Aqueles que hoje se preocupam com luta de classes deveriam dedicar-se ao estudo profundo da Revolução Espanhola e rápida ação após aprendizado. Lá estão escancarados -- para quem tem olhos para ver e ouvidos para ouvir -- todos os elementos internos e externos, presentes em nossos dias, que impedem o avanço da justiça social e o progresso da qualidade de vida para toda humanidade.
Lá vemos todas as peças do jogo e seus previsíveis movimentos. Vemos o peso morto da falsa esquerda na figura esloganista do bolchevismo, corrupto, sedento pelo poder, ansioso por sentar nas cadeiras douradas da aristocracia e da burguesia, mantendo a escravidão do proletariado.
Lá vemos a enganosa espiritualidade sacerdotal, farisaica, hipócrita, legalista, de um cristianismo às avessas postado ao lado dos poderosos e contra os oprimidos, diametralmente oposto ao ensino de Jesus Cristo e à prática de Francisco de Assis.
Lá vemos a tomada popular consciente e incondicional dos meios de produção. Vemos a autogestão generalizada das escolas, fábricas, campos, indústrias, centros de poder.
Lá vemos num microcosmo o amanhecer tão esperado da humanidade. O sorriso nos lábios dos jovens, a satisfação das crianças e a felicidade nos idosos. Um amanhecer que foi obscurecido pelas mentes doentias dos seguidores de Franco, pela indiferença dos países ditos democráticos e pelo cavalo de troia enviado por Moscou.
Lá vemos cumpridas e confirmadas as profecias de Marx, Kropotkin, Proudhon, Tolstoi, Malatesta, de que o proletariado, para sua revolução vitoriosa, não poderia contar com mais ninguém a não ser com si mesmo, para sua emancipação.
Lá vemos a esquerda proditória. Ruidosa e festiva em público, mas em particular, às portas fechadas e em conchavos, mancomunada com a direita, com corporações, com forças armadas institucionalizadas.
Lá vemos dois grupos de pessoas, as dispostas a matar o inimigo à bala, e os dispostos a neutralizar o inimigo pela desobediência ativa, mesmo ao custo da própria vida.
A Revolução Espanhola, perdeu uma batalha no período 1936-39, mas não perdeu a guerra, ela está ainda em curso. Essa disputa não mais localiza-se apenas em território espanhol. Esse embate espalhou-se por todo canto do planeta. Os inimigos são os mesmos, as corporações são as mesmas, os traidores bolcheviques são os mesmos, as mentiras dos meios de comunicação de massa ainda são as mesmas, todos esses elementos nocivos se apresentam hoje globalizados e globalmente serão superados e vencidos pela Nova Revolução, que não é mais apenas espanhola, tornou-se mundial, universal.
quarta-feira, 18 de dezembro de 2013
quinta-feira, 5 de dezembro de 2013
Quem é Rafael Braga Vieira?
Por Ana Aranha
Extraído de http://br.noticias.yahoo.com/blogs/3-por-4/quem-%C3%A9-rafael-braga-vieira-134733357.html
A notícia circulou ontem por todos os portais: morador de rua preso durante protestos no Rio de Janeiro foi condenado a cinco anos e dez meses em regime fechado. Rafael Braga Vieira foi preso no dia 20 de junho ao sair de uma loja abandonada no centro do Rio com uma garrafa de água sanitária, um Pinho-Sol e uma vassoura.
Ele tem 26 anos, é morador de rua, negro, catador de latinhas, duas vezes condenado por roubo, penas que ele já cumpriu. E isso é tudo o que sabemos sobre ele. O que ele tem a dizer sobre a sua prisão? Ele estava na manifestação? Onde ele ía como o material de limpeza? Como foi tratado nos cinco meses que ficou esperando o julgamento no complexo presidiário de Japeri?
Até agora não vimos uma foto dele, uma entrevista com ele, ou com os amigos dele, ou com qualquer pessoa que possa nos trazer mais informações sobre Rafael. O que sabemos são fragmentos de registros oficiais. Segundo matéria da revista Carta Capital, ele disse em depoimento que foi preso quando saia da loja abandonada onde morava há um mês e onde pegara os dois frascos de limpeza. No laudo do esquadrão antibomba, a Polícia Civil apontou que os produtos tinham “ínfima possibilidade de funcionar como coquetel molotov”. Quando o caso chegou ao Ministério Público, as garrafas foram descritas pelo promotor responsável pela acusação como “material incendiário”. Até que o juiz Guilherem Schilling Pollo Duarte determinou que “uma das garrafas tinha mínima aptidão para funcionar como coquetel molotov” e condenou Rafael a quase seis anos de prisão.
O seu caso está com a Defensoria Pública do Rio, que já declarou que vai recorrer. Ele teve o apoio do grupo Anonymus, que lançou campanha nas redes sociais pela sua libertação. Não precisa ser especialista em direito para perceber que o caso está cheio de furos e cheira a bode expiatório para assustar futuras manifestações. Os ingredientes da sua condenação deveriam ser explosivos no contexto de protestos, repressão policial e perseguição a manifestantes que se instalou no Brasil desde junho. Mas quem vai sair em defesa de Rafael? Mobilização em redes sociais é uma resposta à altura do que esse caso pode representar? Por que não vemos reportagens mais profundas sobre o caso? Como ainda não há um advogado, ou uma equipe de advogados, trabalhando no caso sem cobrar?
Rafael estava esquecido há quatro meses na prisão, ainda sem julgamento, quando o primeiro repórter descobriu sua história. Foi Piero Locatelli, ele mesmo preso sob acusação parecida durante a cobertura dos protestos em São Paulo: porte de garrafas suspeitas. No caso de Piero, vinagre. Como repórter da revista Carta Capital, ele teve o apoio de advogado e dos próprios veículos de comunicação, que circularam rapidamente a informação sobre a arbitrariedade de sua prisão. Mas, como o próprio repórter escreveu no seu relato sobre a prisão, ele não era o único e muitos outros ficaram na delegacia depois que ele foi liberado.
Desde junho, os abusos e ilegalidades cometidos pela Polícia Militar durante os protestos foram repetidamente flagrados, registrados e publicados. Tanto que parte da população parece ter naturalizado a “essência violenta” da instituição (a outra parte, que mora nas periferias, já convivia com essa face da PM há muito tempo).
A repressão violenta a manifestações deveria ser, em si, algo inaceitável em um país democrático, mas o caso de Rafael tem um elemento ainda mais surreal: nós sequer sabemos se ele fazia parte do protesto. Marcos Romão, no site Mamapres, lembrou das similaridades com o personagem de Charles Chaplin em “Tempos Modernos”. Desempregado e vagando pelas ruas depois de sair da prisão, Carlitos pega uma bandeira caída no chão. No mesmo minuto, uma manifestação toma a rua e ele é preso pela polícia, considerado líder do protesto.
Carlitos representava as incoerências e injustiças da sociedade de 1936. Rafael é a prova de que as coisas não mudaram tanto desde então. A nossa reação ao seu caso será a medida de quanto o Brasil pode mudar nos próximos anos.
Extraído de http://br.noticias.yahoo.com/blogs/3-por-4/quem-%C3%A9-rafael-braga-vieira-134733357.html
A notícia circulou ontem por todos os portais: morador de rua preso durante protestos no Rio de Janeiro foi condenado a cinco anos e dez meses em regime fechado. Rafael Braga Vieira foi preso no dia 20 de junho ao sair de uma loja abandonada no centro do Rio com uma garrafa de água sanitária, um Pinho-Sol e uma vassoura.
Ele tem 26 anos, é morador de rua, negro, catador de latinhas, duas vezes condenado por roubo, penas que ele já cumpriu. E isso é tudo o que sabemos sobre ele. O que ele tem a dizer sobre a sua prisão? Ele estava na manifestação? Onde ele ía como o material de limpeza? Como foi tratado nos cinco meses que ficou esperando o julgamento no complexo presidiário de Japeri?
Até agora não vimos uma foto dele, uma entrevista com ele, ou com os amigos dele, ou com qualquer pessoa que possa nos trazer mais informações sobre Rafael. O que sabemos são fragmentos de registros oficiais. Segundo matéria da revista Carta Capital, ele disse em depoimento que foi preso quando saia da loja abandonada onde morava há um mês e onde pegara os dois frascos de limpeza. No laudo do esquadrão antibomba, a Polícia Civil apontou que os produtos tinham “ínfima possibilidade de funcionar como coquetel molotov”. Quando o caso chegou ao Ministério Público, as garrafas foram descritas pelo promotor responsável pela acusação como “material incendiário”. Até que o juiz Guilherem Schilling Pollo Duarte determinou que “uma das garrafas tinha mínima aptidão para funcionar como coquetel molotov” e condenou Rafael a quase seis anos de prisão.
O seu caso está com a Defensoria Pública do Rio, que já declarou que vai recorrer. Ele teve o apoio do grupo Anonymus, que lançou campanha nas redes sociais pela sua libertação. Não precisa ser especialista em direito para perceber que o caso está cheio de furos e cheira a bode expiatório para assustar futuras manifestações. Os ingredientes da sua condenação deveriam ser explosivos no contexto de protestos, repressão policial e perseguição a manifestantes que se instalou no Brasil desde junho. Mas quem vai sair em defesa de Rafael? Mobilização em redes sociais é uma resposta à altura do que esse caso pode representar? Por que não vemos reportagens mais profundas sobre o caso? Como ainda não há um advogado, ou uma equipe de advogados, trabalhando no caso sem cobrar?
Rafael estava esquecido há quatro meses na prisão, ainda sem julgamento, quando o primeiro repórter descobriu sua história. Foi Piero Locatelli, ele mesmo preso sob acusação parecida durante a cobertura dos protestos em São Paulo: porte de garrafas suspeitas. No caso de Piero, vinagre. Como repórter da revista Carta Capital, ele teve o apoio de advogado e dos próprios veículos de comunicação, que circularam rapidamente a informação sobre a arbitrariedade de sua prisão. Mas, como o próprio repórter escreveu no seu relato sobre a prisão, ele não era o único e muitos outros ficaram na delegacia depois que ele foi liberado.
Desde junho, os abusos e ilegalidades cometidos pela Polícia Militar durante os protestos foram repetidamente flagrados, registrados e publicados. Tanto que parte da população parece ter naturalizado a “essência violenta” da instituição (a outra parte, que mora nas periferias, já convivia com essa face da PM há muito tempo).
A repressão violenta a manifestações deveria ser, em si, algo inaceitável em um país democrático, mas o caso de Rafael tem um elemento ainda mais surreal: nós sequer sabemos se ele fazia parte do protesto. Marcos Romão, no site Mamapres, lembrou das similaridades com o personagem de Charles Chaplin em “Tempos Modernos”. Desempregado e vagando pelas ruas depois de sair da prisão, Carlitos pega uma bandeira caída no chão. No mesmo minuto, uma manifestação toma a rua e ele é preso pela polícia, considerado líder do protesto.
Carlitos representava as incoerências e injustiças da sociedade de 1936. Rafael é a prova de que as coisas não mudaram tanto desde então. A nossa reação ao seu caso será a medida de quanto o Brasil pode mudar nos próximos anos.
quarta-feira, 27 de novembro de 2013
Senador Zezé Perrella: patrimônio invejável que o TRE desconhece
Publicado originalmente por Hoje em Dia
Amália Goulart
É uma fazenda muito grande. Tem terra e boi, daqueles...nelore, pra todo lado. Para entrar na granja de porcos tem que usar máscara e roupa especial. A casa fica no fim de uma rua de pedra. E sabe, ele é bom para os funcionários. A única coisa ruim são as estradas. Ele mesmo só vem de avião. Este foi o relato de uma senhora que já trabalhou na fazenda do rei do campo e dá uma pequena dimensão de uma das propriedades rurais mais completas do Estado. Todo morador de Morada Nova de Minas, a 300 Km de Belo Horizonte, sabe na ponta da língua de quem é a Fazenda Guará: Zezé Perrella (PDT). O cartola dos gramados de futebol também é rei das pastagens. Mas os eleitores não sabem que o ex-deputado e primeiro suplente de senador guarda tamanha riqueza.
A propriedade está avaliada em cerca de R$ 60 milhões, segundo corretores ouvidos pelo Hoje em Dia na região. Aqui, nenhuma fazenda de mil hectares sai por menos de R$ 10 milhões. Recentemente, foi vendida uma, até barata, por este preço. A do Perrella vale uns R$ 60 milhões, sem dúvida. Ela tem quase 2 mil hectares, afirmou o corretor Alisson de Faria Braga, sem saber que a informação era para uma reportagem sobre o patrimônio de Perrella.
As terras do presidente do Cruzeiro se perdem no horizonte aos olhos de quem passa pelo local. Os registros oficiais obtidos pelo Hoje em Dia são discrepantes. No Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), uma única propriedade de nome Guará está registrada em Minas Gerais. Tem área de 1.262 hectares. Porém, uma escritura da mesma, emitida pelo cartório de Morada Nova de Minas, aponta área de 480 hectares.
Segundo Alisson Braga, o preço de venda do hectare que informou refere-se a terra nua na beira do Rio São Francisco, sem equipamentos. Já o corretor Alan Israel Costa, da JA Imobiliária, em Patos de Minas, uma das imobiliárias de maior prestígio na região, onde o agronegócio é forte, informou que a localização da Fazenda Guará é uma das mais valorizadas do Estado. São terras vermelhas, férteis, e que têm água, disse.
Pensando tratar-se de uma reportagem sobre a valorização imobiliária da região, Costa disse que o preço médio do hectare a região da Guará é de R$ 3.500, mas pode ser maior devido à falta de oferta de fazendas para venda. Lá (em Morada Nova de Minas) tem fazendas boas. O preço é de R$ 3.500 o hectare, em média, para terras sem benfeitorias, informou.
Costa disse que está vendendo uma fazenda de 9 mil hectares por R$ 130 milhões. Possui cinco pivôs centrais e está localizada em uma região de terras piores do que a do presidente do Cruzeiro. A fazenda de Perrella é equipada com sete pivôs centrais de irrigação. Segundo o corretor, somente as terras de Perrella, sem benfeitorias, valeriam R$ 7 milhões. Sites especializados na venda de fazendas apresentam opções de compra de terrenos na região da Guará que se aproximam desse valor. O próprio presidente do Cruzeiro admitiu ao Hoje em Dia que a fazenda de Morada Nova de Minas, considerando os equipamentos e benfeitorias, vale mais de R$ 60 milhões.
A Fazenda Guará é banhada pelas águas da represa de Três Marias, no Rio São Francisco. Produz de grãos, aves, suínos e gado. A granja é climatizada. Perrella tem 1,3 mil matrizes (fêmeas reprodutoras), disse um funcionário. Uma porca gera em média 8 filhotes a cada gestação. Por dia, saem quatro caminhões da fazenda carregados de suínos para o abate. Parte da carne é exportada.
As pastagens para o gado, na maioria da raça nelore, estão na margem do São Francisco. Quem está do lado de fora da propriedade pode avistar centenas de animais da raça espalhados. O curral é informatizado. Ele (Perrella) costuma participar de leilões, contou um profissional da área.
Diariamente, saem da Guará caminhões carregados de arroz, trigo, feijão, milho e soja. Num intervalo de aproximadamente de três horas, o Hoje em Dia flagrou quatro caminhões sendo carregados e despachados da fazenda. Grandes silos compõem a paisagem opulenta da propriedade.
Apesar de vizinhos da fazenda e outros moradores do município assegurarem que a Guará pertence ao presidente do Cruzeiro, o imóvel não consta da declaração de bens do deputado entregue à Justiça Eleitoral em 2010, quando se apresentou como primeiro suplente do senador eleito Itamar Franco (PPS). Ao contrário, a julgar pelo documento, Perrella nem mesmo pode ser considerado rico. Depois de dois mandatos parlamentares, um como deputado federal e outro como estadual, e de dez anos na direção do Cruzeiro, ele informa ter um patrimônio de apenas R$ 490 mil.
Oficialmente, a Guará é de propriedade da Limeira Agropecuária e Participações Ltda. Segundo a Junta Comercial do Estado de Minas Gerais, 95% das cotas da empresa são divididas entre os filhos de Perrella: a estudante Carolina Perrella Amaral Costa, de 25 anos de idade, e o deputado estadual Gustavo Henrique Perrella Amaral Costa (PDT), de 27 anos. Um sobrinho do presidente do Cruzeiro, André Almeida Costa, de 29 anos, detém os restantes 5% das cotas da Limeira e figura no documento como administrador da Fazenda Guará.
Fazenda lucra com gado e grãos
A constituição da Limeira Agropecuária criou uma situação curiosa. Oficialmente, o jovem Gustavo Perrella é um milionário, enquanto o pai, empresário há 40 anos, tem patrimônio compatível com o de um brasileiro da classe média.
Graças ao prestígio de Zezé Perrella, Gustavo foi eleito deputado estadual no ano passado. Na declaração de bens entregue à Justiça Eleitoral, Gustavo tinha patrimônio de R$ 1,9 milhão. Deste total, segundo o documento, R$ 900 mil se referiam às quotas da Limeira.
Gustavo indicou na mesma declaração que uma parcela, no valor de R$ 250 mil, do patrimônio total era procedente de doação do pai, em dinheiro. Os demais bens listados são um carro, um apartamento, quotas de outras duas empresas e saldo em caderneta de poupança.
Carolina Perrella parece detentora de um grande tino empresarial. Em 2009, na última alteração contratual da Limeira registrada na Junta Comercial do Estado de Minas Gerais (Jucemg), as cotas da jovem estudante na empresa, equivalentes a 47,5% do total, valiam R$ 855 mil. Os valores eram os mesmos atribuídos ao irmão Gustavo. Mas, a julgar pelas avaliações informais atualizadas da Fazenda Guará, o patrimônio real de Carolina pode chegar a quase R$ 30 milhões.
Isso porque, embora dona de fazendas avaliadas em dezenas de milhões de reais, a Limeira valia em 2009, segundo o contrato social, apenas cerca de R$ 1,8 milhão. Mas, além das avaliações de corretores, é certo que a fazenda tem gerado lucros com a criação de gado, porcos, aves e com a produção de grãos. Pela declaração de bens à Justiça Eleitoral de 2010 de Gustavo Perrella, houve variação patrimonial positiva de R$ 55 mil em relação ao valor das cotas indicado na alteração contratual registrada na Jucemg em 2009.
Segundo o contrato social, as atividades da Limeira são cria, recria e comercialização de bovinos, suínos, aves e peixes; a produção, beneficiamento, reembalagem e comercialização de grãos e sementes; extração e comercialização de leite e derivados; produção e comercialização de madeira; industrialização e comercialização, no mercado interno e externo, de produtos agropecuários.
Abrigo para descansar
Para quem tem uma rotina intensa, a Fazenda Guará é um ótimo local de descanso. O ex-deputado estadual Zezé Perrella que o diga. É lá que ele gosta de passar os finais de semana. Em meados de janeiro, por exemplo, o Hoje em Dia entrou em contato com o motorista do ex-deputado. Conhecido como Dadá, ele informou que o patrão (Zezé Perrella) estava na Guará, descansando.
Ele não pode falar porque está na fazenda dele, afirmou Dadá. Na ocasião, Perrella estava sendo procurado para falar sobre a acusação feita pelo empresário Antônio César Pires de Miranda Júnior de que o presidente do Cruzeiro teria feito acerto prévio com um terceiro empresário para vencer licitação do Governo estadual.
Frequentemente, Perrella é visto na companhia de amigos e de parceiros de negócios na Fazenda Guará. Um desses visitantes é Ildeu da Cunha Pereira, superintendente do Cruzeiro. Ildeu foi preso pela Polícia Federal em 2008, junto com o empresário Marcos Valério Fernandes de Souza, acusado de ser o operador do esquema conhecido como mensalão.
Moradores da região e funcionários disseram que Perrella invariavelmente aterrissa de avião ou de helicóptero na pista particular da fazenda de Morada Nova de Minas, a poucos metros da casa sede. Parentes do deputado, originários de São Gonçalo do Pará, cidade natal de Perrella, também costumam visitar a propriedade. Mas, segundo amigos da família, eles ficam acampados pela fazenda. Ele (Perrella) quer cortar isso porque o lugar fica uma bagunça, disse um outro visitante da Guará.
A casa usada por Perrella na Guará não segue os padrões de grandeza das pastagens e dos equipamentos agrícolas. É aconchegante, mas discreta. Tem duas suítes, mais três quartos, piscina e área de lazer. A decoração é rústica. Uma grande varanda rodeia a edificação. Árvores estrategicamente plantadas garantem privacidade aos donos e frequentadores. Nas proximidades, habitações para funcionários e uma casa para hóspedes.
Transação tem cifras discrepantes
Mesmo sendo avaliada por corretores da região em pelo menos R$ 60 milhões, a Fazenda Guará foi vendida, oficialmente, à Limeira Agropecuária por R$ 360 mil. A escritura da propriedade, registrada no cartório de imóveis de Morada Nova de Minas, dá conta de que ela tem 480 hectares e foi negociada no dia 9 de novembro de 2009.
O vendedor foi Waldemar Alves de Moura, um pequeno fazendeiro de Biquinhas, município vizinho a Morada Nova de Minas. Procurado pelo Hoje em Dia, Waldemar negou a venda da fazenda. Não vendi nada para ele não, disse. Ao ser informado que na escritura da fazenda constava a venda com o número do CPF dele, mudou a versão. Confirmou que vendeu uma pequena propriedade a Zezé Perrella. Vendi para ele uma fazenda em Biquinhas. Mas não era nem uma fazenda, era um pedaço de terra, disse, confirmando o negócio com o deputado, não com os filhos, e o valor de R$ 360 mil da negociação.
Mas aquela fazenda lá não é a Guará. Ela chama Néris e é muito menor, afirmou. Néris era o nome da Guará antes da venda. Terras na Fazenda Néris, município de Biquinhas, que a partir desta data será denominada Fazenda Guará, diz trecho da escritura da propriedade. No documento, a fazenda está localizada em Biquinhas. Mas, no contrato social da Limeira consta que a Guará está localizada em Morada Nova de Minas.
Corretores da região informaram que, em 2009, a fazenda já valia mais de R$ 40 milhões, e que ela foi comprada, numa transação anterior, por cerca de R$ 10 milhões. Os corretores não souberam informar com precisão o ano em que Perrella teria adquirido a propriedade. Um amigo da família informou que esteve na Guará em 2008, na condição de convidado. Neste período, segundo ele, a fazenda já pertencia a Perrella. O amigo do deputado exibiu duas fotografias feitas durante a visita.
Na escritura da fazenda consta também que ela possui uma reserva florestal. Esta fazenda é tão grande que ela vai de um vilarejo a outro, disse um trabalhador rural da região. A Guará começa próximo à comunidade de Val das Flores e termina na Frei Orlando. Aqui no Val das Flores quase todo mundo trabalha na fazenda de Zezé Perrella, informou o trabalhador que pediu para não ser identificado na reportagem. Cerca de 200 funcionários são contratados da Guará. Dois ônibus passam, por dia, recolhendo os trabalhadores nas comunidades para levá-los ao trabalho.
Empresa possui outra fazenda
A Limeira Agropecuária e Participações Ltda. tem uma segunda fazenda, a Mato Dentro. Fica no município de Igaratinga, no Centro-Oeste de Minas, e é especializada na produção de bovinos e suínos. É administrada pelo irmão de Zezé Perrella, Geraldo de Oliveira Costa.
Graças a um documento de 30 de julho de 2008 da Superintendência Regional de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Alto São Francisco, é possível mensurar a propriedade. Segundo fiscais do meio ambiente que estiveram na fazenda para emitir parecer sobre um pedido de licenciamento, as terras abrigavam 4.500 porcos, 250 cabeças de gado e 75 hectares de pastagens.
A ração que alimenta o rebanho é produzida na fazenda. A Mato Dentro se dedica a engorda de leitões até o ponto de abate. Os animais são mantidos em galpões com comedouros, bebedouros, lâmina dágua, grades plásticas, gaiolas, cortinas para propiciar conforto térmico, praticidade, economia de água e facilidade nas operações de higienização dos animais para o processo produtivo, diz trecho do documento.
Ex-deputado já é investigado
A Polícia Federal já investiga a suspeita de enriquecimento ilícito de Zezé Perrella. Trata-se de um inquérito referente à gestão do cartola no Cruzeiro Esporte Clube. Em maio do ano passado, o deputado e o irmão dele, Alvimar de Oliveira Costa, foram acusados de lavagem de dinheiro e evasão de divisas na venda do jogador Luisão.
A investigação mostrou que o jogador foi negociado com a equipe Central Espanhol Futebol Clube, do Uruguai. O valor da transação foi de US$ 2,5 milhões. O problema, apontado pela Polícia Federal, é que, pouco tempo depois, o clube de Montevidéu vendeu Luisão para o Benfica por quase US$ 1 milhão a menos. A suspeita é de que a negociação com o Central Espanhol tenha sido de fachada para esquentar dinheiro sem origem declarada. Existe ainda uma segunda investigação na PF para apurar suspeita semelhante na venda do volante Ramires para o Benfica, em 2009.
Como deputado estadual, Perrella teria a chance de ganhar R$ 1 milhão no mandato, somando salário, auxílio moradia e outros benefícios. Ainda assim, terminou o mandato com uma declaração de bens de R$ 490 mil. Fontes do meio político disseram que existe a possibilidade de Itamar Franco ser convidado, no fim do ano que vem, para reassumir a presidência do Conselho Administrativo do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG). Desta maneira, Perrella assumiria a vaga de Itamar no Senado. O senador foi internado na última semana em São Paulo para tratar de uma leucemia.
No site da Assembleia Legislativa consta que a profissão de Zezé Perrela é empresário. Atua nas áreas da agricultura e agroindústria, em especial no comércio de carnes, diz o perfil oficial de Perrella.
Irritado com a abordagem do Hoje em Dia para falar do patrimônio pessoal, o ex-deputado Zezé Perrella (PDT) informou que a fazenda Guará vale mais de R$ 60 milhões. Ela vale muito mais. Não é só isso, disse. O presidente do Cruzeiro ameaçou a repórter e prometeu retaliação. Estou doido para pegar um jornalistazinho assim, igual a você. Isso vai ter volta. Vai ter retaliação, afirmou. Ele disse que doou todos os bens para os filhos há oito, nove anos.
Amália Goulart
É uma fazenda muito grande. Tem terra e boi, daqueles...nelore, pra todo lado. Para entrar na granja de porcos tem que usar máscara e roupa especial. A casa fica no fim de uma rua de pedra. E sabe, ele é bom para os funcionários. A única coisa ruim são as estradas. Ele mesmo só vem de avião. Este foi o relato de uma senhora que já trabalhou na fazenda do rei do campo e dá uma pequena dimensão de uma das propriedades rurais mais completas do Estado. Todo morador de Morada Nova de Minas, a 300 Km de Belo Horizonte, sabe na ponta da língua de quem é a Fazenda Guará: Zezé Perrella (PDT). O cartola dos gramados de futebol também é rei das pastagens. Mas os eleitores não sabem que o ex-deputado e primeiro suplente de senador guarda tamanha riqueza.
A propriedade está avaliada em cerca de R$ 60 milhões, segundo corretores ouvidos pelo Hoje em Dia na região. Aqui, nenhuma fazenda de mil hectares sai por menos de R$ 10 milhões. Recentemente, foi vendida uma, até barata, por este preço. A do Perrella vale uns R$ 60 milhões, sem dúvida. Ela tem quase 2 mil hectares, afirmou o corretor Alisson de Faria Braga, sem saber que a informação era para uma reportagem sobre o patrimônio de Perrella.
As terras do presidente do Cruzeiro se perdem no horizonte aos olhos de quem passa pelo local. Os registros oficiais obtidos pelo Hoje em Dia são discrepantes. No Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), uma única propriedade de nome Guará está registrada em Minas Gerais. Tem área de 1.262 hectares. Porém, uma escritura da mesma, emitida pelo cartório de Morada Nova de Minas, aponta área de 480 hectares.
Segundo Alisson Braga, o preço de venda do hectare que informou refere-se a terra nua na beira do Rio São Francisco, sem equipamentos. Já o corretor Alan Israel Costa, da JA Imobiliária, em Patos de Minas, uma das imobiliárias de maior prestígio na região, onde o agronegócio é forte, informou que a localização da Fazenda Guará é uma das mais valorizadas do Estado. São terras vermelhas, férteis, e que têm água, disse.
Pensando tratar-se de uma reportagem sobre a valorização imobiliária da região, Costa disse que o preço médio do hectare a região da Guará é de R$ 3.500, mas pode ser maior devido à falta de oferta de fazendas para venda. Lá (em Morada Nova de Minas) tem fazendas boas. O preço é de R$ 3.500 o hectare, em média, para terras sem benfeitorias, informou.
Costa disse que está vendendo uma fazenda de 9 mil hectares por R$ 130 milhões. Possui cinco pivôs centrais e está localizada em uma região de terras piores do que a do presidente do Cruzeiro. A fazenda de Perrella é equipada com sete pivôs centrais de irrigação. Segundo o corretor, somente as terras de Perrella, sem benfeitorias, valeriam R$ 7 milhões. Sites especializados na venda de fazendas apresentam opções de compra de terrenos na região da Guará que se aproximam desse valor. O próprio presidente do Cruzeiro admitiu ao Hoje em Dia que a fazenda de Morada Nova de Minas, considerando os equipamentos e benfeitorias, vale mais de R$ 60 milhões.
A Fazenda Guará é banhada pelas águas da represa de Três Marias, no Rio São Francisco. Produz de grãos, aves, suínos e gado. A granja é climatizada. Perrella tem 1,3 mil matrizes (fêmeas reprodutoras), disse um funcionário. Uma porca gera em média 8 filhotes a cada gestação. Por dia, saem quatro caminhões da fazenda carregados de suínos para o abate. Parte da carne é exportada.
As pastagens para o gado, na maioria da raça nelore, estão na margem do São Francisco. Quem está do lado de fora da propriedade pode avistar centenas de animais da raça espalhados. O curral é informatizado. Ele (Perrella) costuma participar de leilões, contou um profissional da área.
Diariamente, saem da Guará caminhões carregados de arroz, trigo, feijão, milho e soja. Num intervalo de aproximadamente de três horas, o Hoje em Dia flagrou quatro caminhões sendo carregados e despachados da fazenda. Grandes silos compõem a paisagem opulenta da propriedade.
Apesar de vizinhos da fazenda e outros moradores do município assegurarem que a Guará pertence ao presidente do Cruzeiro, o imóvel não consta da declaração de bens do deputado entregue à Justiça Eleitoral em 2010, quando se apresentou como primeiro suplente do senador eleito Itamar Franco (PPS). Ao contrário, a julgar pelo documento, Perrella nem mesmo pode ser considerado rico. Depois de dois mandatos parlamentares, um como deputado federal e outro como estadual, e de dez anos na direção do Cruzeiro, ele informa ter um patrimônio de apenas R$ 490 mil.
Oficialmente, a Guará é de propriedade da Limeira Agropecuária e Participações Ltda. Segundo a Junta Comercial do Estado de Minas Gerais, 95% das cotas da empresa são divididas entre os filhos de Perrella: a estudante Carolina Perrella Amaral Costa, de 25 anos de idade, e o deputado estadual Gustavo Henrique Perrella Amaral Costa (PDT), de 27 anos. Um sobrinho do presidente do Cruzeiro, André Almeida Costa, de 29 anos, detém os restantes 5% das cotas da Limeira e figura no documento como administrador da Fazenda Guará.
Fazenda lucra com gado e grãos
A constituição da Limeira Agropecuária criou uma situação curiosa. Oficialmente, o jovem Gustavo Perrella é um milionário, enquanto o pai, empresário há 40 anos, tem patrimônio compatível com o de um brasileiro da classe média.
Graças ao prestígio de Zezé Perrella, Gustavo foi eleito deputado estadual no ano passado. Na declaração de bens entregue à Justiça Eleitoral, Gustavo tinha patrimônio de R$ 1,9 milhão. Deste total, segundo o documento, R$ 900 mil se referiam às quotas da Limeira.
Gustavo indicou na mesma declaração que uma parcela, no valor de R$ 250 mil, do patrimônio total era procedente de doação do pai, em dinheiro. Os demais bens listados são um carro, um apartamento, quotas de outras duas empresas e saldo em caderneta de poupança.
Carolina Perrella parece detentora de um grande tino empresarial. Em 2009, na última alteração contratual da Limeira registrada na Junta Comercial do Estado de Minas Gerais (Jucemg), as cotas da jovem estudante na empresa, equivalentes a 47,5% do total, valiam R$ 855 mil. Os valores eram os mesmos atribuídos ao irmão Gustavo. Mas, a julgar pelas avaliações informais atualizadas da Fazenda Guará, o patrimônio real de Carolina pode chegar a quase R$ 30 milhões.
Isso porque, embora dona de fazendas avaliadas em dezenas de milhões de reais, a Limeira valia em 2009, segundo o contrato social, apenas cerca de R$ 1,8 milhão. Mas, além das avaliações de corretores, é certo que a fazenda tem gerado lucros com a criação de gado, porcos, aves e com a produção de grãos. Pela declaração de bens à Justiça Eleitoral de 2010 de Gustavo Perrella, houve variação patrimonial positiva de R$ 55 mil em relação ao valor das cotas indicado na alteração contratual registrada na Jucemg em 2009.
Segundo o contrato social, as atividades da Limeira são cria, recria e comercialização de bovinos, suínos, aves e peixes; a produção, beneficiamento, reembalagem e comercialização de grãos e sementes; extração e comercialização de leite e derivados; produção e comercialização de madeira; industrialização e comercialização, no mercado interno e externo, de produtos agropecuários.
Abrigo para descansar
Para quem tem uma rotina intensa, a Fazenda Guará é um ótimo local de descanso. O ex-deputado estadual Zezé Perrella que o diga. É lá que ele gosta de passar os finais de semana. Em meados de janeiro, por exemplo, o Hoje em Dia entrou em contato com o motorista do ex-deputado. Conhecido como Dadá, ele informou que o patrão (Zezé Perrella) estava na Guará, descansando.
Ele não pode falar porque está na fazenda dele, afirmou Dadá. Na ocasião, Perrella estava sendo procurado para falar sobre a acusação feita pelo empresário Antônio César Pires de Miranda Júnior de que o presidente do Cruzeiro teria feito acerto prévio com um terceiro empresário para vencer licitação do Governo estadual.
Frequentemente, Perrella é visto na companhia de amigos e de parceiros de negócios na Fazenda Guará. Um desses visitantes é Ildeu da Cunha Pereira, superintendente do Cruzeiro. Ildeu foi preso pela Polícia Federal em 2008, junto com o empresário Marcos Valério Fernandes de Souza, acusado de ser o operador do esquema conhecido como mensalão.
Moradores da região e funcionários disseram que Perrella invariavelmente aterrissa de avião ou de helicóptero na pista particular da fazenda de Morada Nova de Minas, a poucos metros da casa sede. Parentes do deputado, originários de São Gonçalo do Pará, cidade natal de Perrella, também costumam visitar a propriedade. Mas, segundo amigos da família, eles ficam acampados pela fazenda. Ele (Perrella) quer cortar isso porque o lugar fica uma bagunça, disse um outro visitante da Guará.
A casa usada por Perrella na Guará não segue os padrões de grandeza das pastagens e dos equipamentos agrícolas. É aconchegante, mas discreta. Tem duas suítes, mais três quartos, piscina e área de lazer. A decoração é rústica. Uma grande varanda rodeia a edificação. Árvores estrategicamente plantadas garantem privacidade aos donos e frequentadores. Nas proximidades, habitações para funcionários e uma casa para hóspedes.
Transação tem cifras discrepantes
Mesmo sendo avaliada por corretores da região em pelo menos R$ 60 milhões, a Fazenda Guará foi vendida, oficialmente, à Limeira Agropecuária por R$ 360 mil. A escritura da propriedade, registrada no cartório de imóveis de Morada Nova de Minas, dá conta de que ela tem 480 hectares e foi negociada no dia 9 de novembro de 2009.
O vendedor foi Waldemar Alves de Moura, um pequeno fazendeiro de Biquinhas, município vizinho a Morada Nova de Minas. Procurado pelo Hoje em Dia, Waldemar negou a venda da fazenda. Não vendi nada para ele não, disse. Ao ser informado que na escritura da fazenda constava a venda com o número do CPF dele, mudou a versão. Confirmou que vendeu uma pequena propriedade a Zezé Perrella. Vendi para ele uma fazenda em Biquinhas. Mas não era nem uma fazenda, era um pedaço de terra, disse, confirmando o negócio com o deputado, não com os filhos, e o valor de R$ 360 mil da negociação.
Mas aquela fazenda lá não é a Guará. Ela chama Néris e é muito menor, afirmou. Néris era o nome da Guará antes da venda. Terras na Fazenda Néris, município de Biquinhas, que a partir desta data será denominada Fazenda Guará, diz trecho da escritura da propriedade. No documento, a fazenda está localizada em Biquinhas. Mas, no contrato social da Limeira consta que a Guará está localizada em Morada Nova de Minas.
Corretores da região informaram que, em 2009, a fazenda já valia mais de R$ 40 milhões, e que ela foi comprada, numa transação anterior, por cerca de R$ 10 milhões. Os corretores não souberam informar com precisão o ano em que Perrella teria adquirido a propriedade. Um amigo da família informou que esteve na Guará em 2008, na condição de convidado. Neste período, segundo ele, a fazenda já pertencia a Perrella. O amigo do deputado exibiu duas fotografias feitas durante a visita.
Na escritura da fazenda consta também que ela possui uma reserva florestal. Esta fazenda é tão grande que ela vai de um vilarejo a outro, disse um trabalhador rural da região. A Guará começa próximo à comunidade de Val das Flores e termina na Frei Orlando. Aqui no Val das Flores quase todo mundo trabalha na fazenda de Zezé Perrella, informou o trabalhador que pediu para não ser identificado na reportagem. Cerca de 200 funcionários são contratados da Guará. Dois ônibus passam, por dia, recolhendo os trabalhadores nas comunidades para levá-los ao trabalho.
Empresa possui outra fazenda
A Limeira Agropecuária e Participações Ltda. tem uma segunda fazenda, a Mato Dentro. Fica no município de Igaratinga, no Centro-Oeste de Minas, e é especializada na produção de bovinos e suínos. É administrada pelo irmão de Zezé Perrella, Geraldo de Oliveira Costa.
Graças a um documento de 30 de julho de 2008 da Superintendência Regional de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Alto São Francisco, é possível mensurar a propriedade. Segundo fiscais do meio ambiente que estiveram na fazenda para emitir parecer sobre um pedido de licenciamento, as terras abrigavam 4.500 porcos, 250 cabeças de gado e 75 hectares de pastagens.
A ração que alimenta o rebanho é produzida na fazenda. A Mato Dentro se dedica a engorda de leitões até o ponto de abate. Os animais são mantidos em galpões com comedouros, bebedouros, lâmina dágua, grades plásticas, gaiolas, cortinas para propiciar conforto térmico, praticidade, economia de água e facilidade nas operações de higienização dos animais para o processo produtivo, diz trecho do documento.
Ex-deputado já é investigado
A Polícia Federal já investiga a suspeita de enriquecimento ilícito de Zezé Perrella. Trata-se de um inquérito referente à gestão do cartola no Cruzeiro Esporte Clube. Em maio do ano passado, o deputado e o irmão dele, Alvimar de Oliveira Costa, foram acusados de lavagem de dinheiro e evasão de divisas na venda do jogador Luisão.
A investigação mostrou que o jogador foi negociado com a equipe Central Espanhol Futebol Clube, do Uruguai. O valor da transação foi de US$ 2,5 milhões. O problema, apontado pela Polícia Federal, é que, pouco tempo depois, o clube de Montevidéu vendeu Luisão para o Benfica por quase US$ 1 milhão a menos. A suspeita é de que a negociação com o Central Espanhol tenha sido de fachada para esquentar dinheiro sem origem declarada. Existe ainda uma segunda investigação na PF para apurar suspeita semelhante na venda do volante Ramires para o Benfica, em 2009.
Como deputado estadual, Perrella teria a chance de ganhar R$ 1 milhão no mandato, somando salário, auxílio moradia e outros benefícios. Ainda assim, terminou o mandato com uma declaração de bens de R$ 490 mil. Fontes do meio político disseram que existe a possibilidade de Itamar Franco ser convidado, no fim do ano que vem, para reassumir a presidência do Conselho Administrativo do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG). Desta maneira, Perrella assumiria a vaga de Itamar no Senado. O senador foi internado na última semana em São Paulo para tratar de uma leucemia.
No site da Assembleia Legislativa consta que a profissão de Zezé Perrela é empresário. Atua nas áreas da agricultura e agroindústria, em especial no comércio de carnes, diz o perfil oficial de Perrella.
Irritado com a abordagem do Hoje em Dia para falar do patrimônio pessoal, o ex-deputado Zezé Perrella (PDT) informou que a fazenda Guará vale mais de R$ 60 milhões. Ela vale muito mais. Não é só isso, disse. O presidente do Cruzeiro ameaçou a repórter e prometeu retaliação. Estou doido para pegar um jornalistazinho assim, igual a você. Isso vai ter volta. Vai ter retaliação, afirmou. Ele disse que doou todos os bens para os filhos há oito, nove anos.
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segunda-feira, 25 de novembro de 2013
Dilma Rousseff: Dama de Ferro Brasileira?
O que temos hoje no Brasil é realmente um governo de Direita, tipo Margaret Thatcher, tão direitista como o de FHC e os anteriores.
Apresentam alguns disfarces com a infame bolsa esmola como se 30 ou 280 reais por família resolvesse os problemas de alimentação, medicamentos, transporte, habitação,etc. É muito cinismo do governo dizer que o mísero salário mínimo melhorou o nível econômico dos trabalhadores. Como se não bastasse, o arqui corrupto José Dirceu, mercador da miséria, chegou a associar o bolsa família com 40 milhões de votos.
40% dos juros da dívida externa e interna somam mais de 1 trilhão de reais, entregue de mãos beijadas ao capital financeiro nacional e internacional e a meia dúzia de famílias privilegiadas, capachas destes conglomerados financeiros.
Sarney, Renan Calheiros,Jader Barbalho, Romero Jucá, Collor, Maluf, Sérgio Cabral, Kátia Abreu, Edson Lobão e outros semelhantes a eles são os verdadeiros governantes deste país, são o mesmos serviçais dos governos FHC,Color, Sarnei e principalmente da sanguinária ditadura que foi o início descarado de toda esta infâmia que nos assola.
Esta história de "risco de volta da direita" é verdadeira?
A privatização do megacampo petrolífero de Libra (área de pré-sal) é um divisor de águas. Todos os movimentos sociais do Brasil, inclusive alguns muito próximos ao governo, se posicionaram contra. O governo se manteve inflexível e, copiando o governo FHC nas grandes privatizações (Vale, Telebrás), garantiu o leilão com segurança policial e tropas militares, de um lado, e batalhões de advogados da Advocacia Geral da União para derrubar liminares, de outro.
Por Ivo Lesbaupin
Muitas das análises sobre os governos do PT (Lula-Dilma) partem do pressuposto de que houve antes um governo de direita, neoliberal, o de FHC, e que hoje temos um governo se não de esquerda, ao menos de centro-esquerda, de coalizão.
Seria um governo em disputa, que ora tomaria medidas mais voltadas para os setores populares ora voltadas para os setores dominantes. Isto dependeria da maior ou menor pressão de cada um dos lados.
Este pressuposto leva a crer que este governo mereça todo o nosso apoio para evitar a "volta da direita". Porque esta volta traria políticas que não queremos ver novamente.
Os governos do PT indubitavelmente deram mais atenção ao social que os governos anteriores, como o aumento real do salário-mínimo e o programa Bolsa-Família, e reduziram fortemente o desemprego. A política externa é mais independente e também solidária com os governos progressistas de outros países da América Latina. E poderíamos citar uma lista de avanços ocorridos nos últimos dez anos, avanços que devem ser mantidos e devemos apoiar.
Há setores do governo que têm uma preocupação centrada na sociedade, nos trabalhadores, que se dedicam a uma maior democratização. Mas, infelizmente, estes setores não mandam no governo. E, na hora da cobrança, apoiam as grandes decisões (Belo Monte, Libra...).
Porém, se examinarmos mais de perto, o que nos impressiona não são as diferenças com os governos anteriores, são as semelhanças – cada vez maiores, à medida que o tempo passa. O governo FHC é considerado uma “herança maldita”. Mas a política econômica que privilegia o capital financeiro permanece de pé: os bancos tiveram mais lucros nos governos do PT do que antes. E estes governos introduziram medidas que favoreceram ainda mais os investidores financeiros ao isentá-los, em vários casos, de imposto. Não foi feita nenhuma reforma estrutural nas estruturas geradoras da desigualdade no país. No entanto, foram feitas reformas estruturais para atender aos interesses do capital, como a reforma da previdência do setor público, aprovada no primeiro ano do governo Lula.
Os recursos do país: para quem vão prioritariamente?
Se queremos saber para quem o governo trabalha, temos de examinar o orçamento realizado: para onde estão indo os recursos? Os recursos do país são destinados fundamentalmente ao pagamento da dívida pública, interna e externa, e de seus juros. A dívida externa chegou em dezembro de 2012 a 441 bilhões de dólares e a dívida interna a 2 trilhões e 823 bilhões de reais (cf. Auditoria Cidadã da Dívida). O orçamento realizado de 2012 mostra que 44% do nosso dinheiro foi usado para os juros, amortização e rolagem da dívida, enquanto que apenas 5% para a saúde e 3% para a educação. Em suma, o destino de quase metade do orçamento é a pequena camada mais rica do país – que são aqueles que recebem os juros da dívida -, além dos credores externos. Cada décimo de aumento dos juros pelo Banco Central significa maiores ganhos para os que já são muito ricos.
Portanto: o primeiro setor cujos interesses são atendidos é o capital financeiro (bancos e investidores financeiros)
Obras de infraestrutura: para as empreiteiras
Mas, há um segundo setor que é também privilegiado pelo governo: são as grandes empreiteiras – Odebrecht, OAS,Camargo Correia, Andrade Gutierrez... Elas estão em todas as grandes obras de infraestrutura do país, entre as quais as usinas hidrelétricas – Belo Monte é o exemplo mais notório – e até na do Maracanã. Em 1993, durante a CPI do Orçamento, o senador José Paulo Bisol havia denunciado a existência de um “governo paralelo” no país: eram as grandes empreiteiras, que distribuíam entre si as licitações das obras públicas. Denunciou, mas nada aconteceu... A maior parte destas obras são financiadas pelo BNDES, com recursos públicos, portanto.
Estas empreiteiras são também, junto com os bancos, as principais financiadoras das campanhas eleitorais. Este dado nos ajuda a entender o empenho do governo na realização de certas políticas – os megaprojetos, por exemplo, as privatizações, outro exemplo – e no impedimento de controles sobre o capital – a não realização da auditoria da dívida, por exemplo.
Portanto, o segundo setor cujos interesses são atendidos é constituído pelas grandes empreiteiras.
O agronegócio: o grande aliado do governo no campo
E há um terceiro setor que tem recebido muito apoio do governo: o agronegócio. O governo ajuda a agricultura familiar, sem dúvida, mas a proporção é de 90% para o agronegócio e 10% para a agricultura familiar. Esta é a razão pela qual, em dez anos de governos do PT, a reforma agrária não avançou: o principal aliado do governo no campo é o agronegócio, não os movimentos sociais. E certas medidas que favorecem este setor acabam sendo aprovadas no Congresso – o Código Florestal -, porque o governo não quer perder este aliado.
Portanto, o terceiro setor cujos interesses são atendidos é o agronegócio.
Povos indígenas: pedra no caminho do agronegócio, de megaprojetos de infraestrutura, de grandes mineradoras
O governo está ressuscitando a política indigenista da ditadura, para a qual "o índio não pode atrapalhar o progresso do país". O capítulo sobre os povos indígenas foi comemorado, na época, como um dos mais avançados da Constituição Cidadã. Pois exatamente os direitos destes povos originários ás suas terras estão sendo derrubados: pouco a pouco, a cada nova usina hidrelétrica, a cada nova lei ou portaria (ou código...), os direitos estão sendo violados e até as demarcações já feitas correm o risco de serem questionadas. Para atender aos interesses de setores do capital, este governo está desprezando os direitos dos povos indígenas.
O sistema tributário reprodutor da desigualdade social permanece
Por outro lado, o Brasil carrega outra “herança maldita”: o sistema tributário regressivo, que o governo FHC acentuou. Isto significa que, ao invés de distribuir renda, este sistema concentra renda, é um “Robin Hood” às avessas, tira dos pobres para dar aos ricos. É um sistema pelo qual os pobres pagam proporcionalmente mais que os ricos, porque nele o peso maior está no imposto sobre o consumo. Mesmo aquele que não têm renda para pagar imposto de renda compra bens, compra alimentos. E no preço dos bens está incluído o imposto.
Embora tenha introduzido pequenos avanços, no essencial esta herança de FHC foi mantida pelos governos do PT: a regressividade do sistema permanece. E a combinação de superávit primário (...) com a política monetária de juros altos incidentes sobre a dívida pública resulta “num dos mais perversos mecanismos de transferência de renda dos pobres para os ricos de que se tem notícia na história do capitalismo. (...) Na verdade, o mais poderoso mecanismo de concentração de renda na economia é essa combinação de política fiscal e monetária perversa, onde o Estado atua como um redistribuidor de renda e de riqueza a favor dos poderosos” (Assis, 2005: 89) (1).
Um primeiro meio para mudar esta grave injustiça seria fazer uma reforma tributária, para tornar o sistema progressivo (os que podem mais, pagam mais). Mas o governo não fez isso: ao contrário, apresentou um projeto de reforma que não mexe no caráter regressivo e que cortará recursos da Seguridade Social, se for aprovada.
Haveria uma segunda maneira de reduzir a transferência de recursos para os ricos: seria a realização de uma auditoria da dívida pública. Ela provaria que uma parte da dívida que nós pagamos é irregular e isto reduziria substancialmente a sangria de recursos públicos. A única auditoria que o país fez, em 1931, concluiu que 60% da dívida não tinham documentos que a comprovassem. O mesmo aconteceu mais de 70 anos depois, quando oEquador fez sua auditoria, em 2009: 65% da dívida eram eivadas de irregularidades. Como a nossa dívida externa foi constituída principalmente durante a ditadura civil-militar de 1964-1985, quando o Congresso não tinha acesso aos documentos, há sérias suposições de que parte desta dívida é indevida. O que só uma auditoria poderia verificar e comprovar (a CPI da dívida evidenciou várias irregularidades que teriam de ser examinadas, mas PT e PSDB se uniram para impedir que esta CPI tivesse resultados).
Esta é uma exigência da constituição de 1988, a qual nem o governo FHC nem os governos do PT puseram em prática. Preferiram favorecer os poucos privilegiados que ganham com a manutenção do status quo. E desfavorecer os muitos que sofrem as consequências de os recursos públicos não serem empregados onde deveriam: pois esta é a razão da falta de recursos suficientes para a saúde, a educação, o transporte, o saneamento básico, para os serviços públicos em geral.
Havia ainda uma grande diferença entre o governo neoliberal de FHC e os governos do PT: as privatizações. No entanto, o governo Lula não fez uma auditoria das privatizações, como se esperava; não reestatizou nenhuma das empresas privatizadas, como fez o governo Evo Morales. O governo Lula privatizou algumas rodovias federais e ogoverno Dilma passou a privatizar tudo: portos, aeroportos, rodovias, hospitais universitários e até riquezas estratégicas como o petróleo.
O governo FHC havia quebrado o monopólio da Petrobras e 60% das ações desta empresa estão hoje em mãos privadas. O governo Lula não reverteu este processo. O governo FHC iniciou em 1997 o leilão das áreas de exploração do petróleo. Os governos Lula e Dilma não interromperam os leilões, apesar de reiterados protestos dos movimentos de trabalhadores, especialmente dos petroleiros. O governo Dilma promoveu o leilão de petróleo docampo de Libra – cujas reservas valem no mínimo 1 trilhão de dólares - e tem ignorado solenemente a oposição dos movimentos sociais. O petróleo é nosso? Não, parte dele será das empresas privadas e estatais estrangeiras que venceram este leilão, assim decidiu o governo brasileiro. É como se só devesse satisfação ao setor privado, às multinacionais: os interesses do país, as reivindicações dos movimentos populares não são prioritárias.
O que traria a volta da direita?
Privatizações? Leilões do petróleo? de áreas do pré-sal? Avanço do agronegócio? Usinas hidrelétricas na Amazônia? Perda de direitos dos povos indígenas? Tropas militares para enfrentá-los? Código Florestal? Plantio de transgênicos? Aumento do uso de agrotóxicos? A não realização da reforma agrária?
Tudo isso está sendo feito por este governo.
Com exceção dos líderes do PSDB, todos os líderes da direita são hoje aliados do governo: Sarney, Renan Calheiros,Jader Barbalho, Romero Jucá, Collor, Maluf, Sérgio Cabral, Kátia Abreu...
Apesar de sua prática, de suas políticas fundamentais, o governo mantém um discurso de esquerda, de quem defende os direitos dos pobres e oprimidos e que "a direita quer solapar", "olhem o que a grande mídia diz de nós". Os movimentos de trabalhadores e demais movimentos sociais veem suas reivindicações desprezadas (povos indígenas), não atendidas (reforma agrária) ou mal atendidas (recursos para a agricultura familiar).
Movimentos sociais e entidades da sociedade civil precisam constantemente se mobilizar, denunciar, fazer pressão, para evitar perda de direitos, para evitar retrocessos maiores. E a maioria das vezes não o conseguem (Libra é apenas um exemplo).
Apesar da defesa e do apoio de alguns movimentos sociais, o governo nunca se sentiu obrigado a cumprir os compromissos assumidos com relação aos trabalhadores: nem a reforma agrária, nem a auditoria da dívida, nem a defesa das terras dos povos tradicionais...
A grande mídia é denunciada por autoridades públicas como parcial, agressiva, injusta com o governo, adepta de uma postura demolidora. Mas o governo nada faz para democratizar os meios de comunicação no Brasil, nada faz para quebrar o oligopólio existente, através da regulamentação do setor, que permitiria abrir o espectro das comunicações para outros atores. Por que? Porque, na verdade, apesar das críticas a aspectos secundários, a grande mídia apoia todos os projetos importantes do governo: o pagamento da dívida sem auditoria, os aumentos da taxa de juros (supostamente para conter a inflação), as usinas hidrelétricas na Amazônia, a transposição do S. Francisco, o leilão de Libra... As críticas da grande mídia mantêm a aparência de que os interesses da direita não estão sendo atendidos e que o governo é "de esquerda". A manutenção desta aparência interessa aos que querem se manter no poder. Na verdade, o governo receia a entrada em cena de outros meios de comunicação, capazes de trazer outras opiniões, de fazer a crítica a aspectos centrais da atual política. É por isso que, neste campo, tudo fica como está.
Existe uma direita mais à direita que este governo, sem dúvida. Que é possível piorar, é sempre possível. Mas que este governo está montado para atender aos interesses dos grandes grupos econômicos, também não há dúvida. Ele tem certamente várias políticas louváveis, faz o enfrentamento da pobreza, reduz a miséria, melhora a capacidade de consumo dos pobres com mais crédito. Mas não muda as estruturas geradoras da desigualdade social e, por isso, continua transferindo a maior parte da renda e da riqueza do país para os mais ricos do país e do mundo. E entregando nossas riquezas naturais para o setor privado e as multinacionais. Isso mostra claramente a quem este governo serve em primeiro lugar.
Nota do autor:
1.- ASSIS, José Carlos de (2005). A Macroeconomia do pleno emprego. In: SICSÚ, João, PAULA, Luiz Fernando de, MICHEL, Renaut (orgs.) (2005). Novo desenvolvimentismo: um projeto nacional de crescimento com eqüidade social. Barueri, Manole; Rio de Janeiro, Fundação Konrad Adenauer, p. 77-93.
Apresentam alguns disfarces com a infame bolsa esmola como se 30 ou 280 reais por família resolvesse os problemas de alimentação, medicamentos, transporte, habitação,etc. É muito cinismo do governo dizer que o mísero salário mínimo melhorou o nível econômico dos trabalhadores. Como se não bastasse, o arqui corrupto José Dirceu, mercador da miséria, chegou a associar o bolsa família com 40 milhões de votos.
40% dos juros da dívida externa e interna somam mais de 1 trilhão de reais, entregue de mãos beijadas ao capital financeiro nacional e internacional e a meia dúzia de famílias privilegiadas, capachas destes conglomerados financeiros.
Sarney, Renan Calheiros,Jader Barbalho, Romero Jucá, Collor, Maluf, Sérgio Cabral, Kátia Abreu, Edson Lobão e outros semelhantes a eles são os verdadeiros governantes deste país, são o mesmos serviçais dos governos FHC,Color, Sarnei e principalmente da sanguinária ditadura que foi o início descarado de toda esta infâmia que nos assola.
Esta história de "risco de volta da direita" é verdadeira?
A privatização do megacampo petrolífero de Libra (área de pré-sal) é um divisor de águas. Todos os movimentos sociais do Brasil, inclusive alguns muito próximos ao governo, se posicionaram contra. O governo se manteve inflexível e, copiando o governo FHC nas grandes privatizações (Vale, Telebrás), garantiu o leilão com segurança policial e tropas militares, de um lado, e batalhões de advogados da Advocacia Geral da União para derrubar liminares, de outro.
Por Ivo Lesbaupin
Muitas das análises sobre os governos do PT (Lula-Dilma) partem do pressuposto de que houve antes um governo de direita, neoliberal, o de FHC, e que hoje temos um governo se não de esquerda, ao menos de centro-esquerda, de coalizão.
Seria um governo em disputa, que ora tomaria medidas mais voltadas para os setores populares ora voltadas para os setores dominantes. Isto dependeria da maior ou menor pressão de cada um dos lados.
Este pressuposto leva a crer que este governo mereça todo o nosso apoio para evitar a "volta da direita". Porque esta volta traria políticas que não queremos ver novamente.
Os governos do PT indubitavelmente deram mais atenção ao social que os governos anteriores, como o aumento real do salário-mínimo e o programa Bolsa-Família, e reduziram fortemente o desemprego. A política externa é mais independente e também solidária com os governos progressistas de outros países da América Latina. E poderíamos citar uma lista de avanços ocorridos nos últimos dez anos, avanços que devem ser mantidos e devemos apoiar.
Há setores do governo que têm uma preocupação centrada na sociedade, nos trabalhadores, que se dedicam a uma maior democratização. Mas, infelizmente, estes setores não mandam no governo. E, na hora da cobrança, apoiam as grandes decisões (Belo Monte, Libra...).
Porém, se examinarmos mais de perto, o que nos impressiona não são as diferenças com os governos anteriores, são as semelhanças – cada vez maiores, à medida que o tempo passa. O governo FHC é considerado uma “herança maldita”. Mas a política econômica que privilegia o capital financeiro permanece de pé: os bancos tiveram mais lucros nos governos do PT do que antes. E estes governos introduziram medidas que favoreceram ainda mais os investidores financeiros ao isentá-los, em vários casos, de imposto. Não foi feita nenhuma reforma estrutural nas estruturas geradoras da desigualdade no país. No entanto, foram feitas reformas estruturais para atender aos interesses do capital, como a reforma da previdência do setor público, aprovada no primeiro ano do governo Lula.
Os recursos do país: para quem vão prioritariamente?
Se queremos saber para quem o governo trabalha, temos de examinar o orçamento realizado: para onde estão indo os recursos? Os recursos do país são destinados fundamentalmente ao pagamento da dívida pública, interna e externa, e de seus juros. A dívida externa chegou em dezembro de 2012 a 441 bilhões de dólares e a dívida interna a 2 trilhões e 823 bilhões de reais (cf. Auditoria Cidadã da Dívida). O orçamento realizado de 2012 mostra que 44% do nosso dinheiro foi usado para os juros, amortização e rolagem da dívida, enquanto que apenas 5% para a saúde e 3% para a educação. Em suma, o destino de quase metade do orçamento é a pequena camada mais rica do país – que são aqueles que recebem os juros da dívida -, além dos credores externos. Cada décimo de aumento dos juros pelo Banco Central significa maiores ganhos para os que já são muito ricos.
Portanto: o primeiro setor cujos interesses são atendidos é o capital financeiro (bancos e investidores financeiros)
Obras de infraestrutura: para as empreiteiras
Mas, há um segundo setor que é também privilegiado pelo governo: são as grandes empreiteiras – Odebrecht, OAS,Camargo Correia, Andrade Gutierrez... Elas estão em todas as grandes obras de infraestrutura do país, entre as quais as usinas hidrelétricas – Belo Monte é o exemplo mais notório – e até na do Maracanã. Em 1993, durante a CPI do Orçamento, o senador José Paulo Bisol havia denunciado a existência de um “governo paralelo” no país: eram as grandes empreiteiras, que distribuíam entre si as licitações das obras públicas. Denunciou, mas nada aconteceu... A maior parte destas obras são financiadas pelo BNDES, com recursos públicos, portanto.
Estas empreiteiras são também, junto com os bancos, as principais financiadoras das campanhas eleitorais. Este dado nos ajuda a entender o empenho do governo na realização de certas políticas – os megaprojetos, por exemplo, as privatizações, outro exemplo – e no impedimento de controles sobre o capital – a não realização da auditoria da dívida, por exemplo.
Portanto, o segundo setor cujos interesses são atendidos é constituído pelas grandes empreiteiras.
O agronegócio: o grande aliado do governo no campo
E há um terceiro setor que tem recebido muito apoio do governo: o agronegócio. O governo ajuda a agricultura familiar, sem dúvida, mas a proporção é de 90% para o agronegócio e 10% para a agricultura familiar. Esta é a razão pela qual, em dez anos de governos do PT, a reforma agrária não avançou: o principal aliado do governo no campo é o agronegócio, não os movimentos sociais. E certas medidas que favorecem este setor acabam sendo aprovadas no Congresso – o Código Florestal -, porque o governo não quer perder este aliado.
Portanto, o terceiro setor cujos interesses são atendidos é o agronegócio.
Povos indígenas: pedra no caminho do agronegócio, de megaprojetos de infraestrutura, de grandes mineradoras
O governo está ressuscitando a política indigenista da ditadura, para a qual "o índio não pode atrapalhar o progresso do país". O capítulo sobre os povos indígenas foi comemorado, na época, como um dos mais avançados da Constituição Cidadã. Pois exatamente os direitos destes povos originários ás suas terras estão sendo derrubados: pouco a pouco, a cada nova usina hidrelétrica, a cada nova lei ou portaria (ou código...), os direitos estão sendo violados e até as demarcações já feitas correm o risco de serem questionadas. Para atender aos interesses de setores do capital, este governo está desprezando os direitos dos povos indígenas.
O sistema tributário reprodutor da desigualdade social permanece
Por outro lado, o Brasil carrega outra “herança maldita”: o sistema tributário regressivo, que o governo FHC acentuou. Isto significa que, ao invés de distribuir renda, este sistema concentra renda, é um “Robin Hood” às avessas, tira dos pobres para dar aos ricos. É um sistema pelo qual os pobres pagam proporcionalmente mais que os ricos, porque nele o peso maior está no imposto sobre o consumo. Mesmo aquele que não têm renda para pagar imposto de renda compra bens, compra alimentos. E no preço dos bens está incluído o imposto.
Embora tenha introduzido pequenos avanços, no essencial esta herança de FHC foi mantida pelos governos do PT: a regressividade do sistema permanece. E a combinação de superávit primário (...) com a política monetária de juros altos incidentes sobre a dívida pública resulta “num dos mais perversos mecanismos de transferência de renda dos pobres para os ricos de que se tem notícia na história do capitalismo. (...) Na verdade, o mais poderoso mecanismo de concentração de renda na economia é essa combinação de política fiscal e monetária perversa, onde o Estado atua como um redistribuidor de renda e de riqueza a favor dos poderosos” (Assis, 2005: 89) (1).
Um primeiro meio para mudar esta grave injustiça seria fazer uma reforma tributária, para tornar o sistema progressivo (os que podem mais, pagam mais). Mas o governo não fez isso: ao contrário, apresentou um projeto de reforma que não mexe no caráter regressivo e que cortará recursos da Seguridade Social, se for aprovada.
Haveria uma segunda maneira de reduzir a transferência de recursos para os ricos: seria a realização de uma auditoria da dívida pública. Ela provaria que uma parte da dívida que nós pagamos é irregular e isto reduziria substancialmente a sangria de recursos públicos. A única auditoria que o país fez, em 1931, concluiu que 60% da dívida não tinham documentos que a comprovassem. O mesmo aconteceu mais de 70 anos depois, quando oEquador fez sua auditoria, em 2009: 65% da dívida eram eivadas de irregularidades. Como a nossa dívida externa foi constituída principalmente durante a ditadura civil-militar de 1964-1985, quando o Congresso não tinha acesso aos documentos, há sérias suposições de que parte desta dívida é indevida. O que só uma auditoria poderia verificar e comprovar (a CPI da dívida evidenciou várias irregularidades que teriam de ser examinadas, mas PT e PSDB se uniram para impedir que esta CPI tivesse resultados).
Esta é uma exigência da constituição de 1988, a qual nem o governo FHC nem os governos do PT puseram em prática. Preferiram favorecer os poucos privilegiados que ganham com a manutenção do status quo. E desfavorecer os muitos que sofrem as consequências de os recursos públicos não serem empregados onde deveriam: pois esta é a razão da falta de recursos suficientes para a saúde, a educação, o transporte, o saneamento básico, para os serviços públicos em geral.
Havia ainda uma grande diferença entre o governo neoliberal de FHC e os governos do PT: as privatizações. No entanto, o governo Lula não fez uma auditoria das privatizações, como se esperava; não reestatizou nenhuma das empresas privatizadas, como fez o governo Evo Morales. O governo Lula privatizou algumas rodovias federais e ogoverno Dilma passou a privatizar tudo: portos, aeroportos, rodovias, hospitais universitários e até riquezas estratégicas como o petróleo.
O governo FHC havia quebrado o monopólio da Petrobras e 60% das ações desta empresa estão hoje em mãos privadas. O governo Lula não reverteu este processo. O governo FHC iniciou em 1997 o leilão das áreas de exploração do petróleo. Os governos Lula e Dilma não interromperam os leilões, apesar de reiterados protestos dos movimentos de trabalhadores, especialmente dos petroleiros. O governo Dilma promoveu o leilão de petróleo docampo de Libra – cujas reservas valem no mínimo 1 trilhão de dólares - e tem ignorado solenemente a oposição dos movimentos sociais. O petróleo é nosso? Não, parte dele será das empresas privadas e estatais estrangeiras que venceram este leilão, assim decidiu o governo brasileiro. É como se só devesse satisfação ao setor privado, às multinacionais: os interesses do país, as reivindicações dos movimentos populares não são prioritárias.
O que traria a volta da direita?
Privatizações? Leilões do petróleo? de áreas do pré-sal? Avanço do agronegócio? Usinas hidrelétricas na Amazônia? Perda de direitos dos povos indígenas? Tropas militares para enfrentá-los? Código Florestal? Plantio de transgênicos? Aumento do uso de agrotóxicos? A não realização da reforma agrária?
Tudo isso está sendo feito por este governo.
Com exceção dos líderes do PSDB, todos os líderes da direita são hoje aliados do governo: Sarney, Renan Calheiros,Jader Barbalho, Romero Jucá, Collor, Maluf, Sérgio Cabral, Kátia Abreu...
Apesar de sua prática, de suas políticas fundamentais, o governo mantém um discurso de esquerda, de quem defende os direitos dos pobres e oprimidos e que "a direita quer solapar", "olhem o que a grande mídia diz de nós". Os movimentos de trabalhadores e demais movimentos sociais veem suas reivindicações desprezadas (povos indígenas), não atendidas (reforma agrária) ou mal atendidas (recursos para a agricultura familiar).
Movimentos sociais e entidades da sociedade civil precisam constantemente se mobilizar, denunciar, fazer pressão, para evitar perda de direitos, para evitar retrocessos maiores. E a maioria das vezes não o conseguem (Libra é apenas um exemplo).
Apesar da defesa e do apoio de alguns movimentos sociais, o governo nunca se sentiu obrigado a cumprir os compromissos assumidos com relação aos trabalhadores: nem a reforma agrária, nem a auditoria da dívida, nem a defesa das terras dos povos tradicionais...
A grande mídia é denunciada por autoridades públicas como parcial, agressiva, injusta com o governo, adepta de uma postura demolidora. Mas o governo nada faz para democratizar os meios de comunicação no Brasil, nada faz para quebrar o oligopólio existente, através da regulamentação do setor, que permitiria abrir o espectro das comunicações para outros atores. Por que? Porque, na verdade, apesar das críticas a aspectos secundários, a grande mídia apoia todos os projetos importantes do governo: o pagamento da dívida sem auditoria, os aumentos da taxa de juros (supostamente para conter a inflação), as usinas hidrelétricas na Amazônia, a transposição do S. Francisco, o leilão de Libra... As críticas da grande mídia mantêm a aparência de que os interesses da direita não estão sendo atendidos e que o governo é "de esquerda". A manutenção desta aparência interessa aos que querem se manter no poder. Na verdade, o governo receia a entrada em cena de outros meios de comunicação, capazes de trazer outras opiniões, de fazer a crítica a aspectos centrais da atual política. É por isso que, neste campo, tudo fica como está.
Existe uma direita mais à direita que este governo, sem dúvida. Que é possível piorar, é sempre possível. Mas que este governo está montado para atender aos interesses dos grandes grupos econômicos, também não há dúvida. Ele tem certamente várias políticas louváveis, faz o enfrentamento da pobreza, reduz a miséria, melhora a capacidade de consumo dos pobres com mais crédito. Mas não muda as estruturas geradoras da desigualdade social e, por isso, continua transferindo a maior parte da renda e da riqueza do país para os mais ricos do país e do mundo. E entregando nossas riquezas naturais para o setor privado e as multinacionais. Isso mostra claramente a quem este governo serve em primeiro lugar.
Nota do autor:
1.- ASSIS, José Carlos de (2005). A Macroeconomia do pleno emprego. In: SICSÚ, João, PAULA, Luiz Fernando de, MICHEL, Renaut (orgs.) (2005). Novo desenvolvimentismo: um projeto nacional de crescimento com eqüidade social. Barueri, Manole; Rio de Janeiro, Fundação Konrad Adenauer, p. 77-93.
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sábado, 23 de novembro de 2013
Suíça: Democracia direta, renda mínima incondicional de quase 3 mil dólares e mais igualdade social
O povo suíço está colocando sob escrutínio uma lei onde todos os adultos na Suíça receberiam uma renda mínima de US $ 2800 por mês, incondicionalmente. Junto com esta votação sobre a renda, outra iniciativa está sendo apresentada para votação. A nova iniciativa, denominada 1:12, que será votada em 25 de novembro, garantiria que a pessoa mais bem paga dentro de determinada empresa não poderia receber mais do que doze vezes o menor salário pago na mesma. Isso é um conceito fascinante!
Quer saber como é que essas votações são feitas? Bem, a Suíça tem um sistema muito interessante e as pessoas são bem amigáveis. Para "convocar um referendo", basta colher uma certa quantidade de assinaturas no país dentro de um determinado período de tempo A equipe de base que organizou o referendo em questão, por exemplo, coletou as 100.000 assinaturas necessárias e, em seguida, fez uma grande manifestação na frente do edifício do parlamento descarregando um caminhão de lixo, numa sexta-feira, cheio de moedas de cinco centavos, uma para cada cidadão na Suíça. Isso é, cerca de 8 milhões de moedas, no caso de você estar se perguntando.
Isso mesmo, coisas assim poderão em breve ser um bom argumento para visitar a Suíça. Além de manter a taxa de criminalidade das mais baixas do mundo, a Suíça tem um clima agradavelmente moderado - que nunca é a quente, muito frio ou muito úmido. A falta de espaço os suíços compensam com alta renda. Os suíços se esforçam para que todos seus adultos, incondicionalmente, recebam pelo menos US $ 2800 por mês e livrem-se da pobreza. O resto do mundo observa-os com atenção. Que outro país se atreveria a tentar uma jogada tão ousada para apoiar os seus cidadãos? Conforme o mundo muda, mais e mais governos se defrontam com grandes desafios. Talvez a gente aprenda com os suíços, não apenas como fazer relógios e canivetes, mas como cuidar do nosso povo.
Extraído de http://desiebenthal.blogspot.com.br/2013/10/125000-signatures-for-swiss.html
Original escrito por Stasia Bliss Banoosh ; Notícias MSN ; Expatica
Quer saber como é que essas votações são feitas? Bem, a Suíça tem um sistema muito interessante e as pessoas são bem amigáveis. Para "convocar um referendo", basta colher uma certa quantidade de assinaturas no país dentro de um determinado período de tempo A equipe de base que organizou o referendo em questão, por exemplo, coletou as 100.000 assinaturas necessárias e, em seguida, fez uma grande manifestação na frente do edifício do parlamento descarregando um caminhão de lixo, numa sexta-feira, cheio de moedas de cinco centavos, uma para cada cidadão na Suíça. Isso é, cerca de 8 milhões de moedas, no caso de você estar se perguntando.
Isso mesmo, coisas assim poderão em breve ser um bom argumento para visitar a Suíça. Além de manter a taxa de criminalidade das mais baixas do mundo, a Suíça tem um clima agradavelmente moderado - que nunca é a quente, muito frio ou muito úmido. A falta de espaço os suíços compensam com alta renda. Os suíços se esforçam para que todos seus adultos, incondicionalmente, recebam pelo menos US $ 2800 por mês e livrem-se da pobreza. O resto do mundo observa-os com atenção. Que outro país se atreveria a tentar uma jogada tão ousada para apoiar os seus cidadãos? Conforme o mundo muda, mais e mais governos se defrontam com grandes desafios. Talvez a gente aprenda com os suíços, não apenas como fazer relógios e canivetes, mas como cuidar do nosso povo.
Extraído de http://desiebenthal.blogspot.com.br/2013/10/125000-signatures-for-swiss.html
Original escrito por Stasia Bliss Banoosh ; Notícias MSN ; Expatica
Traduzido eletronicamente, com uma ligeira adaptação e revisão.
quinta-feira, 14 de novembro de 2013
Desobediência Civil: Fundamentos da Ação Direta
Voltairine Cleyre (1866-1912), anarquista americana, escritora feminista, teórica e ativista no tempo da revolta de Haymarket, foi quem em resposta ao Senador norte-americano Joseph R. de Hawley -- que ofereceu mil dólares de recompensa ao anarquista que lhe desse um tiro -- escreveu:
«Negócio fechado. Pague apenas sua passagem até minha casa, o tiro vai de graça, mas já que faz tanta questão em pagar $1000, então, depois de dar-lhe o tiro, usarei o dinheiro na propagação da idéia de uma sociedade livre onde não haja assassinos, presidentes, mendigos, nem senadores».
Extraído de originalmente de
http://www.blancmange.net/tmh/index.html
Copiado de: http://www.oocities.org/projetoperiferia/7a2.htm
Desobediência Civil: Fundamentos da Ação Direta
AÇÃO DIRETA
Por Voltairine de Cleyre
Do ponto de vista daquele que se julga capaz de discernir uma rota constante para o progresso humano, e segue por ela, e desenha tal rota no mapa de sua mente, certamente resolverá indicá-la aos outros; fazê-los ver as coisas como ele vê; convencê-los com argumentos claros e simples que expressem seus pensamentos -- diante disso é um sinal de pesar e de confusão de espírito o fato da frase «Ação Direta» adquirir de repente na mente das pessoas em geral um significado circunscrito, que não tem, e que certamente nunca teve, nem mesmo no pensamento de seus adeptos.
Porém, essa é mais uma ironia que o Progresso lança naqueles que se julgam capazes de fixar metas e lutar por alcançá-las. Inúmeras vezes, nomes, frases, lemas, divisas, palavras de ordem, são viradas ao avesso, colocadas de cabeça para baixo. Como uma percepção tardia do que deveria ser feito tornam-se tendenciosas. Pessoas usam e abusam de expressões com sentido dado por eles mesmos; e ainda, outros tenazmente permanecem firmes, teimam ser ouvidos, para finalmente concluir que o período de mau-entendido e de preconceito foi mais um prelúdio de investigação do que de compreensão.
Certamente este é o caso da presente concepção errônea do termo Ação Direta que pelo equívoco, ou mesmo pelo deliberado embuste perpetrado por certos jornalistas de Los Angeles, por ocasião da condenação de McNamara, sismaram em colocar na cabeça das pessoas que Ação Direta significa, «atacar violentamente a vida e a propriedade». Esta atitude ignorante ou desonesta por parte desses profissionais provocou em muita gente a curiosidade de saber o que realmente significava Ação Direta.
De fato, aqueles que assim tão vigorosa e desordenadamente a condenam, se olharem para eles mesmos descobrirão que eles próprios em muitas ocasiões praticaram a ação direta, e farão isso novamente.
Qualquer um que sempre pensou por si próprio, que usou seu direito de livre expressão, e corajosamente reafirmou isto juntamente com outros que compartilham de suas convicções, foi um praticante da ação direta. Uns trinta anos atrás eu recordo que o Exército de Salvação era um vigoroso praticante da ação direta na defesa da liberdade de seus membros para falar, reunir e discursar. Muitos foram presos, multados e encarcerados; mas eles continuaram exercendo seu direito de cantar, pregar e marchar, e de tal forma que seus perseguidores acabaram finalmente por deixá-los em paz. Os trabalhadores nas indústrias estão ministrando a mesma luta agora, e tem, em vários casos, compelido seus patrões a deixá-los em paz pelas mesmas táticas diretas.
Toda pessoa que planejou fazer qualquer coisa, e foi e fez, ou pôs seu plano em execução antes de outros, e ganhou a cooperação e colaboração de outras pessoas, sem apelar para autoridades, pedir licença ou agradá-los, foi um praticante da ação direta.
Todas as experiências de cooperação são essencialmente ação direta. Todo indivíduo que em sua vida teve uma diferença com qualquer outra pessoa, e diretamente procurou outras pessoas para envolvê-las na luta, através de um plano pacífico ou não, colocou a ação direta em prática. Greves e boicotes são exemplos de tal ação; muitas pessoas ainda lembram da ação das donas de casa de Nova York que boicotaram os açougueiros, o que acabou provocando a queda do preço da carne; ou do boicote à manteiga, como uma resposta direta aos fabricantes de manteiga.
Estas ações geralmente não são levadas a efeito simplesmente por causa de argumentos de um ou de outro, ou em função de leis, mas é a resposta espontânea daqueles que estão oprimidos por uma situação. Em outras palavras, todas as pessoas acreditam, quase sempre, no princípio da ação direta e a praticam.
Porém, a maioria das pessoas também é ativista indireto ou político. E eles são ao mesmo tempo ambas estas coisas. Há, todavia, um número limitado de pessoas que evitam a ação política sob quaisquer circunstâncias; mas não há ninguém, nenhuma pessoa, que jamais praticou alguma forma de ação direta. A maioria dos intelectuais tendem ao oportunismo e ao apoio, alguns mais à direita, outros mais à esquerda, mas sempre prontos para usar quaisquer meios quando chegar o momento. Quer dizer, há aqueles que crêem que colocar governantes no poder é essencialmente uma coisa errada e tola; mas que, diante da tensão de determinadas circunstâncias, passam a considerar isto como uma coisa sábia a fazer, e acabam votando em algum indivíduo naquele momento em particular. Há, também, aqueles que acreditam que, em geral, o modo mais sábio para as pessoas adquirirem o que querem está no método indireto da votação. Uma vez no poder os eleitos farão leis favoráveis; ainda que, mais adiante, no mesmo documento coloque uma greve ocasionalmente debaixo de condições excepcionais; e uma greve, como eu disse, é ação direta. Eles podem também fazer como os agitadores do Partido Socialista (que estão declinando, nos últimos tempos, para uma postura contrária à ação direta) fizeram no verão passado, quando chamaram a polícia para dar segurança às suas reuniões.
Quem são esses que, pela essência das suas convicções, são os praticantes da Ação Direta? Por que não adotam uma postura conformista? Porque alguns não acreditam em não-violência? Agora, não cometa o engano de confundir ação direta com conformismo. A Ação direta pode ser extremamente violenta, ou tão calma quanto as suaves águas dos rios de planície. O que quero dizer é que o real conformismo ocorre sempre pela ação política, nunca pela ação direta. Do ponto de vista da ação toda política é coerção; até mesmo quando o Estado faz coisas boas o faz através do exercício do poder, e isto se aplica também a um clube, uma arma, ou uma prisão.
Logo após a chegada dos quakers em Massachusetts, os Puritanos os acusaram de «aborrecer todo mundo com seus discursos». Os quakers não aceitavam jurar submissão a governo algum e nem admitiam que sua igreja pagasse impostos. (Fazendo essas coisas eles eram praticantes da ação direta, coisa que poderíamos chamar de ação direta negativa.) Assim, os Puritanos, sendo ativistas políticos, aprovavam leis para excluir, deportar, multar, encarcerar, mutilar, e finalmente, até mesmo para enforcar os quakers. Todavia, os quakers continuaram praticando suas idéias (que era ação direta positiva); há registros na história que depois de enforcarem quatro quakers e de arrastarem Margaret Brewster presa ao para-choques de um carro pelas ruas de Boston, «os Puritanos desistiram de tentar silenciar os missionários; a persistência e não-violência quacre acabou prevalecendo».
Outro exemplo de ação direta no começo da história colonial, desta vez de nenhuma forma pacífica, foi o evento conhecido como a Rebelião de Bacon. Todos nossos historiadores certamente defendem a ação dos rebeldes naquela ocasião, porque os rebeldes estavam certos. Mesmo no caso da ação direta violenta contra a autoridade legalmente constituída. Para o bem daqueles que esqueceram dos detalhes, vamos lembrar brevemente que os plantadores de Virgínia estavam com medo de um ataque geral pelos índios; e com razão. Adeptos da ação política, reivindicaram que o governo reconhecesse Bacon como líder deles, ou permitisse a convocação de voluntários para a auto-defesa. O governador temeu que uma companhia de homens armados constituísse uma ameaça para ele; também com razão. Ele recusou a convocação. Ao que os plantadores responderam com a ação direta. Eles recrutaram voluntários sem a autorização governamental, e com sucesso se defenderam dos índios. O governador declarou Bacon traidor; mas por sua popularidade, o governador temeu agir contra ele. Finalmente, porém, as coisas foram tão longe que Jamestown acabou incendiada pelos rebeldes; e se não fosse pela morte intempestiva de Bacon, muito mais poderia ter ocorrido. Claro que a reação foi bem terrível, o que normalmente acontece quando uma rebelião desmorona ou é esmagada. Até mesmo durante seu breve período de sucesso, os rebeldes sofreram muitos abusos. Eu estou bem segura que os defensores da ação-política-do-custe-o-que-custar, depois que a reação retomou o poder, deve ter dito: «Veja quantos males a ação direta nos traz! Veja como o progresso da colônia regrediu em vinte e cinco anos»; esquecendo que se os colonos não recorressem à ação direta, seus couros cabeludos teriam sido levados pelos índios no ano anterior, embora alguns deles acabassem enforcados pelo governador no ano seguinte.
Nos períodos de agitação e excitação que precedem às revoluções, há todo tipo de ação direta, da mais pacífica à mais violenta; quase todos estudantes acham, por conta destes desempenhos, que é exatamente aí que se situa o que há de mais interessante da história dos Estados Unidos e o que mais facilmente grava na memória.
Entre os movimentos pacíficos, destaca-se os acordos de não-importação, as ligas das indústrias de tecidos e os «comitês de correspondência». A ação direta violenta acabou por se desenvolver em função do inevitável crescimento da hostilidade; exemplos clássicos foram o caso da destruição das rendas estampadas e a ação relativa aos navios carregados de chá, que quando não eram proibidos de descarregar, os descarregavam em armazéns úmidos ou no chão do porto, como ocorria em Boston. Em Annapolis obrigavam os donos dos navios de chá a incendiar suas próprias embarcações. Todas estas ações estão registradas em nossos livros escolares, não de modo condenatório, não de modo apologético, são todos casos de ação direta contra autoridades legalmente constituídas e contra a propriedade de bens. Menciono estes e outros casos semelhantes para provar que a ação direta sempre foi usada, e tem a sanção histórica dos mesmos que hoje a reprovam.
Todo mundo sabe que George Washington foi o líder da liga de não-importação dos plantadores da Virgínia; se George Washington fosse escolhido hoje como líder de uma liga de agricultores da Virgínia para a não-importação; provavelmente seria levado às barras dos tribunais pela formação de tal liga; e se ele persistisse, seria multado e processado.
Quando a grande disputa entre o Norte e o Sul estava em ebulição, foi novamente a ação direta que precedeu e precipitou as ações políticas. Sem a ação direta tais ações políticas jamais entrariam em cena, e nem mesmo seriam contempladas. As mentes dormentes precisaram primeiramente serem despertas por atos diretos de protesto contra as condições existentes.
A história do movimento anti-escravidão e a Guerra Civil é um dos maiores paradoxos da história, embora a história seja uma cadeia de paradoxos. Politicamente falando, os Estados que possuíam maior liberdade política eram aqueles que continham propriedades escravistas, cada Estado era autônomo diante da interferência dos Estados Unidos; politicamente falando, os Estados sem propriedades escravistas apoiavam um forte governo centralizado que, conforme os Secessionistas disseram, e com razão, tendia ao desenvolvimento de formas ainda mais tirânicas. O que veio acontecer mais tarde. No fim da Guerra Civil houve uma invasão ininterrupta do poder federal em áreas antigamente restritas aos Estados. Os escravos-assalariados, em suas lutas de hoje, estão em contínuo conflito com esse poder centralizado contra o qual os proprietários de escravos protestaram (com liberdade nos lábios, e tirania nos corações). Eticamente falando, os Estados com propriedades não escravistas, de um modo geral, representaram maior liberdade humana, ao passo que os Secessionistas representaram o escravagismo, o preconceito e a intolerância racial. Mas apenas em termos gerais; quer dizer, a maioria de nortistas, desacostumados com a presença real de negros escravos entre eles, provavelmente julgavam a escravidão um erro; mas nunca tiveram nenhuma grande ânsia por aboli-la. Apenas e tão somente os Abolicionistas, e eles eram relativamente poucos, foram eticamente genuínos. Para eles, a escravidão -- não a secessão ou a união -- era a questão principal. Na realidade, estavam tão convencidos disso que um número considerável deles eram favoráveis à dissolução da união, ao mesmo tempo em que defendiam a iniciativa Nortistas na questão da dissolução, para que o povo nortista pudesse livrar-se da culpa de manter negros em cadeias.
Naturalmente, houve todo tipo de gente com todo tipo de temperamento entre os defensores da abolição da escravidão. Houve quakers como Whittier (realmente adepto do sistema paz-custe-o-que-custar da filosofia quaker, favorável à abolição desde os primeiros dias da colonização); houve ativistas políticos moderados favoráveis à compra de escravos como forma mais barata de libertá-los; e houve pessoas extremamente violentas que acreditavam e fizeram todo tipo de coisas violentas.
Sobre o que os políticos fizeram, há um longo registro de «coisas-que-não-se-deve-fazer», um registro de trinta anos de compromissos, pechinchas, tentativas de manter o status quo, acalmar ambos os lados quando as novas condições exigiam que algo fosse feito, ou fingir fazer algo. Mas «as estrelas em seu curso lutaram contra Sícera»; o sistema estava demolindo por dentro, foram os adeptos da ação direta que ampliaram tais fissuras tornando-as visíveis.
Entre as várias expressões da rebelião direta estavam as «organizações secretas». A maioria das pessoas que pertenceram a tais grupos acreditavam em ambos tipos de ação; mas por mais que subscrevessem teoricamente o direito de maioria de agir e obrigar cumprimento de leis, eles não chegavam a este ponto na prática. Meu avô foi membro de uma «organização secreta»; ele ajudou muitos escravos fugirem para o Canadá. Ele era um homem muito paciente, obediente à lei em muitos aspectos, entretanto freqüentemente achava que ele a respeitava por ser uma coisa distante; ele sempre conduziu uma vida pioneira, e a lei geralmente estava longe dele, enquanto que a ação direta sempre foi um imperativo. Seja como for, por mais que respeitasse as leis, ele nunca teve nenhum respeito por leis escravagistas, não importava se tais leis foram aprovadas por uma maioria de dez contra um; ele conscientemente quebrava cada uma que atrapalhasse sua caminhada.
Houve tempos em que as operações «secretas» exigiram a violência, e fizeram uso dela. Lembro-me de uma velha amiga descrevendo como ela e sua mãe ficaram acordadas durante toda a noite escondendo um escravo fugido no porão da casa onde moravam; embora fossem descendentes e simpatizantes de quakers, havia uma espingarda na mesa. Felizmente não precisaram fazer uso dela naquela noite.
Enquanto a lei do escravo fugitivo era aprovada com a ajuda de ativistas políticos do Norte no intuito de oferecer um novo calmante aos proprietários de escravos, os ativistas diretos resgatavam fugitivos recapturados. Havia vários grupos: «Resgate de Shadrach», «Resgate de Jerry», mais tarde vieram outros conduzidos pelo famoso Gerrit Smith; que teve mais sucesso do que fracasso em suas tentativas. Enquanto os políticos continuavam vagando e tentando abrandar as coisas, os Abolicionistas eram denunciados e depreciados por pacificadores ultra-extremistas, quase da mesma forma como Wm. D. Haywood e Frank Bohn são denunciados hoje pelos seus próprios correligionários.
Outro dia li um comunicado no Chicago Daily Socialist do secretário local do Partido Socialista de Louisville, dirigido ao secretário nacional, pedindo algum outro orador seguro e sensato no lugar de Bohn, anunciado para falar. Explicando o motivo, o Sr. Dobbs mencionou a conferência de Bohn: Se os McNamaras tivessem, «êxito defendendo os interesses do proletariado, eles estariam certos, da mesma maneira que John Brown estaria certo, se tivesse êxito libertando os escravos. A ignorância foi o único crime de John Brown, e a ignorância é o único crime dos McNamaras».
O comentário do Sr. Dobbs continua: «Defendemos enfaticamente o que aqui declaramos. A tentativa de traçar um paralelo entre a -- mesmo errônea -- revolta de John Brown, e os métodos secretos e assassinos dos McNamaras, é não apenas indicativo de raciocínio superficial, como também algo altamente danoso pelas conclusões lógicas que podem ser tiradas de tais declarações».
Evidentemente Mr.Dobbs sabe muito pouco sobre a vida e o trabalho de John Brown. John Brown foi um homem adepto da violência; ele desprezaria qualquer pessoa tentasse fazê-lo agir de uma maneira diferente. Quando alguém acredita na violência, a única coisa que o interessa é encontrar a maneira mais efetiva de aplicá-la, que só pode ser determinada pelo conhecimento das condições e meios que possui. John Brown nunca temeu métodos conspirativos. Aqueles que leram a autobiografia de Frederick Douglas e as Reminiscências de Lucy Colman, lembram que um dos planos conduzidos por John Brown era organizar uma rede de acampamentos armados nas montanhas de West Virginia, Carolina do Norte, e Tennessee, enviar emissários secretos entre os escravos para incitá-los a fugir para estes acampamentos, e com o tempo criar as condições para despertar uma futura revolta entre o negros. Se este plano falhou foi devido à fraqueza do desejo por liberdade entre os escravos, mais do que qualquer outra coisa.
Mais tarde, quando os políticos em suas infinitas divergências inventaram uma nova proposição de como-não-fazer-nada, conhecida como Kansas-Nebraska Act que deixou a questão da escravidão ser determinada pelos colonos, os ativistas diretos de ambos os lados enviaram falsos colonos aos territórios, que começaram a lutar entre si. Os homens pró-escravidão que chegaram primeiro fizeram uma constituição que reconhecia a escravidão e uma lei que castigava com morte qualquer um que ajudasse um escravo a escapar; mas os Free Soilers, que estavam um pouco mais longe, por serem oriundos de Estados mais distantes, fizeram uma segunda constituição, e recusaram reconhecer as leis do outro partido. E John Brown lá estava, envolvido com todo tipo de violência, conspirativa ou aberta; ele foi «um ladrão de cavalos e assassino», aos olhos de ativistas decentes, pacíficos, políticos. Ninguém duvida que ele roubou cavalos, nem enviava comunicados sobre sua intenção de roubá-los. Ele também matou homens favoráveis à escravidão. Ele atacou e escapou muitas vezes antes de ser finalmente detido em Harper's Ferry. Se ele não usava dinamite, era porque dinamite ainda não estava em voga como uma arma prática. Ele fez mais ataques intencionais em sua vida do que os dois condenados irmãos Secretários Dobbs poderiam fazer com seus «métodos assassinos». E história compreende John Brown. A humanidade sabe que ele foi um homem violento, com sangue humano nas mãos, que foi culpado de alta traição, e enforcado por causa disso, contudo foi uma grande, forte, e desinteressada alma, incapaz de suportar o crime assustador que manteve 4.000.000 de pessoas como bestas estúpidas, e acreditava que fazer guerra contra isto era algo sagrado, um dever determinado por Deus, (John Brown era um homem muito religioso -- um presbiteriano).
É devido e por causa da ação direta dos precursores da mudança social, sejam eles de natureza pacífica ou bélica, que a Consciência Humana, a consciência da massa, desperta para a necessidade de mudança. Seria muito estúpido dizer que não se pode esperar nenhum resultado positivo da ação política; às vezes coisas boas ocorrem por esse modo. Mas nunca até que a rebelião individual, seguida pela rebelião da massa, forçe isto. A ação direta sempre é o clarim, o ponto de partida, pelo qual a grande soma de indiferentes se dá conta de que a opressão chegou a um nível intolerável.
Nós temos agora e opressão na terra -- e não apenas na terra, mas ao longo de qualquer região do mundo que desfrute as muitas promíscuas bênçãos da Civilização. E da mesma maneira que na questão da escravidão dos negros, outras formas de escravidão tem gerado ação direta e ação política. Um certo percentual de nossa população (provavelmente um percentual bem menor que aqueles que os políticos atingem com seus comícios) está produzindo a riqueza material na qual todo o resto de nós vive; da mesma forma aqueles 4.000.000 de negros escravizados sustentaram toda uma multidão de parasitas sobre seus ombros. Eles eram camponeses e operários.
Pelas imprevistas e imprevisíveis operações de instituições que nenhum de nós criou, mas que já existiam quando chegamos aqui, nós trabalhadores, que compomos a parte mais absolutamente necessária de toda estrutura social, e que sem nossos serviços ninguém pode comer, morar, ou vestir, somos exatamente os que menos tem oportunidade para comer, morar, ou vestir -- sem falar de outros benefícios sociais que supostamente nos oferecem, como educação e satisfação artística.
Nós trabalhadores temos, de uma ou de outra forma, juntado mutuamente nossas forças tentando melhorar nossas condições de vida; principalmente pela ação direta, e secundariamente pela ação política. Nós formamos Granjas, Alianças Camponesas [N.T.: no original Knights of Labor], Associações Cooperativas, Experiências de Colonização, Associações de Trabalhadores, Sindicatos, e a IWW (Industrial Workers of the World). Todos organizados com a finalidade de arrancar dos senhores da área econômica um pagamento um pouco melhor, condições um pouco melhores, horas um pouco mais curtas; ou por outro lado resistir contra uma redução no pagamento, contra condições piores, contra horas mais longas de trabalho. Nenhuma dessas tentativas procurava uma solução final à guerra social. Nenhum delas, com exceção da IWW, reconheceu que há uma guerra social em curso, inevitável enquanto perdurar as presentes condições legais-sociais. Nós trabalhadores aceitamos as instituições da propriedade da forma como encontramos. Elas foram compostas por homens comuns, com desejos de homens comuns, e resolveram fazer coisas que lhes parecia possível e bem razoáveis. Eles não estavam comprometidos com qualquer política em particular quando se organizaram, mas se associaram para a ação direta por iniciativa própria, tanto na forma positiva como na forma defensiva.
Sem dúvida houve e há em todas estas organizações, membros que olharam além das demandas imediatas; que olharam as coisas do ponto de vista do desenvolvimento contínuo das forças agora em operação para provocar rapidamente as condições diante das quais é impossível que a vida continue a mesma, e contra a qual protestem, e protestem violentamente; não há outra alternativa senão essa; ou isso ou a morte inevitavel; mas não há nada na natureza da vida que se renda sem luta, assim, não há porque morrer sem lutar. Vinte e dois anos atrás eu conheci o pessoal da Aliança Camponesa que dizia coisas assim, Associações de Trabalhadores que diziam o mesmo, Sindicalistas que diziam o mesmo. Eles pretendiam objetivos maiores que esses e criaram organizações para alcançá-los; mas eles tiveram que aceitar os membros como eles eram, e tentaram na medida do possível fazê-los compreender como as coisas funcionavam. Que eles poderiam ter preços melhores, salários melhores, condições menos perigosas, menos tirânicas, horas mais curtas de trabalho. Na fase do desenvolvimento quando estes movimentos foram iniciados, os trabalhadores do campo não viram a relação da luta deles com a luta dos trabalhadores nas fábricas ou nos transportes; nem estes últimos, por sua vez, perceberam qualquer relação deles com o movimento dos camponeses. Essas coisas bem poucos conseguiram compreender. Eles ainda têm que aprender que há uma luta comum contra aqueles que se apropriaram da terra, do dinheiro, e das máquinas.
Desgraçadamente as grandes organizações camponesas se fragmentaram em uma estúpida luta pelo poder político. Elas tiveram bastante êxito conquistando o poder em certos Estados; mas os tribunais pronunciaram suas leis inconstitucionais, e esse foi o cemitério de todas suas conquistas políticas. Seu programa original era construir seus próprios silos, e armazenar seus produtos, preservando-os do mercado até que pudessem escapar do especulador. Também, organizar bolsas de mão-de-obra, emitir notas de crédito em produtos depositados para troca. Se tivessem aderido a este programa de ajuda mútua dirigida, poderiam, até certo ponto, durante um tempo pelo menos, dispor de uma ilustração de como o gênero humano poderia livrar-se do parasitismo dos banqueiros e dos intermediários. Claro que tudo isso seria subvertido no final -- a menos que revolucionassem as mentes dos homens, por exemplo, forçando a subversão do monopólio legal da terra e do dinheiro -- mas pelo menos serviria a um grande propósito educacional. Sobre como «sacrificar pouco para ganhar muito» em vez de desintegrar-se em futilidades.
As Alianças Camponesas acabaram relegadas a uma relativa insignificância, não por causa de seu fracasso no uso da ação direta, nem por causa do seu envolvimento com políticos, que era pequeno, mas principalmente porque era uma massa heterogênea de trabalhadores que não conseguiram associar efetivamente seus esforços.
Enquanto as Alianças Camponesas afundavam, os Sindicatos cresciam fortes, e continuaram lentamente seu crescimento, e tenazmente aumentavam em poder. É verdade que às vezes esse fluxo oscilava; que vez por outra houve recuo; que grandes organizações centralizadas foram formadas e novamente dispersadas. Mas em geral os sindicatos constituíram um crescente poderio. E isso ocorreu porque, diante de sua pobreza, foi o meio pelo qual uma certa seção de trabalhadores pôde juntar forças para enfrentar diretamente seus patrões, e conseguir para si alguma porção daquilo que queriam -- se não ditavam as condições teriam pelo menos que tentar conseguir isso. A greve era a arma natural que possuíam, uma arma que eles mesmos forjaram. Em noventa por cento dos casos é o sopro direto da greve que faz o patrão tremer de medo. (Claro que há ocasiões quando ele anseia por uma, mas isso é incomum). A razão deste medo da greve não é tanto porque ele acha que não pode fazer nada contra ela, mas apenas e simplesmente porque ele não quer uma interrupção em seus negócios. O patrão ordinário não teme coisas como «voto consciente da classe trabalhadora»; há inúmeros locais onde você pode falar o dia todo sobre Socialismo ou sobre qualquer outro programa político; mas se você começa a falar sobre Sindicalismo pode esperar ser expulso em seguida ou na melhor das hipóteses ser convidado a calar a boca. Por que? Não porque o chefe seja tão sábio a ponto de saber que a ação política é um pântano onde o trabalhador se enlameia, ou porque ele percebe que aquele Socialismo político rapidamente está se tornando um movimento de classe-média; não. Ele acha que o Socialismo é uma coisa muito ruim; mas que é também uma bela porta de saída! Mas ele sabe que se os trabalhadores de sua fábrica forem sindicalizados, ele terá dificuldades imediatas. As mãos desses trabalhadores serão rebeldes, ele será forçado a gastar dinheiro para melhorar as condições de trabalho, ele terá que manter trabalhadores que detesta, e no caso de greve ele pode esperar danos aos seus equipamentos e edifícios.
É dito com frequência, e repetidamente como os papagaios fazem, que os patrões são uma «classe-consciente», que eles estão unidos em torno de seus interesses de classe, e que estão dispostos a sofrer qualquer tipo de perda pessoal em defesa desses interesses. Nada disso é verdade. A maioria dos empresários é exatamente como a maioria dos trabalhadores; eles se preocupam o tempo todo mais com suas perdas ou ganho individuais do que com os ganhos ou perdas de sua classe. E é sua própria perda individual que o patrão vê, quando ameaçado por um sindicato.
Agora todo mundo sabe que uma greve de qualquer tamanho significa violência. Não importa a preferencia ética pela paz que alguém possa ter, ele sabe que não estará calmo. Se for uma greve de telégrafos, significa arames cortados e postes derrubados, e infiltrar falsos fura-greves para destruir os instrumentos. Se for uma greve de metalúrgicos, significa dar porrada em fura-greves, quebrar janelas, descalibrar bitolas, e arruinar peças caras juntamente com toneladas e toneladas de material. Se for uma greve de mineiros, significa destruir trilhos e pontes, e explodir fábricas. Se for uma greve de trabalhadores de uma tecelagem ou artigos de vestuário, significa a ocorrência de incêndios «acidentais», pedradas em janelas aparentemente inacessíveis, ou possivelmente uma tijolada na cabeça do dono da fabrica. Se for uma greve de montadora de automóveis, significa remover esteiras ou obstruí-las com resíduos sólidos ou líquidos, com peças pesadas ou robôs, significa carros esmagados ou incinerados e interruptores sabotados. Se for uma greve de um sistema federado, significa máquinas «mortas», máquinas desreguladas, fretes descarrilados, e trens bloqueados. Se é uma greve na área da construção civil, significa dinamitar estruturas. E sempre, em toda parte, em todo o tempo, lutas de seguranças e fura-greves contra grevistas e simpatizantes de grevistas, entre Gente e Polícia.
No lado dos patrões, significa holofotes, cercas elétricas, vigilantes, cárcere privado, detetives e agentes provocadores, sequestro violento e deportação, e todo dispositivo que eles podem conceber para a proteção direta, além de ultimatos da polícia, milícias, polícia distrital, estatal, e tropas federais.
Todo o mundo conhece estas coisas; todo mundo sorri quando os funcionários do sindicato apelam aos trabalhadores para que sejam pacíficos e obedientes à lei, porque todo mundo sabe que estão mentindo. Eles sabem que a violência será usada, secreta e abertamente; e eles sabem que será usada porque os grevistas não podem agir de outro modo, sem imediatamente serem derrotados. Nem por isso eles podem ser acusados de perder a razão por usarem esses recursos violentos. As pessoas entendem em geral que eles fazem estas coisas pela lógica cruel de uma situação que eles não criaram, mas que os força a estes ataques pelo sucesso de sua luta pela vida ou para evitar descer ao poço sem fundo da pobreza, para evitar que a Morte os encontre nos ambulatórios dos asilos, na sarjeta, ou na lama. Esta é a alternativa terrível que os trabalhadores estão enfrentando; e é isto que faz com que pessoas integralmente propensas à cordialidade -- homens que desviam do caminho para ajudar um cão ferido, ou trazem um gatinho perdido para casa e o alimenta, ou pisam com cuidado para evitar esmagar um pintinho -- recorrem à violência contra membros de sua própria raça. Eles sabem, porque os fatos lhes ensinaram, que este é o único caminho para a vitória, se eles querem mesmo vencer. A coisa mais absurda e totalmente irrelevante que alguém pode dizer ou fazer quando se aproxima na intenção de apoiar ou ajudar um grevista que está lidando com uma situação imediata, é propor «nas eleições a gente dá o troco!» quando a próxima eleição está a uma distância de seis meses, um ano, ou dois anos.
Infelizmente a pessoa que conhece melhor como usar a violência na guerra sindical não pode tomar a palavra e dizer: «Em tal dia, em tal lugar, tal e qual ação específica será feita, o que resultará em que tal e qual concessão será conquistada, ou tal e qual patrão capitulará». Fazer isso tiraria sua liberdade e seu poder para a luta. Então aqueles que melhor conhecem a arte da greve têm que permanecer em silêncio em seu cantinho, e deixar a parte do discurso com os tagarelas. É a ação concreta, não o discurso, que dá clareza ao ponto de vista das pessoas.
Nas últimas semanas houve uma enxurrada de tagarelices. Oradores e escritores -- honestamente convencidos (eu acho) de que a ação política e apenas a ação política pode dar a vitória aos trabalhadores -- tem denunciado o que eles chamam de «ação direta» (a que eles realmente querem dizer é violência conspirativa [ou terrorismo]) como a autora de danos incalculáveis. Oscar Ameringer, por exemplo, disse recentemente em uma reunião em Chicago que o bombardeio de Haymarket conduziu o patamar da luta pelas 8 horas para vinte e cinco anos atrás, argumentando que quem teve sucesso foi a bomba não o movimento. É um grande engano. Ninguém pode medir exatamente em anos ou meses o efeito de um estímulo ou de uma reação. Ninguém pode provar que o movimento pelas oito-horas sairia vitorioso vinte e cinco anos atrás. Nós sabemos que a jornada de oito-horas foi legalmente estabelecida em Illinois em 1871 pela ação política, e permaneceu como lei morta. Que a ação direta dos trabalhadores ganharia essa parada, isso não pode ser provado; mas pode ser demonstrado que fatores bem mais potentes que a bomba de Haymarket atuaram contra a vitória dos trabalhadores nessa batalha pela jornada de oito horas. Por outro lado, se a influencia reativa da bomba foi realmente tão poderosa, deveríamos naturalmente esperar que as condições de trabalho e de organização sindical seriam piores em Chicago do que nas cidades onde nada disso aconteceu. Pelo contrário, por mais ruins que sejam, as condições gerais de trabalho são melhores em Chicago que nas demais cidades grandes, e o poder dos sindicatos desenvolveu-se mais lá do que em qualquer outra cidade americana com exceção de São Francisco. Assim se temos que tirar qualquer conclusão sobre a influência da bomba de Haymarket, é bom lembrar destes fatos. Pessoalmente eu não acho que sua influência no movimento operário, como tal, foi assim tão grande.
O mesmo ocorre com o presente frenesi sobre a violência. Nenhum fundamento foi alterado. Dois homens foram presos pelo que fizeram (vinte e quatro anos atrás eles seriam enforcados pelo que não fizeram); alguns poucos ainda podem ser presos. Mas as forças da vida continuarão se revoltando contra as cadeias econômicas que as prendem. Essa revolta não cessará nunca, não importa se homens de papel votem ou deixem de votar, enquanto essas cadeias não forem arrebentadas.
Como as cadeias serão quebradas?
Os ativistas políticos nos dizem que as cadeias econômicas só serão quebradas pela ação dos partidos de trabalhadores no poder mediante eleições; o voto colocará os meios de produção e de vida nas mãos do proletariado; que também assumirá o comando das florestas, das minas, das fazendas, das bacias hidrográficas, das fábricas, dos silos; da mesma forma, terá sob seu controle o poder militar para defender seus interesses, todo esse domínio será e estará a serviço do povo.
E depois?
Depois, haverá paz, criatividade, obediência à lei, paciência, e sobriedade (como Madero disse aos peões mexicanos após vendê-los a Wall Street)! Até mesmo se alguns de vocês forem privados de direitos civis ou de privilégios, não é necessário revoltar-se nem mesmo contra essas coisas, pode deixar que «o partido tomará as devidas providências».
Bem, eu já declarei que, ocasionalmente, algumas coisas boas podem resultar da ação política -- e não necessariamente da ação de partidos proletários. Mas estou plenamente convencida de que cada benefício alcançado é mais do que anulado pelo malefício que traz a tiracolo; também estou plenamente convencida de que, ocasionalmente, cada malefício resultante da ação direta é mais do que anulado pelo benefício que traz a tiracolo.
Quase todas as leis que foram moldadas originalmente com a intenção de beneficiar os trabalhadores, viraram armas armas nas mãos dos seus inimigos, ou se tornaram letra morta a menos que os trabalhadores pelas suas organizações obriguem diretamente sua observância. De forma que no final das contas, e de todas as maneiras, é na ação direta que devemos depositar nossa confiança. Como exemplo da ineficácia de uma lei, basta observar a lei antitruste que supostamente beneficiava o povo em geral e o proletariado em particular. Cerca de duas semanas depois que a lei entrou em vigor, 250 líderes sindicais foram citados para responder processo acusados de truste. Esse foi o efeito da lei aos grevistas de Illinois.
Mas os malefícios provocados pela confiança na ação indireta são bem maiores do que se pode imaginar. O principal malefício é que destrói a iniciativa, extingue o espírito rebelde de cada um, ensina pessoas a confiar em outra pessoa para fazer para eles o que eles deveriam fazer por si próprios; finalmente torna orgânica a idéia anômala de que aglomerar uma multidão inerte até que uma maioria seja obtida fará com que -- por uma estranha magia daquela maioria -- aquela inercia seja transformada em energia. Quer dizer, pessoas que perderam o hábito de lutar por si mesmas enquanto indivíduos, pessoas que se submetem a toda injustiça esperando que uma maioria seja formada, são metamorfoseadas em humanos de alto poder explosivo por um mero processo de empacotamento!
Eu concordo totalmente que as fontes da vida, e toda a riqueza natural da terra, e as ferramentas necessários à produção cooperativa, tem que estar livremente acessíveis a todos. Tenho certeza de que o sindicalismo precisa alargar e aprofundar seus propósitos, ou será extinto; estou segura de que a lógica da situação os forçará a ver isto gradualmente. Eles têm que aprender que o problema dos trabalhadores nunca pode ser resolvido espancando fura-greves, sua própria política de limitar seus sócios cobrando altas taxas e outras restrições ajuda criar fura-greves. Eles têm que aprender que o curso do crescimento não está tanto em salários mais altos, mas em jornadas mais curtas de trabalho que os permitirão a aumentar a quantidade de membros, a chamar qualquer pessoa disposta a entrar no sindicato. Eles têm que aprender que se eles querem mesmo ganhar batalhas, todos os trabalhadores aliados têm que agir em conjunto, e agir depressa (sem avisar aos patrões), e resguardar sua liberdade de entrar em greve quantas vezes for necessário. E finalmente eles têm que aprender (quando houver uma organização completa) que jamais ganharão nada permanente a menos que lutem, não por conquistas parciais, mas por conquistas totais -- não por um salário, não por benefícios secundários, mas pela conquista de todas as riquezas naturais do planeta. E procedam à expropriação direta de tudo!
Eles têm que aprender que seu poder não está na força do seu voto, mas na sua habilidade de parar a produção. É um grande engano supor que os assalariados constituem a maioria dos eleitores. Os assalariados estão hoje aqui e amanhã acolá, e isso impede um número grande deles de votar; uma grande porcentagem deles neste país são estrangeiros sem direito a voto. A prova mais patente, e os líderes Socialistas sabem disso, é que os sindicatos estão comprometendo cada ponto de seu programa visando angariar apoio da classe empresarial, e do pequeno investidor. Os documentos de seus programas proclamam que seus acordos foram assegurados por compradores de títulos de Wall Street, e que eles igualmente estariam prontos a comprar títulos de socialistas de Los Angeles da mesma forma que compram de administradores capitalistas; e que a atual administração de Milwaukee foi benéfica ao pequeno investidor; seus periódicos asseguram aos seus leitores naquela cidade que nós não precisamos ir até grandes lojas de departamentos para comprar -- basta comprar de Fulano de Tal na Avenida Milwaukee, que ficaremos totalmente satisfeitos como se estivéssemos comprando em uma «grande instituição empresarial». Em suma, eles estão fazendo um desesperado esforço para ganhar o apoio e prolongar a existência daquela classe-média que a economia socialista diz estar em frangalhos, porque sabem que não podem alcançar maioria sem eles.
O máximo que um partido de trabalhadores pode conseguir, supondo que seus políticos permaneçam honestos, seria formar uma forte facção no parlamento -- somando votos de vários lados -- para obter certos paliativos políticos ou econômicos.
Mas aquilo que a classe trabalhadora pode fazer, na medida em que toma a forma de uma sólida organização, é mostrar à classe proprietária, por uma parada súbita de todo trabalho, que toda estrutura social está sobre seus ombros; e que as propriedades e riquezas da classe empresarial são absolutamente inúteis para eles sem a atividade dos trabalhadores; tal protesto, tal golpe, direto no coração do sistema da propriedade, ocorrerá periodicamente, continuamente, até que a coisa inteira seja abolida -- e tendo mostrado sua eficácia, procederá a expropriação.
«E quanto ao poder militar?», diz o ativista político; «temos que conquistar poder político, ou o exército será usado contra nós!»
Contra uma real Greve Geral, o exército não pode fazer nada. Oh, ou melhor, se você tiver um Socialista como Briand no poder, ele pode declarar os trabalhadores «funcionários públicos» e mandar o exército contra eles! Mas contra o sólido muro de uma massa de trabalhadores parados, nem Briand poderia derrubá-lo.
Enquanto isso, até este despertar internacional, a guerra entre as classes continuará seguindo seu curso, apesar de toda essa manifesta histeria de pessoas bem-intencionadas mas que não compreendem a vida e suas necessidades; apesar do patente temor dos líderes acovardados; apesar de toda vingança reacionária que pode ser perpetrada; apesar de todo capital que os políticos recebem da situação. A luta de classes continuará seu curso porque a Vida anseia por viver, mesmo com a Propriedade negando sua liberdade para viver; a Vida não se submeterá.
Nem deve se submeter.
Seguirá seu curso até aquele dia quando uma Humanidade que se auto libertou puder cantar o Hino ao Homem de Swinburne:
«Glória ao Homem nas alturas,
Ao Homem, Senhor das coisas».
v v v
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Traduzido eletrônicamente e ligeiramente revisado pelo Coletivo Periferia
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Desobediência Civil: Fundamentos da Ação Direta
AÇÃO DIRETA
Por Voltairine de Cleyre
Do ponto de vista daquele que se julga capaz de discernir uma rota constante para o progresso humano, e segue por ela, e desenha tal rota no mapa de sua mente, certamente resolverá indicá-la aos outros; fazê-los ver as coisas como ele vê; convencê-los com argumentos claros e simples que expressem seus pensamentos -- diante disso é um sinal de pesar e de confusão de espírito o fato da frase «Ação Direta» adquirir de repente na mente das pessoas em geral um significado circunscrito, que não tem, e que certamente nunca teve, nem mesmo no pensamento de seus adeptos.
Porém, essa é mais uma ironia que o Progresso lança naqueles que se julgam capazes de fixar metas e lutar por alcançá-las. Inúmeras vezes, nomes, frases, lemas, divisas, palavras de ordem, são viradas ao avesso, colocadas de cabeça para baixo. Como uma percepção tardia do que deveria ser feito tornam-se tendenciosas. Pessoas usam e abusam de expressões com sentido dado por eles mesmos; e ainda, outros tenazmente permanecem firmes, teimam ser ouvidos, para finalmente concluir que o período de mau-entendido e de preconceito foi mais um prelúdio de investigação do que de compreensão.
Certamente este é o caso da presente concepção errônea do termo Ação Direta que pelo equívoco, ou mesmo pelo deliberado embuste perpetrado por certos jornalistas de Los Angeles, por ocasião da condenação de McNamara, sismaram em colocar na cabeça das pessoas que Ação Direta significa, «atacar violentamente a vida e a propriedade». Esta atitude ignorante ou desonesta por parte desses profissionais provocou em muita gente a curiosidade de saber o que realmente significava Ação Direta.
De fato, aqueles que assim tão vigorosa e desordenadamente a condenam, se olharem para eles mesmos descobrirão que eles próprios em muitas ocasiões praticaram a ação direta, e farão isso novamente.
Qualquer um que sempre pensou por si próprio, que usou seu direito de livre expressão, e corajosamente reafirmou isto juntamente com outros que compartilham de suas convicções, foi um praticante da ação direta. Uns trinta anos atrás eu recordo que o Exército de Salvação era um vigoroso praticante da ação direta na defesa da liberdade de seus membros para falar, reunir e discursar. Muitos foram presos, multados e encarcerados; mas eles continuaram exercendo seu direito de cantar, pregar e marchar, e de tal forma que seus perseguidores acabaram finalmente por deixá-los em paz. Os trabalhadores nas indústrias estão ministrando a mesma luta agora, e tem, em vários casos, compelido seus patrões a deixá-los em paz pelas mesmas táticas diretas.
Toda pessoa que planejou fazer qualquer coisa, e foi e fez, ou pôs seu plano em execução antes de outros, e ganhou a cooperação e colaboração de outras pessoas, sem apelar para autoridades, pedir licença ou agradá-los, foi um praticante da ação direta.
Todas as experiências de cooperação são essencialmente ação direta. Todo indivíduo que em sua vida teve uma diferença com qualquer outra pessoa, e diretamente procurou outras pessoas para envolvê-las na luta, através de um plano pacífico ou não, colocou a ação direta em prática. Greves e boicotes são exemplos de tal ação; muitas pessoas ainda lembram da ação das donas de casa de Nova York que boicotaram os açougueiros, o que acabou provocando a queda do preço da carne; ou do boicote à manteiga, como uma resposta direta aos fabricantes de manteiga.
Estas ações geralmente não são levadas a efeito simplesmente por causa de argumentos de um ou de outro, ou em função de leis, mas é a resposta espontânea daqueles que estão oprimidos por uma situação. Em outras palavras, todas as pessoas acreditam, quase sempre, no princípio da ação direta e a praticam.
Porém, a maioria das pessoas também é ativista indireto ou político. E eles são ao mesmo tempo ambas estas coisas. Há, todavia, um número limitado de pessoas que evitam a ação política sob quaisquer circunstâncias; mas não há ninguém, nenhuma pessoa, que jamais praticou alguma forma de ação direta. A maioria dos intelectuais tendem ao oportunismo e ao apoio, alguns mais à direita, outros mais à esquerda, mas sempre prontos para usar quaisquer meios quando chegar o momento. Quer dizer, há aqueles que crêem que colocar governantes no poder é essencialmente uma coisa errada e tola; mas que, diante da tensão de determinadas circunstâncias, passam a considerar isto como uma coisa sábia a fazer, e acabam votando em algum indivíduo naquele momento em particular. Há, também, aqueles que acreditam que, em geral, o modo mais sábio para as pessoas adquirirem o que querem está no método indireto da votação. Uma vez no poder os eleitos farão leis favoráveis; ainda que, mais adiante, no mesmo documento coloque uma greve ocasionalmente debaixo de condições excepcionais; e uma greve, como eu disse, é ação direta. Eles podem também fazer como os agitadores do Partido Socialista (que estão declinando, nos últimos tempos, para uma postura contrária à ação direta) fizeram no verão passado, quando chamaram a polícia para dar segurança às suas reuniões.
Quem são esses que, pela essência das suas convicções, são os praticantes da Ação Direta? Por que não adotam uma postura conformista? Porque alguns não acreditam em não-violência? Agora, não cometa o engano de confundir ação direta com conformismo. A Ação direta pode ser extremamente violenta, ou tão calma quanto as suaves águas dos rios de planície. O que quero dizer é que o real conformismo ocorre sempre pela ação política, nunca pela ação direta. Do ponto de vista da ação toda política é coerção; até mesmo quando o Estado faz coisas boas o faz através do exercício do poder, e isto se aplica também a um clube, uma arma, ou uma prisão.
Logo após a chegada dos quakers em Massachusetts, os Puritanos os acusaram de «aborrecer todo mundo com seus discursos». Os quakers não aceitavam jurar submissão a governo algum e nem admitiam que sua igreja pagasse impostos. (Fazendo essas coisas eles eram praticantes da ação direta, coisa que poderíamos chamar de ação direta negativa.) Assim, os Puritanos, sendo ativistas políticos, aprovavam leis para excluir, deportar, multar, encarcerar, mutilar, e finalmente, até mesmo para enforcar os quakers. Todavia, os quakers continuaram praticando suas idéias (que era ação direta positiva); há registros na história que depois de enforcarem quatro quakers e de arrastarem Margaret Brewster presa ao para-choques de um carro pelas ruas de Boston, «os Puritanos desistiram de tentar silenciar os missionários; a persistência e não-violência quacre acabou prevalecendo».
Outro exemplo de ação direta no começo da história colonial, desta vez de nenhuma forma pacífica, foi o evento conhecido como a Rebelião de Bacon. Todos nossos historiadores certamente defendem a ação dos rebeldes naquela ocasião, porque os rebeldes estavam certos. Mesmo no caso da ação direta violenta contra a autoridade legalmente constituída. Para o bem daqueles que esqueceram dos detalhes, vamos lembrar brevemente que os plantadores de Virgínia estavam com medo de um ataque geral pelos índios; e com razão. Adeptos da ação política, reivindicaram que o governo reconhecesse Bacon como líder deles, ou permitisse a convocação de voluntários para a auto-defesa. O governador temeu que uma companhia de homens armados constituísse uma ameaça para ele; também com razão. Ele recusou a convocação. Ao que os plantadores responderam com a ação direta. Eles recrutaram voluntários sem a autorização governamental, e com sucesso se defenderam dos índios. O governador declarou Bacon traidor; mas por sua popularidade, o governador temeu agir contra ele. Finalmente, porém, as coisas foram tão longe que Jamestown acabou incendiada pelos rebeldes; e se não fosse pela morte intempestiva de Bacon, muito mais poderia ter ocorrido. Claro que a reação foi bem terrível, o que normalmente acontece quando uma rebelião desmorona ou é esmagada. Até mesmo durante seu breve período de sucesso, os rebeldes sofreram muitos abusos. Eu estou bem segura que os defensores da ação-política-do-custe-o-que-custar, depois que a reação retomou o poder, deve ter dito: «Veja quantos males a ação direta nos traz! Veja como o progresso da colônia regrediu em vinte e cinco anos»; esquecendo que se os colonos não recorressem à ação direta, seus couros cabeludos teriam sido levados pelos índios no ano anterior, embora alguns deles acabassem enforcados pelo governador no ano seguinte.
Nos períodos de agitação e excitação que precedem às revoluções, há todo tipo de ação direta, da mais pacífica à mais violenta; quase todos estudantes acham, por conta destes desempenhos, que é exatamente aí que se situa o que há de mais interessante da história dos Estados Unidos e o que mais facilmente grava na memória.
Entre os movimentos pacíficos, destaca-se os acordos de não-importação, as ligas das indústrias de tecidos e os «comitês de correspondência». A ação direta violenta acabou por se desenvolver em função do inevitável crescimento da hostilidade; exemplos clássicos foram o caso da destruição das rendas estampadas e a ação relativa aos navios carregados de chá, que quando não eram proibidos de descarregar, os descarregavam em armazéns úmidos ou no chão do porto, como ocorria em Boston. Em Annapolis obrigavam os donos dos navios de chá a incendiar suas próprias embarcações. Todas estas ações estão registradas em nossos livros escolares, não de modo condenatório, não de modo apologético, são todos casos de ação direta contra autoridades legalmente constituídas e contra a propriedade de bens. Menciono estes e outros casos semelhantes para provar que a ação direta sempre foi usada, e tem a sanção histórica dos mesmos que hoje a reprovam.
Todo mundo sabe que George Washington foi o líder da liga de não-importação dos plantadores da Virgínia; se George Washington fosse escolhido hoje como líder de uma liga de agricultores da Virgínia para a não-importação; provavelmente seria levado às barras dos tribunais pela formação de tal liga; e se ele persistisse, seria multado e processado.
Quando a grande disputa entre o Norte e o Sul estava em ebulição, foi novamente a ação direta que precedeu e precipitou as ações políticas. Sem a ação direta tais ações políticas jamais entrariam em cena, e nem mesmo seriam contempladas. As mentes dormentes precisaram primeiramente serem despertas por atos diretos de protesto contra as condições existentes.
A história do movimento anti-escravidão e a Guerra Civil é um dos maiores paradoxos da história, embora a história seja uma cadeia de paradoxos. Politicamente falando, os Estados que possuíam maior liberdade política eram aqueles que continham propriedades escravistas, cada Estado era autônomo diante da interferência dos Estados Unidos; politicamente falando, os Estados sem propriedades escravistas apoiavam um forte governo centralizado que, conforme os Secessionistas disseram, e com razão, tendia ao desenvolvimento de formas ainda mais tirânicas. O que veio acontecer mais tarde. No fim da Guerra Civil houve uma invasão ininterrupta do poder federal em áreas antigamente restritas aos Estados. Os escravos-assalariados, em suas lutas de hoje, estão em contínuo conflito com esse poder centralizado contra o qual os proprietários de escravos protestaram (com liberdade nos lábios, e tirania nos corações). Eticamente falando, os Estados com propriedades não escravistas, de um modo geral, representaram maior liberdade humana, ao passo que os Secessionistas representaram o escravagismo, o preconceito e a intolerância racial. Mas apenas em termos gerais; quer dizer, a maioria de nortistas, desacostumados com a presença real de negros escravos entre eles, provavelmente julgavam a escravidão um erro; mas nunca tiveram nenhuma grande ânsia por aboli-la. Apenas e tão somente os Abolicionistas, e eles eram relativamente poucos, foram eticamente genuínos. Para eles, a escravidão -- não a secessão ou a união -- era a questão principal. Na realidade, estavam tão convencidos disso que um número considerável deles eram favoráveis à dissolução da união, ao mesmo tempo em que defendiam a iniciativa Nortistas na questão da dissolução, para que o povo nortista pudesse livrar-se da culpa de manter negros em cadeias.
Naturalmente, houve todo tipo de gente com todo tipo de temperamento entre os defensores da abolição da escravidão. Houve quakers como Whittier (realmente adepto do sistema paz-custe-o-que-custar da filosofia quaker, favorável à abolição desde os primeiros dias da colonização); houve ativistas políticos moderados favoráveis à compra de escravos como forma mais barata de libertá-los; e houve pessoas extremamente violentas que acreditavam e fizeram todo tipo de coisas violentas.
Sobre o que os políticos fizeram, há um longo registro de «coisas-que-não-se-deve-fazer», um registro de trinta anos de compromissos, pechinchas, tentativas de manter o status quo, acalmar ambos os lados quando as novas condições exigiam que algo fosse feito, ou fingir fazer algo. Mas «as estrelas em seu curso lutaram contra Sícera»; o sistema estava demolindo por dentro, foram os adeptos da ação direta que ampliaram tais fissuras tornando-as visíveis.
Entre as várias expressões da rebelião direta estavam as «organizações secretas». A maioria das pessoas que pertenceram a tais grupos acreditavam em ambos tipos de ação; mas por mais que subscrevessem teoricamente o direito de maioria de agir e obrigar cumprimento de leis, eles não chegavam a este ponto na prática. Meu avô foi membro de uma «organização secreta»; ele ajudou muitos escravos fugirem para o Canadá. Ele era um homem muito paciente, obediente à lei em muitos aspectos, entretanto freqüentemente achava que ele a respeitava por ser uma coisa distante; ele sempre conduziu uma vida pioneira, e a lei geralmente estava longe dele, enquanto que a ação direta sempre foi um imperativo. Seja como for, por mais que respeitasse as leis, ele nunca teve nenhum respeito por leis escravagistas, não importava se tais leis foram aprovadas por uma maioria de dez contra um; ele conscientemente quebrava cada uma que atrapalhasse sua caminhada.
Houve tempos em que as operações «secretas» exigiram a violência, e fizeram uso dela. Lembro-me de uma velha amiga descrevendo como ela e sua mãe ficaram acordadas durante toda a noite escondendo um escravo fugido no porão da casa onde moravam; embora fossem descendentes e simpatizantes de quakers, havia uma espingarda na mesa. Felizmente não precisaram fazer uso dela naquela noite.
Enquanto a lei do escravo fugitivo era aprovada com a ajuda de ativistas políticos do Norte no intuito de oferecer um novo calmante aos proprietários de escravos, os ativistas diretos resgatavam fugitivos recapturados. Havia vários grupos: «Resgate de Shadrach», «Resgate de Jerry», mais tarde vieram outros conduzidos pelo famoso Gerrit Smith; que teve mais sucesso do que fracasso em suas tentativas. Enquanto os políticos continuavam vagando e tentando abrandar as coisas, os Abolicionistas eram denunciados e depreciados por pacificadores ultra-extremistas, quase da mesma forma como Wm. D. Haywood e Frank Bohn são denunciados hoje pelos seus próprios correligionários.
Outro dia li um comunicado no Chicago Daily Socialist do secretário local do Partido Socialista de Louisville, dirigido ao secretário nacional, pedindo algum outro orador seguro e sensato no lugar de Bohn, anunciado para falar. Explicando o motivo, o Sr. Dobbs mencionou a conferência de Bohn: Se os McNamaras tivessem, «êxito defendendo os interesses do proletariado, eles estariam certos, da mesma maneira que John Brown estaria certo, se tivesse êxito libertando os escravos. A ignorância foi o único crime de John Brown, e a ignorância é o único crime dos McNamaras».
O comentário do Sr. Dobbs continua: «Defendemos enfaticamente o que aqui declaramos. A tentativa de traçar um paralelo entre a -- mesmo errônea -- revolta de John Brown, e os métodos secretos e assassinos dos McNamaras, é não apenas indicativo de raciocínio superficial, como também algo altamente danoso pelas conclusões lógicas que podem ser tiradas de tais declarações».
Evidentemente Mr.Dobbs sabe muito pouco sobre a vida e o trabalho de John Brown. John Brown foi um homem adepto da violência; ele desprezaria qualquer pessoa tentasse fazê-lo agir de uma maneira diferente. Quando alguém acredita na violência, a única coisa que o interessa é encontrar a maneira mais efetiva de aplicá-la, que só pode ser determinada pelo conhecimento das condições e meios que possui. John Brown nunca temeu métodos conspirativos. Aqueles que leram a autobiografia de Frederick Douglas e as Reminiscências de Lucy Colman, lembram que um dos planos conduzidos por John Brown era organizar uma rede de acampamentos armados nas montanhas de West Virginia, Carolina do Norte, e Tennessee, enviar emissários secretos entre os escravos para incitá-los a fugir para estes acampamentos, e com o tempo criar as condições para despertar uma futura revolta entre o negros. Se este plano falhou foi devido à fraqueza do desejo por liberdade entre os escravos, mais do que qualquer outra coisa.
Mais tarde, quando os políticos em suas infinitas divergências inventaram uma nova proposição de como-não-fazer-nada, conhecida como Kansas-Nebraska Act que deixou a questão da escravidão ser determinada pelos colonos, os ativistas diretos de ambos os lados enviaram falsos colonos aos territórios, que começaram a lutar entre si. Os homens pró-escravidão que chegaram primeiro fizeram uma constituição que reconhecia a escravidão e uma lei que castigava com morte qualquer um que ajudasse um escravo a escapar; mas os Free Soilers, que estavam um pouco mais longe, por serem oriundos de Estados mais distantes, fizeram uma segunda constituição, e recusaram reconhecer as leis do outro partido. E John Brown lá estava, envolvido com todo tipo de violência, conspirativa ou aberta; ele foi «um ladrão de cavalos e assassino», aos olhos de ativistas decentes, pacíficos, políticos. Ninguém duvida que ele roubou cavalos, nem enviava comunicados sobre sua intenção de roubá-los. Ele também matou homens favoráveis à escravidão. Ele atacou e escapou muitas vezes antes de ser finalmente detido em Harper's Ferry. Se ele não usava dinamite, era porque dinamite ainda não estava em voga como uma arma prática. Ele fez mais ataques intencionais em sua vida do que os dois condenados irmãos Secretários Dobbs poderiam fazer com seus «métodos assassinos». E história compreende John Brown. A humanidade sabe que ele foi um homem violento, com sangue humano nas mãos, que foi culpado de alta traição, e enforcado por causa disso, contudo foi uma grande, forte, e desinteressada alma, incapaz de suportar o crime assustador que manteve 4.000.000 de pessoas como bestas estúpidas, e acreditava que fazer guerra contra isto era algo sagrado, um dever determinado por Deus, (John Brown era um homem muito religioso -- um presbiteriano).
É devido e por causa da ação direta dos precursores da mudança social, sejam eles de natureza pacífica ou bélica, que a Consciência Humana, a consciência da massa, desperta para a necessidade de mudança. Seria muito estúpido dizer que não se pode esperar nenhum resultado positivo da ação política; às vezes coisas boas ocorrem por esse modo. Mas nunca até que a rebelião individual, seguida pela rebelião da massa, forçe isto. A ação direta sempre é o clarim, o ponto de partida, pelo qual a grande soma de indiferentes se dá conta de que a opressão chegou a um nível intolerável.
Nós temos agora e opressão na terra -- e não apenas na terra, mas ao longo de qualquer região do mundo que desfrute as muitas promíscuas bênçãos da Civilização. E da mesma maneira que na questão da escravidão dos negros, outras formas de escravidão tem gerado ação direta e ação política. Um certo percentual de nossa população (provavelmente um percentual bem menor que aqueles que os políticos atingem com seus comícios) está produzindo a riqueza material na qual todo o resto de nós vive; da mesma forma aqueles 4.000.000 de negros escravizados sustentaram toda uma multidão de parasitas sobre seus ombros. Eles eram camponeses e operários.
Pelas imprevistas e imprevisíveis operações de instituições que nenhum de nós criou, mas que já existiam quando chegamos aqui, nós trabalhadores, que compomos a parte mais absolutamente necessária de toda estrutura social, e que sem nossos serviços ninguém pode comer, morar, ou vestir, somos exatamente os que menos tem oportunidade para comer, morar, ou vestir -- sem falar de outros benefícios sociais que supostamente nos oferecem, como educação e satisfação artística.
Nós trabalhadores temos, de uma ou de outra forma, juntado mutuamente nossas forças tentando melhorar nossas condições de vida; principalmente pela ação direta, e secundariamente pela ação política. Nós formamos Granjas, Alianças Camponesas [N.T.: no original Knights of Labor], Associações Cooperativas, Experiências de Colonização, Associações de Trabalhadores, Sindicatos, e a IWW (Industrial Workers of the World). Todos organizados com a finalidade de arrancar dos senhores da área econômica um pagamento um pouco melhor, condições um pouco melhores, horas um pouco mais curtas; ou por outro lado resistir contra uma redução no pagamento, contra condições piores, contra horas mais longas de trabalho. Nenhuma dessas tentativas procurava uma solução final à guerra social. Nenhum delas, com exceção da IWW, reconheceu que há uma guerra social em curso, inevitável enquanto perdurar as presentes condições legais-sociais. Nós trabalhadores aceitamos as instituições da propriedade da forma como encontramos. Elas foram compostas por homens comuns, com desejos de homens comuns, e resolveram fazer coisas que lhes parecia possível e bem razoáveis. Eles não estavam comprometidos com qualquer política em particular quando se organizaram, mas se associaram para a ação direta por iniciativa própria, tanto na forma positiva como na forma defensiva.
Sem dúvida houve e há em todas estas organizações, membros que olharam além das demandas imediatas; que olharam as coisas do ponto de vista do desenvolvimento contínuo das forças agora em operação para provocar rapidamente as condições diante das quais é impossível que a vida continue a mesma, e contra a qual protestem, e protestem violentamente; não há outra alternativa senão essa; ou isso ou a morte inevitavel; mas não há nada na natureza da vida que se renda sem luta, assim, não há porque morrer sem lutar. Vinte e dois anos atrás eu conheci o pessoal da Aliança Camponesa que dizia coisas assim, Associações de Trabalhadores que diziam o mesmo, Sindicalistas que diziam o mesmo. Eles pretendiam objetivos maiores que esses e criaram organizações para alcançá-los; mas eles tiveram que aceitar os membros como eles eram, e tentaram na medida do possível fazê-los compreender como as coisas funcionavam. Que eles poderiam ter preços melhores, salários melhores, condições menos perigosas, menos tirânicas, horas mais curtas de trabalho. Na fase do desenvolvimento quando estes movimentos foram iniciados, os trabalhadores do campo não viram a relação da luta deles com a luta dos trabalhadores nas fábricas ou nos transportes; nem estes últimos, por sua vez, perceberam qualquer relação deles com o movimento dos camponeses. Essas coisas bem poucos conseguiram compreender. Eles ainda têm que aprender que há uma luta comum contra aqueles que se apropriaram da terra, do dinheiro, e das máquinas.
Desgraçadamente as grandes organizações camponesas se fragmentaram em uma estúpida luta pelo poder político. Elas tiveram bastante êxito conquistando o poder em certos Estados; mas os tribunais pronunciaram suas leis inconstitucionais, e esse foi o cemitério de todas suas conquistas políticas. Seu programa original era construir seus próprios silos, e armazenar seus produtos, preservando-os do mercado até que pudessem escapar do especulador. Também, organizar bolsas de mão-de-obra, emitir notas de crédito em produtos depositados para troca. Se tivessem aderido a este programa de ajuda mútua dirigida, poderiam, até certo ponto, durante um tempo pelo menos, dispor de uma ilustração de como o gênero humano poderia livrar-se do parasitismo dos banqueiros e dos intermediários. Claro que tudo isso seria subvertido no final -- a menos que revolucionassem as mentes dos homens, por exemplo, forçando a subversão do monopólio legal da terra e do dinheiro -- mas pelo menos serviria a um grande propósito educacional. Sobre como «sacrificar pouco para ganhar muito» em vez de desintegrar-se em futilidades.
As Alianças Camponesas acabaram relegadas a uma relativa insignificância, não por causa de seu fracasso no uso da ação direta, nem por causa do seu envolvimento com políticos, que era pequeno, mas principalmente porque era uma massa heterogênea de trabalhadores que não conseguiram associar efetivamente seus esforços.
Enquanto as Alianças Camponesas afundavam, os Sindicatos cresciam fortes, e continuaram lentamente seu crescimento, e tenazmente aumentavam em poder. É verdade que às vezes esse fluxo oscilava; que vez por outra houve recuo; que grandes organizações centralizadas foram formadas e novamente dispersadas. Mas em geral os sindicatos constituíram um crescente poderio. E isso ocorreu porque, diante de sua pobreza, foi o meio pelo qual uma certa seção de trabalhadores pôde juntar forças para enfrentar diretamente seus patrões, e conseguir para si alguma porção daquilo que queriam -- se não ditavam as condições teriam pelo menos que tentar conseguir isso. A greve era a arma natural que possuíam, uma arma que eles mesmos forjaram. Em noventa por cento dos casos é o sopro direto da greve que faz o patrão tremer de medo. (Claro que há ocasiões quando ele anseia por uma, mas isso é incomum). A razão deste medo da greve não é tanto porque ele acha que não pode fazer nada contra ela, mas apenas e simplesmente porque ele não quer uma interrupção em seus negócios. O patrão ordinário não teme coisas como «voto consciente da classe trabalhadora»; há inúmeros locais onde você pode falar o dia todo sobre Socialismo ou sobre qualquer outro programa político; mas se você começa a falar sobre Sindicalismo pode esperar ser expulso em seguida ou na melhor das hipóteses ser convidado a calar a boca. Por que? Não porque o chefe seja tão sábio a ponto de saber que a ação política é um pântano onde o trabalhador se enlameia, ou porque ele percebe que aquele Socialismo político rapidamente está se tornando um movimento de classe-média; não. Ele acha que o Socialismo é uma coisa muito ruim; mas que é também uma bela porta de saída! Mas ele sabe que se os trabalhadores de sua fábrica forem sindicalizados, ele terá dificuldades imediatas. As mãos desses trabalhadores serão rebeldes, ele será forçado a gastar dinheiro para melhorar as condições de trabalho, ele terá que manter trabalhadores que detesta, e no caso de greve ele pode esperar danos aos seus equipamentos e edifícios.
É dito com frequência, e repetidamente como os papagaios fazem, que os patrões são uma «classe-consciente», que eles estão unidos em torno de seus interesses de classe, e que estão dispostos a sofrer qualquer tipo de perda pessoal em defesa desses interesses. Nada disso é verdade. A maioria dos empresários é exatamente como a maioria dos trabalhadores; eles se preocupam o tempo todo mais com suas perdas ou ganho individuais do que com os ganhos ou perdas de sua classe. E é sua própria perda individual que o patrão vê, quando ameaçado por um sindicato.
Agora todo mundo sabe que uma greve de qualquer tamanho significa violência. Não importa a preferencia ética pela paz que alguém possa ter, ele sabe que não estará calmo. Se for uma greve de telégrafos, significa arames cortados e postes derrubados, e infiltrar falsos fura-greves para destruir os instrumentos. Se for uma greve de metalúrgicos, significa dar porrada em fura-greves, quebrar janelas, descalibrar bitolas, e arruinar peças caras juntamente com toneladas e toneladas de material. Se for uma greve de mineiros, significa destruir trilhos e pontes, e explodir fábricas. Se for uma greve de trabalhadores de uma tecelagem ou artigos de vestuário, significa a ocorrência de incêndios «acidentais», pedradas em janelas aparentemente inacessíveis, ou possivelmente uma tijolada na cabeça do dono da fabrica. Se for uma greve de montadora de automóveis, significa remover esteiras ou obstruí-las com resíduos sólidos ou líquidos, com peças pesadas ou robôs, significa carros esmagados ou incinerados e interruptores sabotados. Se for uma greve de um sistema federado, significa máquinas «mortas», máquinas desreguladas, fretes descarrilados, e trens bloqueados. Se é uma greve na área da construção civil, significa dinamitar estruturas. E sempre, em toda parte, em todo o tempo, lutas de seguranças e fura-greves contra grevistas e simpatizantes de grevistas, entre Gente e Polícia.
No lado dos patrões, significa holofotes, cercas elétricas, vigilantes, cárcere privado, detetives e agentes provocadores, sequestro violento e deportação, e todo dispositivo que eles podem conceber para a proteção direta, além de ultimatos da polícia, milícias, polícia distrital, estatal, e tropas federais.
Todo o mundo conhece estas coisas; todo mundo sorri quando os funcionários do sindicato apelam aos trabalhadores para que sejam pacíficos e obedientes à lei, porque todo mundo sabe que estão mentindo. Eles sabem que a violência será usada, secreta e abertamente; e eles sabem que será usada porque os grevistas não podem agir de outro modo, sem imediatamente serem derrotados. Nem por isso eles podem ser acusados de perder a razão por usarem esses recursos violentos. As pessoas entendem em geral que eles fazem estas coisas pela lógica cruel de uma situação que eles não criaram, mas que os força a estes ataques pelo sucesso de sua luta pela vida ou para evitar descer ao poço sem fundo da pobreza, para evitar que a Morte os encontre nos ambulatórios dos asilos, na sarjeta, ou na lama. Esta é a alternativa terrível que os trabalhadores estão enfrentando; e é isto que faz com que pessoas integralmente propensas à cordialidade -- homens que desviam do caminho para ajudar um cão ferido, ou trazem um gatinho perdido para casa e o alimenta, ou pisam com cuidado para evitar esmagar um pintinho -- recorrem à violência contra membros de sua própria raça. Eles sabem, porque os fatos lhes ensinaram, que este é o único caminho para a vitória, se eles querem mesmo vencer. A coisa mais absurda e totalmente irrelevante que alguém pode dizer ou fazer quando se aproxima na intenção de apoiar ou ajudar um grevista que está lidando com uma situação imediata, é propor «nas eleições a gente dá o troco!» quando a próxima eleição está a uma distância de seis meses, um ano, ou dois anos.
Infelizmente a pessoa que conhece melhor como usar a violência na guerra sindical não pode tomar a palavra e dizer: «Em tal dia, em tal lugar, tal e qual ação específica será feita, o que resultará em que tal e qual concessão será conquistada, ou tal e qual patrão capitulará». Fazer isso tiraria sua liberdade e seu poder para a luta. Então aqueles que melhor conhecem a arte da greve têm que permanecer em silêncio em seu cantinho, e deixar a parte do discurso com os tagarelas. É a ação concreta, não o discurso, que dá clareza ao ponto de vista das pessoas.
Nas últimas semanas houve uma enxurrada de tagarelices. Oradores e escritores -- honestamente convencidos (eu acho) de que a ação política e apenas a ação política pode dar a vitória aos trabalhadores -- tem denunciado o que eles chamam de «ação direta» (a que eles realmente querem dizer é violência conspirativa [ou terrorismo]) como a autora de danos incalculáveis. Oscar Ameringer, por exemplo, disse recentemente em uma reunião em Chicago que o bombardeio de Haymarket conduziu o patamar da luta pelas 8 horas para vinte e cinco anos atrás, argumentando que quem teve sucesso foi a bomba não o movimento. É um grande engano. Ninguém pode medir exatamente em anos ou meses o efeito de um estímulo ou de uma reação. Ninguém pode provar que o movimento pelas oito-horas sairia vitorioso vinte e cinco anos atrás. Nós sabemos que a jornada de oito-horas foi legalmente estabelecida em Illinois em 1871 pela ação política, e permaneceu como lei morta. Que a ação direta dos trabalhadores ganharia essa parada, isso não pode ser provado; mas pode ser demonstrado que fatores bem mais potentes que a bomba de Haymarket atuaram contra a vitória dos trabalhadores nessa batalha pela jornada de oito horas. Por outro lado, se a influencia reativa da bomba foi realmente tão poderosa, deveríamos naturalmente esperar que as condições de trabalho e de organização sindical seriam piores em Chicago do que nas cidades onde nada disso aconteceu. Pelo contrário, por mais ruins que sejam, as condições gerais de trabalho são melhores em Chicago que nas demais cidades grandes, e o poder dos sindicatos desenvolveu-se mais lá do que em qualquer outra cidade americana com exceção de São Francisco. Assim se temos que tirar qualquer conclusão sobre a influência da bomba de Haymarket, é bom lembrar destes fatos. Pessoalmente eu não acho que sua influência no movimento operário, como tal, foi assim tão grande.
O mesmo ocorre com o presente frenesi sobre a violência. Nenhum fundamento foi alterado. Dois homens foram presos pelo que fizeram (vinte e quatro anos atrás eles seriam enforcados pelo que não fizeram); alguns poucos ainda podem ser presos. Mas as forças da vida continuarão se revoltando contra as cadeias econômicas que as prendem. Essa revolta não cessará nunca, não importa se homens de papel votem ou deixem de votar, enquanto essas cadeias não forem arrebentadas.
Como as cadeias serão quebradas?
Os ativistas políticos nos dizem que as cadeias econômicas só serão quebradas pela ação dos partidos de trabalhadores no poder mediante eleições; o voto colocará os meios de produção e de vida nas mãos do proletariado; que também assumirá o comando das florestas, das minas, das fazendas, das bacias hidrográficas, das fábricas, dos silos; da mesma forma, terá sob seu controle o poder militar para defender seus interesses, todo esse domínio será e estará a serviço do povo.
E depois?
Depois, haverá paz, criatividade, obediência à lei, paciência, e sobriedade (como Madero disse aos peões mexicanos após vendê-los a Wall Street)! Até mesmo se alguns de vocês forem privados de direitos civis ou de privilégios, não é necessário revoltar-se nem mesmo contra essas coisas, pode deixar que «o partido tomará as devidas providências».
Bem, eu já declarei que, ocasionalmente, algumas coisas boas podem resultar da ação política -- e não necessariamente da ação de partidos proletários. Mas estou plenamente convencida de que cada benefício alcançado é mais do que anulado pelo malefício que traz a tiracolo; também estou plenamente convencida de que, ocasionalmente, cada malefício resultante da ação direta é mais do que anulado pelo benefício que traz a tiracolo.
Quase todas as leis que foram moldadas originalmente com a intenção de beneficiar os trabalhadores, viraram armas armas nas mãos dos seus inimigos, ou se tornaram letra morta a menos que os trabalhadores pelas suas organizações obriguem diretamente sua observância. De forma que no final das contas, e de todas as maneiras, é na ação direta que devemos depositar nossa confiança. Como exemplo da ineficácia de uma lei, basta observar a lei antitruste que supostamente beneficiava o povo em geral e o proletariado em particular. Cerca de duas semanas depois que a lei entrou em vigor, 250 líderes sindicais foram citados para responder processo acusados de truste. Esse foi o efeito da lei aos grevistas de Illinois.
Mas os malefícios provocados pela confiança na ação indireta são bem maiores do que se pode imaginar. O principal malefício é que destrói a iniciativa, extingue o espírito rebelde de cada um, ensina pessoas a confiar em outra pessoa para fazer para eles o que eles deveriam fazer por si próprios; finalmente torna orgânica a idéia anômala de que aglomerar uma multidão inerte até que uma maioria seja obtida fará com que -- por uma estranha magia daquela maioria -- aquela inercia seja transformada em energia. Quer dizer, pessoas que perderam o hábito de lutar por si mesmas enquanto indivíduos, pessoas que se submetem a toda injustiça esperando que uma maioria seja formada, são metamorfoseadas em humanos de alto poder explosivo por um mero processo de empacotamento!
Eu concordo totalmente que as fontes da vida, e toda a riqueza natural da terra, e as ferramentas necessários à produção cooperativa, tem que estar livremente acessíveis a todos. Tenho certeza de que o sindicalismo precisa alargar e aprofundar seus propósitos, ou será extinto; estou segura de que a lógica da situação os forçará a ver isto gradualmente. Eles têm que aprender que o problema dos trabalhadores nunca pode ser resolvido espancando fura-greves, sua própria política de limitar seus sócios cobrando altas taxas e outras restrições ajuda criar fura-greves. Eles têm que aprender que o curso do crescimento não está tanto em salários mais altos, mas em jornadas mais curtas de trabalho que os permitirão a aumentar a quantidade de membros, a chamar qualquer pessoa disposta a entrar no sindicato. Eles têm que aprender que se eles querem mesmo ganhar batalhas, todos os trabalhadores aliados têm que agir em conjunto, e agir depressa (sem avisar aos patrões), e resguardar sua liberdade de entrar em greve quantas vezes for necessário. E finalmente eles têm que aprender (quando houver uma organização completa) que jamais ganharão nada permanente a menos que lutem, não por conquistas parciais, mas por conquistas totais -- não por um salário, não por benefícios secundários, mas pela conquista de todas as riquezas naturais do planeta. E procedam à expropriação direta de tudo!
Eles têm que aprender que seu poder não está na força do seu voto, mas na sua habilidade de parar a produção. É um grande engano supor que os assalariados constituem a maioria dos eleitores. Os assalariados estão hoje aqui e amanhã acolá, e isso impede um número grande deles de votar; uma grande porcentagem deles neste país são estrangeiros sem direito a voto. A prova mais patente, e os líderes Socialistas sabem disso, é que os sindicatos estão comprometendo cada ponto de seu programa visando angariar apoio da classe empresarial, e do pequeno investidor. Os documentos de seus programas proclamam que seus acordos foram assegurados por compradores de títulos de Wall Street, e que eles igualmente estariam prontos a comprar títulos de socialistas de Los Angeles da mesma forma que compram de administradores capitalistas; e que a atual administração de Milwaukee foi benéfica ao pequeno investidor; seus periódicos asseguram aos seus leitores naquela cidade que nós não precisamos ir até grandes lojas de departamentos para comprar -- basta comprar de Fulano de Tal na Avenida Milwaukee, que ficaremos totalmente satisfeitos como se estivéssemos comprando em uma «grande instituição empresarial». Em suma, eles estão fazendo um desesperado esforço para ganhar o apoio e prolongar a existência daquela classe-média que a economia socialista diz estar em frangalhos, porque sabem que não podem alcançar maioria sem eles.
O máximo que um partido de trabalhadores pode conseguir, supondo que seus políticos permaneçam honestos, seria formar uma forte facção no parlamento -- somando votos de vários lados -- para obter certos paliativos políticos ou econômicos.
Mas aquilo que a classe trabalhadora pode fazer, na medida em que toma a forma de uma sólida organização, é mostrar à classe proprietária, por uma parada súbita de todo trabalho, que toda estrutura social está sobre seus ombros; e que as propriedades e riquezas da classe empresarial são absolutamente inúteis para eles sem a atividade dos trabalhadores; tal protesto, tal golpe, direto no coração do sistema da propriedade, ocorrerá periodicamente, continuamente, até que a coisa inteira seja abolida -- e tendo mostrado sua eficácia, procederá a expropriação.
«E quanto ao poder militar?», diz o ativista político; «temos que conquistar poder político, ou o exército será usado contra nós!»
Contra uma real Greve Geral, o exército não pode fazer nada. Oh, ou melhor, se você tiver um Socialista como Briand no poder, ele pode declarar os trabalhadores «funcionários públicos» e mandar o exército contra eles! Mas contra o sólido muro de uma massa de trabalhadores parados, nem Briand poderia derrubá-lo.
Enquanto isso, até este despertar internacional, a guerra entre as classes continuará seguindo seu curso, apesar de toda essa manifesta histeria de pessoas bem-intencionadas mas que não compreendem a vida e suas necessidades; apesar do patente temor dos líderes acovardados; apesar de toda vingança reacionária que pode ser perpetrada; apesar de todo capital que os políticos recebem da situação. A luta de classes continuará seu curso porque a Vida anseia por viver, mesmo com a Propriedade negando sua liberdade para viver; a Vida não se submeterá.
Nem deve se submeter.
Seguirá seu curso até aquele dia quando uma Humanidade que se auto libertou puder cantar o Hino ao Homem de Swinburne:
«Glória ao Homem nas alturas,
Ao Homem, Senhor das coisas».
v v v
voltar: http://www.oocities.com/projetoperiferia/Numero7.htm
Traduzido eletrônicamente e ligeiramente revisado pelo Coletivo Periferia
http://www.oocities.com/projetoperiferia
quarta-feira, 30 de outubro de 2013
domingo, 13 de outubro de 2013
Os jornais, para que servem?
Os jornais, para que servem? (*)
Henry David Thoreau
Ler um jornal é como observar um aquário. Peixes, água, barquinho afundado, bolhas. A visão dos jornais restringe o mundo a um aquário! Um mundo reduzido, um conjunto ou círculo ideológico onde cabem apenas vedetes, uma covarde concessão às idéias dominantes e aos poderes governamentais.
Acompanhei as notícias dos jornais, revistas e TV no período da ditadura. Com raras exceções, não via utilidade melhor aos jornais impressos que dobrá-los, cortá-los, perfurá-los e dependurá-los em um prego perto da bacia da privada. Nem uma palavra pela democracia. O fato do regime ditatorial proibir jornais de falar a verdade não justifica proferir mentiras durante 21 anos. Se um soldado é obrigado pelo seu comandante a descumprir as leis, ferir, matar inocentes, se for pessoa de bem, nada mais lógico do que mudar de profissão. Porque os jornalistas naquele período não fizeram o mesmo?
Esses noticiários nos são vendidos como peixe velho retirado de uma geladeira. Em seus personagens principais, vedetes do mundo esportivo, político, artístico, científico, não se vê nada que lembre respeitáveis cidadãos de uma democracia. E quando retratam o homem comum, ele aparece como criminoso, estúpido, ridículo ou massa de manobra.
Lembro da ocasião em que contratei uma jornalista do Estadão para escrever uma matéria sobre Jaime Cuberos, que acabara de morrer de câncer. Sapateiro, jornalista, autodidata, respeitado no meio acadêmico, maior expressão do anarquismo brasileiro. A matéria seria publicada numa revista alternativa. “Jaime Cuberos? Quem é?” Disse ela, em tom de deboche. Respondemos que o Jornal do Brasil fizera no dia anterior uma resenha sobre sua vida, ao que ela retrucou: “o JB está à beira da falência, esse cara não merece nada além de uma nota paga na seção de efemérides”. Nesse dia eu compreendi a estreiteza da mentalidade da maior parte dos jornalistas.
Mas quem é este público que consome jornais? Quem é este público assim tão totalmente privado da liberdade e que tolera todo tipo de abuso? Seja lá qual for, ele merece menos que qualquer outro ser tratado gentilmente. Os manipuladores da propaganda, com o descaramento habitual daqueles que sabem que as pessoas tendem a justificar quaisquer afrontas não desforradas, calmamente declaram que “as pessoas informadas lêem jornais”. Mas essas informações e esses jornais são igualmente vis, pois dificilmente questionam quem, como, quando, porque certas matérias são escritas, e ignoram por quem e por qual razão uma versão do fato é defendida nos editoriais e outra não.
Os leitores de jornais, raramente proletários e nunca burgueses de verdade, são recrutados quase que completamente de um único estrato social, que, todavia, tem aumentado consideravelmente – o extrato dos empregados qualificados de baixo nível das várias ocupações do setor de “serviços”, tão necessários ao atual sistema de produção: administração, controle, manutenção, pesquisa, ensino, propaganda, entretenimento, pseudo crítica. Só para dar uma idéia de quem são eles. Este público que ainda lê jornais, inclui naturalmente o jovem da mesma classe que ainda está na fase de aprendizado de uma ou outra dessas funções.
Enganados sobre tudo, eles podem apenas repetir absurdos baseados em mentiras – não passam de pobres assalariados que se vêem como donos de propriedades, não passam de místicos ignorantes que se julgam educados, não passam de zumbis com a ilusão de que seus votos significam alguma coisa, e que acompanham diariamente os gráficos das intenções de voto estampados nas manchetes, que pautarão suas conversas nos bares, filas e local de trabalho.
Este público, que gosta de simular conhecimento, na verdade não faz outra coisa senão justificar tudo aquilo que é forçado a sofrer, aceitando passivamente a constante e crescente repugnância do alimento que ingere, do ar que respira, da casa onde mora – este público leitor grita por mudança somente quando afeta a mesmice com a qual se acostumou. Todos os jornalistas, até mesmo aqueles suficientemente atualizados para ecoar alguns poucos modismos criados pela imprensa, continuam presumindo a inocência deste público, continuam usando as mesmas velhas convenções jornalísticas para mostrar o mesmo tipo de aventura distante ordenada por celebridades – celebridades cuja intimidade pode ser vista em grande parte pelo buraco da fechadura da TV.
Os jornais a que me refiro é uma imitação desordenada de uma vida desordenada, uma produção habilmente projetada para nada comunicar. Não serve a nenhum propósito fora daquela hora de enfado que reflete o mesmo enfado. Esta imitação covarde é a enganação do presente e a falsa testemunha do futuro. Sua massa de ficções e grandes espetáculos não passa de uma acumulação inútil de reflexos varridos pelo tempo. Que respeito infantil pelas imagens e pensamentos de políticos profissionais, celebridades de BBB, Fazenda, vedetes de futebol! Esta feira das vaidades é bem adequada para espectadores plebeus, que constantemente oscilam entre o entusiasmo e a decepção, o bipolarismo epidêmico de nossos dias; falta-lhes gosto porque eles nunca tiveram nenhuma experiência feliz em coisa alguma, e recusam admitir suas experiências infelizes porque lhes falta além da coragem também o gosto. Isso explica porque nunca cessam de sofrer todo tipo de fraude, geral e particular, que apela para a auto influenciada credulidade.
O que os jornais de nossos dias escrevem, da mesma forma que durante o tempo da ditadura, é tão desprezível quanto a máxima de que o que não está no processo ou no aquário não está no mundo. Foi justamente a intimidação de testemunhas, a compra de falsos depoimentos, o sumiço de provas cabais, tudo isso promovido pelo governo dos Estados Unidos, que lançaram Sacco e Vanzeti na cadeira elétrica, e que fizeram o advogado deles jurar que nunca mais pisaria num tribunal.
Todo ano a mesma ladainha do mundo do aquário e do processo. Diariamente jornais estampam malditos gráficos de intenção de voto em candidatos de plantão. Como se não houvesse no mundo outra opção à democracia representativa, democracia que deixa de sê-la ao tornar-se representativa. Como se democracia do povo e democracia de representantes ou pseudo representantes do povo fossem a mesma coisa.
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(*) boa parte desse texto constitui desvio de "In Girum" de autoria de Guy Debord
sábado, 28 de setembro de 2013
sexta-feira, 20 de setembro de 2013
Por que os homens se entorpecem? Liev Tolstoi
Por que os homens se entorpecem?
Liev Tolstoi
Texto em inglês
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Polêmica de Tolstoy contra o que ele viu como as "fugas" do álcool e dos narcóticos, traduzido do russo para o inglês por Aylmer e Louise Maud. Originalmente publicado em 1890 como prefácio a um livro do Dr. P. S. Alexeyef, que Tolstoy havia conhecido três anos antes.
Tabela de conteúdo [esconder]
1 I
2 II
3 III
4 IV
5 V
6 VI
7 Notas
[editar]I
Qual é a explicação do fato que as pessoas usam coisas que as entorpecem: vódka, vinho, cerveja, haxixe, ópio, tabaco, e outras coisas menos comuns: éter, morfina, cogumelos alucinógenos, etc.? Por que a prática começou? Por que se espalhou tão rapidamente, e por que ainda está se espalhando entre todos os tipos de pessoas, selvagens e civilizadas? Como é que onde não há vódka, vinho ou cerveja, nós encontramos ópio, haxixe, cogumelos alucinógenos, e similares, e que o tabaco é usado em todo lugar?
Por que as pessoas desejam se entorpecer?
Pergunte a qualquer pessoa por que ela começou a beber vinho e por que ela o bebe agora. Ela vai responder, "Ó, eu gosto, e todo mundo bebe," e ela pode acrescentar, "isso me alegra". Algumas - aquelas que nunca tiveram o problema de considerar se elas fazem bem ou mal em beber vinho - podem acrescentar que vinho é bom para a saúde e aumenta as forças; quer dizer, vai fazer uma declaração há muito tempo provada infundada.
Pergunte a um fumante por que ele começou a usar tabaco e por que fuma agora, e ele também vai responder: "Para passar o tempo; todo mundo fuma."
Respostas similares provavelmente seriam dadas por aqueles que usam ópio, haxixe, morfina ou cogumelos alucinógenos.
"Para passar o tempo, para se alegrar; todo mundo faz isso". Mas pode ser desculpável torcer os dedos, assobiar, cartarolar múscias, tocar uma flauta ou fazer algo desse tipo "para passar o tempo", "para se alegrar" ou "porque todo mundo faz isso" - quer dizer, pode ser desculpável fazer algo que não involva desperdiçar a riqueza natural, ou gastar o que custou enorme trabalho para se produzir, ou fazer o que traz evidente dano para si próprio e para outros.
Mas para produzir tabaco, vinho, haxixe e ópio, o trabalho de milhões de homens é gasto, e milhões e milhões de acres da melhor terra (frequentemente no meio de uma população que tem pouca terra) são empregados para cultivar batatas, cânhamo, papoula, videiras e tabaco.
Além disso, o uso destas evidentemente nocivas coisas produz terríveis males conhecidos e admitidos por todo mundo, e destrói mais pessoas que todas as guerras e doenças contagiosas somadas. E as pessoas sabem disso, de modo que elas não podem realmente usar essas coisas "para passar o tempo", "para se alegrar" ou porque "todo mundo faz isso".
Tem de haver outro motivo. Continuamente e em todo lugar alguém encontra pessoas que amam suas crianças e estão preparadas para fazer todo tipo de sacrifício por elas, mas que ainda gastam em vódka, vinho e cerveja, ou em ópio, haxixe, ou mesmo tabaco, tanto quanto seria completamente suficiente para alimentar suas crianças famintas e miseráveis, ou pelo menos tanto quanto bastaria para salvá-las da miséria.
Evidentemente se um homem que tem de escolher entre as necessidades e sofrimentos de uma família que ele ama por um lado, e abstinência de entorpecentes do outro, escolhe o primeiro - ele deve ser induzido a isso por algo mais potente que a consideração que todo mundo faz isso ou que isso é agradável. Evidentementeisso é feito não "para passar o tempo", nem meramente "para se alegrar". Ele é atuado por uma causa mais poderosa.
Essa causa - até onde eu a detectei lendo sobre este assunto e observando outras pessoas, e particularmente observando meu próprio caso quando eu bebia vinho e fumava tabaco - essa causa, eu acredito, pode ser explicada como segue:
Quando, observando sua própria vida, um homem frequentemente percebe nele dois diferentes seres: um é cego e físico, o outro vê e é espiritual. O ser cego e animal come, bebe, descansa, dorme, se reproduz e se movimenta, como um robô. O ser espiritual e observador que está ligado ao animal não faz nada por si, mas apenas avalia a atividade do ser animal; coincidindo com ele quando aprova sua atividade, e divergindo dele quando disaprova.
Este ser observador pode ser comparado à agulha de uma bússola, apontando com uma ponta para o norte e com a outra para o sul, mas rastreada ao longo de todo o seu comprimento por algo que não é visível, desde que isso e a agulha apontam ambos para o mesmo lado; mas que se torna óbvio tão logo eles apontam para lados diferentes.
Da mesma forma o ser observador e espiritual, cuja manifestação nós comumente chamamos consciência, sempre aponta com uma extremidade para o certo e com a outra para o errado, e nós não a notamos enquanto nós seguimos o rumo que ela mostra: o rumo do errado para o certo. Mas alguém precisa apenas fazer alguma coisa contrária à indicação da cosciência para tornar-se ciente deste ser espiritual, que então mostra como a atividade animal divergiu da direção indicada pela consciência.
E como um navegador ciente de que ele está no caminho errado não pode continuar a trabalhar o motor, remos ou velas, até que tenha ajustado seu rumo às indicações da bússola, ou até que tenha obliterado sua consciência dessa divergência - cada homem que sentiu a dualidade de sua atividade animal e sua consciência pode continuar sua atividade somente ajustando esta atividade às demandas da consciência, ou escondendo dele próprio as indicações que a consciência lhe dá sobre a incorreção de sua vida animal.
Toda vida humana, podemos dizer, consiste exclusivamente nestas duas atividades:1. trazer suas atividades em harmonia com a consciência, ou2. esconder de si próprio as indicações da consciência em ordem de ser capaz de continuar a viver como antes.
Alguns fazem o primeiro, outros o segundo. Para atingir o primeiro há apenas um meio: esclarecimento moral - o aumento da luz em si e atenção ao que ela mostra. Para atingir o segundo - esconder de si próprio as indicações da consciência - existem dois meios: um externo e o outro interno. O meio externo consiste em ocupações que desviam a atenção das indicações dadas pela consciência; o método interno consiste em obscurecer a própria consciência.
Como um homem tem duas formas de evitar ver um objeto que está diante de si: ou desviando sua vista para outros objetos mais notáveis, ou obstruindo a visão de seus próprios olhos - assim também um homem pode esconder de si as indicações da consciência de duas formas: ou pelo método externo de desviar sua ateção para várias ocupações, preocupações, diversões, ou jogos; ou pelo método interno de obstruir o próprio órgão da atenção[1].
Para pessoas de lento, limitado sentimento moral, os desvios externos são muitas vezes completamente suficientes para permitir-lhes não perceber as indicações que a consciência dá sobre a incorreção de suas vidas. Mas para pessoas moralmente sensitivas esses meios são muitas vezes insuficientes.
Os meios externos não desviam muito a atenção do conhecimento de discórdia entre a vida e as demandas da consciência. Esse conhecimento dificulta a vida; e em ordem de ser capaz de seguir vivendo como antes, as pessoas recorreram ao método interno e confiável, que é o do obscurecimento da própria consciência pelo envenenamento do cérebro com substâncias entorpecentes.
Alguém não está vivendo como a consciência damanda, ainda lhe falta força para reformular a vida de acordo com suas exigências. Os desvios que podem distrair a atenção do conhecimento dessa discórdia são insuficientes, ou se tornaram obsoletos, e assim - em ordem de ser capaz de viver, desconsiderando as indicações que a consciência dá acerca da incorreção de suas vidas - as pessoas (envenenando-o temporariamente) param a atividade do órgão [o cérebro] através do qual a consciência se manifesta, como um homem cobrindo seus olhos esconde de si próprio o que ele não quer ver.
[editar]II
A causa do consumo mundial de haxixe, ópio, vinho e tabaco consiste não no gosto, nem em algum prazer, recreação, ou alegria que eles proporcionam, mas simplesmente na necessidade do homem de esconder dele mesmo as demandas da consciência.
Eu estava andando ao longo da rua um dia, e passando por alguns cocheiros que estavam conversando, ouvi um deles dizer: "Com certeza quando um homem está sóbrio sente vergonha de fazer isso!"
Quando um homem está sóbrio ele sente vergonha do que parece tudo bem quando ele está embriagado. Nessas palavras nós temos a causa essencial e fundamental que leva os homens a recorrer a entorpecentes. As pessoas recorrem a eles ou para escapar de ter vergonha após ter feito algo contrário às suas consciências, ou para trazer a si mesmo de antemão a um estado no qual elas podem cometer ações contrárias à consciência, mas para as quais sua natureza animal os induzem.
Um homem quando sóbrio tem vergonha de ir atrás de uma prostituta, tem vergonha de roubar, tem vergonha de matar. Um homem embriagadonão sente vergonha de nenhuma dessas coisas, e portanto se um homem deseja fazer algo que sua consciência condena ele se entorpece.
Lembro-me de ser atingido pela evidência de um cozinheiro que foi julgado por assassinar uma conhecida minha, uma velha senhora em cujo serviço ele viveu. Ele relatou que quando ele tinha mandado embora sua amante, a criada, e havia chegado a hora de agir, ele desejou ir ao quarto com uma faca, mas sentiu que enquanto sóbrio ele não poderia cometer o ato que havia planejado... "quando um homem está sóbrio ele sente vergonha." Ele deu meia volta, bebeu dois copos de vódka que havia preparado de antemão, e só então sentiu-se preparado, e cometeu o crime.
Nove décimos dos crimes são cometidos desta maneira: "Beber para manter a coragem."
Metade das mulheres que caem fazem isso sob a influência do vinho. Quase todas as visitas a prostíbulos são pagas por homens que estão bêbados. As pessoas conhecem essa capacidade do vinho de sufocar a voz da consciência, e intencionalmente o usam com esse propósito.
As pessoas não apenas entorpecem a si mesmas para sufocar sua própria consciência, mas, sabendo como o vinho age, elas intencionalmente entorpecem outros quando desejam fazê-los cometer ações contrárias à consciência - isto é, elas se organizam para entorpecer pessoas com o objetivo de privá-las da consciência.
Na guerra, soldados são geralmente alcoolizados antes de um combate mão-a-mão. Todos os soldados franceses nos assaltos a Savastopol estavam embriagados.
Quando um local fortificado foi capturado mas os soldados não saqueam nem matam os velhos e crianças indefesos, frequentemente ordens são dadas para fazê-los beber e então eles fazem o que é esperado.[2]
Todo mundo conhece pessoas que foram levadas a beber em consequência de alguma má alção, que atormentou sua consciência. Qualquer um pode notar que aqueles que levam vidas imorais são mais atraídos por substâncias entorpecentes que outros. Bandos de assaltantes ou ladrões e prostitutas não conseguem viver sem tóxicos.
Todo mundo sabe e admite que o uso de substâncias entorpecentes é uma consequência das aflições da consciência, e que em certos modos imorais de viver as substâncias entorpecentes sçao empregadas para sufocar a consciência. Todo mundo sabe e amdmite também que o uso de entorpecentes sufoca a consciência: que um bêbado é capaz de feitos que quando sóbrio ele não pensaria nem por um momento.
Todo mundo concorda com isso, mas é estranho dizerem que quando o uso de entorpecentes não resulta em atos como roubos, assassinatos, estupros, e assim por diante - quando entorpecentes são usados não após crimes terríveis, mas por homens que seguem profissões que não consideramos criminosas, e quando as substâncias são consumidas não em grandes quantidades de uma vez, mas continuamente em doses moderadas - entrão é assumido que substâncias entorpecentes não tem tendência de sufocar a consciência.
Assim é suposto que um copo de vódka de um russo rico antes cada refeição e um copo de vinho com a refeição, ou o absinto de um francês, ou o vinho do porto e a cerveja porter de um inglês, ou a cerveja lager de um alemão, ou a dose moderada de ópio de um chinês e o fumo de tabaco com eles - é feito só por prazer e não tem qualquer efeito em suas consciências.
É suposto que se após este entorpecimento habitual nenhum crime é cometido - nenhum roubo ou assassinato, mas só costumeiras ações más e estúpidas - então essas ações ocorreram por si mesmas e não msão evocadas pelo entorpecimento. É suposto que se essas pessoas não cometeram ofensas contra a lei penal elas não tem necessidade de sufocar a voz da consciência, e que a vida levada por pessoas que habitualmente se entorpecem é uma vida muito boa, e seria precisamente a mesma se eles não se entorpecessem. É suposto que o uso constante de entorpecentes nem sequer obscurece suas consciências.
Embora todo mundo saiba por experiência que o estado de espírito de um homem é alterado pelo uso de vinho ou tabaco, que ele não sente vergonha de coisas que se não fosse o estimulante ele sentiria, que após cada pontada de consciência, mesmo que pequena, ele é inclinado a recorrer a algum entorpecente, e que sob a influência de entorpecentes é difícil refletir sobre sua vida e posição, e que o uso constante e regular de entorpecentes produz o mesmo efeito fisiológico que seu uso ocasional e imoderado - ainda apesar de tudo isso parece aos homens que bebem e fumam moderadamente que eles não usam enorpecentes de forma alguma para sufocar a consciência, mas apenas pelo gosto ou pelo prazer.
Mas alguém precisa apenas pensar no assunto séria e imparcialmente - sem tentar se desculpar - para entender,1. primeiro, que se o uso de entorpecentes em doses grandes e ocasionais sufoca a consciência, seu uso regular deve ter um efeito parecido (sempre primeiro intensificando e então reduzindo a atividade do cérebro) se eles são tomados em doses pequenas ou grandes.2. segundo, que todos entorpecentes têm a qualidade de sufocar a consciência, e o têm sempre [inerentemente] - tanto quando sob sua influência assassinatos, roubos e estupros são cometidos, e quando sob sua influência são ditas palavras que não teriam sido ditas, ou são pensadas e sentidas coisa que exceto devido a eles não teriam sido pensadas e sentidas; e,3. terceiro, que se o uso de entorpecentes é necessário para pacificar e sufocar as consciências de assaltantes, ladrões e prostitutas, também é desejado por pessoas engajadas em ocupações condenadas por sua própria consciência, mesmo que essas ocupações possam ser consideradas apropriadas e dignas por outras pessoas.
Numa palavra, é impossível evitar o entedimento de que o uso de entorpecentes, em grandes ou pequenas quantidades, ocasional ou regularmente, nos círculos altos ou baixos da sociedade, é evocado pela mesma causa, a necessidade de sufocar a voz da consciência em ordem de não estar ciente da discórdia existente entre o modo de vida e as demandas da consciência.
[editar]III
Nisso apenas está o motivo do uso difundido de todas substâncias entorpecentes, e entre as demais o tabaco - provavelmente a mais geralmente usada e mais nociva.
Supõe-se que o tabaco anima as pessoas, clareia os pensamentos e atrai alguém meramente como qualquer outro hábito - de qualquer modo sem produzir o amortecimento da consciência produzido pelo vinho.
Mas você precisa apenas observar atentamente as condições sob as quais um especial desejo de fumar surge, e você estará convencido de que se entorpecer com tabaco atua na consciência como o vinho, e que as pessoas conscientemente recorrem a este método de entorpecimento somente quando necessitam disso para tal propósito.
Se o tabaco meramente clareasse os pensamentos e animasse as pessoas, não haveria esse desejo apaixonado por ele, um desejo que se mostra só em certas ocasiões definitivas. As pessoas não diriam, como fazem, que elas preferem passar sem pão que sem tabaco, e não iriam muitas vezes preferir realmente tabaco a comida.
Aquele cozinheiro que assassinou sua amante disse que quando ele entrou no quarto e cortou sua garganta com sua faca e ela caiu com um rasgo na garganta e o sangue derramou numa torrente - ele perdeu a coragem. "Eu não podia acabar com ela," ele disse, "mas eu voltei do quarto para a sala e sentei ali e fumei um cigarro."
Só após se entorpecer com tabaco ele foi capaz de retornar ao quarto, terminou de cortar a garganta da fulher, e começou a examinar suas coisas.
Evidentemente o desejo de fumar naquele momento foi evocado nele, não por um desejo de clarear seus pensamentos ou de ficar alegre, mas pela necessidade de sufocar algo que previniu ele de completar o que ele havia planejado.
Qualquer fumante pode detectar em si próprio o mesmo desejo definitivo de se entorpecer com tabaco em certos momentos especialmente difíceis.
Recordo os dias em que eu costumava fumar: quando foi que eu senti uma necessidade especial de tabaco? Era sempre em momentos quando eu não desejava lembrar de certas coisas que se apresentavam a minha lembrança, quando eu desejava esquecer - não pensar.1. Sento-me sem fazer nada e sei que deveria começar a trabalhar, mas não me sinto inclinado a fazê-lo, então eu fumo e continuo sentado.2. Prometi estar na causa de alguém às cinco e ponto, mas fiqeui tempo demais em outro lugar. Lembro que perdi o compromisso, mas não gosto de lembrar, então eu fumo.3. Fico irritado e digo coisas desagradáveis a alguém, e sei que estou fazendo errado e vejo que devo parar, mas quero dar vazão à minha irritabilidade - então eu fumo e continua irritável.4. Jogo cartas e perco mais do que pretendia arriscar - então eu fumo.5. Coloquei-me numa posição estranha, agi mal, cometi um erro, e devo reconhecer a confusão em que estou e assim escapar dela, mas não gosto de reconhecê-la, então eu acuso outros - e fumo.6. Escrevo algo e não estou muito satisfeito com o que escrevi. Eu devo abandoná-lo, mas quero terminar o que planejei - então eu fumo.7. Participo de um debate, e vejo que meu oponente e eu não entendemos e não podemos entender um ao outro, mas eu quero expressar minha opinião, então eu continuo a falar - e fumo.
O que distingue o tabaco da maioria dos outros entorpecentes, além da facilidade com que se pode entorpecer a si próprio com ele e de ser aparentemente inofensivo, é sua mobilidade e a possibilidade de aplicá-lo em caso de pequenas, isoladas ocorrências que perturbam o usuário.
Para não mencionar que o uso de ópio, vinho e haxixe envolve o uso de certos equipamentos nem sempre à mão, enquanto se pode sempre carregar tabaco e papel consigo; e que o usuário de ópio e o bêbado provocam horror enquanto um fumante de tabaco não parece absolutamente repulsivo - a vantagem do tabaco sobre outros entorpecentes é que o entorpecimento do ópio, haxixe, ou vinho extende-se a todas as sensações e atos recebidos ou produzidos durante um período de tempo mais ou menos prolongado - enquanto o entorpecimento do tabaco pode ser dirigido a qualquer ocorrência separada.
Você deseja fazer o que não devia, então você fuma um cigarro e se entorpece o suficiente para permitir-se fazer o que não deveria ser feito, e então você está [supostamente] tudo bem novamente, e pode pensar e falar claramente; ou você sente que fez o que não deveria - novamente você fuma um cigarro e a desagradável percepção da ação errada ou inábil é obliterada, e voc~e pode se ocupar com outras coisas e esquecer isso.
Mas além dos casos individuais em que todo fumante recorre ao fumo, não para satisfazer um hábito ou passar o tempo, mas como um meio de sufocar sua consciência com referência a atos que ele está prestes a cometer ou já cometeu, não é evitente o bastante que há uma estrita e definitiva relação entre o modo de viver dos homens e sua paixão por fumar?
Quando os rapazes começam a fumar? Geralmente quando eles perdem sua inocência infantil. Como é que fumantes podem abandonar o fumo quando eles vivem entre condições de viva mais morais, e novamente começam a fumar tão logo eles caem entre um meio depravado? Por que quase todos jogadores fumam? Por que entre as mulheres aquelas que levam uma vida regular fumam menos? Por que as prostitutas e os loucos todos fumam?
Hábito é hábito, mas evidentemente fumar está em alguma ligação com o desejo de sufocar a consciência, e alcança o fim que lhe é exigido.
Pode-se observar no caso quase todo fumante para que extensão fumar abafa a voz da consciência. Todo fumante quando submisso ao seu desejo esquece, ou iguala a zero, as priemiras exigências da vida social - exigências que ele espera que outros observem, e que ele observa em todos os outros casos até sua consciência estar sufocada pelo tabaco.
Todo mundo de educação mediana considera inadmissível, mal-educado, e desumano infringir a paz, o conforto e ainda mais a saúde dos outros pelo seu próprio prazer. Ninguém permitiria a si mesmo molhar uma sala onde as pessoas estão sentadas, ou fazer barulho, gritar, deixar o ar frio, quente, ou mal-cheiroso, ou cometer ações que incomodam ou prejudicam os outros. Mas em mil fumantes nem um vai deixar de produzir fumaça nociva numa sala onde o ar é respirado por mulheres não-fumantes e crianças.
Se os fumantes geralmente dizem aos presentes: "Você não se importa?" todo mundo sabe que a resposta costumeira é: "De modo nenhum" (embora não possa ser agradável a um não-fumante respirar ar infectado, nem encontrar pontas de cigarro fedorentas em copos e taças ou em pratos e castiçais, ou mesmo em cinzeiros).[3]
Mas mesmo se adultos não-fumantes não se importam com o uso de tabaco, este não pode ser agradável ou bom para as crianças cujo consentimento ninguém pede. Até pessoas que são honrosas e humanas em todos os outros aspectos fumam na presença de crianças no jantar em pequenas salas, viciando o ar com a fumaça do tabaco, sem sentir a menor pontada de consciência.
Normalmente é dito (e eu costumava dizer) que fumar facilita o trabalho mental. E isso é indiscutivelmente verdadeiro se se considerar apenas a quantidade de trabalho mental. Para um homem que fuma, e que consequentemente cessa estritamente de avaliar e pesar seus pensamentos, parece como se ele repentinamente tivesse vários pensamentos. Mas isso não é porque ele realmente tem vários pensamentos, mas só porque ele perdeu o controle de seus pensamentos.
Quando um homem trabalha ele está sempre consciente de dois seres em si mesmo: um trabalha, o outro avalia o trabalho. Quanto mais rigorosa a avaliação, mais devagar e melhor é o trabalho; e vice-versa, quando o avaliador está sob influência de algo que o entorpece, mais trabalho é feito, mas sua qualidade é mais pobre.
"Se eu não fumar não consigo escrever. Não consigo chegar lá; eu começo e não consigo continuar", é o que eu normalmente dizia, e o que eu costumava dizer. O que isso realmente significa? Significa ou que você não tem nada para escrever, ou que aquilo que você deseja escrever ainda não amadureceu na sua consciência mas está apenas começando vagamente a se apresentar para você, e a avaliação crítica de dentro, quando não entorpecida com tabaco, assim lhe diz. Se você não fumar, você iria ou abandonar o que começou, ou esperar até o seu pensamento ter se clareado na sua mente; você tentaria penetrar no que se apresenta vagamente a você, consideraria as objeções que se oferecem, e voltaria toda sua atenção à elucidação do pensamento.
Mas você fuma, o crítico dentro de você é entorpecido, e os obstáculos ao seu trabalho são removidos. O que parecia insignificante para você quando não inebriado pelo tabaco, novamente parece importante; o que parecia obscuro não parece mais assim; as objeções que se apresentaram desaparecem e você continua a escrever, e escreve muito e rapidamente.
[editar]IV
Mas pode uma alteração tão pequena - tão trivial - como a intoxicação ligeira produzida pelo uso moderado de vinho ou tabaco produzir consequências importantes?
"Se um homem fuma ópio ou haxixe, ou se intoxica com vinho até cair e perder os sentidos, é claro que as consequências podem ser muito sérias; mas com certeza não pode ter nenhuma consequência séria se um homem apenas fica ligeiramente sob influência do lúpulo ou do tabaco", é o que normalmente é dito.
Parece às pessoas que um entorpecimento leve, um pequeno obscurecimento do juízo, não pode ter nenhuma influência importante. Mas pensar assim é como supor que golpear um relógio com uma pedra pode danificá-lo, mas que uma pequena sujeira introduzida nele não pode.
Lembre, entretanto, que o principal trabalho atuando na vida inteira do homem não é feito por suas mãos, seus pés, ou suas costas, mas por sua consciência. Antes que um homem possa fazer qualquer coisa com seus pés ou mãos, uma certa alteração tem que acontecer na sua consciência primeiro. E essa alteração define todos os movimentos subsequentes do homem. Porém essas alterações são sempre minúsculas e quase imperceptíveis.
Bryullóv um dia corrigiu o estudo de um aluno. O aluno, tendo olhado para o desenho alterado, exclamou: "Por que, você só tocou um pouquinho, mas está algo completamente diferente". Bryullóv respondeu: "Arte começa onde começam as pequenas coisas".
Esta fala é notavelmente verdadeira não só à arte mas à toda vida. Pode-se dizer que a verdadeira vida começa onde começam as pequenas coisas - onde acontece o que nos parece alterações minúsculas e infinitamente pequenas. A verdadeira vida não é vivida onde acontecem grandes mudanças externas - onde as pessoas se movem, se confrontam, lutam e matam umas às outras - é vivida só onde essas minúsculas, minúsculas e infinitamente pequenas mudanças ocorrem.
Raskólnikov não viveu sua verdadeira vida quando assassinou a velha ou a irmã dela. Quando assassinava a velha, e ainda mais quanda assassinava a irmã dela, ele não viveu sua verdadeira vida, mas agiu como uma máquina, fazendo o que ele não podia deixar de fazer - descarregar o fardo com o qual ele havia sido carregado. Uma mulher foi morta, outra estava diante dele, a machadinha estava em sua mão.
Raskólnikov viveu sua verdadeira vida não quando ele encontrou a irmã da velha, mas no momento em que ele não havia matado ainda nenhuma delas, nem entrado na residência de uma estranha com a intenção de matar, nem segurado a machadinha em sua mão, nem tinha em seu sobretudo o nó no qual o machado foi pendurado..
Ele viveu sua verdadeira vida quando ele estava deitado no divã em seu quarto, deliberando nada sobre a velha, nem mesmo como saber se é permitido ou não à vontade de um homem de limpar da face da terra outra pessoas, desnecessária e nociva, mas se ele devia liver em Petersburgo ou não, se ele devia aceitar dinheiro da sua mãe ou não, e sobre outras questões em nada relacionadas à velha.
E então - naquela região bastante independente das atividades animais - a questão de se ele mataria ou não a velha foi decidida.
Essa questão foi decidida - não quando, tendo matado a velha, ele esteve diante da outra, com a machadinha em mãos - mas quando ele não estava fazendo nada e estava apenas pensando, quando só sua consciência estava ativa: e naquela consciência minúsculas, minúsculas mudanças estavam acontecendo.
É em momentos assim que se necessita da maior clareza [da mente] para decidir corretamente as questões que surgiram, e é só então que um copo de cerveja, ou um cigarro, pode impedir a solução da questão, pode adiar a decisão, sufocar a voz da consciência e induzir uma decisão da questão em favor da baixa natureza animal - como foi o caso com Raskólnikov.
Minúsculas, minúsculas mudanças - mas delas dependem as mais imensas e terríveis consequências. Muitas mudanças materias podem resultar do que acontece quando um homem toma uma decisão e começa a agir: casas, riquezas e corpos humanos podem perecer, mas nada mais importante pode acontecer que o que estava escondido na consiência do homem. Os limites do que pode acontecer são definidos pela consciência.
E ilimitados resultados de inimaginável importância podem seguir as mudanças mais ínfimas ocorrendo no domínio da consciência.
Não deixe supor-se que o que estou dizendo tem algo a ver com a questão do livre-arbítrio ou do determinismo. Discutir esse assunto é supérfluo para o meu propósito, ou para qualquer outro desta espécie.
Sem decidir a questão de se um homem pode, ou não pode, agir como ele deseja (uma questão em minha opinião não exposta corretamente), estou meramente dizendo que desde que a atividade humana é condicionada por mudanças infinitesimais na consciência, segue-se (não importa se admitimos a existência do livre-arbítrio ou não) que precisamos prestar particular atenção à condição em que essas mudanças ínfimas acontecem, assim como precisa-se estar especialmente atento à escala em que outras coisas estão para ser pesadas.
Precisamos, na medida em que isso depende de nós, tentar colocar-nos e os outros em condições que não perturbarão a clareza e a delicadeza de pensamento necessárias para o correto trabalho da consciência, e precisamos não agir de maneira contrária - tentando entravar e confundir o trabalho da consciência pelo uso de substâncias entorpecentes.
Pois o homem é um ser espiritual assim como um ser animal. Ele pode ser movido por coisas que influenciam sua natureza espiritual, ou por coisas que influenciam sua natureza animal, como um relógio pode ser movido pelos seus ponteiros ou por sua engrenagem principal. E assim como é melhor regular o movimento de um relógio por meio do seu mecanismo interno, assim um homem - ele mesmo ou outro - é melhor regulado por meio de sua consciência. E como com um relógio precisa-se tomar especial cuidado com aquela peça por meio da qual pode-se mover melhor o mecanismo interno, assim com um homem precisa-se tomar especial cuidado com a clareza e limpeza da consciência que é o que melhor move o homem inteiro.
Duvidar disso é impossível; todo mundo sabe disso. Mas surge uma necessidade de enganar a si mesmo. As pessoas não estão tão inquitas de que a consciência deva funcionar corretamente como estão de que deva parecer a elas que o que fazem é certo, e elas deliberadamente fazem uso de substâncias que perturbam o trabalho apropriado de suas consciências.
[editar]V
As pessoas bebem e fumam, não casualmente, não por apatia, não para se alegrarem, não porque isso é prazeroso, mas em ordem de abafar a voz da consciência em si próprias.
E nesse caso, quão terríveis devem ser as consequências!
Pense o que seria um prédio se fosse erguido por pessoas que não usaram um fio-de-prumo para fazer as paredes perpendiculares, nem réguas em L para fazer os cantos corretos, mas usaram uma régua flexível que moldasse a todas as irregularidades nas paredes, e uma régua que se expandisse para se adequar a qualquer ângulo, agudo ou obtuso.
Contudo, graças ao auto-entorpecimento, é exatamente isso que está sendo feito na vida. A vida não está de acordo com a consciência, então a consciência é feita para se curvar à vida.
Isso é feito na vida dos indivíduos, e é feito na vida da humanidade como um todo, a qual consiste na vida dos indivíduos.
Para compreender o completo significado de tal entorpecimento da consciência, deixe cada um recordar cuidadosamente as condições espirituais por que passou em cada período da sua vida. Todo mundo achará que em cada período de sua vida certas questões morais o confrontaram que ele deveria resolver, e em solução da qual todo o bem-estar de sua vida dependia. Para a solução dessas questões grande concentração da atenção foi necessário. Tal concentração da atenção é um trabalho. Em todo trabalho, especialmente no começo, há um tempo em que o trabalho parece difícil e doloroso, e quando a fraqueza humana induz um desejo de abandoná-lo.
Trabalhos físicos parem dolorosos no começo; trabalhos mentais ainda mais. Como Lessing diz: as pessoas são inclinadas a cessar de pensar no ponto em que o pensamento começa a ser difícil; mas é exatamente aqui, eu acrescentaria, que pensar começa a ser frutífero.
Um homem sente que para decidir as questões que o confrontam é preciso trabalho - frequentemente trabalho doloroso - e ele deseja escapar disso. Se ele não tivesse meios de entorpecer suas faculdades ele não poderia expulsar da sua consciência as questões que o confrontam , e a necessidade de resolvê-las seria forçada sobre ele.
Mas o homem descobre que existe um meio de afugentar essas questões quando quer que elas se apresentem - e ele o usa.
Tão logo as questões aguardando solução começam a atormentá-lo, ele recorre a esses meios, e evita a inquietude evocada pelas questões incômodas. A consciência cessa de exigir sua solução, e as questões não resolvidas permanecem assim até o próximo período de esclarecimento.
Mas quando esse período chega, a mesma coisa se repete, e o homem segue por meses, anos, ou mesmo por sua vida inteira, diante daquelas mesmas questões morais e sem mover um passo em direção a sua solução. Contudo é na solução das questões morais que todo o movimento da vida consiste.
O que ocorre é como se um homem que precisa ver o fundo de alguma água lamacenta para obter uma pérola preciosa, mas que não gosta de entrar na água, a agitasse cada vez que comessasse a estabilizar-se e a tornar-se clara. Muitos homens continuam a se entorpecer por toda a vida, e permanecer imóveis na mesma visão de vida fixa, obscura e contraditória - batendo, quando cada perído de esclarecimento o aborda, sempre numa mesma parede contra a qual ele bateu por dez ou vinte anos, e que ele não pode romper porque intencionalmente cega aquela ponta de pensamento que só ela poderia perfurá-la.
Deixe cada homem relembrar como ele tem passado durante os anos de bebedor ou fumante, e deixe ele testar a questão em sua experiência de outras pessoas, e todo mundo verá uma linha constante e precisa dividindo aqueles que são viciados a entorpecentes daqueles que são livres deles. Quanto mais um homem se entorpece mais ele é moralmente imóvel.
[editar]VI
Terrível, como são descritas a nós, são as consequências do ópio e do haxixe nos indivíduos; terrível, como as conhecemos, são as consequências do álcool aos bêbados flagrantes; mas imcomparavelmente mais terríveis em toda nassa sociedade são as consequências do que é considerado o inofensivo, moderado uso de aguardente, vinho, cerveja e tabaco, a que a maioria dos homens, e especialmente nossas assim-chamadas classes cultas, são viciados.
As consequências necessitam naturalmente ser terríveis, admitindo o fato, que necessita ser admitido, de que as atividades que guiam a sociedade - políticas, oficiais, científicas, literárias e artísticas - são conduzidas na maior parte por pessoas num estado anormal: por pessoas que estão embriagadas.
Geralmente é suposto que um homem que, como a maioria das pessoas das nossas classes abastadas, toma uma bebida alcoólica quase toda vez que come, está numa condição perfeitamente normal e sóbria no dia seguinte, durante as horas de trabalho. Mas isso é um grande erro. Um homem que bebeu uma carrafa de vinho, um copo de aguardente, ou dois copos de cerveja, ontem, está agora no usual estado de sonolência ou depressão que segue a excitação, e portanto numa condição de prostração mental, que é aumentada ao fumar.
Para um homem que habitualmente fuma e bebe com moderação, trazer seu cérebro a uma condição normal exigiria no mínimo uma semana ou mais de abstinência de vinho e tabaco. Mas isso quase nunca ocorre.[4]
De modo que a maioria do que acontece entre nós, seja feito por pessoas que comandam e ensinam outras, ou por aquelas que são comandadas e ensinadas, é feita quando os agentes não estão sóbrios.
E não deixe isso ser tomado como uma piada ou um exagero. A confusão, e acima de tudo a imbecilidade, de nossas vidas, surgem principalmente do constante estado de intoxicação em que a maioria das pessoas vive. Poderiam pessoas que não estão embriagadas possivelmente fazer tudo que está sendo feito ao nosso redor desde construir a Torre Eiffel a aceitar o serviço militar?
Sem qualquer necessidade, uma empresa é formada, capital é coletado, homens trabalham, fazem cálculos, e desenham planos; milhões de jornadas de trabalho e milhares de toneladas de ferro são gastas para construir uma torre; e milhões de pessoas consideram seu dever subí-la, parar um pouco sobre ela, e então descer de novo; e a construção e visitação dessa torre evoca nenhuma outra reflexão além de um desejo e intensão de construir outras torres, em outros lugares, ainda maiores. Poderiam pessoas sóbrias agir assim?
Ou tome outro caso. A duzias de anos atrás todos os povos europeus estavam ocupados elaborando as melhores formas de matar pessoas, e ensinando tantos jovens quanto possível, tão logo eles atingiam a virilidade, como assassinar. Todo mundo sabe que não pode haver invasão de bárbaros, mas que essas preparações feitas por diferentes nações civilizadas e cristãs são direcionadas umas às outras; todo mundo sabe que isso é opressivo, doloroso, inconveniente, desastroso, imoral, ímpio, e irracional, mas todo mundo continua a se preparar para o assassinato mútuo.
Alguns elaboram combinações políticas para decidir que irá matar quem e com que aliados, outros dirigem aqueles que estão sendo ensinados a assassinar, e outros ainda cedem - contra sua vontade, contra sua consciência, contra sua razão - a essas preparações para o assassinato.
Poderiam pessoas sóbrias fazer essas coisas? Só bêbados que nunca atingiram um estado de sobriedade poderiam fazê-lo e viver no horrível estado de discórdia entre vida e consciência em que, não só nesse mas em todos os outros aspectos, as pessoas da nossa sociedade estão vivendo agora.
Nunca antes, suponho, as pessoas viveram com as demandas da sua consciência tão evidentemente em contradição com seus atos.
A humanidade hoje é como se estivesse presa firmemente. É como se uma causa externa a impedisse de ocupar uma posição de natural acordo com suas percepções. E a causa - se não a única, então certamente a maior - é essa condição física de entorpecimento induzido pelo vinho e pelo tabaco à qual a grande maioria das pessoas em nossa sociedade se reduzem.
A emancipação desse terrível mal será uma época na vida da humanidade; e essa época parece estar à mão. O mal está reconhecido. Uma mudança já aconteceu em nossas percepção relativo ao uso de substâncias entorpecentes. As pessoas entenderam o terrível dano dessas coisas e estão começando a apontá-los, e essa mudança quase despercebida na percepção provocará inevitavelmente a emancipação dos homens do uso de entorpecentes, permitirá-lhes abrir os olhos às demandas das suas consciências, e eles começarão a ordenar suas vidas de acordo com suas percepções.
E isso parece estar já começando. Mas como sempre está começando entre as classes superiores só depois que todas as classes inferiores já foram infectadas.
Notas
↑ Uma referência ao cérebro.
↑ Aylmer Maud inclui a nota "Ver a alusão à conduta de Skóbelev em Geok-Tepe na última página de Tales of Army Life."
↑ Aylmer Maud inclui a nota "No assunto em questão os costumes russos são piores que os ingleses, em parte porque na Russia o cheiro de tabaco velho nas salas é menos ofensivo que na Inglaterra devido a um clima mais seco.
↑ Mas como é que pessoas que não bebem ou fumam estão muitas vezes moralmente num plano incomparavelmente mais baixo que outros que bebem e fumam? E por que as pessoas que bebem e fumam muitas vezes manifestam qualidades mentais e morais muito altas? A resposta é, primeiro, que nós não sabemos a altura que aqueles que bebem e fumam teriam atingido se eles não bebessem nem fumassem. E em segundo lugar, do fato que pessoas moralmente dotadas conseguem grandes coisas a despeito do efeito de deterioração das substâncias entorpecentes, não podemos senão concluir que elas teriam produzido coisas ainda maiores caso não tivessem se entorpecido. É muito provável, como um amigo me observou, que os trabalhos de Kant não teriam sido escritos num estilo tão curioso e ruim se ele não fumasse tanto. Finalmente, quanto mais baixo o plano mental e moral de um homem, menos ele sente a discórdia entre sua consciência e sua vida, e portanto menos ele sente a ânsia de se entorpecer; e por outro lado uma razão pararela explica por que as naturezas mais sensíveis - aquelas que imediatamente e morbidamente sentem a discórdia entre a vida e a consciência - tão frequentemente cedem aos narcóticos e perecem por eles. (Nota de Tolstoi)
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