INTRODUÇÃO
Definitivamente seria muito mais fácil eu dizer aquilo que não acredito do que dizer aquilo que acredito. Esta declaração inicial poderia ser atribuída ao negativismo do qual sou injustamente acusado, ou por repetidamente dizer que o dever primevo das pessoas livres é dizer não, ou porque eu frequentemente adoto o conceito hegeliano da natureza positiva do negativo. Mas é um engano deduzir pessimismo da negatividade desta perspectiva, pois ninguém é tão radicalmente otimista como eu. Minha visão última sempre é positiva. Leitura apressada permite julgamentos precipitados.
Para mim a diferença entre o que não acredito e o que acredito tem uma origem muito diferente. O que não acredito é muito claro e preciso. O que acredito é complexo, difuso -- diria quase que inconsciente e teórico. Envolve a mim mesmo, considerando que o que eu não acredito pode estar distante. Eu posso considerar isto como algo exterior e portanto relativamente bem definido. Pode ser o objeto de uma taxonomia. O que eu acredito me deixa totalmente implicado pessoalmente. Eu posso falar sobre isso apenas quando falo sobre mim mesmo. Eu não acredito em um objeto mas em uma rede de relações que eu realmente não posso expor porque tal exposição exige um procedimento didático, uma divisão de realidades que se pertencem mutuamente. Eu não posso lidar imediatamente com tudo. Pessoas de grande talento podem com um toque de gênio oferecer aos leitores todo o complexo do que eles acreditam sem romper laços e relações, compondo um grande texto poético e também dando aos leitores o senso de um vibrante complexo e o facho de luz de uma realidade repentinamente captada. Mas eu não sou tal pessoa. Enquanto pesquisador industrioso preciso desvendar as complexidades,
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seguir um caminho lúcido e racional, tomar objetos que eu posso examinar um depois do outro. Assim, privo as coisas de sua natureza, faço plânctons moldados de coisas vivas, separo as relações entre eles. Posso evocar o complexo mas não posso reconstituí-lo para outros. Eu pus algo definido e saltei para algo infinito.
Nada, então, é tão desencorajador para mim do que tentar dizer o que eu acredito, pois quando faço isso dou origem a todo o tipo de malentendidos. Ainda não sei como proceder. Dizer o que não acredito é simples. Eu não acredito em desenvolvimento, religião, políticas, ou ciência como a resposta final. Eu não acredito que nesta sociedade, tal qual é, possamos solucionar os problemas econômicos do próximo século e os problemas do Terceiro Mundo. O que complica as coisas é que aquilo que não acredito está estreitamente ligado com aquilo que acredito. Na prática, ambos não podem ser dissociados. Contudo, não são diretamente opostos: Eu não diria que se não acredito em desenvolvimento é porque eu acredito na ausência de progresso. A relação é mais íntima e menos lógica. As duas coisas dependem da tomada de posições em um mais alto, mais definido, e mais decisivo gráu hierárquico ou gráu de abstração. Eu tenho que retornar aos dados essenciais para ver o que se tornará o que eu acredito e o que eu não acredito, um junto com o outro. Eu não posso delinear o que acredito sem implicitamente traçar um caminho em um monte de possibilidades, escolhendo um e rejeitando outros que não são necessariamente contraditórios mas simplesmente diferentes. Eu não posso tranquilamente dizer que eu não acredito em algo sem ao mesmo tempo recorrer a uma implicação daquilo que eu acredito. Assim, temos que agarrar os dois juntos. Ainda que esse algo possa ser claramene definido, considero o remanescente para mim um objeto de constante deliberação e investigação. Naquilo que se torna didatícamente separado, há uma necessidade de afroxar os laços, reunir novamente os temas, jogar o jogo sutil das relações múltiplas. Aqui, como em cada um de nós, tudo está conectado com tudo, e nada está isolado, sem referência ou referente. E se o leitor puder fazer o que é requerido, agir assim não é apenas um jogo ou uma questão de curiosidade, é o único caminho para o entendimento.
Eu também preciso dizer algo sobre a questão da fé em si.
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Duas palavras pedem destaque, fé e crença.(1) Nós temos a péssima tendência de confundir uma com a outra. Crença é um tema cotidiano e aponta para a base de tudo aquilo que constitui nossa existência. Tudo depende dela; todas as relações humanas repousam nela. A menos que eu tenha boas razões para o contrário, eu acredito espontaneamente naquilo que as pessoas me falam: Eu tenho confiança nelas a priori. Se não fosse assim, as relações humanas seriam impossíveis, como no tipo de fala que só causa confusão ou derrisão. Eu também acredito nas verdades científicas. Eu acredito que E = mc2 porque me relataram isto. Todo o sistema educacional está baseado na crença. Os estudantes crêem naquilo que seus professores ou seus livros dizem; eles aprendem na base da crença. Nós também cremos espontaneamente no testemunho de nossos sentidos, até mesmo quando eles estão transtornados. Nós acreditamos semelhantemente em certas palavras, como bem, ou liberdade, ou justiça, que nós não definimos claramente ou consistentemente mas às quais nos agarramos firmemente sem nos importar com o conteúdo delas. Uma sociedade não pode funcionar se não fincar suas bases nas convicções ocultas, nos profundos interstícios, de cada um de seus membros, produzindo sentimentos e ações coerentes. Uma sociedade sem crenças coletivas (que são, claro, individuais aos olhos de cada membro) logo entraria em colapso e mergulharia num processo de dissolução. Crenças são definitivamente a razão de ser da sociedade.
Fé é muito diferente -- refere-se a Deus. Mas crenças também podem ser religiosas. Sempre houve uma assimilação de crença na religião, e ainda há. Crenças religiosas são parte do todo. Frequentemente (de um modo discutível) religio está conectado com religare, "religar". Religião liga as pessoas entre si e liga-as enquanto grupo ao seu deus. É precisamente este caráter ligador que causa o problema, isto nos mergulha em uma análise sociológica da religião. É por causa da necessidade de mútuo companheirismo que as pessoas recorrem a um ser mais alto ou deus ao qual servirão como garantia de grupo e símbolo. Os objetos desta religião podem ser muito diferentes, dependendo se um ou mais deuses projetaram o céu, ou o Universo. Outras dimensões do humano podem ser apoteosadas. A razão pode ser deificada, ou cientifizada.
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¹ Lidei com este tema, mas de forma bem diferente, em Living Faith: Belief Doubt in a Perilous World, trans. Peter Heinegg (San Francisco: Harper & Row, 1983).
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O hitlerismo fez sua própria religião, assim como o marxismo-leninismo até os anos setenta. O país pode ser considerado divino. Progresso se tornou um termo fundamental na moderna religião. Cada culto tem seus próprios ritos, mitos, hereges, crentes, razão de ser, e crenças em potencial. Mas o objeto da religião não é necessariamente Deus.
Fé em Deus -- em um Deus que não encarne alguma força natural ou que não é o abstrato e projeção hipostatizada de um de nossos próprios desejos, aspirações ou valores (Feuerbach), fé em um Deus que é diferente de tudo aquilo nós podemos conceber ou imaginar -- não pode ser assimilado pela crença. Por isso Deus não pode ser assimidado por uma das representações que poderíamos facilmente multiplicar. Se Deus é Deus, ele é inevitavelmente diferente de tudo aquilo que os politeístas chamam deus. Cada um desses deuses pode ser descrito e pode ser definido; cada um tem sua própria função e esfera de ação. Mas o Deus da fé é inacessível e inassimilável. Ele é tão fundamentalmente outro (se ele não fosse, se ele pudesse ser medido contra um de nossos valores ou convicções, ele não seria Deus) que não podemos nem definir nem contemplar. O Deus de fé é totalmente inacessível. A afirmação de Feuerbach, de que Deus é um valor absolutizado, foi simplista e pueril. Em primeiro lugar, não temos nenhuma idéia do que é o absoluto ou o infinito. Nós não podemos dizer nada sobre tais conceitos e nem podemos assimilá-los. Falar sobre um valor absolutizado pode ser falar sobre Deus, mas não é possível para seres humanos absolutizar qualquer coisa.
Com respeito aos inúmeros ataques dirigidos a Deus, simplesmente podemos dizer que esses que o fazem não sabem sobre o que estão falando. Frequentemente com justa causa eles estão atacando a imagem de Deus que em um determinado tempo e lugar as pessoas construíram. Mas esta é a sua própria imagem de Deus, feita por conveniência -- não é Deus. Uma fórmula comumente repetida que é aceita agora como patente é que nós construímos Deus à nossa própria imagem. Mas dizer isto é não saber o que se diz; é conversa infantil. Pois se Deus for Deus, então tudo aquilo que podemos dizer sobre ele é apenas nossa própria abordagem ou percepção, como uma criança que enche um balde com agua do mar, mexe-o até espumar, e depois diz estar carregando o oceano e suas ondas. Por nós próprios nada sabemos de Deus. Só quando ele escolhe revelar uma minúscula parte de seu ser é que nós alcançamos uma minúscula noção e reconhecimento.
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Em sua revelação Deus tem que pôr a si mesmo em nosso nível de apreensão, em nosso nível cultural e intelectual, para que aquilo que ele quer comunicar seja acessível. Portanto, há variações, não porque Deus seja variável, mas porque aqueles aos quais ele se dirige o são. Ele usa os meios mais apropriados para estabelecer comunicação conosco -- a palavra. Quando ele se dirige a uma pessoa, sempre é uma interrelação muito pessoal.
A questão que surge, naturalmente, é por que Deus escolhe dar esta revelação parcial. Por que ele não mantém uma distância absoluta? Por que ele não permanece solitário, no trabalho ou em repouso, e nos deixa resolver nossos próprios problemas na terra? A primeira resposta é que nenhuma resposta é possível. Deus é incondicionado. Se ele fosse condicionado por qualquer outra coisa, ele não seria Deus. Não há, portanto, nenhum "porque" no caso dele. Nenhuma razão anterior pode ser dada para as decisões e atos dele. Ele decide se revelar de certo modo para que simplesmente possamos absorver, mas porque ele decide se revelar. Mas quando eu olho para o que me é relatado sobre a revelação no Judaísmo e Cristianismo, eu posso dar outra resposta não contraditória mas complementar. Como Criador, Deus não quer deixar suas criaturas sem relação ou referência, como um refugo infantil recém-nascido a beira da rodovia. Amoroso, Deus não pode permanecer só; o amor tem que se dirigir a alguém fora do ego. Deus não é nenhum solícito. Ele dirige seu amor à criação, para suas criaturas, e lhes conta o que precisam saber dele se eles vão sobreviver e florescer.
Vamos ver agora a diferença entre fé neste Deus e crenças em geral. Uma crença que permite a manutenção de uma sociedade é necessariamente coletiva. Apta para abranger a plenitude de seu objeto, é uma força enaltecedora que faz com que nos superemos (embora possa fazer muito dano quando finge ser absoluta e exclusiva). Fé é diametralmente o oposto disso. Em primeiro lugar é uma relação pessoal. Não esgota sua abundância a quem é dirigida. Não é útil à sociedade; pelo contrário, é uma força perturbadora, na medida em que provoca fraturas em gargalos sociais. Acima de tudo, ela pode aflorar apenas porque é Deus que vem até nós. Este é o ponto fundamental. A crença sempre tenta montar o que considera Deus. A fé recebe aquele que se coloca sob sua transcendência para fixar-se ao nível de uma criança que ele quer reacoplar. Nada poderia ser mais diferente.
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Embora a historia revele que fé pode virar crença, crença nunca pode virar fé. A fé sofre esta metamorfose quando reivindica ter conhecimento completo do Deus ao qual se dirige; quando traz consigo o estabelecimento de instituições para conservá-la e transmiti-la; quando tenta se explicar em fórmulas radicais que servem determinar o que é verdade; quando finge abraçar o todo da sociedade (e naquele momento indubitavelmente se torna o cimento desta sociedade); quando estabelece formas fixas em afirmações definitivas e inalteráveis; quando pensa que pode forçar as pessoas a reconhecer a verdade de seu Deus. Sempre que qualquer uma destas coisas acontece é porque não há mais fé, mas crença e religião institucional. Mas por este livro mencionar ambiguamente crença em seu título, vejo-me obrigado a falar sobre crença e também tentar dizer o que a fé significa significa para mim.
Eu não terminei com crença, pois se um aspecto da crença é crer naquilo que clamo ser valores absolutos, há também um sentido bem diferente. Crença significa estimar pensamentos, valores. Eu acredito naquilo que considero preciso, e que eu aceito em minhas avaliações, entretanto tais coisas em que acredito podem ser irracionais e subjetivas. Eu acredito que alguém é meu amigo. Eu acredito que poderia ser-me útil ler tal livro. Eu acredito que um evento acontecerá. Eu acredito que determinado ato ou decisão resultará em certas conseqüências. Todas estas crenças tomam lugar em uma confluência de coisas internas e coisas externas, de coisas sensoriais e coisas intelectuais, de coisas imaginárias e coisas experimentais.
Esta crença pode se desdobrar em várias facetas, mas no fim dá na mesma. O mistério da identidade! Que prova tenho sobre quem sou? Todas as células de meu corpo mudam a cada sete anos. Torno-me diferente, e mesmo assim mantenho a invencível crença de que sou a mesma pessoa que era alguns anos atrás. Vejo meu corpo deteriorar, contudo sou sempre eu mesmo. De forma semelhante, aqueles que receberam transplante de órgãos ou próteses importantes estão convictos de que são ainda as mesmas pessoas. Elementos no sistema podem se acomodar mas o sistema mantém sua identidade e processos. Outro profundo significado da crença é que sem nenhuma prova ou garantia eu creio intensamente que sou eu mesmo, e que não existe
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nada mais falso ou fútil do que dizer para mim que sou uma outra pessoa. Tudo o que posso dizer é que nunca me conheço completamente, que há uma boa dose de mistério em cada um de nós, e conjecturar que outra pessoa resida lá é um truísmo. Insistir que sou outro e não eu, é uma falsidade inspirada nos intelectuais europeus em suas tentativas de destruir o ser, de desvendar a personalidade, de diluir e debilitar as coisas. A isto eu oponho minha firme crença de que eu sou eu mesmo e não apenas um rótulo que não corresponde a nenhuma coisa viva. Eu reconheço que aquilo que assumi como verdade durante alguns anos não corresponde a nenhuma certeza, contudo, reconheço também que minha crença é enriquecida por experiências, encontros, chances e indagações que não me deram certeza mas que me fizeram diferente e ainda o mesmo.
Um outro ponto é que não querer ou recusar crer, sempre foi para mim um ascpecto importante da crença. A pessoa pode olhar para este aspecto de dois modos. Um evento acontece envolvendo e combinando claramente muitos fatores que acho horríveis, inaceitáveis, e muito dolorosos. Eu vejo os resultados dos atos e das decisões dos políticos. Eu vejo a proliferação de opiniões tolas e desastrosas que engolfam as massas sob a orientação dos meios de comunicação de massa. Para mim há aqui uma certeza trágica; o desenvolvimento da situação parece inevitável. Mas enquanto eu não puder mudar coisas, eu recuso crer nelas. Eu sei que elas serão fatais, mas eu não creio nisto. Não digo que elas não acontecerão, mas meu frágil protesto se baseia na recusa em crer. Lembro-me que em 1939, um mês antes da declaração de guerra, caminhando ao longo de uma estrada fora de Bordeaux, quanto mais pensava na situação mais via que aquela guerra era inevitável. Mas com todo meu ser em ebulição eu recusava crer naquilo que sabia ser certo. Toda minha vida eu me deparei com situações em que apesar de ver claramente o resultado de algo me recusei a crer, um frágil obstáculo que em minha angústia tento opor diante de coisas irresistíveis. A única coisa que eu posso fazer em tais circunstâncias é proferir advertências, instar para que as pessoas permaneçam atentas e se recusem acreditar que tudo dará certo. Hoje, ai! Estou assombrado pela certeza terrível de uma guerra nuclear, mas eu não quero acreditar nisto. Quando eu anuncio o que vai acontecer, qual será o desdobramento lógico das decisões atuais,
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as pessoas não podem crer no que digo por apoiarem o evento atual que conduz a implicações que vão além de suas concepções. Foi assim com Cuba, Vietnã e Camboja. E é assim com a crença na sociedade tecnológica, com desemprego, e com a fatal evolução de um governo esquerdista na França.
Relativo a este governo esquerdista, eu escrevi um artigo na eleição de Sr. Mitterand que causou muita polêmica por ter dito que nada importante acontecera. Estava claro a mim que com exceção de alguns gestos espetaculares mas fúteis, como as nacionalizações, os socialistas seriam forçados a entrar no mesmo caminho de progresso tecnológico como qualquer outro governo, que eles poderiam alterar as regras do jogo político com mandatos e carreirismo político mas que eles não poderiam alterar as estruturas da sociedade ou a dominação econômica das corporações multinacionais, e que como os demais regimes eles tomariam medidas conforme as demandas circunstanciais. Tudo isso pareceu inevitavel para mim. Mas eu, como os socialistas, apreciando ideais de justiça e liberdade, poderia almejar que eles provocariam uma verdadeira revolução socialista, como frequentemente afirmei. Assim, eu recusei crer que as coisas aconteceriam do jeito que eu gostaria. De forma que em meus ataques aos socialistas eu na realidade queria mostrar a eles que a tarefa era mais dura do que eles pensavam. Foi tudo em vão.
Há outro aspecto bem diferente em minha recusa em crer. Eu vejo objetos existentes, sejam políticos ou econômicos; vejo tendências e elementos irredutíveis neles. Vejo-os como posso ver uma rocha. Mesmo assim recuso dar-lhes meu apoio, recuso acreditar em sua excelência ou avaliação, recuso crer na existência delas. Vejo o estado moderno, ou burocracia, ou dinheiro, ou técnica² -- tais coisas são o que são. Nunca acreditarei nessas coisas. Tais coisas são autosuficientes, embora elas constantemente solicitem minha aderência e até mesmo minha reverência. Elas estão por aí, mas não creio em seus valores, virtudes,
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² Para Ellul, técnica [ou tecnologia] significa "a totalidade dos métodos racionalmente aceitos como dotados de absoluta eficiência (para uma determinada fase d desenvolvimento) em qualquer campo da atividade humana". (The Technological Society, trans. John Wilkinson [New York: Knopf, 19641, p. xxv). See also Jacques Ellul, Perspectives on Our Age, trans. Joachim Neugroschel, ed. William H. Vanderburg (New York: Seabury, 1981), pp. 32-33.-TRANS.
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verdades, utilidades ou vantagens. Que celebrem sua existência. Eu não, embora saiba perfeitamente que não posso me livrar delas. O que vemos aqui é que a crença humana acrescenta a tais objetos um valor incomparável. O que imediatamente as torna muito mais do que coisas; elas adquirem uma perspectiva humana. Marx frequentemente comparou o capitalismo ao legendário vampiro. Poderíamos extender essa comparação a todos os objetos sociais, políticos e econômicos. São apenas coisas, mas repentinamente assumem aspectos ativos, proeminentes, e incontestáveis. Exercem efeitos quando as pessoas começam a acreditar nelas. Não se alimentam de sangue como o vampiro mas de crenças que tendem à confiança e mesmo ao afeto. Quanto a mim, recuso acreditar nelas.
Tais, portando, são meus esclarecimentos sobre a simples palavra crença. Em cada momento há algo em que creio. Isto aqui não é psicanálise. Não há de fato nenhuma espontaneidade ou imediação na realidade sobre crença contrária ao sentimento comum! Para descobrir o que cremos e o que não cremos temos que nos auto examinar e refletir por nós mesmos. Também somos desafiados, quando a questão aflora, sobre se é legítimo acreditar nisto ou naquilo. Falar sobre crença é simultaneamente investigar sua validade ou verdade. É entrar em um estudo crítico não isento de perigo. Não há nenhum lugar para o ceticismo fácil que diz não acreditar precisamente em nada porque crê cegamente. Temos que ser sérios porque nosso ser inteiro está em jogo aqui. Quando me pergunto sobre o que creio, estou "procurando minha própria consciência", como se costuma dizer. Submeto o que eu creio a julgamento quando o trago para a luz. Conforme alguém avança, um duplo movimento toma lugar provocando um constante cruzamento de crenças que embora frequentemente ocultas, também provêem a necessária pausa para repassar sua crítica. "Conforme alguém avança" -- é necessário avançar ou permanecer calado. Eu não posso dizer facilmente o que eu avalio ou penso agora mesmo, sobre o que considero verdadeiro. Se tentar trazer à luz as raízes de minhas convicções, tenho que fazer algo mais difícil que sem dúvida envolverá algumas avaliações políticas.
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PARTE I
AS VÁRIAS CRENÇAS
Capítulo 1
A VIDA TEM SIGNIFICADO
Eu creio que a vida tem significado. Não estamos nesta terra por acaso; não vimos de lugar algum para ir para parte alguma. Isto é uma declaração; não pode ser provada. Significado implica tanto direção como manifestação. Nem todo evento, ato ou palavra tem significado, mas tudo tende para a orientação e para o significado. A orientação cobre uma série de escolhas que empurraram a raça da Idade Paleolitica para a Idade Neolitica e então para a Idade do Bronze e para a idade da informação. Tomo cuidado para não falar de filosofia da história ou de uma mistura entre aventura casual e meta a ser atingida. Eu não sigo Teilhard de Chardin quando ele fala sobre saltos qualitativos para períodos superiores e uma convergência em cada caso.
Mas eu rejeito o absurdo. Aqui novamente estou fazendo uma declaração arbitrária. É claro que o absurdo reina; encontro-o em toda parte. Estou convencido de que a conduta é frequentemente permeada de eventos absurdos, e muitos parecem ser irracionais. Mas eles parecem ser assim por não podermos situá-los no contexto total. É absurdo para os pais de uma criança anormal, mongolóide ou mentalmente deficiente, querer expor esta criança em vez de direcioná-lo para uma instituição especializada. Mas quando consideramos o milagre de amor que esta situação poderia representar, a mutação que poderia causar neles em torno dessa criança, o desenvolvimento humano e psicológico concernente a essa situação, o ato absurdo se torna um modelo de humanidade. Eu vi isto.
Eu também conheci um homem que, quando sua esposa tornou-se gravemente hemiplégica e perdeu a fala, vendeu sua loja e dedicou todo seu tempo para cuidar dela em sua doença. Este
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cuidado abarcou toda sua vida desde o tempo em que tinha cinqüenta anos. Ele veio de um ambiente humilde mas desenvolveu uma filosofia genuína de vida. Ele poderia dizer-me: "A vida é boa e maravilhosa. Todos nós temos uma missão terrena em curso mas temos que perceber acima de tudo que a vida sempre é boa". Um ato absurdo? Um significado de vida? Ele continuamente buscou a riqueza interior e a realização em vez de buscar conforto insignificante e felicidade. Ele não era crente, nem conheceu outro fim além de morte. Mas isto não lhe impediu de dar significado a todo momento da vida. Para encontrar significado nós temos que olhar para um evento na complexidade das interrelações humanas e em longo prazo. O que não parece fazer sentido algum agora para mim, quando estou disposto a ignorá-lo, amanhã pode revelar-se pleno de implicações positivas e pode dar direção a uma série de eventos que parecem estar inertes.
Mas precisamos fazer algumas distinções para evitar ambiguidades. A declaração de que a vida tem sentido pode ser levada de dois modos. Primeiro, pode significar que a vida tem sentido intrínseco. Neste caso, não importa nossa atitude, tudo que acontece tem sentido. O sentido qualifica a própria vida. Nossa tarefa neste caso é achar o sentido.¹ Este é o ponto do famoso ditado: A História tem sentido. Para os sucessores de Marx o sentido da história foi desvelado pela descoberta da luta de classes. Nós apenas precisamos aplicar este critério a cada situação, dizem eles, e nós achamos seu significado (no duplo significado do termo -- sentido e direção). E se nós descobrimos isto ou não, a história
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¹ Quando recebeu o Nobel de literatura em 1985, Claude Simon começou seu discurso dizendo nada ter a dizer. Nem precisava confessar, seus romances provam isso. Não há verdade em parte alguma. Na realidade ele foi assim durante toda sua vida e depois de suas muitas experiências ele nunca encontrou sentido em lugar algum e em nada, (como Barthes, dizia, comentando Shakespeare) concluindo que o significado do mundo é simplesmente existir. Mas isso não significa nada e não denota nada exceto a si mesmo, implicando numa ausência de qualquer direção ou valor (entretanto, o que fez, por exemplo, o próprio Simon fugir do campo de concentração durante Segunda Guerra Mundial?), e coisas assim não podem conceber qualquer verdade. Se a pessoa se prende ao sentido estrito destas palavras, não haverá nenhum significado, não haverá nenhum ponto vivo exceto enquanto algo que está lá meramente porque está lá. E se não há nenhum ponto vivo, onde isso vai dar? Eu acho que afirmar a ausência de significado nos remete a uma escolha final: ficar furioso ou cometer suicídio. A menos que expressar-se assim seja apenas um modo de falar, uma forma literária. Eu acredito que este é o caso de Simon. Mas se tudo o que ele escreve carece de sentido, então os livros dele não fazem sentido para ninguém, e nesse caso por que escreve?
Tradução (inconclusa) por Railton S. Guedes
3 comentários:
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