''Cavalheiros, a vida é muito curta...Se nós vivemos, vivemos para andar sobre a cabeça dos reis.'' (Shakespeare)
1886-1894. Por James Tissot, atualmente no Brooklyn Museum, em Nova Iorque.
Interpretações modernas
Esta passagem é o tema de muitas discussões no contexto atual da relação entre o cristianismo e a política, especialmente no que tange a à separação da Igreja e do Estado e a resistência ao pagamento de impostos.
Jesus respondeu a Pôncio Pilatos sobre a natureza do seu reino durante o seu julgamento:
«O meu reino não é deste mundo. Se o meu reino fosse deste mundo, os meus súditos pelejariam, para não ser eu entregue aos judeus; mas agora o meu reino não é daqui.» (João 18:36)
Justificativa para a obediência às autoridades e o pagamento de impostos
Alguns estudiosos entendem a frase como uma afirmação definitiva do comando para que as pessoas respeitem a autoridade do estado e paguem os seus impostos. Paulo de Tarso também afirma, Romanos 13:1, que os cristãos são obrigados a obedecer as autoridades terrenas, afirmando que elas foram introduzidas por Deus e, por isso, a desobediência a elas seria a desobediência Deus.
Nesta interpretação, Jesus pediu que lhe mostrassem uma moeda para demonstrar-lhes que, ao utilizarem moedas romanas, eles mesmos já teriam admitido o poder de fato do imperador romano e que, portanto, eles deveriam se submeter ao seu jugo12 .
Como exemplo, um menonita explicou assim por que ele não estava resistindo a um imposto para financiar uma guerra: "Nós somos contra a guerra e não desejamos ajudar o esforço de guerra, seja nos alistando ou pagando impostos de guerra ao governo. Fazê-lo só ajuda a fortalecer e perpetuar a máquina de guerra. Em Mateus 22:21 está dito "Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus." Em Romanos 13:1, "Todo o homem esteja sujeito às autoridades superiores. Pois não há autoridade que não venha de Deus; e as que há, têm sido ordenadas por Deus." Se a lei da terra afirma que todos devem pagar impostos de guerra, então é isso que devemos fazer. É a lei! Mas devemos, porém, trabalhar e rezar muito para mudar essa lei. A situação ideal seria ter essa lei abolida. Uma alternativa seria ter a possibilidade de determinar que a nossa parte do imposto de guerra seja utilizado nos esforços de paz. Este caminho seria uma forma legal, construtiva e positiva de resolver a situação"13 .
Não é correto obedecer a Cézar
Tertuliano, em sua De Idolatria, interpreta a frase de Jesus como "a imagem de César, que está na moeda, à César, e a imagem de Deus, que está no homem, a Deus; dando de fato a César o dinheiro e à Deus, a si mesmo. De outra forma, o que será de Deus, se todas as coisas são de César?"14 .
Leão Tolstoi escreveu: "Não apenas a completa falta de entendimento sobre o ensinamento de Cristo, mas também uma completa falta de vontade de entendê-lo poderia admitir este surpreendente erro de interpretação que afirma que "A César o que é de César" significa a necessidade de obedecer César. Em primeiro lugar, não há menção alguma de obediência no trecho; em segundo, se Cristo reconheceu a obrigação de pagar o tributo e, assim, a obediência, ele teria dito diretamente "Sim, devemos pagá-lo". Ao invés disso, ele disse "Dê a César o que é dele, ou seja, o dinheiro, e dê sua vida a Deus", e, com estas últimas palavras, ele não apenas não encoraja nenhuma obediência ao poder, mas, ao contrário, afirma que, em tudo que pertence a Deus, não é correto obedecer a César"15 .
Sublinhando os perigos de cooperar com o Estado
Henry David Thoreau escreveu em sua "Desobediência Civil" que "Cristo respondeu aos herodianos de acordo com a condição deles. "Me mostrem o dinheiro do tributo", disse ele - e um deles tirou uma moeda de seu bolso; - Se você usa dinheiro que tem a imagem de César nele, que circula e é valioso por causa dele, ou seja, se você é um homem do Estado e aproveita contente as benesses do governos de César, então pague-lhe de volta uma parte do que é dele quando ele pedir; "A César o que é de Cesar e a Deus o que é de Deus" - deixando-os tão ignorantes quanto antes sobre qual seria qual; pois eles não desejam saber".
Segundo o menonita Dale Glass-Hess, "É inconcebível para mim que Jesus ensinaria que algumas esferas da atividade humana estariam fora da autoridade de Deus. Devemos concordar com César quando ele vai à guerra ou apoia a guerra quando Jesus diz, em outros lugares, que não devemos matar? Não! Minha percepção deste incidente é que Jesus não respondeu à questão sobre a moralidade do pagamento dos impostos de César e a devolveu para o povo decidir. Quando os judeus apresentam o denário a pedido de Jesus, eles demonstram que já estão realizando negócios com César nos termos de César. Eu leio a afirmação de Jesus, "A César...", como significando "Vocês estão em dívida com César! Então é melhor pagarem." Os judeus já tinham se comprometido. O mesmo vale para nós: nós podemos nos recusar a servir a César como soldados e mesmo tentar resistir em sustentar o exército de César, mas, na realidade, é pelo nosso estilo de vida que incorremos numa dívida com César, que se sentiu compelido então a defender os interesses que apoiam este estilo de vida. Agora ele quer ser ressarcido e é um pouco tarde pra dizer que não lhe devemos nada. Já estamos comprometidos. Se vamos jogar os jogos de guerra de César, então devemos esperar ter que pagar pelo prazer de nos aproveitarmos dele. Mas se estamos determinados a evitar esses jogos, então devemos ser capazes de evitar ter que pagar por eles"16 .
Mohandas K. Gandhi compartilhava desta visão. Segundo ele: "Jesus se desviou da questão direta que lhe foi apresentada por que era uma armadilha. Ele não era de forma nenhuma obrigado a respondê-la. Assim, ele pediu para ver uma moeda usada para pagar impostos. E então disse, com desprezo, "Como vocês, que negociam com moedas de César e, assim, recebem os benefícios do governo de César, se recusam a pagar impostos?" Toda a pregação e a prática de Jesus apontam, sem sombra de dúvida, para a não-cooperação, o que necessariamente inclui não pagar impostos"17 .
Nada se deve pagar a César
Uma interpretação completamente diferente das palavras de Jesus foi proposta por alguns autores18 , que defendem que Jesus teria afirmado que nada se devia pagar a César.
Este incidente, com pequenas diferenças, aparece também em Mateus 22 (Mateus 22:15-22) e Lucas 20 (Lucas 20:20-26). Neste último, o próprio Lucas deixa clara a intenção de encurralar Jesus. Segundo eles, o sumo sacerdote que arquitetou o plano estava confiante que Jesus denunciaria o imposto de César como uma violação do mandamento de Deus contra roubar (extorquir)19 ou acreditavam, pelo menos, que ele não endossaria o imposto. Não há evidências nos evangelhos ou em qualquer outra fonte para supor que eles acreditassem que Jesus recomendaria o pagamento. Seja como for, Pôncio Pilatos era o responsável nomeado pelo César para cobrar os impostos da Judeia e qualquer crítica ao imposto feita por Jesus lhe valeria uma condenação à morte. Para saber o que Jesus estava tentando dizer com sua resposta ambígua, é necessário saber o que Jesus acreditava pertencer a César e o que pertencia a Deus respectivamente. Como Jesus repetidas vezes justificou seus atos e doutrinas com base no Antigo Testamento, seus pensamentos sobre o que pertencia a quem também era influenciado por ou baseado nele. E em Salmos 24:1 lê-se: "A Deus pertence a terra e a sua plenitude; O mundo, e os que nele habitam", o que deixaria nada para César e nada é exatamente o que Jesus estava dizendo para os que o ouviam pagarem a César em impostos. Os espiões ficaram confusos pela resposta por que obviamente não conheciam as Escrituras judaicas, mas, quando contaram aos seus chefes, os sacerdotes, o que Jesus havia dito, eles não se enganaram. Tanto que mandaram prendê-lo no dia seguinte no Getsêmani. Depois de o arrastarem até Pilatos, disseram «Achamos este homem pervertendo a nossa nação, vedando pagar tributo a César e dizendo ser ele Cristo, rei!» (Lucas 23:2-5)
Texto extraído de http://tinyurl.com/ochelc2
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