quinta-feira, 6 de novembro de 2008

15 professores de economia neoclássica se suicidaram pela crise capitalista

Por Heinz Dieterich 


1. Os teólogos do capital 

A “notícia” do suicídio de 15 professores de economia neoclássica pela crise do capitalismo de Estado é, por suposto, falsa. Para que fosse certa, teria que existir ética científica nas faculdades de economia dos neoliberais. E isso é justamente o que mais falta nos templos dessa confraria. Hoje em dia, as faculdades de economia e advocacia são, sem dúvida, os departamentos mais moralmente corruptos e cínicos de nossas universidades. Por isso, o povo mexicano chama advogados de “advogangsters” e economistas de “banqueiros ladrões”.

2. A verdade de Marx 

Em um evento que organizei recentemente em “minha” universidade, perguntei a um amigo e colega “reconhecido catedrático da faculdade” se não tinha problemas de consciência ensinando teologia neoclássica como conhecimento científico. Diante do assombro dos estudantes, ele contestou com uma brutal verdade: “Bom, para isso nos pagam”. Com efeito. Em toda sociedade de classes as relações de produção regem as interações dos sujeitos. 

3. O santo Graal 

Todo debate econômico e político sobre o capitalismo e sua alternativa civilizatória, o socialismo do século XXI, gira em torno de dois aspectos do mercado: a) seu caráter sistêmico, b) a possibilidade e necessidade de substituí-lo. A pergunta decisiva desse debate é a da substituição do mercado; porém, é impossível contestá-la sem prévia explicação de seu caráter sistêmico (determinista, probabilístico, caótico, etc.). 

4. O pecado original 

A mentira constitutiva da teologia econômica burguesa consiste na ficção de que a crematística capitalista dos últimos 250 anos tem sido uma economia de mercado. A verdade é que essa crematística sempre tem existido como capitalismo de Estado e que não pode existir em outra forma empírica. A causa deste fenômeno radica no tempo e na natureza dos mecanismos de retroalimentação (feedback) do mercado. 

5. Mercado, entropia e mono sapiens 

O mercado é um sistema dinâmico complexo, cujas tendências evolutivas o dirigem até à assimetria, tal como sucede em certos sistemas da natureza. Para descrever e explicar o comportamento desses sistemas naturais freqüentemente se recorre à segunda lei da termodinâmica (entropia). A aplicação desse procedimento ao mercado tem aportado conhecimentos macroestatísticos úteis. Porém, o mercado opera como subsistema de um entorno sócio-humano, baseado no mono sapiens, e isto faz com que sua cibernética se torne mais complexa. 

6. Dialética da retroalimentação 

As tendências assimétricas da crematística moderna e, por fim, as crises recorrentes do sistema não significam que este termine deterministicamente na autodestruição ou em um salto qualitativo em direção a formas concretas superiores da realidade (socialismo do século XXI). O gênio científico de Marx/Engels capturou essa particularidade da relação Crematística-Estado capitalista e diagnosticou corretamente a lógica condutiva do mercado e sua relação com o Estado, um século antes que aparecesse a ciência cibernética. Hegel e Norbert Wiener, todavia, na piperina de produção biológica, batizaram esses comportamentos sistêmicos de “dialéticos”. 

7. O mercado como Caliban

O mercado funciona sob certas condições gerais, como um sistema auto-regulativo ou cibernético, de considerável sofisticação e eficiência. Porém seus mecanismos e tempos de retroalimentação negativa (correção de disfuncionalidades) são tão destrutivos e longos, que põem em perigo a estabilidade do macro-sistema sócio-político. Isto obriga à intervenção do Estado, seja para estabilizar, seja para revolucionar. 

O mercado é um produto da evolução social humana, porém é um produto “cego”, o que explica porque seus mecanismos de retroalimentação positivos ou entrópicos se assemelham mais a certos sistemas naturais que a sistemas sociais desenhados com a intenção humanística. O seguinte exemplo ilustra a diferença: 

Se em um bosque ocorre uma praga (insetos) e seus mecanismos de retroalimentação negativa não conseguem neutralizar a ameaça, as árvores secam e perecem. Seco, o bosque se incendiará em algum momento, o fogo matará a praga e o sistema volta a nascer -- ou fica extinto para sempre. Qualquer dos dois desenlaces é insignificante em qualquer escala: para os indivíduos afetados (objetos, árvores, micro organismos), para o sistema superior (biosfera terrestre, nível médio) e para o universo (nível macro). 

8. A comunidade de resistência e a barbárie institucionalizada 

Esta situação muda qualitativamente na sociedade humana, porque seus indivíduos não são objetos (árvores) mas objetos-sujeitos (mono sapiens), que se convertem em comunidade de resistência, não só de vítimas, diante da barbárie institucionalizada da burguesia: a genética darwiniana do mercado, a férrea vontade de exploração de sua classe dominante e a repressividade classista de seu aparato estatal. 

9. A lupemburguesia e seus servidores acadêmicos neoliberais 

A crise financeira atual da burguesia atlântica tem duas causas principais: a) a corrupção política endêmica de sua classe política que se manifesta em suas alianças com o capital financeiro, bloqueando sua função sistêmica de agente de feedback negativo; b) a necessidade eleitoral de sustentar conjunturas econômicas artificiais por quaisquer meios que sejam. 

O sistema financeiro de Bretton Woods (1944) contava com um feedback negativo integrado, o padrão ouro, que consistia no compromisso do governo estadunidense de converter qualquer quantidade de dólares, a moeda mundial, em ouro. Os custos da guerra do Vietnam e da “Johnson’s Great Society” deram um fim a este padrão. Em 1971 Richard Nixon aboliu essa obrigação do governo estadunidense. 

Desaparecido o respaldo material-financeiro, a força do dólar se reduziu à fé do mundo de que a estabilidade das instituições e a força econômico-militar estadunidense eram inquebrantáveis, aceitando, em conseqüência, qualquer quantidade de dólares que Washington imprimisse. Diante dessa fé, não importava que a lupemburguesia e sua criminosa classe política financiassem gigantescos déficits fiscais e de conta corrente em torno de dois milhões de dólares diários, convertendo cada vez mais o dólar em puro papel. 

Quando estalou a atual bolha imobiliária-financeira, antecedida nos anos oitenta pela bolha de poupanças e empréstimos e nos anos noventa pela dot.com (internet/telecom), o cínico circo neoliberal terminou. A conta do desastre causado pela oligarquia dos empresários, gerentes, políticos, farsantes acadêmicos e magos midiáticos se pagará com a destruição de dezenas de milhões de vidas em todo o mundo. 

Enquanto isso os catedráticos neoliberais baixam a voz e seguem cobrando seus bons soldos. Mas um grande paradigma histórico os consola em sua temporal solidão. Se os teólogos da Igreja Católica não se suicidaram coletivamente diante do telescópio de Galileu, por que o fariam eles diante do desmoronamento físico de seu santuário dogmático em Wall Street? 

Sócrates deve estar em algum lugar, rindo-se para não chorar de tristeza. 

Tradução - Vera Vassouras 

 URL:: www.rebelión.org

Nenhum comentário: