Exigindo o Impossível - Parte 2 - Capítulo 4

Precursores do Anarquismo

“Ame e faça o que quiser".
SANTO AGOSTINHO

“Todos os homens foram feitos para a liberdade... Pela liberdade os homens viram o mundo de cabeça para baixo".
GERRARD WINSTANLEY

“Em vão me dizem que o Governo Artificial é bom, que me ampara contra o Abuso. O Governo! O Governo é o próprio Abuso!"
EDMUND BURKE

“A sociedade é produzida pelos nossos desejos e o governo pelas nossas maldades. A sociedade positivamente promove nossa felicidade pela união de nossos afetos, o governo negativamente contendo nossos vícios. A sociedade incentiva o relacionamento, o governo cria distinções. A sociedade protege, o governo pune. A sociedade de qualquer forma é benfazeja, o governo mesmo em sua melhor forma é um mal necessário e em sua pior forma é intolerável".
THOMAS PAINE

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Capítulo 4- Taoísmo e Budismo

Taoísmo

O ANARQUISMO É NORMALMENTE CONSIDERADO um fenômeno ocidental recente, mas suas raízes remontam às antigas civilizações do Oriente. A primeira expressão clara de sentimento anarquista pode ser rastreada nos taoístas na China antiga por volta do século VI A.C. Na verdade, a principal obra taoísta, o Tao te ching, pode ser considerada um dos maiores clássicos anarquistas. 1

Os taoístas naquela época viviam em uma sociedade feudal onde a lei era codificada e o governo tornava-se cada vez mais centralizado e burocrático. Confúcio foi o principal porta-voz da escola legalista que apoiava essa tendência, defendendo uma hierarquia social em que cada cidadão sabia do seu lugar. Os taoístas por sua vez rejeitavam o governo acreditando que todos poderiam viver em harmonia natural e espontânea. O conflito os aqueles que pretendiam interferir e os que acreditavam que as coisas correriam melhor por eles mesmos estabeleceu-se desde então.

Os taoístas e os confucionistas foram ambos incorporados na Antiga Cultura chinesa. Eles compartilhavam uma visão similar da natureza, mas diferiam fortemente moral e politicamente nos seus pontos de vista. Ambos tinham uma atitude de respeitosa confiança para com a natureza humana, mas a noção cristã de pecado original é totalmente ausente em seu pensamento. Ambos acreditaram que os seres humanos têm uma predisposição inata para bondade que é revelada na reação instintiva de qualquer um ao ver uma criança cair em um poço. Ambas alegavam defender o Tao ou o conselho dos anciãos e procuravam estabelecer uma ordem voluntária.

Mas enquanto os taoístas eram principalmente interessados na natureza e identificados com ela, os confucionistas eram mais práticos e preocupados com a reforma da sociedade. Os confucionistas tradicionalmente celebravam as "virtudes masculinas" como dever, disciplina e obediência, enquanto que os taoístas promoviam os "valores femininos" de receptividade e passividade.

O taoísmo, como o budismo e o confucionismo, ajudou a moldar cultura chinesa, mas pela sua própria natureza nunca se tornou um culto oficial, exercendo uma permanente tensão no pensamento chinês.

Suas raízes repousam na cultura popular, nos alvores da civilização chinesa, mas emergem no século VI AC numa notável combinação de filosofia, religião, protociência e magia.

O principal expoente do taoísmo foi Lao Tzu, que significa "Velho Filósofo". O ano de seu nascimento foi entre 600 e 300 aC. Ele provavelmente pertenceu a uma família nobre na província de Honan. Rejeitou sua condição de nobre e tornou-se um curador da Biblioteca Real em Loh. Durante toda sua vida ele seguiu o caminho do silêncio - "O Tao que pode ser dito não é o Tao eterno", disse. 2 Segundo a lenda, quando ele se dirigia ao deserto para morrer, ele foi persuadido por um porteiro no noroeste da China a registrar seu ensinamento para a posteridade.

O Tao te ching (O Caminho e seu Poder), atribuído a Lao Tzu, provavelmente escrito no século III AC, foi considerado por peritos como Joseph Needham como "sem dúvida, a mais bela e profunda obra da língua chinesa". 3 O texto é composto por 81 pequenos capítulos em forma poética. Embora muitas vezes bem obscuros e paradoxais, oferecem não apenas os princípios, mas também a mais eloquente exposição dos fundamentos anarquistas.

É impossível apreciar a ética e a política do Taoísmo, sem uma compreensão de sua filosofia da natureza. O Tao te ching celebra o Tao, ou caminho, da natureza e descreve a forma como o sábio deve segui-lo. A concepção taoísta da natureza é baseada nos velhos princípios chineses do yin e yang, duas forças opostas, mas complementares, no cosmos que constituem o ch'i (matéria-energia), do qual todos os seres e fenômenos são formados. Yin é o supremo poder feminino, associado com a lua, caracterizado pela escuridão, frio e receptividade, yang é o masculino homólogo identificado com o sol, brilho, calor e atividade. Ambas as forças operam dentro de homens e mulheres, bem como em todas as coisas.

O Tao em si não pode ser definido; é desconhecido e amorfo. Lao Tzu, tentando em vão descrever o inefável, associou-o a um recipiente vazio, um rio fluindo da nascente para o mar, e uma rocha esculpida. O Tao, afirma ele, segue o que é natural. É a forma como o universo funciona, a ordem da natureza que proporciona a existência de todas as coisas e as sustenta.

“O grande Tao flui por toda parte, tanto à esquerda como à direita. Dezenas de milhares de coisas dependem dele, não retém nada. Ela cumpre a sua finalidade silenciosamente e não faz nenhuma alegação". 34

Needham descreve-o não como uma força, mas como uma "espécie de curvatura natural no tempo e no espaço". 4

Como a maioria dos anarquistas mais tarde, os taoístas viam o universo fluindo continuamente. A realidade está em processo, tudo muda, nada é constante. Eles também têm um conceito dialético de mudança na forma de uma interação dinâmica entre forças opostas. A energia flui continuamente entre os pólos do yin e do yang. Ao mesmo tempo, eles sublinham a unidade e a harmonia da natureza. A natureza é auto-suficiente e não tratada, não há necessidade de postular um criador consciente. Esta opinião não só recorda a do filósofo grego Heráclito, como também coincide com a descrição do universo apresentado pela física moderna. A moderna ecologia social, que reforça a unidade na diversidade, o crescimento orgânico e de ordem natural, também reflete a visão taoísta do mundo.

A abordagem à natureza recomendada por Lao Tzu e pelos taoístas é de receptividade. Enquanto o confucionista procura conquistar e explorar natureza, o taoísta tenta contemplá-la e compreendê-la. A abordagem à natureza tradicionalmente "feminina" sugere que seu modo de pensar pode ter evoluído inicialmente em uma sociedade matriarcal. Embora, à primeira vista possa parecer uma atitude religiosa, na realidade encoraja uma perspectiva científica e democrática entre taoístas. Ao não impor os seus próprios conceitos, eles foram capazes de observar e compreender natureza e, portanto, aprender a canalizar a sua energia beneficamente.

Os taoístas eram principalmente interessados na natureza, mas sua concepção do universo teve um corolário importante para a sociedade. Um sistema definitivo de ética e política emerge. Não há nenhum valor taoísta absoluto, bem e mal, como yin e yang, estão relacionados. Sua interação é necessária ao crescimento e, a fim de conseguir alguma coisa, muitas vezes, é melhor começar com o seu oposto. A pessoa sábia ideal que emerge no ensino de taoísta é modesta, sincera, espontânea, generosa e desprendida. Para os taoístas, a arte de viver encontra-se na simplicidade, humildade e criatividade.

O conceito de wu-wei é central no ensino taoísta, que, muitas vezes, é traduzido apenas como não-ação. De fato, há flagrantes semelhanças filológicas entre "anarquismo" e "wu-wei". Assim como αγαρχια em grego significa ausência de líder, wu-wei significa ausência de wei, onde wei refere-se a uma "atividade artificial, inventada que interfere no desenvolvimento natural e espontâneo". 5 Do ponto de vista político, wei refere-se à imposição de autoridade. Fazer algo conforme wu-wei é considerado natural, pois conduz à ordem natural e espontânea. Não tem nada a ver com qualquer forma de autoridade imposta.

O Tao te ching é bastante claro sobre a natureza da força. Se usarmos a força, quer seja física ou moral, para melhorar o mundo ou nós mesmos, nós simplesmente desperdiçamos energia e nos enfraquecemos: "força é seguida pela perda de força". 30 Isso significa que aqueles que empreendem a guerra sofrerão com o resultado: "um homem violento morrerá de morte violenta" 42. Em contrapartida, dar passagem é a melhor forma de ultrapassar:

“Nada no mundo é mais suave e flexível que a água,
mas, quando ela ataca o duro e o forte, nada pode contê-la.
O flexível vence o duro.
O suave vence o forte.
Ninguém no mundo ignora isso, e, todavia, ninguém o põe em prática.
É por isso que o Sábio diz:
aceitar a desgraça de uma nação é ser o senhor da sociedade.
Aceitar o desastre de uma nação é ser o governador do mundo". 78

As palavras verdadeiras parecem paradoxais. A tranquilidade suave recomendada pelo taoístas não é uma forma de apresentação derrotista, mas um apelo à criatividade e à utilização eficaz da energia.

“Pratique a não-ação. "Trabalhe sem fazer" 63, recomenda Lao Tzu. No seu conceito de wu-wei, os taoístas não estão estimulando a inatividade no sentido da inércia, mas condenando a atividade contrária à natureza. Não é a paralisação que eles elogiam, mas o trabalho sem esforço, sem ansiedade, sem complicação, que vai a favor e não contra a ordem natural das coisas.

Se as pessoas praticassem o wu-wei da maneira correta, o trabalho perderia o seu aspecto coercitivo. Não seria empreendido por seus resultados úteis, mas por seu valor intrínseco. Em vez de ser evitada como uma peste, o trabalho seria transformado em uma atividade agradável e significante: "Quando uma coisa é realizada e a tarefa está terminada, todas as pessoas comuns dizem que agiram espontaneamente" 17

Se as pessoas seguissem os conselhos propostos pelos taoístas, teriam uma vida longa com saúde física e mental. Uma de suas crenças fundamentais era a de que "O que vai contra o Tao não perdura muito tempo". 55, mas quem alcança a plenitude da virtude é como uma criança recém-nascida.

A fim de prolongar a sua vida a taoístas recorreram a técnicas como ioga, e mesmo alquimia.

O princípio mais importante no centro do seu ensino, no entanto foi a crença de que "o mundo é governado deixando as coisas seguir seu curso. Ele não pode ser governado pela interferência". 48 As raízes mais profundas da visão taoísta do wu-wei remontam provavelmente no início da sociedade matriarcal na China antiga. O taoísmo ideal seria uma forma de coletivismo agrário que tentava recapturar a instintiva unidade com a natureza que os seres humanos tinham perdido no desenvolvimento de uma cultura artificial e hierárquica. Os camponeses são naturalmente sábios de muitas maneiras. Por dura experiência, eles evitavam agir de forma contrária à natureza e perceberam que para que as plantas cresçam era necessário compreender e cooperar com os processos naturais. E da mesma forma como as plantas crescem melhor quando segue sua natureza, os seres humanos também prosperariam se não fossem perturbados. 6 Foi esta idéia que levou os taoístas a rejeitar todas as formas de coerção, governo e Estado. Isto os tornou os precursores do moderno anarquismo e ecologia social.

Foi alegado que Taoísmo rejeita o Estado enquanto estrutura artificial, mas que o assimila enquanto instituição natural, talvez análoga à família. 7 Embora o Tao te ching indubitavelmente rejeitasse a autoridade do governo, ele parece, por vezes, aconselhar governantes a tomar decisões melhores:

“Se o sábio guia as pessoas, ele deve guiá-las com humildade. O guia tem que seguir atrás para que as pessoas não se sintam oprimidas. 66 Bookchin exagerou ao alegar que o taoísmo foi utilizado por uma elite para fomentar a passividade entre os camponeses, negando-lhes escolha e esperança. 8 Lao Tzu aborda a questão da liderança e recomenda que o verdadeiro sábio aja com o povo e não acima deles. O melhor governante é aquele que deixa seu povo desenvolver por si só suas atividades produtivas e pacíficas. Ele deve confiar em sua boa fé, pois "aquele que não confia não merece confiança." 17 Se um governante interfere nas atividades de seu povo em vez de deixá-los seguir seus próprios caminhos, a desordem vai prevalecer: "Se a nação se afunda nas trevas e na confusão, é decretado o reino do ministério patriótico". 18 Em uma sociedade bem-ordenada,

“A humanidade segue a via da terra.
A terra segue a via do céu.
O céu segue a via do Tao,
e o Tao segue a via da Natureza". 25

No entanto, uma leitura mais atenta mostra que o Tao te ching nada tem a ver com conselhos maquiavélicos a governantes ou com a "arte de governar". A pessoa que realmente entende o Tao e o aplica ao governo chega à inevitável conclusão de que o melhor governo é o não governo. 9 Para Lao Tzu o governo não traz outra coisa a não ser o mal. Na verdade, Lao oferece algo que poderia ser descrito como o primeiro manifesto anarquista:

“Quanto mais restrições e proibições, mais pobre torna-se o povo.
Quanto mais as armas são aguçadas, mais a nação é jogada na confusão.
Quanto mais o artesanato requer habilidade, mais os seus produtos tornam-se não-ortodoxos.
Quanto mais as leis são formuladas com precisão,
mais o número de foras-da-lei e de ladrões se multiplica.
Portanto o Sábio diz: Eu pratico o Não-agir! –
a transformação das pessoas, por si mesma, pouco a pouco se opera.
Eu gosto da tranqüilidade! – e as pessoas, por si mesmas, tornam-se progressivamente retas.
Eu não intervenho! – e o povo, por si mesmo, torna-se gradualmente rico.
Eu vivo sem ambições! – e o povo, por si mesmo, gradualmente alcançará a simplicidade". 57

Contidas dentro da maravilhosa poesia do Tao te ching há algumas críticas sociais bem reais. Ela é fortemente crítica em relação à burocracia, militarismo, comércio e natureza da ordem feudal. Lao Tzu vê especificamente a propriedade como uma forma de roubo:

“A corte do governador vive no esplendor, mas os campos são negligenciados.
Os celeiros estão vazios, mas as vestes são suntuosas.
Os homens carregam espadas bem aguçadas e se fartam de alimento e de bebida.
Têm mais posses do que podem usar: são nobres ladrões." 53

Ele situa a distribuição desigual entre as causas da guerra: "Busque riquezas e títulos, a catástrofe virá a seguir." 9 Após ter atacado a propriedade privada e o feudalismo com suas classes, ele propõe como ideal uma sociedade sem classes, sem governo e patriarcal em que as pessoas vivem em simples e sincera harmonia com a natureza. Seria uma sociedade descentralizada em que os bens são produzidos e partilhados em comum com a ajuda da tecnologia adequada. O povo seria forte, mas sem a necessidade de mostrar tal força; sábio, mas sem nenhuma arrogância; produtivo, mas não engajado em labutas desnecessárias. Eles ainda preferem dar nós em cordõezinhos em vez de escrever livros:

“A um pequeno país pouco povoado de nada serve ter centenas de armas.
Deve-se incitar o povo a respeitar a morte, e dissuadi-lo de emigrar.
Embora tenha navios e veículos, ninguém neles subirá.
Embora haja armas e armaduras, ninguém as usará.
Que os homens voltem às técnicas simples,
escrevendo com nós em cordõezinhos.
Seu alimento será comum e bom.
Suas vestes serão simples, mas belas.
Seus lares serão agradáveis.
Seus costumes serão alegres.
Os países vizinhos estarão ao alcance da vista,
e de um lado para o outro se poderão ouvir o canto dos galos
e o latido dos cães: as pessoas, contudo, morrerão com idade avançada,
sem nunca ter viajado de um país ao outro". 80

A anárquica tendência taoísta surge com mais força ainda nos escritos do filósofo Chuang Tzu, que viveu cerca de 369-286 AC. Seu trabalho consiste de argumentos intercalados com anedotas e parábolas que exploram a natureza do Tao, o grande processo orgânico do que o homem é uma parte. Não é dirigida a qualquer governante. Como o Tao te ching, rejeita todas as formas de governo e celebra a livre existência da autodeterminação individual. O principal indicativo da obra encontra-se em uma pequena parábola sobre cavalos:

“Os cavalos se mantêm em terra seca, comem grama e bebem água.
Quando satisfeitos, esfregam seus pescoços entre si.
Quando bravos, eles giram e dão coices uns nos outros.
Até aí apenas expressam disposições naturais.
Mas basta arriá-los e emplacá-los com metal em sua testa para que se tornem viciosos, meneiem a cabeça para morder, para resistir, para livrar-se das rédeas em seu focinho.
E, assim, sua natureza torna-se depravada". 10

Tal como ocorre com os cavalos, assim também ocorre com os seres humanos. Deixe-os viver por si mesmos e eles viverão em harmonia natural e em ordem espontânea. Mas se forem coagidos e governados, sua natureza torna-se viciosa. Portanto, nem príncipes nem governantes devem obrigar o povo a obedecer a leis artificiais, devem deixá-los seguir suas disposições naturais. Tentar governar pessoas com leis e regulamentos de manada é tão absurdo quanto impossível: "é como tentar andar no mar, abrir uma trilha no rio, ou impedir um mosquito de voar para a montanha!". 11 Na realidade, as condições naturais de nossa existência não requer nenhuma ajuda artificial. As pessoas por elas mesmas adotarão atividades pacíficas e produtivas e viverão em harmonia consigo e com a natureza.

Em seu ensaio "Deixem-nos em paz", Chuang Tzu, trezentos anos antes de Cristo, proclamou a proposição fundamental do pensamento anarquista que vem reverberando desde então através da história:

“Experimentem deixar a humanidade em paz; essa chance nunca foi dada a ela. Nunca foi dada pelo medo de que as disposições naturais do homem fossem pervertidas e suas virtudes abandonadas. Mas se suas disposições naturais não são pervertidas nem suas virtudes abandonadas, para que serve o governo?" 12

Os taoístas, portanto, defendem uma sociedade livre, sem governo, na qual os indivíduos se auto regulariam. Mesmo com cada um buscando interesses próprios, não esqueceriam os interesses dos outros. A norma não seria o egoísmo irritante. A posse de bens pessoais implica num bom motivo de preocupação para com o bem-estar geral: quanto mais uma pessoa faz para os outros mais ela recebe, quanto mais ela dá aos outros mais tem em abundância. Conforme o texto taoísta de Huai Nan Tzu possuir o império significa autorrealização. "Se eu me realizo o império também me realiza. Se o império e eu nos realizamos mutuamente, sempre possuiremos um ao outro." 13

Os seres humanos são, em última análise, indivíduos, mas eles também são seres sociais, parte do todo. Antecipando as conclusões da moderna ecologia, os taoístas acreditavam que quanto mais individualidade e diversidade houver, maior será a harmonia global. A forma espontânea da sociedade não exclui o conflito mas envolve uma interação dinâmica de forças opostas. Assim, Chuang Tzu descreve a sociedade como

"um acordo entre um certo número de famílias e indivíduos para que cumpram certos costumes. Os elementos discordantes se unem para formar um harmonioso inteiro. Tire essa união e cada um terá uma individualidade separada... A montanha é alta por causa de suas partículas individuais. Um rio é grande devido a cada uma de suas gotas. E ele [o humano] é apenas um homem que respeita todas as partes do ponto de vista do conjunto". 14

Portanto, o taoísmo ofereceu a primeira e uma das mais persuasivas expressões do pensamento anarquista. Suas idéias políticas e morais foram firmemente baseadas em uma visão científica do mundo. Embora a filosofia taoísta (Tao chia), contenha elementos espirituais e místicos, a receptiva abordagem à natureza por parte dos taoístas primitivos estimulou atitudes científicas e sentimentos democráticos. Eles reconheceram a unidade na diversidade da natureza e a universalidade na transformação. Na sua ética, incentivavam o comportamento espontâneo e auto-desenvolvimento, no contexto maior da natureza: produção sem posse, ação sem egoísmo e desenvolvimento sem dominação. Na sua política, eles não apenas instam os governantes a deixá-los em paz, opondo-se aos ensinamentos burocráticos e legalísticos dos confucionistas, como também defendem o ideal de uma sociedade livre e cooperativa sem governantes e em harmonia com a natureza.

O taoísmo não era dirigido por uma elite a fim de tornar os camponeses mais dóceis e obedientes. O contexto social dos taoístas se situava na pequena classe média, entre os senhores feudais e a massa camponesa. Nem estavam apenas oferecendo conselhos sobre como sobreviver em tempos difíceis, vencer o forte, agir discretamente, e cuidar de suas próprias vidas. Pelo contrário, o taoísmo era a filosofia daqueles que compreenderam suficientemente o bem e a real natureza do poder temporal, da riqueza e do estado, a ponto de radicalmente rechaçá-los. Longe de ser uma filosofia de fracasso ou quietude, o taoísmo oferece uma profunda e prática sabedoria àqueles que desejam desenvolver uma harmonia completa em suas vidas.

Budismo

Se os taoístas são largamente reconhecidos como precursores do anarquismo, a tendência libertária dentro do budismo já não é tão evidente. É difícil conciliar os ensinamentos de Buda com, por exemplo, o triunfante estado moderno do Sri Lanka, onde o nacionalismo sinhalence é apoiado apoiado com mais veemência pelo clero budista. Mas, como ocorre com o contemporâneo taoísmo (tao chiao) e com o cristianismo organizado, as distorções da religião institucionalizada não invalida a mensagem original. O poeta Gary Snyder não foi o único a achar no "anarquismo budista" uma força positiva com implicações revolucionárias. 15

O budismo foi originalmente uma religião indiana, fundada no século 13 AC por Sidarta Gautama, conhecido como Buda (o iluminado). Buda acreditava que a causa do mal neste mundo era a ignorância que encoraja a pessoa a tentar satisfazer seus [maus] desejos. O apetite para posses, riqueza, poder ou status, inevitavelmente traz sofrimento e dor. Mas há uma saída. As quatro "Nobres Verdades" que Buda ensinou e que podem ser resumidas como: "(a) a onipresença do sofrimento, (b) a sua causa, desejos dirigidos na direção errada, (c) a sua cura, a remoção da causa, e (d) a nobre caminho óctuplo do auto-desenvolvimento, que leva ao fim do sofrimento". 16

Portanto, para evitar o sofrimento é necessário superar o ego e erradicar todo desejo. Para escapar do doloroso ciclo de renascimento neste mundo de ilusão ou maya, o indivíduo também deve tentar tornar-se iluminado e perceber que ele, em última instância, não tem ego. Somente através do reconhecimento de que sansara, a roda da vida, é nirvana, uma pessoa alcançará completa libertação.

No princípio o Budismo restringiu-se principalmente à ética e exercícios de meditação. Começou esparramando-se pela Índia quinhentos anos antes de Cristo, separado do hinduísmo, rejeitando escrituras, rituais e o sistema social. Isto eventualmente dividido em dois ramos separados, um de formação mais racionalista formalizado no escolástico (Theravada) e o outro mais místico(Mahayana). Por volta de 1200 o budismo praticamente desaparecera na Índia, mas estabeleceu-se no Sri Lanka, Tibet e Tailândia.