terça-feira, 1 de março de 2011
A Líbia está unida numa revolução popular - favor não intervir
Por Muhammad min Libya
Congratulamo-nos com uma zona de exclusão aérea, mas o sangue dos mártires líbios será desperdiçado se o maldito ocidente se meter em nossa revolução.
Manifestantes líbios no pavilhão de Portugal na praça principal de Benghazi, em 28 de fevereiro de 2011. Foto: Tiago Petinga / EPA
"Dê um beijo de despedida em minha mãe por mim, e diga a ela que seu filho morreu como um herói", disse o meu amigo Ahmed, 26, para a primeira pessoa que oacudiu depois dele ser baleado em uma rua de Trípoli.
Dois dias depois, meu amigo Ahmed morreu no hospital.
Aquele cara alto, bonito, alegre, inteligente, jovem, intelectual, não existe mais. Nunca mais ele vai responder aos meus telefonemas. O tempo parou em sua conta no Facebook para sempre.
Uma hora antes de Ahmed ser baleado, falei com ele pelo telefone. Estava eufórico. Disse-me que estava na Praça Verde no centro de Trípoli, e que estávamos livres. A péssima qualidade das ligações telefônicas significava que eu não conseguiria comunicar-me outra vez com ele nos próximos dois dias.
Conversando com o melhor amigo de Ahmed, fiquei sabendo da notícia devastadora. Eles estavam prestes a enterrá-lo, disse-me. Eu corri para o cemitério, e cheguei lá logo após o enterro. Encontrei alguns dos nossos amigos. Eles apontaram para um ponto no chão dizendo-me que era onde o corpo de Ahmed estava. Todos se abraçaram e choraram muito.
Este é o tipo de história que você ouve em Tripoli nestes dias. Centenas delas, talvez mesmo milhares. O tipo de histórias que você nunca poderia imaginar em sua porta.
Quando você ouve a história de que uma criança com seis mêses de idade foi assassinada, você espera de todo seu coração que o que al-Islam Khadafi afirma é verdade, que há pouca violência aqui, que a Al-Jazeera inventou a história. Você espera que a tal criança esteja agora dormindo pacificamente nos braços de sua mãe. Quando você ouve que um cara de Tajura foi baleado na cabeça morrendo após dois dias, deixando esposa e filho em luto, você pede a Deus que esse pai de família esteja vivo a brincar com seu filho. Mas as fotos, os vídeos, mostram a verdade fria. Os gritos de horror não precisam de tradução: entes queridos são arrebatados pela morte. Todos os seres humanos compreendem o significado do grito de lamento.
Esta tem sido a vida de Trípoli há algum tempo. É por isso que a cidade é agora chamada de "Cidade Fantasma" por seus habitantes desesperados ao verem manifestantes fugindo da ação da polícia. A cidade sofre um revés, a grande maioria das lojas fecharam, escolas e universidades também fecharam. Apenas algumas lojas vendendo produtos básicos continuam abertas, e mesmo assim apenas por algumas horas por dia.
Mas, apesar deste quadro sombrio de Trípoli, as pessoas têm muita esperança e fé de que estamos a assistir os últimos momentos do regime de Khadafi. Este homem não governa mais a Líbia; é simplesmente um homem com armas voltadas contra o povo.
Seus dois discursos, e de seu filho, não foram mais que ameaças - todos sairam pela culatra e em favor da revolução líbia. tribos líbias de leste a oeste sairam para afirmar a unidade nacional.
No exterior, sua reputação não é melhor. Kadhafi queria assustar o mundo ocidental com uma suposta ameaça de um emirado islâmico. A comunidade internacional respondeu-lhe, impedindo-lhe exílio no estrangeiro, congelando seus bens e levando os crimes de seu regime para o Tribunal Internacional de Justiça, com uma (quase) unanimidade internacional sem precedentes.
Todos os líbios, mesmo a minoria pró-Kadhafi, acredita que é só uma questão de tempo antes que a Líbia recupere sua liberdade. Mas a questão continua a ser assustadora: quantos mártires ainda cairão até que Kadafi saia? Quantas almas ele vai tomar antes que a maldição seja quebrada?
Esse final feliz, porém, é marcado por um medo compartilhado por todos os libios, o temor de uma possível intervenção militar ocidental para acabar com a crise.
Não me interpretem mal. Eu, como a maioria dos líbios, acreditamos que impor uma zona de exclusão aérea, seria um duro golpe contra o regime em vários níveis, cortaria o percurso dos comboios mercenários convocados desde a África, impediria Gaddafi de acessar dinheiro de contrabando e outros ativos, e mais importante, impediria que o regime bombardeasse provas apontadas por muitas tesrtemunhas oculares, inclusive arsenais de armas químicas; algo que iria desencadear uma catástrofe inimaginável, isso sem mencionar a possibilidade de seus aviões efetivamente usarem tais armas.
No entanto, uma coisa parece ter unido os líbios de todos os matizes, qualquer intervenção militar no terreno, por qualquer força estrangeira resultaria - como Abud Al Mustafa Jeleil, o ministro da Justiça e ex-chefe do governo interino agora na oposição, disse - em um recrudecimento na luta ainda maior do que os mercenários tem desencadeado.
Também não sou a favor da possibilidade de um ataque aéreo limitado para alvos específicos. Esta é uma revolução totalmente popular, nosso combustível tem sido o sangue do povo líbio. Os líbios lutavam sozinhos quando os países ocidentais estavam ocupados com outras coisas ignorando a revolução deles, no início. Pois os países ocidentais queriam mesmo era o status quo visando seus interesses na Líbia. É por isso que eu gostaria que a revolução fosse concluída por aqueles que a começaram: o povo da Líbia.
Como os apelos para a intervenção estrangeira crescem, eu gostaria de enviar uma mensagem para os líderes ocidentais: Obama, Cameron, Sarkozy. Esta é uma oportunidade única que caiu em seu colo, é uma chance para vocês melhorarem sua imagem aos olhos dos árabes e muçulmanos. Não se mexam. Todos os seus programas anteriores para que o oriente e o ocidente falharam, e alguns deles fizeram as coisas ficarem ainda piores. Não comecem algo que vocês não podem terminar, não tornem uma revolução popular pura em uma maldição que cairá sobre todos. Não desperdice o sangue que o meu amigo Ahmed derramou por mim.
Vamos apenas viver como vizinhos no mesmo planeta. Quem sabe, eu, como seu vizinho, possa um dia aparecer na sua porta, para alegremente, apertar sua mão.
fonte: http://www.guardian.co.uk/commentisfree/cifamerica/2011/mar/01/libya-revolution-no-fly-zone
tradução: http://taborita.blogspot.com/
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