quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Togados Nababos


Os magistrados capixabas pegos pelo STJ com a boca na botija, viviam em verdadeira opulência, no fausto. À boca miúda, dizia-se que  alcançar a vitaliciedade como membro do judiciário local era o equivalente a alcançar o paraíso, descrito pelos velhos profetas barbudos, no qual o prazer e os desejos seriam todos, literalmente todos, realizados. Eis o contributo capixaba a filosofia jurídica: a outra face do prazer é a norma.

Não deixa de ser algo irônico, que é justamente através de exigências, em "concursos", de conhecimentos de normas jurídicas herméticas, hirtas e sisudas, que o caminho do paraíso sadista se nos apresenta. Paradoxalmente, de normas em leis chega-se ao prazer carnal da opulência. É por essa razão que o desejo de consumo maior de qualquer estudante de direito é tornar-se togado.

Fosse o poder judiciário um manancial de regras frias do agir jurídico, ainda assim, haveria uma brecha para que alguns, entendidos como mais espertos do que outros, conduzissem a justiça como satanás conduziu Adão e Eva para fora do paraíso. O hiper-jurídico pode assim dispensar a hiper-moral por inatividade. Ainda não é a lição de Hans Kelsen!

Todavia, a astúcia da razão jurídica cola no poder como um parasita cola num organismo vivo até debilita-lo fatalmente.

A analogia bíblico-religiosa torna-se evidente quando nos damos conta do significado etmológico do termo magistratura. A dignidade e o comportamento para um saber ilibado, postos como unção para derramar-se por sobre os necessitados de justiça, preparou o descaminho para a usurpação do poder de fazer justiça. Agora não mais a lei, a norma e a ética públicas, podem manifestarem-se como salvação do caráter corruptível das crias divinas. Também o saber jurídico, nas mãos de vivaldinos, serve para efetivar a contra-justiça.

O poder judiciário abre-se, desse modo, ao público leigo como a Casa onde satanás vivifica em carne tudo aquilo que ele matou como espírito. A lei é letra morta, disse Saulo de Tarshishi, quando ela não vivifica em espírito. Pois os togados nababos capixabas podem inverter esta máxima do jurista judeu-romano: o espírito da lei é nada diante do prazer da carne viva. 

Foi espantoso que o articulador central da quadrilha fosse um magistrado de cabelos brancos, com sápatras de idade também provecta, quem tomou a iniciativa de converter a referencia do mundo público jurídico local numa imensa pocilga.

Na crença ingenua e romântica de que as demandas por justiça poderiam ser menos acre e mais palatável à sociedade local, levou muitos representantes omissos de outros poderes a afirmarem que o crime organizado, depois da prisão dos mal-feitores da assembléia legislativa, estava estancado. Quem disse que a serpente morre é porque nunca viu lúcifer em ação.

A ação espetacular teve a ousadia de, através de atos normativos da administração judiciária criar, ex-nilo, cartórios de oficio para deixa-los sangrar nas mãos de playboys que, por seu turno, aprenderam em casa a única lição de vida que a prática jurídico-política capixaba parece não contrariar : os outros, personificados nos interesses públicos do poder estatal, são meios para o nosso deleite pessoal.

Os donos do poder de justiça local deitavam e rolavam em liminares e sentenças, expedidas à socapa para particulares gananciosos e fraudulentos. Controlaram os meios de investidura nos cargos, dominaram os mecanismos aparentemente aleatórios de distribuição interna de processos, exatamente para que eles caíssem nas mãos dos membros da família. Então, os interesses públicos por justiça foram anulados, entrando em cena o poder do privado sobre a administração. O direito administrativo foi invertido: quem exorbita aqui é o interesse privado na opulência.

Sergio Fonseca
Historiador
sbaptistadafonseca@yahoo.com.br

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