sexta-feira, 24 de outubro de 2008

A Montanha (esquerda pós moderna) Pariu um Rato







Por Robert Kurz

À economia virtual correspondiam às vidas individualizadas e abstratas de bloggers, incapazes de lutar e resistir na realidade 

A queda da massa de mais-valia social real foi aparentemente mascarada pela “mais-valia fictícia” do sistema de crédito inflado. Dessa forma, gerou-se uma ocupação improdutiva que ultrapassava em muito a capacidade de produção de mais-valia real. Junto com o inchar da “indústria financeira”, inchou de forma desproporcionada o emprego no setor, emprego esse que não produz valor algum, apenas intermedeia transações . Em segundo lugar, criou-se um setor desproporcionado de serviços pessoais improdutivos, de indústria publicitária, indústria da informação e dos media, indústria do desporto e da cultura. Nesses setores, a ausência de substância fez-se notar, por um lado, como remuneração astronomicamente excessiva de uma pequena elite de estrelas e, por outro, como precarização em forma de freelancers, pseudo-autônomos e empresários da miséria. Em terceiro lugar, a conjuntura do deficit global forçou o emprego de uma “aristocracia operária” nas "indústrias de exportação" [...]

Ao se alcançar o limite histórico do capitalismo, surge por isso uma tensão colossal entre a impossibilidade de continuar uma valorização real e a mentalidade generalizada que interiorizou as condições capitalistas de vida e não quer nem consegue imaginar outra cousa senão viver dentro dessas formas. A difícil tarefa está em resolver essa tensão no processo de resistência contra a administração da crise, sob pena de o capitalismo desembocar numa catástrofe mundial. Para isto não está preparada uma esquerda que se adaptou cada vez mais ao desenvolvimento capitalista. [...] 

O culto da “virtualidade” contagiou todos os domínios da vida, até mesmo as relações pessoais. A redução do valor a uma relação funcional levou à paradoxal “absolutização da relatividade”, que no entendimento vulgar se manifestou como “arbitrariedade”. Ao virtualismo econômico correspondia o virtualismo tecnológico da internet, que se transformou na “second life” das vidas individualizadas e abstratas de bloggers, incapazes de se organizar e de resistir na realidade. [...] 

A esquerda pós-moderna é a órfã desse desenvolvimento. Ela reduziu a luta social a um nível virtual e simbólico. O “pós-operarismo” de Antonio Negri exprime o cerne dessa ideologia. O fetichismo objetivo do capital é negado e dissolvido, crise incluída, em relações subjetivas de vontade. O lugar da crítica radical do trabalho abstrato e da forma abstrata do valor é tomado pela ilusão de uma “autovalorização autônoma” de freelancers de um “trabalho imaterial”. É um conceito nonsense, porque todo o trabalho abstrato, mesmo que não se manifeste em produtos materiais, é “dispêndio de nervo, músculo, cérebro”. Só que o “trabalho do conhecimento”, improdutivo em termos capitalistas, justamente nada contribui para a massa de mais-valia social real. A “autonomia” dessa forma específica de trabalho abstrato é ilusória, porque continua dependente do mercado mundial. Trata-se da ilusão de uma nova classe média que já não tem qualquer base. Quando o capitalismo é reconduzido às suas reais condições de valorização extingue-se também a “autovalorização” do trabalho abstrato nos setores do “conhecimento” e da comunicação mediática. A vergonha da economia das bolhas financeiras é também a vergonha da esquerda pós-moderna. 

Fragmento da Revista IHU-On line, Brasil, Outubro de 2008. Extraído por galizalivre.

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