domingo, 26 de outubro de 2008

53,7 % não quer o Kassab governando São Paulo

Política é uma ilusão. Sai político. Entra político. Quase nada muda. E quando muda é para pior. É totalmente equivocado dizer que "o povo" controla o Estado pelo voto. Pode controlar em algum gráu aqueles que estão no topo da pirâmide. Isso não significa controlar o Estado. Na verdade, os representantes eleitos ficam totalmente fora do controle popular. Mudar quem está no poder significa mudar nada. Essa é a sina de todo político: ou se restringe a questões efêmeras ou se move ao longo de muralhas intransponíveis. Por isso, nunca são líderes efetivos. 

Apuração - São Paulo (SP) PREFEITO (2º TURNO)

Total Eleitores (v + b + n + a):  8.198.282 = 100%
Eleitores que querem Kassab:  3.790.558  = 46,2%
Eleitores que querem Marta:  2.452.527 = 29,9%
Eleitores que não querem Kassab (b + n + a + m): 4.407.724 = 53,7%
Eleitores que não querem Marta (b + n + a + k): 5.745.755 = 70,0%

v = votos válidos
b = brancos
n = nulos
a = abstenção
k = Kassab
m = Marta


sábado, 25 de outubro de 2008

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

A Montanha (esquerda pós moderna) Pariu um Rato







Por Robert Kurz

À economia virtual correspondiam às vidas individualizadas e abstratas de bloggers, incapazes de lutar e resistir na realidade 

A queda da massa de mais-valia social real foi aparentemente mascarada pela “mais-valia fictícia” do sistema de crédito inflado. Dessa forma, gerou-se uma ocupação improdutiva que ultrapassava em muito a capacidade de produção de mais-valia real. Junto com o inchar da “indústria financeira”, inchou de forma desproporcionada o emprego no setor, emprego esse que não produz valor algum, apenas intermedeia transações . Em segundo lugar, criou-se um setor desproporcionado de serviços pessoais improdutivos, de indústria publicitária, indústria da informação e dos media, indústria do desporto e da cultura. Nesses setores, a ausência de substância fez-se notar, por um lado, como remuneração astronomicamente excessiva de uma pequena elite de estrelas e, por outro, como precarização em forma de freelancers, pseudo-autônomos e empresários da miséria. Em terceiro lugar, a conjuntura do deficit global forçou o emprego de uma “aristocracia operária” nas "indústrias de exportação" [...]

Ao se alcançar o limite histórico do capitalismo, surge por isso uma tensão colossal entre a impossibilidade de continuar uma valorização real e a mentalidade generalizada que interiorizou as condições capitalistas de vida e não quer nem consegue imaginar outra cousa senão viver dentro dessas formas. A difícil tarefa está em resolver essa tensão no processo de resistência contra a administração da crise, sob pena de o capitalismo desembocar numa catástrofe mundial. Para isto não está preparada uma esquerda que se adaptou cada vez mais ao desenvolvimento capitalista. [...] 

O culto da “virtualidade” contagiou todos os domínios da vida, até mesmo as relações pessoais. A redução do valor a uma relação funcional levou à paradoxal “absolutização da relatividade”, que no entendimento vulgar se manifestou como “arbitrariedade”. Ao virtualismo econômico correspondia o virtualismo tecnológico da internet, que se transformou na “second life” das vidas individualizadas e abstratas de bloggers, incapazes de se organizar e de resistir na realidade. [...] 

A esquerda pós-moderna é a órfã desse desenvolvimento. Ela reduziu a luta social a um nível virtual e simbólico. O “pós-operarismo” de Antonio Negri exprime o cerne dessa ideologia. O fetichismo objetivo do capital é negado e dissolvido, crise incluída, em relações subjetivas de vontade. O lugar da crítica radical do trabalho abstrato e da forma abstrata do valor é tomado pela ilusão de uma “autovalorização autônoma” de freelancers de um “trabalho imaterial”. É um conceito nonsense, porque todo o trabalho abstrato, mesmo que não se manifeste em produtos materiais, é “dispêndio de nervo, músculo, cérebro”. Só que o “trabalho do conhecimento”, improdutivo em termos capitalistas, justamente nada contribui para a massa de mais-valia social real. A “autonomia” dessa forma específica de trabalho abstrato é ilusória, porque continua dependente do mercado mundial. Trata-se da ilusão de uma nova classe média que já não tem qualquer base. Quando o capitalismo é reconduzido às suas reais condições de valorização extingue-se também a “autovalorização” do trabalho abstrato nos setores do “conhecimento” e da comunicação mediática. A vergonha da economia das bolhas financeiras é também a vergonha da esquerda pós-moderna. 

Fragmento da Revista IHU-On line, Brasil, Outubro de 2008. Extraído por galizalivre.

A Sociedade Industrial e Seu Futuro - Manifesto de Unabomber


Trata-se de um caso que provocou muito alarido: a referida publicação foi conseguida como garantia que a partir daí terminariam os atentados com bombas artesanais que vinham sendo dirigidos a acadêmicos, e que ao longo de mais de uma década vitimaram dezenas de "alvos", 3 deles mortalmente. 

De certa maneira essa publicação foi uma proeza, pois o conteúdo e extensão do texto deveriam em princípio condená-lo à obscuridade; pelo contrário, teve a atenção de muita gente nos Estados Unidos e também mundialmente, sobretudo após a captura em 1996 do presumível autor (Theodore Kaczynski), ex-acadêmico que vivia como eremita numa zona remota do noroeste do país. 

A redação está sempre na primeira pessoa do plural, o que pode ser apenas para dar a ilusão de se tratar do manifesto de um grupo de ação política ("FC"), no qual Kaczynski estaria pelo menos implicado; se de fato ele é o único autor tanto do texto como dos referidos ataques à bomba, são questões que o processo judicial onde Kaczynski foi arguido pouco fez para esclarecer (segundo parece, a sua declaração de culpado foi sob coação). 

É desnecessário precisar que a presente tradução não implica qualquer forma de solidariedade para com os atentados à bomba e mesmo com diversos pontos de vista expendidos no texto original. Visa pôr em destaque certas reflexões sobre as sociedades industrializadas e em particular sobre o controle dos indivíduos nessas sociedades, assim como difundir a análise que faz sobre formas de atuação face aos problemas que aborda. Nesse aspecto pode considerar-se um texto de notável acuidade e lucidez.




quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Boas-novas para os pobres



Cristo não estava fazendo uma observação histórica quando declarou que o evangelho é pregado aos pobres. A ênfase está nas boas-novas, que as boas-novas são para os pobres. 

Aqui a palavra "pobres" não quer dizer simplesmente pobreza mas também todos os que sofrem, são desafortunados, miseráveis, injustiçados, oprimidos, aleijados, coxos, leprosos e endemoninhados. 

O evangelho é pregado a eles, isto é, as boas-novas são para eles. O evangelho é boas notícias para eles. Que boas notícias? Não é dinheiro, saúde, status, etc. Não, isto não é Cristianismo.

Não, para os pobres o evangelho é boas-novas porque ser desafortunado neste mundo (de uma forma em que a pessoa é abandonada pela simpatia humana, e o apreço mundano pela vida até tenta cruelmente transformar o infortúnio da pessoa em culpa) é um sinal da proximidade de Deus. 

Foi assim que era originalmente; estas são as boas-novas no Novo Testamento. São pregadas para "os pobres", e são pregadas para os pobres que se não estivessem sofrendo de outras formas, iriam eventualmente sofrer ao proclamar o evangelho; já que sofrimento é inseparável de seguir a Cristo e de dizer a verdade. 

Mas logo veio mudança. Quando pregar o evangelho se tornou meio de subsistência, até mesmo profissão de luxo, o evangelho se tornou boas-novas para os ricos e para os poderosos. De que outra forma iria o pregador manter e garantir eminência e dignidade se o cristianismo não garantisse o melhor para todos? 

O cristianismo, portanto, deixou de ser boas notícias para aqueles que sofrem, uma mensagem de esperança que transforma sofrimento em alegria, mas virou uma garantia de deleite na vida intensificada e garantida pela esperança de eternidade. As boas-novas não beneficiam mais os pobres, essencialmente. 

Na verdade, o cristianismo tornou uma extrema injustiça para aqueles que sofrem (embora não estejamos sempre conscientes disto, e certamente não dispostos a admiti-lo). Hoje as boas-novas são pregadas aos ricos, aos poderosos, que descobriram que ele é vantajoso. 

Voltamos ao mesmo estágio original ao qual o cristianismo queria se opôr! Os ricos e os poderosos não somente acabam ficando com tudo, mas seus sucessos se tornam a marca da sua piedade, o sinal dos seus relacionamentos com Deus. 

E isto leva à antiga atrocidade de novo, a saber, a idéia que o desafortunado, os pobres são culpados pela sua própria condição; que é assim porque não são piedosos o suficiente, não são cristãos verdadeiros, porque são pobres, enquanto os ricos têm não apenas prazer mas piedade também. E isto dizem ser cristianismo. Compare-o com o Novo Testamento, e vocês verão que isto está o mais longe possível do Novo Testamento.

Tradução: K-fé (do Inglês)
Fonte: Provocations: Spiritual Writings of Søren Kierkegaard

fonte: http://gustavofrederico.blogspot.com/2008/07/boas-novas-para-os-pobres-sren.html
Isso que é convivência pacífica. Agora a dúvida é: quem grita mais? O povo da igreja ou do motel? Rarará! Parece que o povo do inferninho reclamou que os fiéis gritavam mais! Mas o Simão também achou superprático. Você pode pecar em baixo e rezar em cima! Rarará!

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

No longo prazo, Lord Keynes ressuscitou



Terminou nas últimas semanas o predomínio intelectual de uma corrente do pensamento econômico que governou o mundo por cerca de 30 anos. Pode-se dizer que ela cabe no rótulo de "liberal", sem que se saiba o que isso quer dizer. Simplificando, ela encarnou a crença de que as forças internas do mercado são o elemento mais eficaz para conduzir os destinos das economias nacionais. Com o leme das nações entregue à "mão invisível", os males seriam corrigidos, e a prosperidade, assegurada. Lorota.


Por Elio Gaspari*



O naufrágio ocorreu de forma humilhante, no governo de um presidente republicano nos Estados Unidos. George Bush tem na Secretaria do Tesouro um fino espécime da banca, o ex-presidente da Goldman Sachs, Henry Paulson. Para salvar a economia mundial dos delírios do mercado, até agora foram necessários uns US$ 3 trilhões coletados nas Bolsas das Viúvas.


Trinta anos de hegemonia produziram arrogância e até maus modos. No Brasil, "desenvolvimento" tornou-se uma palavra maldita e "desenvolvimentista", uma modalidade de insulto. Além das leviandades do governo Collor, da privataria tucana e do colapso cambial de 1999, a onipotência chegou à soberba. Dois diretores do Banco Central (Afonso Beviláqua e Rodrigo da Rocha Azevedo) não se dignaram a colocar suas biografias no portal da instituição pública em que trabalhavam. Conduta semelhante, só nos BCs de Coréia do Norte, Lesoto e Armênia. Noutro exemplo do cotidiano, em 2003 a editora brasileira do economista Joseph Stiglitz, Prêmio Nobel de 2001, teve dificuldade para formar uma mesa de jantar em sua homenagem com 12 convidados de renome. Stiglitz era um crítico daquilo que o professor Delfim Netto chamava de "pensamento único" no debate econômico brasileiro. (Das cabeças coroadas, só Gustavo Franco aceitou o convite.) Em 2000, um concurso do Banco Central valorizava candidatos com formação semelhante à da ekipekonômica tucana.


Viajando-se no tempo e no mundo, percebe-se que a cada 30 anos uma escola de pensamento prevalece e massacra a outra. Na segunda metade do século passado a agenda passou às mãos dos chamados keynesianos. Eram economistas que acompanhavam as idéias do inglês John Maynard Keynes, formulador da conveniência da intervenção do governo na economia. Do outro lado do debate estavam professores como o austríaco Friedrich Hayek e o americano Milton Friedman. Hayek sustentava que o planejamento econômico e a ação dos governos eram o "Caminho da Servidão", título de sua obra-prima, publicada em 1944. Comeu o pão que Asmodeu amassou. Em 1950, o departamento de economia da Universidade de Chicago negou-lhe uma posição de professor. Morava num bairro operário de Salzburgo numa casa comprada com o dinheiro da venda de sua biblioteca. Hayek ganhou o Prêmio Nobel em 1974. Dois anos depois foi a vez de Friedman.


Passados 30 anos de predomínio, os keynesianos saíram de cena. A vitória dos conservadores de Margaret Thatcher na Inglaterra, em 1979, e de Ronald Reagan nos Estados Unidos, um ano depois, significou um renascimento das idéias de Hayek e Friedman. Em 1980, o professor Robert Lucas (Nobel de 1995) dizia que já não existiam mais bons economistas com menos de 40 anos identificados com o keynesianismo. O neologismo virou palavrão. John Kenneth Galbraith, uma de suas maiores estrelas, tornou-se saco de pancadas para os polemistas conservadores. Seu último livro chamou-se "A Economia das Fraudes Inocentes" e foi um ataque às extravagâncias do papelório.


Numa trapaça da história, foi um governo conservador, educado nas liberdades de Hayek e Friedman, quem conduziu a economia americana à bancarrota. Primeiro liberando as práticas da banca em nome da santidade do mercado. Depois, recorreu à mais elementar das construções keynesianas para evitar o desastre e foi buscar na Bolsa da Viúva o remédio para a intoxicação. Hayek e Friedman dificilmente defenderiam as políticas de seus seguidores. Quem botou fogo no mundo não foram eles, mas a mediocridade prepotente, colocada a serviço de um dinheirinho fácil.



sexta-feira, 17 de outubro de 2008

A Corporação: uma Perseguição Patológica em Busca de Lucro e Poder



Corporation: The Pathological Pursuit of Profit and Power [A Corporação: uma Perseguição Patológica em Busca de Lucro e Poder] por Joel Bakan. 

Escrito junto com a filmagem do documentário do mesmo nome este livro é cheio de citações interessantes retiradas de entrevistas com alguns diretores executivos (CEOs), palestrantes anti-corporação, economistas e autores. Além de apresentar todos os lados do debate sobre a corporação, apóia-se em exemplos concretos e vai fundo no mundo dos lucros, responsabilidade limitada, responsabilidade social corporativa, externalidades, desregramento, privatização. 

Tudo isso resulta num grito de alerta que faz com que até mesmo capitalistas convictos questionem a legitimidade do caráter corrupto inerente à corporação.  

Se as características associadas a um psicopata incluem irresponsabilidade, manipulação, mania de grandeza, falta de empatia, tendências anti-sociais, inabilidade para sentir remorso, recusa em assumir responsabilidade pelas próprias ações e relações superficiais com os outros. As modernas Corporações exibem cada uma das características acima listadas. 

Seria correto tolerar a existência de instituições originalmente criadas com o objetivo de proporcionar o bem-estar dos cidadãos, mas que agora rivalizam em poder com o Estado e revelam características psicológicas de um perigoso desvio de personalidade?

Muitos dizem que não: há um crescente desconforto com a corporação e sua impregnação em todas as esferas da vida humana e foi esta intranqüilidade que incitou muitos acadêmicos a mergulhar no estudo da corporação e suas manias egocêntricas. Joel Bakan, um canadense professor de direito residente em British Columbia, é um destes acadêmicos que tenta desmistificar a corporação contemporânea. 

NASDAQ

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Comentários sobre Paul Krugman, ganhador do Prêmio Nobel de Economia.



 

Por anarchist writer

Como foi amplamente divulgado, Paul Krugman ganhou este ano o Nobel de economia pelo seu trabalho sobre  teoria do comércio. 

 

Krugman é um keynesiano neoclássico de centro esquerda. Na campanha eleitoral de 2000 gastou muito tempo alertando sobre os esforços da administração Bush e seus colaboradores. Por exemplo, nos anos noventa ele refutou as afirmações da direita de que a desigualdade não estava aumentando nos Estados Unidos e que nada realmente poderia ser feito sobre isto. A partir de 2000 ele trouxe esse tema à tona novamente. 

 

De forma surpreendente, alguns direitistas passaram a qualificá-lo como “esquerdista”, “anticapitalista” e até mesmo “socialista”. O fato de ele ser laureado com o prêmio irritou a direita e divertiu a esquerda. 

 

O Prêmio Nobel de economia nem sempre galhardeia os melhores. Milton Friedman e Von Hayek foram “homenageados” nos anos setenta em detrimento de Joan Robinson, Nicholas Kaldor e Michal Kalecki (todos eles rejeitaram as economias neoclássicas e, em vários aspectos, as socialistas). Kaldor, por exemplo, demoliu repetidamente a teoria de ciclo de negócio de Von Hayek (que ostensivamente justificou o prêmio) nos anos trinta, antes de mover o açoite sobre o monetarismo de Friedman. Kalecki apenas conseguiu desenvolver os conceitos fundamentais de Keynes independentemente da Teoria Geral e os publicou primeiro. Robinson expôs os problemas fundamentais da economia neoclássica, especialmente a teoria da produtividade marginal. Há alguns anos premiaram as idéias de Edmund Phelps, para domesticar a classe trabalhadora, pela teoria da taxa de desemprego não acelerando a inflação. (Deveriam analisar Karl Marx, como claramente demonstrou, ou Kalecki que previu o impacto do pleno emprego corroendo o poder capitalista no local de trabalho). 

 

Em termos do funcionamento do comércio sua teoria baseia-se na (falida) principal corrente neoclássica. Como Steve Keen destacou, “o agente representativo foi uma gambiarra inventada [...] para contornar o problema de que, em geral, as preferências dos indivíduos não poderiam ser agregadas [...] representantes dos agentes macroeconômicos chegaram a assumir que a economia consiste de um indivíduo único, produzindo e consumindo uma única mercadoria. Porém complexo poderia ser o raciocínio usado por tais aficionados como Paul Krugman, o reino da aplicabilidade desta teoria é o mesmo de Robinson Crusoé, vivendo de cocos antes da chegada do índio sexta-feira.” (Debunking Economics, pág. 212). Apenas o economista radical Stephen A. Marglin (no seu recente livro, The Dismal Science), pelo que sabemos, apresentou um experimento sobre como o livre comércio impacta uma economia com classes. 

 

Dado que o livre-câmbio (baseado na teoria da vantagem comparativa de Ricardo é uma posição ideológica predominante) é surpreendente como poucos (ou nenhum!) países se industrializaram por este meio (inclusive Hong Kong). Nesse aspecto, o quase desconhecido Frederick List tem repetidamente provado estar certo. Assim, a obra de Krugman, embora inovadora, foi construída sobre bases fracas. 

 

Na realidade, Krugman é quase um economista neoclássico. Isto pode ser visto pelo que escreve na introdução do seu livro “the prevalence of oligopoly” quando admite que “[o oligopólio] é mais comum que competição perfeita ou monopólio.” Porém, “a análise do oligopólio revela alguns quebra-cabeças para o quais não há nenhuma solução fácil” como “analisar oligopólio é bem mais difícil e complexo que competição perfeita.” Por quê? “Quando tentamos analisar o oligopólio, o modo usual como os economistas pensam -- perguntando como os indivíduos pessoalmente interessados se comportariam, e analisando suas interações -- não funciona como se poderia esperar.” Assegura, assim, que não há nenhuma necessidade de reconsiderar o “modo habitual” da análise econômica diante de algo tão marginal quanto as formas mais comuns de mercado, pois, por sorte, “a indústria se comporta 'quase' como se fosse perfeitamente competitiva.” (Paul Krugman e Robin Wells, Economics, pág. 383, pág. 365 e pág. 383) O que é no mínimo, cômodo. 

 

Há alguns anos, eu li uma pesada crítica a Krugman por William B. Greider, em One World, Ready or Not: The Manic Logic of Global Capitalism (The Accidental Theorist). Ele a usa para “ilustrar um paradoxo: Você não pode fazer uma análise econômica séria a menos que esteja disposto a ser brincalhão. Teoria econômica não é uma coleção de receitas prescritas por figuras de autoridade pomposas. Principalmente, é um zoológico de experimentações ponderadas – parábolas, se preferirem – onde se pretende capturar a lógica dos processos econômicos de uma forma simplificada.” E ele apresenta uma: 

 

“Imagine uma economia que produza apenas duas coisas: cachorros quentes e pães. Os consumidores nesta economia exigem que todo cachorro quente venha com um pão, e vice-versa. Sendo o trabalho é a única contribuição para a produção [...] Suponha que nossa economia inicialmente empregue 120 milhões de trabalhadores que corresponde mais ou menos ao pleno emprego [...] Agora, suponha que as inovações tecnológicas permitam a um trabalhador produzir um cachorro quente por dia em vez de dois. E suponha que a economia faça uso deste incremento na produtividade para aumentar o consumo [...] Isto requer alguma realocação de mão-de-obra, com apenas 40 milhões de trabalhadores produzindo cachorros quentes, há 80 milhões de pães sendo produzidos. 

 

“Então um jornalista famoso entra em cena. Ele dá uma olhada na recente história e declara que algo terrível aconteceu: Foram destruídos vinte milhões de postos de trabalho na produção de cachorro quente. Quando se aprofunda no assunto, descobre que a produção de cachorros quentes subiu 33 por cento, enquanto que o emprego recuou 33 por cento [...] Em suma, o capitalismo global está beirando a crise. Ele destaca suas conclusões alarmantes em um livro de 473 páginas; cheio de fatos surpreendentes [...] e pontuado com farpas ocasionais sobre a visão tacanha dos economistas convencionais [...] 

 

“Enquanto isso, os economistas estão um pouco confusos, porque eles não podem entender o ponto totalmente. Sim, a mudança tecnológica conduziu a uma mudança na estrutura industrial do emprego. Mas não houve nenhuma perda de trabalho líquida [...] Em nossa economia hipotética é – ou deveria ser – óbvio que a redução do número de trabalhadores necessários para produzir um cachorro quente reduz o número de vagas no setor de cachorros quentes, mas cria um número igual no setor de pães, e vice-versa.” 

 

Desta parábola, mentalmente concebida, Krugman extrai a conclusão óbvia de que a necessidade de mudança tecnológica não precisa ser temida, pois o mercado assegurará que os trabalhadores sejam transferidos para novas indústrias. Ele descarta a objeção de que esta “experiência do pensamento [é] muito simples nos contar qualquer coisa sobre o real mundo” argumentando que “se por ‘cachorros quentes’ você substitui ‘fabrica ' e por ‘pães’ você substitui ‘serviços ' minha história na verdade se parece muito com a história da economia estadunidense da geração passada.” Ele proclama que o erro de Greider foi “sistematicamente repudiar qualquer tipo de conselho e crítica que poderiam tê-lo salvado. Seu reconhecimento conspícuo não inclui nenhum economista competente [...] Testar uma idéia com a experiência de pensamentos aparentemente triviais, com histórias hipotéticas sobre economia simplificada em produtores de cachorros quentes e pães, está aquém de sua dignidade. E é precisamente por ele ser tão sério que suas idéias são tão tolas.” Consequentemente a conclusão: “É evidente que você só pode ganhar quando joga com a economia hipotética – ocupando-se de experiências no pensamento.” 

 

Não me convenci nem um pouco quando li pela primeira vez estas coisas há alguns anos. Eu ainda rejeito e uma vez que Krugman está nos jornais, julguei que agora seria um bom momento para trazer isto à tona. Eu não nego a importância das experiências do pensamento e modelos simplificados, mas se você simplifica exageradamente a realidade então qualquer conclusão a ser tirada da experiência será profundamente fragilizada. Basta adotar um modelo irreal para produzir resultados enganosos. 

 

Minhas objeções repousam no fato óbvio de que a pequena história de Krugman ignora tempo, classe e poder de mercado. Isto não é nenhuma novidade, uma vez que as economias neoclássicas foram desenvolvidas para combater a análise econômica socialista e assim focalizar indivíduos em vez de instituições e relações sociais. Em vez da teoria clássica do valor, que foi utilizada para mostrar a dinâmica de uma economia com o passar do tempo (e inadvertidamente mostrou o trabalho sendo explorado pelo capital), as economias neoclássicas começaram com uma quantia fixa de bens e assim tomaram um instantâneo da economia como seu ponto de partida. Com a produção ignorada, o preço era determinado através de demanda efetiva (algumas economias clássicas não negaram o fato dentro do curto prazo). Assim, economias neoclássicas estão baseadas em ignorar o tempo – na melhor das hipóteses compara dois instantâneos diferentes ignorando o que aconteceu entre eles. 

 

Isto impacta os próximos dois fatores ignorados, classe e poder de mercado. O modelo de Krugman, claramente, está baseado em trabalhadores sem menção de patrões. A suposição é que economia capitalista seja um auto-emprego, algo sem capitalistas! Dado que há classes, com lucros para capital e trabalho, em qualquer economia real capitalista, esta simplificação se torna simplesmente enganosa. O ganho em produtividade, embora esquecido nas suposições neoclássicas, precisa ser compartilhado igualmente entre as classes. Há uma luta por esse ganho.

 

Isto conduz a minha próxima objeção: ignorar o poder do mercado. Desemprego em massa em uma economia significará que os trabalhadores empregados temerão enfrentar seus patrões. Eles estarão bem atentos observando que há outros desejando tomar o lugar deles e, como resultado, é previsível que os salários caiam e que o lucro do crescimento na produtividade se concentre nas mãos dos patrões (não é a toa que o desemprego coexiste com salários baixos, não com salários altos). Este aumento no poder de mercado do patrão causado pelo desemprego aumenta a desigualdade enquanto faz os salários diminuir ou estagnar. Eventualmente, os trabalhadores nos setores afetados achariam trabalho em outro lugar, mas enquanto isso não acontece os trabalhadores tem seu poder econômico corroído, seus sindicatos debilitados, o crescimento dos salários fica aquém do crescimento da produtividade e assim por diante. 

 

Assim, com o passar do tempo o emprego se ajustaria aos dois setores da economia, mas a balança do poder de classe e os níveis de desigualdade dentro da sociedade seriam fundamentalmente diferentes. Tudo isso é ignorado pelo modelo simplista de Krugman. 

 

Krugman menciona a “geração passada” na história estadunidense. O modelo alternativo proposto aqui é, basicamente, exatamente o que aconteceu nos Estados Unidos (e em qualquer outro lugar) desde os anos setenta. Ironicamente, Krugman lamenta precisamente este desenvolvimento em seu novo livro (The Conscience of a Liberal). Não há, diz ele, “dúvida que o comércio dos EUA” com os países do Terceiro Mundo “alarga a desigualdade” e “reduz oportunidades de trabalho para trabalhadores americanos menos-qualificados.” (pág. 135) Que é uma melhoria na defesa ortodoxa prévia dele da globalização nos anos noventa. Ele também aponta para “mudanças em instituições como os sindicatos, fortalecendo-as” (pág. 136) como outro fator que aumenta a desigualdade, argumentando que os sindicatos tiveram um “efeito direto” na igualdade pelos seus próprios acordos salariais e um indireto, quando eles “elevaram os salários dos trabalhadores menos qualificados” na medida em que os acordos sindicais eram “reflexo do mercado como um todo.” (pág. 149) Significativamente: “Se os ganhos em produtividade fossem compartilhados uniformemente pela mão-de-obra, hoje a renda do trabalhador típico seria aproximadamente 35 por cento mais alta do que no começo dos anos 70.” (pág. 128) Ao invés disso, a ela não passou de 10%. 

 

Conforme ele disse: “No fim, naturalmente, devem ser testadas idéias contra fatos.” Eu sei que em tempos de economia neoclássica, poder e classe, embora ignorados, existem. Uma vez que estes fatores sejam levados em conta, a história de Krugman poderá ser vista como ela é. Seu próprio trabalho subseqüente pode, particularmente, ser, em parte, usado como evidência para outro pensamento-experiência que não subtraia os elementos essenciais de qualquer real economia capitalista. 


Assim se este prêmio conduzir mais pessoas a lerem os ataques de Krugman à equipe de Bush e seus argumentos bem documentados sobre a explosão de desigualdade nos Estados Unidos então, eu sugeriria, seria ótimo. Espero, entretanto, que eles vejam as limitações tanto de sua economia estruturada no neoclássico como das políticas tipo New Deal, e mudem para algo mais radical em termos de análise e soluções à questão social.


Traduzido pelo Taborita de http://anarchism.pageabode.com/anarcho/on-paul-krugman

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

O Último Estágio do Capitalismo de Estado


Por Robert Kurz

Crise, qual crise? Assim se fazia ouvir até há pouco tempo a jactância dos ideólogos liberais, de direita e também de esquerda, que acreditam na vida eterna do capitalismo. Escondia-se cada vez mais não só que esta espécie de sociedade tem uma história, mas também que se trata da história de uma dinâmica cega. Justamente nas duas últimas décadas, pretendia-se perceber apenas os "eventos" passageiros nas formas sociais a-históricas da ontologia capitalista. Isso vale para as pessoas comuns e para os pobres, tal como para as elites. À semelhança do personagem Dorian Gray no romance de Oscar Wilde, parecia que, em vez do capitalismo, só a imagem do mundo social por ele criado envelhecia, assumindo os traços da miséria, enquanto a lógica do dinheiro brilhava num falso frescor juvenil. A "segunda-feira negra" do maior crash financeiro da história revelou agora de um só golpe o verdadeiro rosto do Dorian Gray capitalista.

 

Mas ninguém quer reconhecer o caráter do novo surto de crise. A confiança atávica no capitalismo conduz apenas à busca de culpados. As "práticas nada sérias" dos especuladores e a "política econômica anglo-saxônica" é que devem ser responsabilizadas pelo desastre. Tal explicação míope, com tom anti-semita, já foi mobilizada repetidamente no passado. Há mais de 20 anos que uma onda de crises financeiras acompanha a globalização. Todas as medidas aparentemente bem-sucedidas para evitar uma "fusão nuclear" do sistema financeiro internacional só lograram adiar o problema, mas não solucioná-lo. O atual desenvolvimento rebenta todas as concepções até agora vigentes; de modo nenhum afetou apenas o setor dos créditos hipotecários nos EUA, mas provocou também uma reação em cadeia, que ainda está longe do fim. As causas já não podem continuar a ser localizadas na falha individual e nas deficiências morais dos atores, só podem residir no núcleo da economia real do sistema.

 

O capitalismo não passa de acumulação de dinheiro como fim em si mesmo, dinheiro cuja "substância" consiste na utilização continuamente ampliada da força de trabalho humana. Simultaneamente, porém, a concorrência conduz a um aumento da produtividade, que torna a força de trabalho supérflua numa escala cada vez maior. Apesar de todas as crises, tal autocontradição parecia resolver-se sempre numa regeneração da absorção maciça de força de trabalho por novas indústrias. O "milagre econômico" depois de 1945 transformou essa capacidade do capitalismo em artigo de fé. Mas, desde os anos 1980, a terceira revolução industrial da microeletrônica trouxe uma racionalização qualitativamente nova, que desvaloriza a força de trabalho humana numa dimensão nunca vista. A "substância" real da valorização do capital derrete-se e não estão à vista novas indústrias com potencial de crescimento auto-sustentado. O neoliberalismo foi apenas a tentativa de gerir com meios repressivos a crise social daí decorrente, por um lado, e de produzir um crescimento "sem substância" do "capital fictício" mediante o inchaço desenfreado do crédito, do endividamento e das bolhas financeiras nos mercados de ações e de imóveis, por outro lado.

 

Mas essa abertura mundial das comportas monetárias e, sobretudo, a avalanche de dólares produzida pelo Banco Central dos EUA já foram um pecado cometido pelo chamado monetarismo, que postulara como cerne da doutrina neoliberal a redução forçada da massa monetária. Na verdade, a inundação de dinheiro, criado pelo Estado a partir do nada, subsidiou uma inflação de ativos patrimoniais fictícios. O paradoxal "socialismo do dinheiro sem substância" sofre agora seu "Waterloo", como antes já ocorrera com o capitalismo de Estado do Leste Europeu e com a versão keynesiana do crescimento fomentado pelo Estado no Ocidente. A estatização de fato do sistema bancário dos EUA e o plano do Secretário do Tesouro dos EUA para conter a crise com recursos estatais só podem ser avaliados como atos de desespero. Da noite para o dia revelou-se o caráter de capitalismo de Estado da suposta liberdade dos mercados. Já se fala ironicamente em "República Popular de Wall Street". Mas isso não resolve nada. De certa forma, estamos perante o último estágio do capitalismo de Estado que, na melhor das hipóteses, poderá adiar o colapso dos balanços com mais emissões inflacionárias de moeda. Ao contrário de épocas anteriores, agora já não há margem de manobra para novos programas conjunturais, que teriam de se alimentar da mesma fonte.

 

Com isso também chegou o fim dos EUA como potência mundial. Já não é possível financiar guerras de intervenção com a caixa para despesas postais e o dólar como moeda mundial torna-se obsoleto. Mas não se vê nenhum substituto para os papéis da última potência mundial e do dólar. O ressentimento contra a "dominação anglo-saxônica" não é uma crítica do capitalismo nem merece credibilidade, pois foram os fluxos da exportação de sentido único para os EUA que sustentaram a conjuntura global do déficit. Na Ásia, na Europa e noutros lugares, as capacidades industriais não viviam de ganhos e salários reais, mas, direta ou indiretamente, do endividamento externo dos EUA. No fundo, a economia neoliberal das bolhas financeiras foi uma espécie de "keynesianismo mundial", que agora se extingue como a anterior variante nacional do keynesianismo. Todas as "novas potências" supostamente emergentes estão inseridas de modo economicamente dependente no circuito global do déficit. A sua muito admirada dinâmica foi uma mera aparência, sem desenvolvimento interno próprio. Por isso não haverá em nenhum lugar o retorno a um capitalismo "sério" com postos de trabalho "reais". Em vez disso, é de esperar o efeito dominó de uma repercussão da crise financeira na conjuntura mundial, ao qual nenhuma região poderá escapar. O capitalismo de Estado e o capitalismo concorrencial "livre" revelam-se como as duas faces da mesma moeda. O que está abalado não é um "modelo" passível de ser substituído por outro, mas o modo vigente de produção e de vida, como fundamento comum do mercado mundial.

 

Original DAS LETZTE STADIUM DES STAATSKAPITALISMUS in www.exit-online.org.

 

Tradução de Peter Naumann

 

http://obeco.planetaclix.pt/

Capitalismo em crise, mais uma vez!


Por anarchist writers

Qual a origem da contínua crise nas bolsas? Até que ponto a ideologia econômica contribuiu para isto? A socialização dos custos e riscos e a privatização dos lucros sempre foi a base do sistema capitalista?

Com a crise explodindo no mercado financeiro fica difícil fazer qualquer comentário pertinente e não redundante. Suas raízes estão na natureza do capital financeiro, que tende a gerar bolhas quando seus recursos são dirigidos a mercados específicos na tentativa de ganhar dinheiro. Antes da bolha imobiliária, houve a da dot.com. Antes da dot.com houve a do fiasco das Poupanças & Empréstimos...

A criação de tais bolhas é tão regular quando a negação que elas existem. Na busca por lucros, os bancos criam crédito e as instituições financeiras especulam. As margens de erro diminuem com o acúmulo de capital, enquanto a crescente desigualdade faz a demanda agregada chegar ao extremo. O crescente endividamento descamba na inadimplência, os novos compradores não conseguem entrar no mercado e o todo entra em colapso. A exuberância irracional vira medo e pânico, o crédito fácil fica caro e raro. O capital financeiro impacta a economia real, a indústria perde a alavancagem e o consumo diminui. Os investimentos já não compensam, empresas quebram (“Credit Crunch: The return of depression?”).

Então o corte de salário e crédito começa no bolso daqueles que não causaram a crise mas que são obrigados a pagar por ela. Como sempre.

Enquanto isso os defensores do status quo rangem os dentes e prometem restabelecer o mercado financeiro enquanto se queixam dos abusivos salários dos CEOs. [...] O regime republicano de Bush decidiu que o melhor caminho para ganhar votos é apresentar uma crítica semi-socialista ao capital financeiro! Assim, o regime de Bush implementa uma linha de crédito semi-socialista (quer dizer, “socialista” no sentido capitalista habitual de “ajuda estatal para o rico, e disciplina de mercado para os trabalhadores”).

Nos Estados Unidos, os políticos republicanos (engasgados na própria retórica) resistem a essa alavancagem. A busca por formas menos óbvias de intervenção estatal pelo capital se tornou agora um impedimento quando o governo precisa agir. Os democratas estão fazendo tudo que podem para esconder o caráter pró-capital do pacote, com mais apoio de “Main Street” do que de Wall Street. Ainda, eles estão atuando dentro de uma administração cuja retórica favorável aos “mercados livres” privilegia apenas os grandes negócios. Qualquer alavancagem será costurada para poucos, não para muitos.  

Um modelo condenado ao fracasso

A crise atual tem raízes profundas. Algumas estão na dinâmica inerente ao capitalismo, outras no formato particular do capitalismo atual (neoliberalismo). O fluxo de justificações ideológicas favoráveis ao neoliberalismo permitiu o aumento da influência da noção de mercados financeiros desregulamentados, que pode ser encontrada na análise neoclássica do mercado financeiro.

De acordo com a Hipótese do Mercado Eficiente, a informação é disseminada igualmente entre todos os participantes do mercado, todos compartilham interpretações semelhantes da informação e todos podem ter acesso a todo o crédito de que necessitam em qualquer momento e na mesma taxa. Em outras palavras, todos são considerados iguais em termos de acesso a informação, do que podem adquirir e do que eles fazem com tal conhecimento e dinheiro vivo. Isto resulta em uma teoria que defende bolsas negociando ações cujos preços são baseados numa futura remuneração desconhecida, ou seja, expectativas idênticas por investidores idênticos. Em outras palavras, investidores podem predizer o futuro corretamente e agir da mesma maneira diante da mesma informação. Mesmo que todos tivessem opiniões idênticas, ninguém compra nem vende ações com base em insinuações sobre desempenho. Semelhantemente, "investidor real" significa "crédito racionado", a taxa de empréstimo tende a subir se a quantia pedida aumenta e a taxa de empréstimo regularmente excede a taxa principal. O fomentador da teoria foi suficientemente honesto ao declarar que “a consequencia de acomodar tais aspectos da realidade será desastroso em termos de resultados úteis da teoria [...]. A teoria está dentro de um matadouro.” (W.F Sharpe, citado por Keen, Debunking Economics, p. 233)

Assim, para prover essa teoria, o mundo tornou-se um único barco a vela soprado pelo "eficiente" vento das bolsas (ou seja, em direção a uma acurada remuneração futura desconhecida). Apesar destes problemas, a teoria foi aceita pela corrente principal como uma bússola precisa para os mercados financeiros. Por quê? Bem, as implicações desta teoria são profundamente políticas na medida em que sugere que mercados financeiros nunca experimentarão nervosismo e quedas consideráveis. O fato disto ser contradito pela bem conhecida história das bolsas foi considerado sem importância. Previsivelmente, “com o passar do tempo, cada vez mais os dados se revelaram inconsistentes” com a teoria. Isto é porque o mundo do modelo “evidentemente não é nosso mundo”. A teoria “não pode ser aplicada em um mundo de investidores divergindo em suas expectativas, futuro incerto e alavancagem racionada”. Aquilo que “nunca deveria ter qualquer credibilidade se tornou um artigo de fé para acadêmicos em finanças, e uma convicção comum no mundo comercial de finanças.” (Keen, Op. Cit., p. 246 and p. 234)

Esta teoria está na raiz do argumento de que o mercado financeiro deveria ser desregulamentado de forma que qualquer fundo possa investir nele. Enquanto a teoria pode beneficiar uma minoria de grandes proprietários com poder de pressão na política do governo, é duro ver como beneficiaria o restante da sociedade. Alternativamente, teorias mais realísticas revelam as instabilidades endógenas nas bolsas, resultantes de investimentos ruins e da ausência de investimentos onde não se prevê uma taxa suficientemente alta de retorno. Coisas que exercem um impacto grande e negativo na economia real. Indo na direção contrária, a maior parte dos economistas adotou uma teoria econômica altamente irreal que encorajou o mundo a viciar-se na especulação da bolsa como se ela fosse imune a bolhas, euforias ou estouros (a euforia das bolsas nos anos 90 acabou estourando ao contrário do que muitos previram). Quais as consequências desta teoria econômica e de sua ridícula análise das bolsas? Dois economistas de renome já se manifestaram:

“Rejeitar a Hipótese do Mercado Eficiente para todo o mercado de valores [...] insinua decisões de produção amplamente baseadas em preços acionários que conduzirá a uma ineficiente alocação de capital. Em termos gerais, se a aplicação da teoria da expectativa racional nas condições virtualmente 'idealizadas' das bolsas falha, que confiança pode ter os economistas em sua aplicação nas demais áreas da economia [...]?” (Marsh and Merton, citado por Doug Henwood, Wall Street, p. 161)

Infelizmente (para a ideologia) a realidade tem o péssimo hábito de contestá-la. Isto pode ser visto hoje. A “eficiente” desregulamentação do mercado financeiro provou que os dogmas neoclássicos que justificaram e racionalizaram os atos e desejos do capital financeiro são tão ou mais irreais e enganosos quanto seus críticos afirmaram. Não poderia ser diferente, indiferentes à fissura no modelo teórico, nenhum dos chamados “especialistas” (incluindo os do governo) previu o estouro da crise embora os sinais da bolha imobiliária existissem há muitos e muitos anos. Os mesmos "peritos” que falharam em ver o problema agora propõem alavancar Wall Street! Mas, essa é a vocação deles -- sustentar a elite.

Isso não equivale dizer que foi a teoria econômica ruim que causou toda essa crise. Não, mas seu posicionamento ideológico fez com que o desejo de desregulamentação do capital financeiro parecesse objetivo e economicamente sensato. Essa é a mágica do mercado, uma teoria econômica que justifique o desejo financeiro e lhe forneça uma provisão adequada.

Privatizando lucros, socializando custos e risco.

 

Com o mercado financeiro em pânico, aumentam os apelos por alavancamento. O choque da crise está sendo usada para justificar alavancamento aos principais responsáveis pelo problema, com o estado garantindo que nenhum bilionário ou banqueiro fique desamparado. Isto configura um dos pontos fundamentais do capitalismo: privilégios e lucros (para poucos) em virtude de uma “tomada de risco”. Em vez do apoio ao explorado privilegia-se a renda do capital. Aplicar capital é “arriscado”, por isso quem o possui merece uma recompensa. 

 

Primeiramente, devemos lembrar que no popular modelo neoclássico, risco e incerteza não exercem nenhum papel na geração de lucros. De acordo com teoria do equilíbrio geral, se não há incerteza (o presente e futuro são conhecidos) não há lugar para risco. Assim, o conceito de lucro ligado a risco embora seja mais realístico que o modelo padrão é irreal de muitos outros modos, particularmente em relação ao presente capitalismo corporativo. 

 

De acordo com o mito capitalista, quem arrisca deve pagar o ônus. Mas o que acontece é que quando a vaca vai para o brejo o risco é socializado. Isto porque, dizem, a quebradeira bancária acabaria prejudicando a todos indistintamente. Estranhamente, durante os bons tempos os impactos da desigualdade são completamente ignorados. Enquanto poucos se beneficiam muitos são prejudicados, enquanto poucos ficam em situação difícil, muitos tem que pagar por eles. Essa “socialização do risco”, na verdade, sempre foi um dos pilares do capitalismo. Não se trata de um evento raro que ocorre nos tempos das vacas magras. A maioria desses “riscos” no interior do capitalismo não contribui para a produção e, graças à ajuda do estado, não existe para o capitalista. 


Assim, dizer que o “risco” justifica o capitalismo soa um pouco irônico diante do tipo dominante de organização  – a corporação. Estas empresas, baseadas na “responsabilidade limitada”, foram projetadas explicitamente para reduzir o risco enfrentado pelos investidores. Como nota Joel Bakan, antes disto “não importa quanto, ou quão pouco uma pessoa tinha investido em uma companhia, ela era pessoalmente responsável, sem limite, pelas dívidas da companhia. As casas, poupanças e avalistas dos investidores serviam de garantia aos credores caso a companhia quebrasse, possuir ações de uma companhia era extremamente arriscado. O mercado de capitais, portanto, não era uma opção verdadeiramente atraente [...] a não ser que esse risco fosse afastado, e foi o que aconteceu. Em meados do século XIX, líderes empresariais e políticos defenderam amplamente a mudança da lei no sentido de limitar a responsabilidade do acionista à quantia que ele investia numa companhia. Se uma pessoa comprasse R$100,00 em ações, na pior das hipóteses, ela teria seu dinheiro de volta, indiferente do que acontecesse à companhia”. A limitação da responsabilidade tinha o “exclusivo propósito de [...] isentar o acionista diante do desempenho das corporações” como também reduzir os riscos do investimento (distinto dos pequenos negócios). (The Corporation, pág. 11 e pág. 79) 

 

Isto significa dizer que os proprietários da ação (investidores) não teriam qualquer responsabilidade para com as dívidas e obrigações da corporação. Ou seja, o Estado cobriria potenciais perdas desde que elas não excedessem o que originalmente pagaram pelas ações. A justificativa disso é que o credor não participando das negociações teria sua responsabilidade limitada. Isto significa que a responsabilidade limitada permite aos donos das corporações alavancar empreendimentos reduzindo riscos e custos que são transferidos para os ombros dos demais setores da sociedade (sejam externalizados). Com efeito, o Estado concede às corporações o privilégio de operar com uma margem limitada de perdas, mas com uma margem ilimitada de lucros. 

 

Temos aqui claramente dois pesos e duas medidas, pois sugere que as corporações, na realidade, não são possuídas por acionistas, uma vez que estes não assumem qualquer responsabilidade sobre a propriedade, especialmente a responsabilidade de pagar dívidas. Ora, se não arcam com o prejuízo durante o período das vacas magras, por que usufruiriam do lucro no tempo das vacas gordas? As corporações são entidades ligadas ao governo, criadas em benefício de acionistas socialmente privilegiados pela limitação de sua responsabilidade financeira. Se suas dívidas são (no final das contas) públicas por que seus lucros deveriam ser privados? 


Desnecessário dizer, essa redução de risco não se limita ao interior do estado, é também internacionalmente aplicada. Grandes bancos e corporações emprestam dinheiro a nações em desenvolvimento, mas para “empresários que pedem emprestado o dinheiro [ou seja, a elite local] que não assumem qualquer responsabilidade por isso. É o povo [...]. quem tem que pagar [as dívidas]. Os emprestadores são protegidos de risco. Essa é uma das principais funções do FMI, prover um seguro livre de risco a uma elite que empresta e investe em empreendimentos arriscados. Eles ganham altos rendimentos porque há muito risco, mas eles não estão sujeitos a risco algum porque este é socializado. É transferido de vários modos aos contribuintes  e por outros dispositivos [...] O sistema inteiro funciona de forma que os emprestadores são liberados da responsabilidade. Ela é transferida para a massa empobrecida da população de seus próprios países. Os emprestadores ficam imunes ao risco.” (Noam Chomsky, Propaganda and the Public Mind, pág. 125) 

 

O Capitalismo, bem ironicamente, desenvolveu a externalização com o intuito de lançar o ônus sobre outros setores  -- provedores, credores, trabalhadores e (no final das contas) na sociedade como um todo. “Socializar custos e riscos” significa “privatizar lucro”. (Noam Chomsky, Op. Cit., pág. 185). Querer  justificar lucros corporativos em termos do risco que correm soa a mais extrema hipocrisia, particularmente diante do exemplo de pequenos empresários que normalmente acabam arcando com os fardos oriundos da externalização que canaliza o risco para seus ombros! Doug Henwood declara o óbvio quando escreve que para o acionista “as responsabilidades estão por definição limitadas ao que eles pagaram pelas ações” e “eles sempre podem vendê-las a uma empresa em dificuldades, e se eles diversificarem carteiras, eles podem controlar um ocasional trauma com relativa facilidade. Empregados, e freqüentemente clientes e prestadores de serviço, raramente têm essa imunidade”. Dado que os “sinais emitidos pelo mercado de valores são irrelevantes ou prejudiciais à real atividade econômica, e que o próprio mercado de valores exerce pouco ou nenhum papel como fonte de finanças” o argumento do risco como uma defesa para seus lucros é extremamente fraco. (Wall Street, pág. 293 e pág. 292) 


Do ponto de vista do capital, “risco” significa investir dinheiro no mercado de valores comprando ações. Contudo, esse “risco”  está longe de contribuir para a produção. Como David Schweickart mostra, “na vasta maioria dos casos, quando você compra papéis, você dá seu dinheiro não para a companhia, mas para outra pessoa física. Você compra seu lote de ações de alguém que troca a ação dele. Nem um níquel de seu dinheiro vai para a própria companhia. O lucro da companhia teria sido exatamente o mesmo, com ou sem sua compra acionária.” (After Capitalism,, pág. 37). Na realidade, entre 1952 e 1997, aproximadamente 92% do investimento era liquidado para pelo próprio fundo interno das empresas, de forma que “o mercado de valores não contribui virtualmente em nada para o financiamento do investimento externo”. Até mesmo novas ofertas acionárias respondiam apenas por 4% das despesas de capital das corporações não financeiras. (Henwood, Op. Cit., pág. 72). “Apesar do grande valor simbólico do mercado de valores, é notório que tem relativamente pouco a ver com a produção de bens e serviços”, assinala David Ellerman. Grande parte das transações acionárias está mais relacionada à especulação do que a empreendimentos produtivos. (The Democratic worker-owned firm, pág. 199) 

 

Em outras palavras, a maioria dos investimentos não passa do “risco” associado com a compra de papeis potencialmente rentáveis em um mundo incerto. A ação do comprador não contribui de forma alguma para produzir aquela renda potencial que só pode resultar da labuta de outros. Na melhor das hipóteses, poderia ser dito que um dono prévio das ações em algum momento no passado “contribuiu” para a produção provendo dinheiro, mas isto não justifica uma renda oriunda do não trabalho. Investir em ações pode reorganizar a riqueza existente (freqüentemente com grande vantagem para o reorganizador), mas nunca produz coisa alguma. A nova riqueza flui da produção, o uso do trabalho na riqueza existente gera nova riqueza. 

 

Ironicamente, o mercado de valores (e o risco nele baseado) lesa este processo. A noção de que dividendos representa o retorno devido ao “risco” pode ser desmentida olhando como os mercados operam na realidade, em vez de teoricamente. Mercados de valores reagem a recentes movimentos no preço de mercados de valores, causando oscilações nos preços para construir oscilações nos preços. De acordo com o economista e financista Professor Bob Haugen, isso ocorre pelo fato dos mercados financeiros serem dotados de uma instabilidade endógena. Essa volatilidade induzida nos preços representa três-quartos de toda a volatilidade no mercado financeiro. Isto significa dizer que o mercado conduz os investimentos de uma forma atabalhoada na medida em que alguns investimentos são desperdiçados em companhias sobrevalorizadas e em empresas subvalorizadas que não conseguem angariar finanças para produzir bens úteis. A endógena volatilidade dos mercados reduz o nível global de investimento na medida em que os investidores alavancam apenas projetos que devolvem um nível suficientemente alto de retorno. Isto resulta em um sério entrave ao crescimento econômico. Portanto, o tal “risco” tem um grande e negativo impacto na economia real e parece irônico recompensar tal comportamento. Especialmente quando a alta taxa de retorno tem o propósito de compensar o risco de investir no mercado de valores, mas na realidade a maioria deste risco é o resultado da estabilidade endógena do próprio mercado. (Steve Keen, Debunking Economics, pp. 249-50) 


Em vez de avaliações individuais determinando “riscos”, temos avaliações subordinadas à posição de classe dos indivíduos envolvidos. Como destaca Schweickart, “grande número de pessoas simplesmente não têm nenhum dinheiro sobrando para investir. Eles não podem jogar nada [...] e entre os que podem jogar, alguns são melhor situados que outros. Riqueza dá acesso a informação, a conselho de especialista, e a oportunidades de diversificação que frequentemente falta ao pequeno investidor ”. (After Capitalism, pág. 34). Dessa forma, lucros não refletem o real custo do risco, mas a escassez de gente com qualquer coisa para arriscar (ou seja, desigualdade de riqueza). 

 

Semelhantemente, dado que os capitalistas (ou os gerentes contratados que eles contratam) têm um monopólio de decisão que cria poder dentro de uma empresa, qualquer risco feito por uma companhia reflete aquela hierarquia. Assim, risco e habilidade para criar riscos são monopolizados em umas poucas mãos. Se lucro é então produto de risco então, em última análise, é o produto de uma companhia hierarquicamente estruturada e, consequentemente, os capitalistas estão se recompensando simplesmente porque eles têm poder dentro do local de trabalho. Em outras palavras, porque os gerentes monopolizam a decisão que criam (“risco”) eles também monopolizam o valor de excesso produzido pelos trabalhadores. Porém, o anterior de nenhuma maneira justifica esta apropriação nem a cria. 

 

Assim como a produção coletiva é inerente ao capitalismo, assim também deve ser o risco. Como Prodhon destacou, pode-se argumentar que o capitalista “corra sozinho o risco do empreendimento”, mas isto não significa que o capitalista “atue apenas em uma mina ou via férrea” nem “apenas em uma fábrica, veleje apenas em um navio, aplique apenas em uma tragédia, construa apenas um Panteão”. Ele pergunta: “Qualquer um pode fazer tais coisas, mesmo que tenha o capital necessário?” Assim “a associação” se torna “absolutamente necessária e certa” assim como o “trabalho a ser realizado” é “a propriedade comum e não dividida de todos esses que levam sua parte”. Se não fosse assim, os acionistas “saqueariam os corpos e as almas dos trabalhadores assalariados” e seria “uma afronta a dignidade humana e a personalidade” (A Idéia Geral da Revolução, pág. 219). Como a produção é coletiva, assim é o risco enfrentado e, por conseguinte, risco não pode ser usado para justificar impedir pessoas de controlar o funcionamento de suas próprias vidas ou o fruta do seu trabalho. 

 

É desnecessário dizer que as conseqüências mais sérias do “risco” normalmente são sofridas pelos trabalhadores que podem perder seus empregos, saúde e até mesmo vive tudo dependendo em como o risco o atinge em um mundo incerto. Jogar sua própria renda em uma decisão arriscada é uma coisa, mas arruinar as vidas dos outros com sua decisão é outra coisa completamente diferente. Com o pânico nos mercados financeiros, chegou o momento ideal por os anarquistas discutirem essa corrida econômica cuja base é permitir poucos no controle, empreendimento arriscado e lucro extraído do trabalho de muitos não só é imoral, não funciona. 

 

Precisamos de uma sociedade cuja base não seja subornar o rico assegurando-lhe investimento e desenvolvimento econômico. Precisamos (como discutiram muito tempo os anarquistas) de uma economia onde os próprios trabalhadores controlem a gestão e a produção. A menos que nos convençamos de que o capitalismo precisa ter um fim, qualquer solução para os pânicos atuais será bancada pela classe trabalhadora e a elite vai, como sempre, beneficiar-se dos sacrifícios de muitos. 

 

Que fazer agora? 

 

Naturalmente, são poucos os que acreditam que a crise financeira se instalou por causa da grande (em vez de pequena) interferência estatal. O estopim desta crise foi aceso pelos mais de trinta anos de desregramento financeiro. Agora, a  classe capitalista que defendia esse desregramento vem  vergonhosamente pedir socorro à ação estatal , proclamando a necessidade de liquidação para criar um maravilhoso e “puro” sistema a partir das ruínas. 

 

Na esquerda, já podemos ouvir apelos pelo velho baú empoeirado da nacionalização. Para os partidos  reformistas da esquerda, o resgate financeiro sueco do começo dos anos 1990 é a opção preferida em vez de um Republican-style Savings e Loan style approach. Para a esquerda “revolucionária”, o alvo será capitalismo estatal desenvolvido com, como prometeu Lênin, a nacionalização estatal “socialista” dos bancos e assim criar nove-décimos de socialismo em uma só cartada. 

 

Embora o keynesianismo social possa ser preferível ao neoliberalismo ou ao “socialismo” leninista, os anarquistas deveriam destacar que estas não são as únicas alternativas. Precisamos deixar claro que as alternativas acima são uma maneira maluca de gerir a economia e que não precisamos viver dependentes do investimento de pessoas ricas. Particularmente quando eles não fazem um bom trabalho ("Stop panic in the City -- abolish capitalism!") Precisamos trazer à tona a necessidade pelo anarquismo, substituir capitalistas por burocratas estatais não é nenhuma real mudança. 

 

O grande desconhecido destes tempos é o povo, a classe trabalhadora. Se permanecermos quietos qualquer socorro financeiro atenderá apenas os interesses do grande negócio, nada mais. Se permanecermos quietos então os custos da recuperação serão lançados sobre nossos ombros na forma de desemprego crescente, na forma de salários mais baixos, de impostos mais altos. Se nós permanecermos quietos o neoliberalismo continuará devastando tudo crise após crise, privatizando  lucros enquanto socializa perdas e custos. 

 

Nossa tarefa enquanto anarquistas é elevar nossas vozes e encorajar a ação direta. As tentativas de cortar salários devem ser barradas. Não fomos nós que criamos esta crise e não seremos nós que vamos pagar pelo pior (“cortes de salários reduziriam desemprego?”). A tentativa de fechar locais de trabalho deve ser obstada através da ocupação. Qualquer tentativa de despejar famílias de suas casas deve ser impedida. Precisamos socializar os meios de vida, e não entregá-los a alguns capitalistas ou burocratas de estado. Precisamos organizar a comunidade e realizar assembléias no local de trabalho para construir uma alternativa a esse sistema em crise, uma alternativa baseada na solidariedade e na liberdade.



Traduzido de http://anarchism.pageabode.com/anarcho/capitalism-in-crisis-again

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Por que os anarquistas rejeitam as eleições?


Simplesmente porque eleições não funcionam. A história está cheia de exemplos de radicais que, uma vez eleitos, tornaram-se tão conservadores, ou até mais, quanto os políticos que substituíram.

Qualquer governo sofre a pressão de duas fontes de poder, a burocracia estatal e as grandes empresas. Isto significa que qualquer tentativa de mudança social seria abortada e inoculada pelos interesses em jogo.

Focalizando esse jogo de interesses dentro do governo democrático, o primeiro problema que surge é o do capital disponível. Se um governo relativamente reformista é eleito, logo enfrenta pressões econômicas. Como qualquer investimento exige dinheiro, o governo logo desiste de seus planos de campanha pelo risco de um colapso econômico. Se o governo em questão controla o capital que deixa o país, é impedido de adquirir novos empréstimos e sua moeda corrente fica inútil. De qualquer modo a economia acaba gravemente danificada e as "reformas" prometidas ficam apenas na promessa. Além disso, este fracasso econômico logo resilta em insatisfação popular que por sua vez conduz a um estado ainda mais autoritário para que a "democracia" seja protegida de certas pessoas.

Exagero? Não, não realmente. Em janeiro de 1974, o índice da Bolsa de valores de Londres subiu 500 pontos. Em fevereiro, os mineiros entram em greve, forçando Heath a convocar (e perder) uma eleição geral. O novo governo trabalhista (com muitos esquerdistas no primeiro escalão) ameaça nacionalizar bancos e muita indústria pesada. Em agosto de 74, Tony Benn anuncia planos para nacionalizar a indústria naval. Em dezembro daquele ano, o índice da Bolsa despenca 150 pontos. Antes mesmo de 1976 o Tesouro britânico já estava gastando $100 milhões por dia comprando de volta seu próprio dinheiro para segurar a libra [The London Times, 10/6/76]. A pressão econômica do capitalismo estava funcionando:

"A queda da libra aconteceu apesar do nível alto de taxas de juros. . . os investidores achavam que a pressão para vender libras não era tão pesada ou nem persistente, o problema é que ninguém queria comprar. A libra desabou de tal forma que surpreendeu até mesmo os banqueiros, políticos e funcionários". [The London Times, 27/5/76]

O governo trabalhista deu de cara com o poder do capital internacional tendo que engulir um "temporário não" do FMI que impôs um pacote de cortes e de controle que forçou os trabalhistas a jogar a toalha e dizer "faremos qualquer coisa que você disser" [Peter Donaldson, Questões Econômicas, pág. 89]. O custos social desta política foi enorme, o governo trabalhista sofreu uma enxurrada de greves dos setores mais fracos da sociedade (é importante lembrar que o governo trabalhista "efetuou o dobro de cortes prometidos ao FMI". [Ibid.]). O resultado de tudo isso foi que os trabalhistas perderam as eleições seguintes para a direita. O governo pró livre mercado continuou a todo vapor depois que os trabalhistas saíram.

Recentemente, "os administradores de fundos que controlam o fluxo de dinheiro entre certos centros financeiros e países, comandam recursos de tal monta que suas disputas com os governos nos mercados globais usualmente terminam em humilhantes derrotas para os políticos. . . Em 1992, o especulador financeiro George Soros com um único golpe destruiu todas as tentativas do governo britânico de manter a libra estável no mecanismo da taxa de câmbio europeia -- European Exchange Rate Mechanism (ERM). Soros efetivamente apostou, e ganhou, que seria capaz de forçar o governo britânico a desvalorizar sua moeda. Fazendo uso de seus enormes recursos, ele criou uma corrida à libra, ao mesmo tempo em que impediu o Banco da Inglaterra de usar suas reservas para manter a moeda estável na banda da ERM. O governo britânico capitulou suspendendo seu objetivo no ERM (acabou desvalorizando sua moeda) enquanto que Soros tornava-se mais rico em um bilhão de dólares. Os administradores de fundos adquirem moedas correntes na base do um por um para depois, incidentalmente, obter lucros pela impossibilidade de compra e venda entre as várias moedas correntes europeias". [Duncan Green, The Silent Revolution, p. 124]

Os administradores de fundos investem onde e como querem, e essa é uma arma efetiva para controlar governos democraticamente eleitos. Com o aumento da globalização do capital nos últimos 30 anos essa arma tornou-se a mais poderosa (uma arma que a cada dia vem sendo aperfeiçoada, via companhias, fundos de investimentos estatais, pesquisa em tecnologia de comunicação, para precisamente facilitar o ataque às reformas proletárias, fortalecendo o mundo desenvolvido. Em outras palavras, é o capital dando-nos uma lição - veja seções C.8.1C.8.2C.8.3).

Quando se trata de pressões políticas, temos que nos lembrar da diferença entre estado e governo. O estado é o conjunto permanente de instituições que compõem a estrutura do poder e dos interesses. O governo é composto de vários políticos. Devido à sua permanência, são as instituições que detêm o poder no estado, não os representantes que vem e vão. Em outras palavras, a burocracia estatal tem interesses próprios e os políticos que são eleitos não podem efetivamente controlá-los. Esta rede por trás das agências podem usualmente ser agrupada em duas partes:

"'Estado secreto' significa. . . os serviços de segurança, MI5 [o FBI nos EUA], Filial Especial. . . MI6 [a CIA]. 'Governo permanente' . . . significa o estado secreto mais o Escritório de Gabinete e os escalões superiores da Casa, do Estrangeiro, dos Escritórios da Commonwealth, as Forças Armadas e o Ministério da Defesa, a indústria do poder nuclear, e seus ministérios satélites; além do denominado 'Clube dos Secretários Permanentes', a rede de funcionários públicos seniores - os 'mandarins'. E finalmente. . . seus satélites". Incluindo altos dirigentes (particularmente da ala direitista), 'agentes de influencia' na media, serviços oficiais de segurança pessoal, corporações de formação de opinião, linha de frente dos serviços de segurança, e assim por diante. [Stephen Dorril e Robin Ramsay, Smear! Wilson and the Secret State, p. X, XI]

Essas corporações, teoricamente sob controle do governo eleito, podem efetivamente (via desinformação, operações ocultas, greves tartaruga burocráticas, ataques da media, etc.) barrar qualquer governo que tente introduzir políticas que esses poderes discordem. Em outras palavras, o estado não é um corpo neutro, que de alguma maneira abre mão de políticas e de interesses próprios. O estado é, e sempre será, uma instituição que existe para atender a seções específicas da sociedade e para servir a si mesmo.

Um exemplo de como esse "estado secreto" funciona pode ser encontrado no livro Smear! (Sujeira!), onde Dorril e Ramsay documenta a campanha contra o Primeiro Ministro da Inglaterra, o trabalhista Harold Wilson, que culminou com sua renuncia. Indica também as pressões que o trabalhista Tony Benn foi sujeito pelos "seus" conselheiros da Whitehall:

"No princípio do ano de 1985, a campanha contra Benn pela media foi dirigida pelo estado secreto. A cronograma é interessante. Em janeiro, seu Secretário Permanente 'declarou guerra', nos meses seguintes teve início a mais extraordinária campanha de perseguição que qualquer político importante já enfrentou na Inglaterra. Embora seja impossível provar isso por quaisquer meios, há uma clara conexão causal entre a retirada do apoio do Primeiro Ministro, a hostilidade aberta dos mandarins de Whitehall e o começo das operações ocultas". [Stephen Dorril e Robin Ramsay, Op. Cit., p. 279]

Tudo isso sem mencionar o papel do estado secreto arruinando as organizações radicais e os movimentos reformistas. Dessa forma esse envolvimento vai desde a propaganda que qualifica a todos de "subversivos", até a repressão e dissolução. Tomando como exemplo o estado secreto dos EUA, Howard Zinn destaca em 1975

"comitês do congresso. . . começam a investigar o FBI e a CIA.

"A investigação dos documentos da CIA revela que a CIA foi além de sua missão original de colher informações, passando a administrar operações secretas de todo tipo . . . [por exemplo] a CIA - estabeleceu um comitê secreto encabeçado por Henry Kissinger - para 'desestabilizar' o [democraticamente eleito, e esquerdista] governo Chileno. . .

"A investigação dos documentos do FBI revelou que houve durante muitos anos uma série de ações ilegais para dissolver e destruir grupos radicais e grupos de esquerda de todos os tipos. O FBI forjou documentos, praticou roubos. . . violou cartas ilegalmente, e no caso do líder Fred Hampton dos Panteras Negras, aparentemente, conspirou para envolvê-lo em assassinato. . .

"As próprias investigações revelaram os limites da vontade do governo em sondar tais atividades. . . submetendo as descobertas da CIA para a própria CIA para saber se havia algum material que a agência gostaria de omitir". [A People's History of the United States, pp. 542-3]

Além disso, a CIA emprega secretamente várias centenas de acadêmicos norte-americanos para escrever livros e outros materiais para serem usados para propósitos propagandísticos, uma arma importante na batalha entre corações e mentes. Em outras palavras, a CIA, FBI [e seus equivalentes em outros países] e outros organismos estatais aparentemente neutros, não fazem outra coisa senão obedecer ordens. Na verdade, eles são uma rede com intesses próprios, com pontos de vista ideológicos específicos e objetivos que normalmente colocam os desejos da população votante em um grau inferior à estrutura de poder do estado-capital.

Isso pode ser visto de uma forma dramática no súbito golpe militar no Chile contra o governo de Allende, a esquerda democraticamente reeleita. Os militares, ajudados pela CIA, por corporações com base nos EUA, e pelo governo norte-americano, cortaram ajuda econômica ao país (especificamente para dificultar o regime de Allende). O golpe súbito resultou em dezenas de milhares de assassinatos, e anos de terror e de ditadura. O perigo de um governo a favor do trabalho foi logo neutralizado, e o ambiente empresarial tornou-se novamente saudável para obter lucros. Um exemplo extremo, nós sabemos disso, mas um exemplo importante para qualquer um que acredite que a máquina estatal é de alguma maneira neutra, que pode ser capturada e usada pelos partidos da ala esquerda.

É uma idéia inteiramente estúpida esperar que um grupo diferente de políticos reaja de uma maneira diferente às mesmas influências econômicas e interesses institucionais. Não é nenhuma coincidência que os esquerdistas através dos partidos reformistas em vários países tenham introduzido políticas típicas da direita, pro-capitalistas ("Thatcherite/Reaganite") no mesmo momento em que a direita, e partidos explicitamente pro-capitalistas as introduziam no Reino Unido e nos EUA. Conforme Clive Ponting (um ex-funcionário público britânico) expõe, isso já era esperado:

"a função do sistema político em qualquer país do mundo é regular, sem alterar radicalmente, a estrutura econômica existente juntamente com suas relações de poder. A grande ilusão da política é que os políticos têm o poder de fazer as mudanças que gostariam. . . Qual é o real controle dos políticos em qualquer país das operações do sistema monetário internacional, do padrão de comércio mundial que embute subordinação ao terceiro mundo, ou das operações das companhias multinacionais? Tais instituições e o mecanismo de dominação que elas detém -- o motivo do lucro como medida exclusiva de sucesso -- estão essencialmente fora de controle e operam automaticamente por elas mesmas". [citado emAlternatives, # 5, p. 10]

Claro que houve alguns exemplos de reformas bem extensas que beneficiaram proletários em países importantes. A New Deal nos EUA, e os governos trabalhistas entre 1945 e 1951 são dignos de nota. Mas isso é um indicativo seguro de que nossos argumentos acima são falsos? Claro que não!. As reformas podem ser obtidas do estado quando não dar é mais perigoso do que dar, quando não ceder supera em valor os problemas associados com as reformas. Em outras palavras, as reformas podem ser usadas para salvar o sistema capitalista, preservar o estado, e até mesmo azeitar suas operações (com, naturalmente, a possibilidade efetuar tais reformas quando eles quiserem, e inclusive quando elas não são mais requeridas).

Por exemplo, ambos os governos reformistas dos anos 1930 e 1940 nos EUA e Reino Unido respectivamente, estiveram sob pressão de baixo. Houve uma onda de lutas do proletariado militante que poderia resultar em algo mais que um mero reformismo. As ondas de greves de braços cruzados nos anos trinta asseguraram a aprovação de leis a favor do sindicalismo, permitindo aos trabalhadores se sindicalizar sem medo de demissão. Esta medida também envolveu os sindicatos ligados à máquina capitalista-estatal (possibilitando-lhes o controle "extra-oficial" dos locais de trabalho, assegurando ganhos). A nacionalização de cerca de 20% da economia do Reino Unido durante a administração trabalhista de 1945 (as seções mais improdutivas) também foram resultado direto do medo da classe dominante. Conforme disse o executivo Quintin Hogg, "Se você não der reformas sociais ao povo ele lhe dará uma revolução social". A memória das revoluções recentes que varreram a Europa depois da primeira guerra ainda estava obviamente em muitas mentes, em ambos os lados. Aquela nacionalização não era tão temida como o "socialismo". A conclusão a que se chegou foi que aquilo era o melhor meio para melhorar o desempenho da economia britânica. Conforme os anarquistas daquele tempo observaram "a real opinião do capitalista pode ser vista melhor pelas variações da Bolsa de Valores e pelas declarações dos industriais. É evidente que a classe proprietária não está satisfeita com as manifestações e as tendências do Partido Trabalhista". [Neither Nationalisation nor Privatisation: Selections from Freedom 1945-1950, Vernon Richards (Ed), p. 9]

Assim, se ocorrem extensas reformas, é bom lembrar que elas vêm em resposta à pressão militante de baixo e que nós poderíamos obter muito mais.

Geralmente, muito pouco tem mudado durante os últimos cem anos desde que este argumento anarquista contra as eleições foi formulado:

"No processo eleitoral, a classe trabalhadora sempre acaba sendo enganada e tapeada. . . mesmo que ela consiga encaixar um, dez, ou cinquenta de seus membros no parlamento, eles seriam fracos e impotentes. Além disso, até mesmo se a maioria do parlamento fosse composta por trabalhadores, eles não poderiam fazer nada. Não existe apenas o senado . . . existe também os dirigentes das forças armadas, os cabeças do judiciário e da polícia, que se posicionam contra as decisões progressivas dos parlamentares. Da mesma forma, a câmara se recusa a obrigar o cumprimento de leis favoráveis aos trabalhadores. [Isso ocorreu, por exemplo, na década de 1870 em muitos estados nos Estados Unidos, quando foi legalmente criada a lei da jornada de 8 horas, tanto que os trabalhadores tiveram que entrar em greve em 1886 para forçar seu cumprimento]. Mas além disso as leis não são milagrosas; nenhuma lei pode impedir capitalistas de explorar trabalhadores; nenhuma lei pode forçar capitalistas a manter as suas fábricas abertas e empregar trabalhadores sobre tais e tais condições, nem forçar lojistas a vender por determinado preço, e assim por diante". [S. Merlino, citado por L. Galleani, The End of Anarchism?, p. 13]

Além disso, os anarquistas rejeitam eleições por outras razões. Os procedimentos eleitorais são opostos à ação direta - eles se baseiam em eleger alguém que supostamente agirá em nosso favor. Então, longe de fortalecer as pessoas dando a elas um senso de confiança e habilidade, o processo eleitoral acaba sugando a autoridade das pessoas pela criação de uma espécie de "líder" do qual se espera a implementação das mudanças. Como observa o Martin:

"Todas as evidências históricas sugerem que os partidos são mais um impedimento do que um incentivo às mudanças radicais. Um óbvio problema é que os partidos podem decidir por eles mesmos. Toda política de mudança pode ser simplesmente revertida depois das eleições.

"Mais importante, entretanto, é a influência pacificadora do próprio partido radical. Em muitas ocasiões os partidos radicais são alçados ao poder como resultado de um levante popular. Seguidamente os partidos 'radicais' tornam-se obstáculo aos processos de mudança radical" ["Democracy without Elections," Reinventing Anarchy, Again, Howard J. Ehrlich (ed.), p. 124]

Isso pode facilmente ser visto na história dos vários partidos de esquerda. Ralph Miliband destaca que os partidos trabalhistas e socialistas eleitos em períodos de turbulência social, tem muitas vezes agido no sentido de proteger a elite dominante abrandando a ação popular que poderia ameaçar os interesses capitalistas [The State in Capitalist Society, Weidenfeld e Nicolson, 1969]. Por exemplo, depois de ser eleita na França em 1936, a primeira coisa que a Frente Popular fez foi acabar com as greves e ocupações, ações como essa acabaram esfriando a combatividade popular, a aliada mais forte da Frente. O governo trabalhista eleito na Inglaterra em 1945 fez algumas reformas, mas recusou-se a implementar mudanças básicas nas estruturas sociais. Além disso, logo na primeira semana de governo, enviou tropas para atacar os grevistas nas docas. Os governos trabalhistas usam tropas para reprimir com muito mais frequência que os governos conservadores.

Estes pontos indicam porque as estruturas de poder existentes não podem efetivamente ser mudadas através de eleições. Em primeiro lugar, os representantes eleitos não são amarrados a qualquer espécie de compromisso político particular, não importa o que prometem na campanha nem o que os eleitores preferem. Em tempos de eleição, a influência do público nos políticos é mais forte, mas depois da eleição os representantes eleitos podem fazer praticamente tudo que quiserem porque não há nenhum procedimento de revogação imediata. Na prática é impossível substituir os políticos antes da próxima eleição, e entre as eleições eles são continuamente expostos a pressões em virtude dos interesses especiais de poderosos grupos -- especialmente lobistas empresariais, burocracias estatais e bancadas de partidos políticos.

Sob tal pressão a tendência dos políticos para quebrar as promessas de campanha se torna absoluta. Geralmente, tal rompimento de promessa é atribuída a um mau caráter, conduzindo a um periódico e fervoroso, "vamos tirar os filhos da puta!". Na realidade é o próprio sistema que gera os "filhos da puta", as traições e procedimentos sombrios são típicos dos políticos. Conforme Alex Comfort argumenta, o ofício de político atrai gente faminta pelo poder, autoritários, gente dotada de crueldade, na melhor das hipóteses os eleitos tendem a adquirir tais características (veja a obra clássica: Authority and Delinquency in the Modern State: A Criminological Approach to the Problem of Power).

À luz da moderna "democracia", é surpreendente que alguém ainda considere o sistema tão seriamente a ponto de sair de sua casa para votar. Na realidade, o número de eleitores nos EUA e em outras nações onde a "democracia" é praticada desse modo é tipicamente baixo. [No caso do Brasil se o cidadão não vota é passível de punição!]. Não obstante, alguns eleitores continuam participando, fixando suas esperanças em novos partidos ou tentando reformar um partido principal. Para os anarquistas, essa atividade é insensata por não atingir a raiz do problema. Não são os políticos ou os partidos que são o problema, é o sistema que os amolda em sua própria imagem, marginalizando e alienando as pessoas devido a sua natureza hierárquica e centralizadora. Nenhuma espécie de partido político pode mudar isso.

Porém, é bom que fique bem claro que a maioria dos anarquistas reconhece que há uma diferença entre votar em um governo e votar em um referendo. Aqui nós estamos discutindo o eleitoralismo como meio de mudança social. Os referendos são mais fechados com as idéias anarquistas de democracia direta e são, quando aplicados, bem melhores do que eleger políticos a cada quatro ou cinco anos.

Além disso, os anarquistas necessariamente não são contra todo o envolvimento nas políticas eleitorais. Bakunin achava que às vezes poderia ser útil participar em eleições locais em comunidades relativamente pequenas onde o contato regular com representantes preservasse a responsabilidade. Este argumento foi acatado por ecólogos sociais como Murray Bookchin defende a participação de anarquistas em eleições locais, usando essa técnica para criar assembléias comunitárias autônomas. Porém, poucos anarquistas apoiam tais meios.

Porém, em cidades grandes e em eleições regionais ou nacionais, foram desenvolvidos certos processos que tornaram o termo "democracia" inapropriado. Tais processos incluem propaganda eleitoral em massa, suborno de eleitores através de projetos do governo em áreas locais, "máquina" partidária, limitação do acesso aos meios de comunicação a dois (ou a no máximo três) partidos principais, e manipulação das notícias pelo governo, e daí por diante. A máquina partidária escolhe os candidatos, dita plataformas, e contata os eleitores pelos telefones de campanha. Campanhas massivas anunciam "pacotes" de candidatos como mercadorias de consumo, incitando os eleitores a votar enfatizando mais a personalidade do candidato do que sua política, enquanto que os noticiários da media enfatiza a campanha como se tratasse de uma "corrida de cavalos", secundarizando os aspectos políticos. Gastar dinheiro público em certas áreas (ou mais cinicamente, anunciar novos projetos em tais áreas antes das eleições) tornou-se uma técnica padrão para comprar votos.

Portanto, é por causa de tudo isso que os anarquistas rejeitam a votação como meio de mudança social. Em vez de transferir poder a outros os anarquistas preferem praticar e apoiar a ação direta como meio para conquistar melhorias aqui e agora, como também criar as condições de implantar uma alternativa ao atual sistema.

J.2.3 Quais as implicações políticas do voto?

Na melhor das hipóteses, votar implica em concordar com o status quo. Veja o que o socialista libertário escocês James Kelman diz a esse respeito:

"A propaganda do Estado afirma que a razão pela qual menos de 40 por cento do público apto a votar não vota é porque de uma ou de outra forma tais pessoas são destituídas de qualquer sentimento. Dizem a mesma coisa nos EUA, onde cerca de 85 por cento da população é aparentemente 'apolítica' uma vez que não se dão ao trabalho de registrar seu voto. Do ponto de vista do estado, a rejeição ao sistema político é inadmissível. . . Naturalmente, cada voto significa mais um voto de endosso a um sistema político injusto. . . Um voto para algum partido ou para algum indivíduo é sempre um voto para o sistema político. Você pode interpretar seu voto da maneira como quiser mas ele permanece como um endosso ao aparato. . . Se houvesse qualquer possibilidade do voto ser capaz de efetuar qualquer mudança no sistema ele seria imediatamente proibido. Em outras palavras, tal sistema político é uma instituição estatal projetada, desenhada e preparada com a finalidade de perpetuar sua própria existência. A autoridade governante fixa a agenda para que o público 'entre na cena política', as coisas tem que ser feitas da forma que eles determinam". [Some Recent Attacks, p.87]

Desde tenra idade nos ensinam que votar em eleições é um direito e um dever. Nas escolas dos EUA, as crianças elegem um presidente de classe e outros cargos. Frequentemente são promovidas mini eleições gerais para "educar" as crianças nos caminhos da "democracia". Periodicamente, a mídia monopoliza as eleições. A coisa é feita de forma a nos sentirmos culpados quando não cumprimos nossa "responsabilidade cívica" se não votamos. Países que não praticam eleições, ou as secundarizam, são tidos como fracassados [Benjamin Ginsberg, The Consequences of Consent: Elections, Citizen Control and Popular Acquiescence, Addison-Wesley, 1982]. Como resultado, as eleições tornaram-se um ritual quase que religioso.

Como revela Brian Martin, "a prática das eleições sempre foi muito útil para manter as estruturas do poder dominante, como a propriedade privada, o exército, a dominação masculina, e a desigualdade econômica. Nenhuma dessas coisas é seriamente ameaçada pelo voto. É justamente do ponto de vista da crítica radical que as eleições são mais limitadas". ["Democracy without Elections," Social AnarchismReinventing Anarchy, Again, Howard J. Ehrlich (ed.), p. 124]

Benjamin Ginsberg destacou outros modos pelos quais as eleições servem aos interesses do poder estatal. Primeiramente, votar ajuda a legitimar o governo; é por isso que o sufrágio é muitas vezes adotado nos períodos em que há pouca demanda popular pelo voto mas onde o apoio da massa ao governo é crucial, como durante a guerra ou revolução. Em segundo lugar, uma vez que o voto é organizado e supervisionado pelo governo, dá a impressão de que é a única forma legítima de participação política, ou seja, qualquer revolta de grupos oprimidos ou marginalizados é vista pelo público em geral como ilegítima. [The Consequences of Consent]

Além disso, Ginsberg argumenta que, historicamente, quanto mais gente participa dessas "políticas", assumindo a participação em campanhas e eleições como uma atividade "segura", reduz o risco da ação direta mais radical. Ou seja, as eleições enfraquecem as lutas locais (grassroots) e desperdiçam energia das ações locais. No final das contas, a meta da política eleitoral é eleger um representante que agirá por nós. Assim, em vez de praticar uma ação direta para resolver nós mesmos os nossos problemas, a ação se torna indireta, através do governo. Estamos diante de uma insidiosa armadilha muito fácil de se cair, como fomos condicionados desde a infância dentro de uma sociedade hierárquica por atitudes de passividade e de obediência, a maioria de nós adquire uma profunda tendência em deixar assuntos importantes a cargo de "peritos" e de "autoridades".

Os anarquistas também criticam as eleições por proporcionar aos cidadãos a falsa impressão de que o governo serve, ou pode servir às pessoa. Martin fala sobre isso, "o fundamento do estado moderno a alguns séculos atrás foi objetado com grande resistência: as pessoas se recusavam a pagar impostos, se alistar, ou obedecer leis escritas por governos nacionais. A introdução do voto e a disseminação do sufrágio universal ajudaram em muito a expansão do poder do estado. Em vez de ver o sistema como algo que o domina e o governa, o povo encara o poder estatal como algo que pode ser usado para ajudar a si próprio. Na medida em que a participação eleitoral aumenta, o grau de resistência aos impostos, ao serviço militar, e a uma imensa variedade de leis reguladoras, se atenua grandemente". [Op. Cit., p. 126]

Assim, o ato de votar ironicamente legitimou o crescimento do poder estatal de tal forma que o estado está atualmente completamente fora de qualquer controle real por parte da sociedade. Foi essa forma de participação que possibilitou esse crescimento. Não obstante, como observa Ginsberg, a idéia de que participação eleitoral significa controle popular do governo é uma coisa que foi profundamente implantada na psique das pessoas "até mesmo aquela maioria mais céptica não pode se livrar completamente disso". [The Consequences of Consent, op. cit., p. 241].

Portanto, o ato de votar tem uma implicação política importante ao encorajar as pessoas a se identificar com o poder estatal e a justificar o status quo. Além disso, alimenta a ilusão de que o estado é neutro e que alçar partidos ao poder significa que o povo tem o controle e as pessoas decidem sobre suas próprias vidas. Além disso, as eleições tendem a tornar as pessoas passivas, e a esperar que a salvação venha de cima para baixo e não de sua própria atividade. As divisões entre os líderes faz com que os eleitores se tornem meros espectadores das atividades e não participantes.

Isso não significa, obviamente, que os anarquistas preferem a ditadura ou uma monarquia "iluminada". Longe disto, a democratização do poder estatal pode ser um passo importante para aboli-lo. Todos os anarquistas concordam com Bakunin quando ele argumenta que "a república mais imperfeita é mil vezes melhor que a monarquia mais iluminada". [citado por Guerin, Anarchism, p. 20]. Mas nem por isso os anarquistas se juntarão à farsa eleitoral, particularmente quanto há meios mais efetivos à disposição para mudar as coisas para melhor.

J.2.4 Votar em partidos radicais funciona?

Não há dúvida alguma de que o voto pode resultar em algumas leves mudanças na política, que podem representar até certo ponto algo bom. Mas tais políticas são formuladas e implementadas a partir do vigamento autoritário da hierarquia do estado capitalista -- um vigamento que nunca está aberto a mudanças radicais pelo voto. Pelo contrário, o voto legitima o vigamento estatal, assegurando que as mudanças sociais serão moderadas, graduais, e reformistas, em vez de rápidas e radicais. Realmente, o processo "democrático" resulta e sempre resultará em que o partido político progressista se torne "igual aos outros", que, na melhor das hipóteses, em vez de soluções definitivas, implementa paliativos (que usualmente estabelece o limite de toda mudança política).

Assim, diante da necessidade premente de mudanças sistêmicas radicais devido às crises exponencialmente aceleradas da moderna civilização, a prática de reformas graduais via sistema eleitoral deve ser vista como um erro tático potencialmente mortal. Além disso, tais reformas nunca atingem a raiz de nossos problemas. Os anarquistas rejeitam a idéia de que nossos problemas possam ser resolvidos pelas mesmas instituições que os provocam! O que acontece em nossas comunidades, locais de trabalho e meio ambiente é muito importante para que seja entregue nas mãos dos políticos -- ou a cargo de uma elite governante que detém o poder.

Por causa disso os anarquistas rejeitam os partidos políticos e se abstém de participar no processo eleitoral. As eleições sempre representaram a morte do radicalismo. Os partidos políticos são radicais apenas quando eles não tem qualquer chance de alçar o poder. Porém, muitos ativistas sociais continuam tentando usar as eleições, continuam alimentando um sistema que enfraquece a maioria, e que contribui para para o agravamento dos problemas sociais contra os quais eles se posicionam.

"Não há qualquer sombra de dúvida de que as eleições fortalecem os políticos e não os votantes", escreve Brian Martin, "contudo muitos movimentos sociais continuamente são capturados pelas teias da política eleitoral". Há um número de razões para isso. "Uma delas é o envolvimento de membros de partidos com os movimentos sociais. Outra é a sede pelo poder e a influência dos líderes nos movimentos. Muitos se precipitam em dar ouvidos a ministros de governo e acreditar em suas promessas; participar na eleição do parlamento representa para muitos uma satisfação do próprio ego. Se esquecem completamente de que o poder de tais "políticos influentes" é formado pela supressão do poder de ativistas comuns". ["Democracy without Elections", Reinventing Anarchy, Again, Howard J. Ehrlich (ed.),p. 125]

Rudoph Bahro exemplifica que a atuação "dentro do sistema" enfraqueceu o ativismo radical do movimento verde na Alemanha. A coalizão entre verdes e democratas sociais na legislatura alemã frequentemente resultou no fortalecimento do status quo desviando forças que poderiam estar atuando em formas mais efetivas e radicais de ativismo [Building the Green Movement, New Society Publishers, 1986].

Não há dúvida de que o estado é muito mais complexo do que um simples "comitê executivo da classe governante" desenhado por marxistas. Há contínuas lutas tanto dentro como fora da burocracia estatal, lutas que influenciam as políticas e que fortalece diferentes grupos de pessoas. Por causa disso, muitos partidos radicais acreditam que faz sentido atuar dentro do estado -- por exemplo, para criar leis favoráveis ao trabalhador, ao consumidor, ao meio ambiente. Todavia, esse raciocínio ignora o fato de que a estrutura organizacional do estado não é neutra.

Citando Martin novamente:

"A perspectiva anarquista básica é que a estrutura do estado, enquanto aparato administrativo centralizado, é inerentemente alienado do ponto de vista da liberdade e da igualdade humana. Embora possa ser usado ocasionalmente para fins valiosos, o estado enquanto meio de transformação é inócuo e impossível de funcionar nesse sentido. Os aspectos não reformáveis do estado incluem, basicamente, o seu monopólio da 'legítima' violência e seu consequente poder de coerção para propósitos bélicos, seu controle interno, taxação, proteção da propriedade e de privilégios burocráticos.

"O problema com as eleições é que as premissas básicas do estado nunca são consideradas abertamente no debate, muito menos questionadas. O monopólio do estado no uso da violência para a guerra nunca é debatido. A legitimidade do uso da violência pelo estado para conter as revoltas jamais é colocado em dúvida. O direito do estado de extrair recursos econômicos da população nunca é questionado. Também não é colocada em dúvida a garantia que o estado dá à propriedade privada (sob o capitalismo) e/ou aos privilégios burocráticos". [Op Cit., p. 127].

Apesar de tudo isso, é dito aos quatro ventos que se um novo grupo político for suficientemente radical, ele poderá usar o poder estatal para bons propósitos. Embora isso seja discutido mais detalhadamente na seção J.2.6, vamos considerar um caso específico: o dos verdes, muitos dos quais acreditaram que o melhor caminho para atingir suas metas era atuar dentro do sistema político representativo.

Empenhados em usar o sistema eleitoral para obter mudanças, os partidos verdes passaram necessariamente a formular suas propostas na agenda legislativa. Na medida em que suas propostas eram transformadas em leis, houve a necessidade de acionar os mecanismos coercitivos do estado para forçar sua implementação. Assim os partidos verdes se convenceram de que era necessário tomar posse também do poder do estado. Assim, conforme indicado na seção B.2, o estado -- composto por instituições hierárquicas pelas quais uma elite governa a sociedade e os indivíduos -- passa a controlar ecologistas, feministas, e pacifistas, que acabam transformados em meros currais eleitorais dos partidos verdes. Em vez dos ecologistas, feministas, e pacifistas, desmantelarem estas estruturas hierárquicas e de dominação, acabam fortalecendo-as, tornando seus objetivos ainda mais difíceis de serem alcançados. Ora, o estado não é apenas a maior e mais poderosa hierarquia, é também a principal ferramenta para garantir e manter o funcionamento das estruturas hierárquicas das principais instituições da sociedade (que servem aos interesses da classe dominante). O estado por si só é o maior obstáculo ao sucesso da prática do programa do movimento verde. Consequentemente éabsolutamente impossível a um parlamento de maioria do partido verde (ou qualquer outro) alcançar os objetivos essenciais do movimento verde. Um argumento semelhante pode ser usado referindo-se a qualquer partido radical cuja principal ênfase esteja na justiça social, feminismo, ecologia radical -- todas essas lutas necessitam do desmantelamento das hierarquias.

Seguramente, ninguém que esteja mesmo remotamente familiarizado com a história esperará que políticos 'radicais', que por um milagre venham a obter uma maioria na legislatura nacional, desmantelem o estado. Isso deveria ser um axioma, toda vez que um político 'radical' (Lenin, por exemplo) diz aos eleitores, "coloque o poder do estado na minha mão e na mão de meu partido e que nós o 'esvaziaremos'" na verdade, não passa de uma retórica de campanha (no caso de Lenin, essa foi a última promessa de sua campanha de dar "todo poder aos sovietes"), portanto, tais promessas nunca deveriam ser levadas a sério. Assim, conforme argumentamos na seção anterior, os partidos radicais ficam a mercê das pressões da burocracia econômica e estatal, o que faz com que até mesmo os partidos sinceramente radicais sejam enfraquecidos na hora de introduzir reformas significantes.

A única alternativa real e efetiva aos problemas da democracia representativa é pedir às pessoas para que elas não votem. Isso pode ser um valioso modo de alertar o povo sobre as limitações do sistema eleitoral, uma condição necessária para que considerem seriamente a alternativa anarquista, delineada neste FAQ. As implicações do abstencionismo estão na próxima seção.

J.2.5 Por que os anarquistas apoiam a abstenção? Quais as implicações disso?

Basicamente, os anarquistas apoiam a abstenção porque "participar de eleições significa transferir os desejos de alguém e a tomada de decisão para outra pessoa, o que é contrário aos princípios fundamentais do anarquismo". [Emma Goldman, "Anarchists and Elections",Vanguard III, June-July 1936, p. 19]

Se você rejeita a hierarquia e o governo, participar de uma eleição onde você escolhe quem irá te governar assemelha-se refastelar-se no próprio vômito! Conforme Luigi Galleani destaca, "quem é politicamente competente para escolher quem irá governá-lo é, por implicação, também politicamente competente para governar a si mesmo". [The End of Anarchism?, p. 37]. Em outras palavras, por rejeitarem a idéia de autoridade, os anarquistas rejeitam a idéia de escolher uma autoridade (sejam administradores ou políticos) que os liberte. Assim, os anarquistas rejeitam as eleições governamentais em nome do autogoverno e da livre associação. Nós recusamos o voto na medida em que o voto endossa as estruturas sociais autoritárias. Somos, com efeito, forçados a termos obrigações para com o estado, não com para com nossos concidadãos, assim, nós anarquistas, rejeitamos o processo simbólico pelo qual nossa liberdade é alienada de nós mesmos.

Para os anarquistas, portanto, quando você vota, você automaticamente está escolhendo aquele que o governará. Em vez de incentivar as pessoas para que votem pedimos a elas para que optem por governar a si mesmos, organizando-se e associando-se livremente entre si - em seu local de trabalho, em sua comunidade, em toda parte - enquanto iguais. Pedimos para que optem por algo que não podem votar, uma nova sociedade. Em vez de esperar que outros façam as mudanças que você deseja, os anarquistas incentivam que você mesmo as faça. Essa é a essência do apoio dos anarquistas à abstenção.

Além dessa básica rejeição ao sistema eleitoral e de sua posição anti-estado, os anarquistas também apoiam a abstenção como um elemento que nos permite por nossas idéias em prática em tempos de eleição. Não há dúvida alguma de que em tempos de eleições as pessoas se interessem mais por política do que usualmente. Assim, defendendo a abstenção podemos transmitir nossas idéias sobre a natureza do atual sistema, como os políticos eleitos não controlam a burocracia estatal, como o estado age em defesa do capitalismo, e assim por diante. Além disso, é uma ocasião de ouro para apresentar as idéias de ação direta e encorajar as pessoas desiludidas com os partidos políticos e com o atual sistema para que se tornem anarquistas e apresentem uma alternativa viável diante da farsa dos políticos.

Há um considerável percentual de não eleitores e eleitores desiludidos com o status quo. De acordo com o jornal norte-americano The Nation (de 10 de fevereiro de 1997):

"O protesto está vivo e presente pelo crescimento da quantidade de não votantes, agora a maioria (nas eleições do outono último o comparecimento foi de 48,8 por cento). Segundo uma pesquisa pós-eleição conduzida pela Polling Company, empresa com sede em Washington, 38 por cento não votaram por razões essencialmente políticas: 'não queriam nenhum daqueles candidatos' (16 por cento), 'os candidatos estavam comprometidos com o sistema político' (15 por cento) 'não acho que esses candidatos estejam interessados em pessoas como eu' (7 por cento). Essa amostragem representaria pelo menos a opinião de 36 milhões de pessoas -- quase a quantidade de gente que votou em Bob Dole".

Assim, o abstencionismo anarquista é um meio de canalizar essa reação negativa a um sistema injusto para uma atividade positiva. A oposição anarquista às eleições tem profundas implicações políticas conforme dia Luigi Galleani, "o abstencionismo eleitoral praticado pelos anarquistas implica não apenas numa concepção que se opõe ao princípio da representação (que os anarquistas rejeitam totalmente), tal abstencionismo representa acima de tudo uma absoluta falta de confiança no Estado. . . Além disso, o abstencionismo anarquista traz consequências mais profundas diante da inerte apatia provocada pelos arautos do 'socialismo científico'. O abstencionismo anarquista desnuda a fraude constitucional do Estado que apresenta a si mesmo como o verdadeiro representante de toda uma nação e expõe seu essencial caráter de representante, procurador e polícia das classes dominantes.

"Não confiar em reformas, em poder público e em delegação de autoridade, pode conduzir à ação direta. . . Isso pode pode determinar o caráter revolucionário da. . . ação; e corretamente, os anarquistas consideram a ação direta como o melhor meio disponível pelo qual as massas se preparam para administrar seus próprios interesses, pessoais e coletivos; além disso, os anarquistas percebem que o proletariado é completamente capaz de assumir suas próprias questões políticas e administrativas". [The End of Anarchism?, pp. 13-14]

O abstencionismo, portanto, enfatiza a importância da auto-atividade e da auto-libertação além de exercer um importante efeito educacional realçando que o estado, longe de ser neutro, serve para proteger a classe dominante, o que significa que as mudanças virão apenas de baixo, pela ação direta. As idéias dominantes dentro de uma sociedade dividida em classes reflete a opinião da elite governante dessa sociedade, assim todo o processo eleitoral é uma farsa que obviamente desafia estas idéias dominantes. Em outras palavras, o abstencionismo combinado com ação direta e com a construção das alternativas socialistas é o meio mais efetivo de mudar as idéias do povo e encorajar o processo de auto-educação, e finalmente, de auto-libertação.

Os anarquistas estão atentos ao fato de que as eleições servem para legitimar o governo. Ora, se o Estado exerce um papel nesse sistema que perpetua a pobreza, a desigualdade, o racismo, o imperialismo, o sexismo, a destruição do meio ambiente, e a guerra, não podemos esperar que tais problemas sejam resolvidos mudando alguns líderes estatais a cada quatro ou cinco anos (Veja P. Kropotkin, "Representative Government,"The Commonweal, Vol. 7, 1892; Errico Malatesta, Vote: What For?, Freedom Press, 1942). Assim, os anarquistas (normalmente) defendem o abstencionismo como um meio de desnudar a farsa da "democracia", a natureza enfraquecedora das eleições e o real papel do estado.

Assim, os anarquistas incentivam o abstencionismo de forma a encorajar a ação, não a apatia. As razões pelas quais as pessoas se abstém de votar são mais importantes do que o ato em si. A idéia de que os norte-americanos são simpáticos à anarquia porque metade das pessoas não votam é pura tolice. O abstencionismo nesse caso é produto da apatia e do cinismo, não de idéias políticas. Assim, os anarquistas reconhecem que o abstencionismo apático não é revolucionário nem indica simpatia ao anarquismo. Trata-se de apatia e cinismo diante de todas as formas de idéias políticas ou de mudança.

Não votar não basta, tanto que os anarquistas incentivam as pessoas a se organizar e a resistir tanto quanto podem. Para ser efetivo, o abstencionismo deve ser um instrumento político que caminha de mãos dadas com a luta de classes, com a auto-atividade e a autogestão - caso contrário o abstencionismo se torna tão insensato quanto o voto.

J.2.6 O que acontece quando os radicais participam de eleições?

Embora muitos radicais acabem concordando com nossa análise sobre os limites das eleições e do voto, poucos concordariam automaticamente com os argumentos abstencionistas anarquistas. Em vez disso, eles argumentam que melhor seria combinar ação direta com participação nas eleições. Dessa forma (argumentam eles) poderíamos superar as limitações das eleições fortalecendo os movimentos pela autonomia. Além disso, argumentam eles, o estado é poderoso demais para que seja deixado na mão dos inimigos da classe trabalhadora. Um político radical nunca ordenará a repressão de um protesto social organizado pela direita, pelos pró-capitalistas.

As idéias reformistas viveram um momento especialmente sórdido entre 1900-1910 (quando a democracia social ainda era considerada revolucionária). Em 1899, o socialista Alexandre Millerand aliou-se ao gabinete do governo francês. A segunda internacional socialista-marxista aprovou esta atitude com o apoio de líderes como Lenin e Kautsky na conferência de 1904. Contudo, nada mudou:

"milhares de grevistas. . . pediram ajuda a Millerand, confiantes de que, pela sua participação no governo, o estado estaria a favor. Muito dessa confiança se dispersou dentro de alguns anos. O governo não fez muito diferente dos governos anteriores; enviou soldados e policiais para reprimir seriamente os grevistas". [Peter N. Stearns, Revolutionary Syndicalism and French Labour, p. 16]

Em 1910, o primeiro ministro socialista Briand usou de violência e de tropas para novamente reprimir a greve geral dos ferroviários franceses. Estes eventos ocorreram durante o período quando os partidos social democratas e socialistas se auto-proclamaram revolucionários, argumentando contra os anarco-sindicalistas dizendo que o proletariado precisava ter representantes no governo para parar as tropas que os atacavam durante as greves!

Observando o partido trabalhista britânico no governo de 1945 a 1951 vemos estas mesmas atitudes. Ou seja, frequentemente o esquerdista governo trabalhista fez uso de tropas para reprimir as greves em cada ano em que esteve no poder, começou reprimindo a greve nas docas alguns dias depois de tornar-se o novo governo. Nos anos 1970 novamente o partido trabalhista fez uso de tropas para conter as greves. Realmente, o partido trabalhista britânico usou tropas para reprimir greves com mais frequência do que o próprio Partido Conservador da ala direitista.

Em outras palavras, embora hajam argumentos importantes defendendo a participação de radicais nas eleições, todos esses argumentos falham em não levar em conta a natureza do estado e os efeitos corruptores que imprime nos radicais. Os fatos históricos do resultado líquido do uso que os radicais fizeram das eleições revelam que durante o tempo em que estiveram no poder eles não fizeram mais do que a direita teria feito se estivesse ocupando o lugar deles. Muitos culpam aqueles que foram eleitos de traidores, argumentando que precisamos escolher políticos melhores, selecionar melhor os líderes. Para os anarquistas o problema principal está no meio utilizado, não nos indivíduos envolvidos.

Basicamente, o processo eleitoral resulta em que todo partido que o utiliza se torna mais moderado e mais reformista - na realidade o partido se torna frequentemente vítima de seu próprio sucesso. Na sede por votos, o partido tem que parecer "moderado" e "prático", isso significa funcionar dentro do sistema. Isso significa que (usando as palavras de Rudolf Rocker):

"A participação nas políticas dos Estados burgueses não fez com que o movimento ficasse mais próximo do socialismo, essa participação resultou em que o socialismo fosse quase que completamente esmagado e condenado à insignificância. . . A participação nas políticas parlamentares afetou o movimento socialista dos trabalhadores como um veneno insidioso. Essa participação destruiu a convicção na necessidade da atividade socialista construtiva e, pior de tudo, destruiu o impulso à solidariedade, contaminando as pessoas com a ruinosa ilusão de que a salvação sempre virá de cima". [Anarcho-Syndicalism, p. 49]

Esta corrupção não ocorreu do dia para a noite. Alexander Berkman indica como isso se desenvolveu lentamente:

"[No início, os partidos socialistas] proclamaram que usariam a política apenas para o propósito da propaganda. . . e que participariam das eleições para ter uma oportunidade de defender o socialismo.

"Pode parecer exagero mas tal atitude significou a abolição do socialismo. Porque nada é mais verdadeiro que os meios que você usa para atingir seus objetivos, assim os meios que você usa se tornam o objetivo que você quer alcançar. . . [assim] há uma profunda razão para esta constante e regular traição [onde indivíduos salafrários são eleitos] . . . nenhum homem se transforma em salafrário do dia para a noite.

"É o poder que corrompe. . . Além disso, até mesmo os socialistas com as melhores intenções [quando eleitos]. . . vêem a si mesmos completamente impotentes para realizar qualquer coisa de natureza socialista. . . A desmoralização e a impotência [que isso provoca] ocorre pouco a pouco, tão gradualmente que dificilmente alguém nota isso em si mesmo. . . [O socialista eleito] percebe que ele é considerado ridículo [pelos outros políticos] . . . e sente mais e mais o chão fugir de seus pés. . . ele sabe que nem seu discurso nem seu voto irá influenciar nos procedimentos. . . Seus discursos nem mesmo chegam até o público. . . [assim] Ele apela para que os eleitores elejam mais camaradas. . . Os anos passam. . . [até que] alguns . . . são eleitos. Cada um deles passará pela mesma experiência. . . [e] rapidamente chegarão à conclusão . . . [de que] Eles precisam se apresentar com homens práticos. . . que eles estão fazendo algo para seu curral eleitoral. . . Desta maneira a situação os compele a exercer um papel 'prático' nos procedimentos, a 'falar de negócios', a tratar dos assuntos legislativos como os demais, como se fosse um negócio. . . Anos e anos dentro desta atmosfera, desfrutando de bons negócios e de boa paga, os socialistas eleitos acabam absorvidos tornando-se parte integrante da maquinaria política. . . Na medida em que seu sucesso cresce em sua participação nas eleições e em seu poder político eles se tornam mais e mais conservadores e satisfeitos com as condições existentes. Distantes da vida e do sofrimento do proletariado, vivendo em na atmosfera da burguesia. . . eles se tornam aquilo que chamam de homens 'práticos'. . . O poder e a posição gradualmente abafaram sua consciência e eles não têm nem força nem honestidade para nadar contra a corrente. . . Eles se tornam o bastião mais forte do capitalismo". [What is Communist Anarchism?, pp. 78-82]

Assim, o "poder político que eles tanto queriam conquistar, gradualmente conquistou seu socialismo ao ponto de não restar nada parecido com isso". [Rudolf Rocker, Op. Cit., p. 50] Isso não significa que estes argumentos sejam resultado de uma compreensão tardia. Bakunin argumentou no começo da década de 1870 que "o inevitável resultado [do uso das eleições] será que os deputados trabalhadores, passarão a atuar em um ambiente puramente burguês, em uma atmosfera de idéias políticas puramente burguesas. . . tornar-se-ão classe média em seus pontos de vista, talvez até mais do que os próprios burgueses". [The Political Philosophy of Bakunin, p. 216]. A história provou que aquilo que Bakunin previu estava correto (da mesma forma que previu que o marxismo resultaria em um governo de elite).

O lixo da história está cheio de exemplos de partidos radicais tornando-se parte do sistema. Desde a Democracia Social-Marxista por volta do século XIX até o Partido Verde alemão nos anos oitenta. [O mesmo processo ocorreu com os partidos comunistas e o Partido dos Trabalhadores no Brasil]. Vez após vez vemos partidos radicais que fora do poder proclamam a necessidade da ação direta e da atividade extra-parlamentar, mas uma vez no poder passam a atacar essas atividades. Uma vez no poder passam apenas a utilizar do parlamento como meio de esparramar suas mensagens, os partidos se envolvem de tal forma que passam a considerar os votos mais importantes que as mensagens. Janet Biehl resume os efeitos funestos da tentativa do Partido Verde alemão em combinar eleições com ação direta:

"os verdes alemães, que uma vez capitanearam o movimento verde internacional, por estes dias nem fedem nem cheiram, como de fato diz seu próprio dirigente. O movimento verde alemão é agora um depósito de assistencialistas, os verdes são ágeis apenas dentro da velha estrutura do assistencialismo, da política partidária, do toma-lá-dá-cá, das negociatas e da traição dos princípios e dos compromissos. Debaixo do véu superficial dos seus velhos valores -- um véu agora realmente muito fino -- eles se dão ao luxo de fazer acordos e tomar posições ao seu bel prazer. . . Eles se tornaram 'práticos', 'realistas' e 'com a mente fixa no poder'. Essa Nova Esquerda envelheceu rapidamente, não apenas na Alemanha como em toda parte. Por que não ocorreria novamente com o Die Grunem em 1991 a mesma coisa que ocorreu com S.P.D. [O Partido Social Democrata alemão] em agosto de 1914? Pois foi isso que aconteceu". ["Party or Movement?"Greenline, no. 89, p. 14]

Tristemente, este tem sido o resultado final de todas estas tentativas. No final das contas, os partidários do uso da ação política eleitoral não conseguem nada mais além de atrair as atenções para as boas intenções e para o caráter de seus candidatos. Os anarquistas, por seu turno, apresentam uma análise das estruturas e de outras influencias que determinarão como o caráter dos candidatos vitoriosos mudará. Em outras palavras, em contraste com os marxistas e outros radicais, os anarquistas apresentam uma analise materialista, científica da dinâmica das eleições e o efeito que ela produz nos radicais. Como na maioria das formas de idealismo, os argumentos de marxistas e de outros radicais tropeçam na realidade de sua própria teoria "inevitavelmente a realidade de sua teoria, sob o pretexto de táticas políticas, acaba completamente comprometida com governos e partidos políticos; ou seja, é empurrada a uma direção diametralmente oposta [ao que originalmente se propunha fazer]". [Bakunin, Op. Cit., p. 288]

Contudo, muitos radicais fecham os olhos a esta lição da história e continuam tentando criar um novo partido que não repetirá a saga de acordo e de traição que todos os demais partidos radicais sofreram. E dizem que utopia é coisa de anarquista! Em outras palavras, a verdadeira utopia é pensar que dá para sair limpo de um chiqueiro, ou como diz [Alexander Berkman, Op. Cit., p. 83] "você não pode mergulhar em um pântano e permanecer limpo". Essas coisas ocorrem quando se rejeita ou se "substitui" a ação direta pelas eleições como meio de mudar as coisas. Qualquer movimento social 'que abandona seus compromissos de ação direta para 'atuar dentro do sistema' destrói sua personalidade como movimentos socialmente inovadores. Ele desaparece no pântano desesperado das 'organizações de massa' que busca respeitabilidade em vez de mudança". [Murray Bookchin, Toward an Ecological Society, p. 47]

Além disso, eleições resultam na centralização dos movimentos que fazem uso delas. As ações políticas passam a ser encaradas como atividades parlamentares feitas para a população e pelos seus representantes, relegando às 'pessoas comuns' nenhum outro papel senão a de apoiadores passivos. Apenas os líderes são ativamente envolvidos, a principal ênfase repousa sobre as lideranças que logo se convence de são eles que devem determinar a política a ser implementada (muitas vezes passam por cima das decisões tomadas em congressos -- quantas vezes os políticos desprezam tais decisões fazendo exatamente o oposto daquilo que prometeram ou implementam exatamente o oposto da política do partido?). No final das contas, os congressos do partido (da mesma forma que as eleições parlamentares) tornam-se simplesmente uma instancia onde os membros do partido apoiam este ou aquele líder.

Logo o partido reflete a velha divisão entre trabalho manual e mental, tão necessária ao sistema capitalista. Em vez de autonomia e autodeterminação da classe trabalhadora, essas coisas são substituídas pela ação de líderes das classes não trabalhadoras que agem pelaspessoas. Trocam a autogestão da luta social pelo próprio partido. O eleitoralismo fortalece o domínio dos líderes em cima do partido e o domínio do partido em cima das pessoas que dizem representar. Naturalmente, as reais causas e soluções para os problemas que enfrentamos são mistificadas pelas lideranças e raramente discutidas de forma a concentrar sobre si a responsabilidade de resolver os problemas daqueles que os elegeram.

Naturalmente, isso significa que os radicais eleitos "em vez de debilitar a falsa e escravizante fé nas leis e nos governos . . . na realidade agem no sentido de fortalecer a fé das pessoas na autoridade e na força do governo". [A. Berkman, Op. Cit., p. 84]. Aquele que sempre provou se mortalmente encorajador do espírito da revolta, da autogestão e da solidariedade mútua -- tem a chave que abrirá as portas para as mudanças na sociedade.

Assim, a resolução tomada pela seção espanhola da Primeira Internacional em 1870 parece ter sido comprovada como totalmente correta:

"Qualquer participação da classe trabalhadora na política governamental da classe média apenas consolidará o presente estado de coisas e necessariamente paralisará a ação socialista revolucionaria do proletariado. A Federação [dos sindicatos que compunha a seção espanhola da Internacional] é a verdadeira representante do trabalho, e deveria atuar fora do sistema político". [citado por José Pierats, Anarchists in the Spanish Revolution, p. 169]

Em vez de tentar obter o controle do estado, por quaisquer razões, os anarquistas tentam promover uma cultura de resistência dentro da sociedade que sujeita o estado a pressões de fora para dentro. Ou, para citar Proudhon, vemos o "o problema anterior da classe trabalhadora . . . está não na captura, mas na subjugação tanto do poder como do monopólio, -- ou seja, gerar dentro das pessoas, do trabalho, uma autoridade maior, um fato mais potente, que envolverá o capital e o estado e os dominará". Assim, deve-se "combater e reduzir o poder, para colocá-lo em seu devido lugar na sociedade, é inútil alternar os detentores do poder ou introduzir alguma variação em seu funcionamento: há que se encontrar um arranjo agrícola e industrial por meio do qual o poder, que hoje domina a sociedade, se tornará seu escravo". [System of Economical Contradictions, p. 398 and p. 397]

De forma análoga, o argumento radical pró-eleição é de que o estado funciona como um porrete que está na mão da pessoa errada, ou seja, essa pessoa errada pretende usar o porrete contra você e contra seus amigos. Então você nota que o modo como ela segura o porrete e percebe que pode tomá-lo. Tomar posse daquele porrete isso não significa que fará uso dele, depois de tomar o porrete poderá quebrá-lo e jogar fora. Ninguém mais poderá fazer uso daquele porrete, e isso é o que importa.

A resposta anarquista a esse argumento é que, em vez de fazer planos para tomar o porrete, devemos desenvolver nossos músculos e habilidades de forma a não precisarmos porrete algum, uma vez que dispomos de nossos próprios recursos. Seguramente leva mais tempo construir os organismos proletários de libertação, mas o valor desses organismos está no fato de que sua força é parte de nós, ninguém poderá retirá-la de nós. Assim, não precisamos dar ouvidos a ninguém que apareça e diga "vamos usar o porrete a nosso favor" (prometendo destruí-lo depois que alcançar os objetivos). Mas o que os partidos socialistas e radicais fazem? Se oferecem para lutar por nós e toda vez que deixamos outros agir em nosso lugar ficamos desarmados, eles não! (e acabam usando o porrete contra nós). Como o poder sempre corrompe, qualquer apelo favorável à tomada do poder estatal por um partido que supostamente irá nos libertar é, na melhor das hipóteses, definitivamente ingênuo.

Como qualquer pessoa interessada pode verificar, a história tem seguidamente provado que estamos certos.

J.2.7 Deveríamos votar em partidos reformistas para ver no que vai dar?

Alguns socialistas leninistas (como o British Socialist Workers Party e similares como o ISO nos EUA) argumentam que deveríamos incentivar as pessoas a votar nos trabalhistas e em outros partidos da social democracia. Isso por duas razões.

Primeiro, argumentam, os radicais serão capazes de alcançar mais pessoas devido ao seu apoio popular, com os sindicatos sendo a base dos partidos. Se os sindicatos não apoiarem os partidos trabalhistas e sociais democratas, consideráveis seções da classe trabalhadora estarão expostas ao perigo da alienação em virtude do fato de que tais partidos não poderão ser mais efetivos do que aqueles explicitamente pró-capitalistas.

O segundo argumento, e o mais importante, é que depois de colocar partidos reformistas no poder e a experiência ruim de viver sob seu governo, deitará por terra qualquer ilusão que seus partidários tiveram dele. Em outras palavras, alçar reformistas ao poder significa um teste de experiência. E quando eles traírem seus partidários para proteger o status quo a experiência radicalizará aqueles que votaram neles, assim as pessoas irão a procura de outros partidos, os verdadeiros partidos socialistas (a saber, o SWP e o ISO).

Os anarquistas rejeitam tais argumentos por três razões.

Primeiro, é uma tática profundamente desonesta esconder as verdadeiras intenções daqueles que apóiam a tática. Para falar a verdade é um ato contra-revolucionário. Os radicais não deveriam seguir a mídia capitalista contando meias verdades ou torcendo os fatos naquilo que acreditam. Eles não deveriam esconder suas políticas ou sugerir o apoio a um sistema ou partidos aos quais eles se opõem. Se isso significa perder popularidade, então que assim seja. Atacar o capitalismo, a religião [N.T.: aqui, à luz da Seção A.3.7, provavelmente o autor se refere à "religião oficial", hierárquica, autoritária, como islamismo, protestantismo, catolicismo, etc, e não ao sentimento religioso libertário exercitado inclusive por alguns anarquistas], ou um monte de outras coisas pode alienar as pessoas mas poucos radicais seriam tão oportunos aproveitando a ocasião para soltar o verbo dizendo o que realmente pensam. No final das contas, ser honesto sobre suas idéias é o melhor modo de produzir um movimento que aponta em direção à libertação de um sistema social corrupto. O movimento que começa com meias verdades está sentenciado ao fracasso.

Em segundo lugar, os anarquistas rejeitam a lógica dessa teoria. A lógica que está por baixo deste argumento é que ao desiludir-se com seus líderes e partidos reformistas, os eleitores procurarão por novos, "melhores" líderes e partidos. Isso, porém, não atinge a raiz do problema, ou seja, a dependência de líderes que uma sociedade hierárquica cria nas pessoas. Os anarquistas não querem gente seguindo líderes "melhores", eles querem gente governando a si mesmos, gente autônoma, administrando seus próprios interesses e não seguindo um ou outro líder que aparece. Se você seriamente acha que a libertação da opressão é uma tarefa que cabe aos próprios oprimidos (como os leninistas proclamam) então você precisarejeitar essa tática em favor daquelas que promovam a auto-atividade do proletariado.

A terceira razão é que essa tática sempre tem falhado. O que a maioria de seus partidários parece não notar é que os eleitores tem colocado muitas vezes no poder os mesmos partidos reformistas (o Partido Trabalhista inglês, por exemplo, já chegou ao poder por 7 vezes antes de 1997, e em todas elas atacou o proletariado) e não houve nenhuma radicalização no sentido de avanço na luta. Lenin sugeriu essa tática há 70 anos atrás e não houve nenhuma radicalização da população por esse método, nem mesmo na militância dos partidos reformistas. Na realidade, de forma bem irônica, a maioria destes ativistas acaba mesmo abandonando seus partidos quando eles chegam ao poder desgostoso pelas tentativas do partido de parecer "realístico" para ganhar mais votos nas próximas eleições! E este descontentamento muitas vezes acaba em desmoralização do própriosocialismo, em vez do partido.

Do ponto de vista anarquista, na medida em que consideramos as razões pelas quais rejeitamos essa tática, o total fracasso dela não surpreende. Se essa tática não ataca a hierarquia, a dependência de líderes, nem o processo e a ideologia eleitoral, obviamente não representa uma real alternativa à população votante (que vê as eleições como a única opção disponível, desprezando a ação direta). Além disso, a visão dos denominados governos "socialistas" ou "radicais" administrando o capitalismo, impondo cortes, reprimindo greves, e geralmente atacando aqueles que os apoiaram provocará um sério dano à credibilidade de qualquer espécie de socialismo, levando a população a desacreditar de todas as idéias radicais e socialistas. Na verdade, a experiência do Governo Trabalhista na Inglaterra durante os anos 1970 resultou no crescimento da direita que capitalizou essa desilusão dos votantes.

A recusa em aceitar o fato de que nenhum governo "está de nosso lado", por parte de uma parcela de radicais que vive incitando-nos a votar "sem ilusões" em reformistas, acaba mesmo contribuindo para desarmar as pessoas que ouvem suas teorias. O proletariado, surpreso, confuso e desorientado pelas constantes "traições" dos partidos da esquerda acabam simpatizando com os partidos da direita (que podem subir ao poder via eleições) no intuito de parar com a repressão. Em vez de votar ou incentivar a participação no processo eleitoral os radicais deveriam praticar a ação direta. O ato de votar, longe de nos aproximar de uma solução ou melhorar nossas vidas, apenas agrava nossos problemas.

Quantas vezes temos que eleger o mesmo partido, passar pelo mesmo processo, sofrer as mesmas traições, até percebermos que essa tática não funciona? Ora, se o problema é experimentar algo que nunca foi experimentado antes, poucos socialistas estatais encaminham este argumento a uma solução lógica. Nós raramente os ouvimos argumentar que é necessário que o proletariado passe pelo inferno do fascismo ou do estalinismo para que possa aprender "por si mesmo" o que essas coisas representam.

Os anarquistas, em contraste, dizem que nós podemos elevar nossa voz contra os políticos reformistas, manter distancia, e ao mesmo tempo incitar as pessoas a não votarem neles. O fato de defender a abstenção significa ajudar a armar teoricamente o povo que entrará em conflito com esses partidos tão logo alcancem o poder. Defender a abstenção significa que todo governo necessariamente será forçado a nos atacar (devido às pressões do capital e do estado) e que temos que responder a esse ataque com nossa própria organização, temos que acumular poder para a autodefesa, temos que promover a autoconfiança da classe trabalhadora em sua própria habilidade, e encorajar a rejeição ao capitalismo, ao estado, à liderança hierárquica. Temos que encorajar o proletariado ao uso da ação direta.

Além disso, nós podemos somar. Somar não significa radicais participando da farsa eleitoral para que as pessoas aceitem suas idéias. Os não anarquistas verão a prática da ação direta, verão nossa ação, verão as alternativas anarquistas que criamos, verão e terão acesso à nossa propaganda. Não precisamos nos associar à ação parlamentar para alcançar os não anarquistas..

J.2.8 O abstencionismo implica em vitória eleitoral da direita?

Possivelmente. Contudo os anarquistas não dizem apenas "não vote", eles dizem também "organizem-se". A apatia é algo que os anarquistas não têm nenhum interesse em encorajar. Assim, "se os anarquistas podem persuadir metade do eleitorado a se abster de votar isso significa, do ponto de vista eleitoral, contribuir para a vitória da direita. Mas tal vitória seria oca, qual governo consegue se manter quando metade do eleitorado, pela sua abstenção, expressa sua não confiança em qualquer governo?" [Vernon Richards, The Impossibilities of Social Democracy, p. 142]

Em outras palavras, qualquer partido, seja ele qual for, sempre que chega ao poder tem que governar todo um país, onde uma considerável minoria, ou mesmo uma maioria, o rejeita enquanto governo. Isso significa que os políticos "estão sujeitos a pressões reais de pessoas que acreditam em seu próprio poder", pessoas que agem de acordo com o que acreditam. Asso, os anarquistas pedem para que as pessoas que além de não votar, organizem a si mesmas e tenham consciência de seu próprio poder enquanto indivíduos e enquanto indivíduos associados entre si. Apenas dessa forma "podem impor respeito aos governos, milhões de pedaços de papel marcados com cruzinhas não restringe o poder do governo". [Ibid.]

Conforme Emma Goldman pontuou, "se os anarquistas fossem suficientemente fortes para pender as eleições para a esquerda, eles também seriam suficientemente fortes para conduzir os trabalhadores a uma greve geral, ou até mesmo a uma série de greves. . . Em última análise, a classe capitalista sabe perfeitamente que o poder, nas mãos da direita ou da esquerda, pode ser comprado". [Vision on Fire, p. 90]

A massa populacional, contudo, não pode ser comprada, e se ela quiser e for capaz de resistir ela pode reduzir esse poder a nada em questões de segundo. Apenas pela organização, pela contínua luta, e pela prática da solidariedade onde vivemos e onde trabalhamos é que podemosrealmente mudar as coisas. Nosso poder está nesses locais, e são nesses locais que podemos criar uma real alternativa. Criando uma rede de autogestão, criando organizações funcionais em nossas comunidades e locais de trabalho podemos impor pela ação direta aquilo que os políticos nunca conseguiram nos proporcionar via parlamento. Apenas um movimento assim pode dar um basta definitivo aos ataques daqueles que sobem ao poder. Qualquer governo (esquerda ou direita) que enfrenta um movimento em massa baseado na ação direta e na solidariedade sempre pensa duas vezes antes de introduzir leis autoritárias.

Naturalmente, cada partido proclama que é melhor que os demais e essa é a lógica da questão -- ou seja, precisamos votar no menos ruim pois a direita no poder será uma coisa terrível. O que esquecem de dizer é que o menos ruim também é ruim. O que acontece é que em vez do mal maior nos atacar, somos atacados pelo mal menor que faz aquilo que a direita faria. Já que estamos discutindo o "mal menor", não podemos nos esquecer que foram os Democratas (nos EUA) e os Trabalhistas (no Reino Unido) que introduziram a política monetarista e outras políticas que acabaram sendo adotadas por Reagan e Thatcher (por exemplo, o sindicato dos controladores de voo dos EUA preferiram Reagan a Carter nas eleições de 1980 porque achavam que estariam melhor com os Republicanos. Quando Reagan chegou ao poder a primeira coisa que fez foi acabar com o sindicato). Ou seja, é bobagem esperar que diferentes grupos de políticos reajam diferentemente diante das mesmas pressões e influências políticas.

Assim, votar em um ou em outro político fará pouca diferença. A realidade é que os políticos são bonecos, são fantoches. Conforme argumentamos abaixo (na seção J.2.2), o poder real do estado não está na mão dos políticos, o poder real do estado está nas mãos da burocracia estatal e das grandes corporações. Diante destes poderes vemos os mais variados governos de esquerda, desde a Espanha até a Nova Zelândia, introduzindo políticas direitistas. Assim, mesmo se elegêssemos um partido radical, ele seria impotente para efetuar qualquer mudança importante e logo seria obrigado a nos atacar em favor dos interesses dos capitalistas. Os políticos vêm e vão, mas a burocracia estatal e as grandes corporações sempre permanecem!

Portanto, não podemos confiar no fato de que votar no menos mal nos salvará dos possíveis perigos resultantes da direita no poder. Enquanto houver governo, seja ele da direita ou da esquerda sempre estaremos expostos a tais perigos. Abstendo-nos de votar, tudo que podemos esperar é que, não importa quem chegue ao poder, a população resistirá ao governo porque ela sabe e pode usar seu real poder -- a ação direta. "A única coisa que pode limitar a opressão do governo é a capacidade popular de mostrar que pode se opor a ele." [Errico Malatesta, Life and Ideas, p. 196]. Veja o que Vernon Richards escreve a respeito disso:

"Se o movimento anarquista exerce um papel na prática política, seguramente esse papel é o de sugerir, e persuadir, tantas pessoas quanto possível de que sua liberdade dos Hitlers, Francos e outros, não depende nem do direito ao voto nem de garantir uma maioria de votos 'para os candidatos que escolherem', mas de seu envolvimento com novas organizações sociais e políticas que propiciem a participação direta das pessoas, com o consequente enfraquecimento do poder e do controle do governo na vida social da comunidade". [The Raven, no. 14, pp. 177-8]

 

J.2.9 O que é que os anarquistas fazem além de não votar?

O fato dos anarquistas rejeitarem as eleições e o voto, isso não significa que eles são politicamente apáticos. Na realidade, parte da razão pela qual os anarquistas rejeitam as eleições é porque acham que votar não é parte da solução, é parte do problema. Ou seja, as eleições endossam um sistema político injusto e escravocrata, e que induz outros a lutar em nosso lugar. Isso bloqueia a autonomia construtiva e a ação direta. Issoimpede a construção de alternativas em nossas comunidades e locais de trabalho. Votar implica em apatia e apatia é nossa pior inimiga.

Diante do fato de que em muitos países o voto universal já é praticado há mais de 50 anos, de que vimos partidos trabalhistas e radicais subindo ao poder objetivando usar o sistema para efetuar mudanças favoráveis ao socialismo, é de se estranhar que provavelmente estejamos mais distantes do socialismo do que há 50 anos atrás. O simples fato é que tais partidos dedicam tanto tempo tentando ganhar eleições que nem pensam mais na criação de alternativas socialistas em nossas comunidades e locais de trabalho. Só esse fato é suficiente para provar que as eleições, longe de eliminar a apatia, ajuda a desenvolve-la ainda mais.

Assim, por causa disso, os anarquistas argumentam que não votar a única maneira de não desperdiçar nosso voto! Somos o único movimento político que argumenta que nada mudará a menos que essas mudanças sejam feitas diretamente por nós mesmos, retomando o poder e enfrentando o sistema diretamente. Apenas a ação direta destrói a apatia e gera resultados positivos -- a ação direta é o primeiro passo em direção à real liberdade, em direção a uma sociedade livre e justa.

Portanto, os anarquistas são os primeiros a mostrar que a abstenção não basta -- é necessário lutar ativamente por uma alternativa às eleições e ao atual sistema. Da mesma maneira que o direito ao voto foi conquistado depois de uma longa série de lutas, a criação de uma sociedade livre, descentralizada, autogestiva, será produto dessa luta social.

Os anarquistas serão os últimos a negar a importância das liberdades políticas ou a importância do direito de votar. A pergunta que nós temos que formular é qual seria o melhor tributo àquelas milhões de pessoas que usaram a ação direta, lutaram e sofreram pelo direito de votar. O melhor tributo seria usar essa vitória para endossar um sistema profundamente injusto e antidemocrático ou partir para outros meios (os mesmos meios pelos quais eles ganharam o direito de votar) para criar um sistema baseado num autogoverno verdadeiramente popular? Se queremos mesmo que nossos desejos (e os deles) se transformem em realidade, uma democracia de fato, teremos que rejeitar o ato politico-eleitoral em favor da ação direta. Assim, se queremos mesmo uma sociedade libertária e democrática é evidente que o voto jamais trará essa sociedade até nós (na realidade nos afasta ainda mais dela).

[N.T. O texto continua. O conteúdo integral original pode ser encontrado no FAQ em inglês: "sections J.2.9, J.2.10, etc."].