Em Madri, ontem, personalidades como o cineasta Pedro Almodóvar e o poeta Marcos Ana, lançaram o manifesto abaixo. Fora do país, também estão previstos protestos em frente a embaixadas espanholas em Buenos Aires, Paris, México, Londres e Lisboa.
Manifesto Contra a Impunidade do Franquismo
Justiça não é só uma palavra formosa.
A justiça é uma condição imprescindível da dignidade humana.
A justiça é também calor, fraternidade, solidariedade com aqueles que sofreram a implacável injustiça do terror.
A sociedade civil saiu esta tarde à rua, em toda Espanha, para assumir a causa das vítimas do terror franquista, e para reivindicar a dignidade das centenas de milhares de homens e mulheres que deram suas vidas pela liberdade e pela democracia de nosso país.
Hoje, tantos anos depois, estamos conscientes do preço que eles pagaram para que possamos reunir-nos livre e pacificamente nesta praça, em nome deles e em nome da liberdade, da justiça e da democracia.
Acima dos tecnicismos, das argucias legais e os labirintos jurídicos, queremos afirmar que hoje, uma vez mais, é a dignidade das vítimas do franquismo o que está em jogo.
As conseqüências de um processo que, em democracia, suja sua memória, despreza a dor de seus filhos, de seus netos, e condena as aspirações de justiça de centenas de milhares de famílias espanholas, e vai além do próprio processo.
Esta causa poderia interpretar-se, e assim o fez a imprensa estrangeira, como uma lamentável prova da menoridade da democracia espanhola, um estado que trinta e cinco anos depois do desaparecimento do ditador, segue acusando os efeitos do terror indiscriminado ao que Francisco Franco recorreu para tiranizar aos espanhóis durante quatro intermináveis décadas.
O fato das diversas iniciativas judiciais de organizações de extrema direita terem conseguido paralisar a investigação dos crimes do franquismo representa um escândalo sem precedentes na história recente de nosso país, repugna à natureza essencial dos princípios democráticos e nos devolve à noite escura dos assassinos.
Ninguém pode ignorar que os 113.000 cadáveres que, ainda hoje, seguem enterrados em valetas e descampados, são a prova de um processo de extermínio sistemático de uma parte da população, que só pode entender-se como um crime contra a Humanidade.
Ninguém pode admitir que o desejo dos filhos, netos, viúvas, que querem recuperar os restos de seus seres queridos para devolver-lhes a dignidade que lhes arrebatou uma morte injusta e reivindicar a memória de sua luta pela liberdade e pela democracia, possa ser objeto de delito.
Ninguém pode sequer compreender que um estado democrático impute um delito de prevaricação a um juiz que assumiu os princípios da verdade, da justiça e da reparação das vítimas, por aplicar na Espanha a doutrina do Direito Penal Internacional que, faz uns anos, permitiu-lhe atuar contra crimes semelhantes cometidos em países como Argentina ou Chile.
Os crimes contra a Humanidade não podem ser anistiados e não prescrevem jamais.
A lei de Anistia de 1977, preconstitucional, não pode prevalecer sobre a própria Constituição, nem sobre os tratados e acordos internacionais assinados por nosso país em matéria de Direitos Humanos.
A Espanha não pode continuar sendo uma exceção para a Justiça espanhola.
Hoje, nesta tarde de abril, a sociedade civil está nas ruas para reivindicar a maturidade de nossa democracia e para fazer sua a causa das vítimas do franquismo.
O impulso democrático que desembocou na aprovação parlamentar da Lei da Memória Histórica deve continuar, e aprofundar-se para impedir que no futuro se reproduzam fatos tão vergonhosos como o ato do juiz Varela.
Em solidariedade com as vítimas, pela justiça universal e pela dignidade democrática da Espanha:
Não à impunidade!
Pesquisar os crimes do franquismo não é delito!
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