham a resposta para algumas das minhas questões [por exemplo, elas se juntaram a estas manifestações para conquistar coisas que durante todos esses anos estamos reivindicando ou somente para angariar votos?], estou muito ansiosa para saber. Espero sinceramente que as demandas civis das mulheres não sejam esquecidas no meio de tudo isto."

Muita luta ideológica tem dividido o movimento de mulheres no Irã. Mas isso não impediu mulheres comuns de participarem ativamente nos encontros anteriores e posteriores às eleições de junho de 2009. Como a história confirma, as mulheres iranianas mais uma vez estão na vanguarda das aspirações democráticas do seu país e das revoltas sociais.

Desde o "Babi movement", passando pela "Revolta do Tabaco" no final do século XIX , pela Revolução Constitucional no início do século XX, pelas lutas pela nacionalização da indústria petroleira Iraniana nos anos 1950, até a Revolução Islâmica de 1977-1979, as mulheres Iranianas foram fundamentais para o sucesso destes eventos marcantes. Mas uma vez os desafios desses pontos decisivos, corajosamente confrontados, freqüentemente com um pesado custo às mulheres, foram esquecidos ou evitados.

Aquilo a que assistimos no Irã é uma conseqüência natural de anos de presença feminista e de participação ativa das mulheres na poderosa esfera púbica, que ensinou às meninas que ser mulher não significa apenas ser mãe e esposa e que as mulheres devem participar e lutar para alcançar seus direitos e reivindicações.

Estas mulheres estão colocando suas vidas em risco para salvar o pouco que resta da sua república. A maioria delas tem insistido na resistência não-violenta e impedido tanto a tropa de choque como as pessoas comuns de serem mortos ou espancados. Elas têm em contrapartida sido brutalmente espancadas e mortas pelas forças de segurança, como foi o caso da estudante filosofia Neda Agha-Soltan, 26, que foi brutalmente assassinada nas ruas de Teerã. Seu último momento na Terra foi capturado pela câmera de um telefone celular, tornando-se um ícone do Movimento Verde.

Para que o Movimento Verde, que parece estar sempre bem à frente de todos seus líderes e teóricos, avance em direção ao sucesso é imperativo para as lideranças dos grupos feministas se integrem em seu próprio círculo interno de liderança e não cedam uma vírgula em suas demandas por liberdades e direitos civis antes que a poeira assente. Para que isso aconteça, uma coligação de várias organizações dos direitos e reivindicações das mulheres deverá ser parte integrante na definição do que realmente é este Movimento Verde. O mês de junho chega ao fim, e após duas semanas de forte repressão sobre os manifestantes, ninguém sabe qual será o desdobramento deste movimento. Seja lá qual for, as líderes do movimento dos direitos das mulheres terão que contar com a presença heróica das mulheres na vanguarda das lutas e não permitir que o sangue delas seja derramado em vão.

Bio: Golbarg Bashi é professora de Estudos Iranianos na Universidade Rutgers. Ela concluiu recentemente sua tese de doutorado sobre crítica feminista do discurso dos direitos humanos no Irã. Ela tem contribuído com artigos sobre mulheres e direitos humanos no Irã para revistas on-line, como OpenDemocracy, Tidningen Kultur, e Qantara, a Deutsche Welle.

fonte: http://tehranbureau.com/feminist-waves-iranian-green-tsunami/

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