quinta-feira, 28 de maio de 2009

Exija o Impossível




Há muitos livros sobre teoria anarquista e história, "Demanding the Impossible- A History of Anarchism" é, de longe, o mais abrangente e completo. De monges taoístas à revolução francesa, da nova esquerda dos anos 60 até os punks dos anos 70, todas as eras da história e todas as figuras proeminentes do anarquismo estão aqui (até mesmo os que não se descreveram como anarquistas). O tema é tão abrangene que este livro pode ser considerado tanto um grande livro de história como também uma obra filosófica. Mantendo viva uma idéia que nunca foi permitida, mas que nunca irá embora, é um livro excelente para qualquer pessoa interessada em política, história, filosofia, psicologia e humanidades em geral. Segue abaixo uma ligeira tradução dos capítulos 6 e 7, que abordam cristianismo e anarquistas místicos e milenaristas, respectivamente. O original em inglês tem 835 páginas distribuídas em 41 capítulos.


Cristianismo

À PRIMEIRA VISTA pode parecer estranho misturar cristianismo com anarquismo. Muitos pensadores clássicos, saturados pelo espírito científico do século XIX, eram ateus ou agnósticos. Como os filósofos iluministas, eles tenderam a (des)qualificar o cristianismo organizado como parte da superstição e da ignorância da Idade Media. Eles viram o alinhamento da Igreja com o Estado, e o padre ungindo o guerreiro e o rei. A maioria desses intelectuais achava que o cristianismo ensinava uma moralidade servil marcada pela humilhação, devoção, submissão. A tradicional imagem de Deus associada com a figura de um pai autoritário era anátema a eles, e julgavam desnecessário uma autoridade sobrenatural justificando a autoridade temporal.

Existe, contudo, bases para visões libertarias na teoria e prática cristã. O livro do Gênesis afirma que o homem foi criado do pó e determina uma autoridade especial sobre o restante da criação: "E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; e domine sobre os peixes do mar, e sobre as aves dos céus, e sobre o gado, e sobre toda a terra, e sobre todo o réptil que se move sobre a terra. E criou Deus o homem à sua imagem: à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou. E Deus os abençoou, e Deus lhes disse: Frutificai e multiplicai-vos, e enchei a terra, e sujeitai-a; e dominai sobre os peixes do mar e sobre as aves dos céus, e sobre todo o animal que se move sobre a terra". (Gênesis 1:26-28).

No Jardim de Eden, não havia nenhuma mina ou propriedade particular; tudo era usufruído em comum. Mas veio a desobediência que foi, de acordo com o Gênesis, o primeiro pecado do homem. Tendo se rebelado contra a autoridade de Deus e comido do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal, a humanidade foi banida do Jardim e condenada a uma vida de dor, labuta e mortandade. A natureza como um todo se corrompeu no momento em que surgiu o homem caído, uma criatura decadente e depravada que precisava de duras regras para restringir sua natureza cabeçuda.

A Queda desencadeou a lei restritiva necessária ao homem enganoso e fraco. "Logo, para que é a lei?", pergunta São Paulo, "foi ordenada por causa das transgressões" (Gálatas 3:19). Com o passar do tempo, no cristianismo, surgiu uma crescente tensão entre certos teólogos sobre o homem pecador e a onipotência de Deus, que culminou com a vertente calvinista que achava que a pior tirania era melhor que a ausência de poder civil ou anarquia.

A maioria dos anarquistas europeus seguiram Proudhon, Bakunin e Stirner, rejeitando o cristianismo. Eles se opunham a toda forma de autoridade imposta, fosse ela religiosa ou política, e foram profundamente afetados pela íntima ligação histórica entre a Igreja e o Estado. Mas isto não significa que todos eram ateus. O anarquismo, assim como o socialismo, não é necessáriamente ateístico. Na realidade, a relação entre anarquismo e religião é intrinseca e em muitas formas a atração pelo anarquismo repousa precisamente na combinação do fervor religioso com o rigor filosófico.

Além disso, o legado do cristianismo nem sempre é meramente repressivo. Se por um lado existe uma tendência conservadora, conformista e autoritária supostamente originária da Igreja paulina em Roma; por outro lado há uma tendência radical, comunal e libertária que emergiu da igreja tiaguina em Jerusalém. Muitos anarquistas pertencem à tendência posterior. Tolstoy é o mais famoso, mas não o único a fundar seu anarquismo numa radical interpretação do cristianismo. Na realidade, Jacques Ellul alegou recentemente que o "pensamento bíblico conduz diretamente ao anarquismo", e representa "a única posição politica anti-política". 2

O ensino do Antigo Testamento sobre poder político vai no sentido de que seu uso é invariavelmente nocivo. A narrativa de Crônicas mostra que os governos dos reis de Israel e Judá foram sistematicamente danosos. Daniel, por exemplo, que recusou curvar-se diante do rei, foi lançado na cova do leão. O Velho Testamento parece dar bem pouca validação ao poder político.

No Novo Testamento, encontramos a afirmação de Paulo de que "não há nenhuma autoridade exceto Deus". (Romanos 13:1) A ótica de Constantino tem sido usada pela Igreja para para justificar a teologia do Estado, ao passo que tanto o Evangelho como o Apocalipse constantemente se opõem à autoridade. A postura de Jesus para com o Estado é radicalmente negativa. Ele aconselha seus discípulos a não imitar os puxa-sacos dos reis: "Os reis e os homens importantes da terra dominam sobre o povo. Porém entre vocês é diferente". Na realidade, Jesus constantemente colocava a autoridade política em cheque. Por exemplo, quando ele disse "dê a César", ele não quiz necessáriamente dizer, como é normalmente entendido, que as pessoas deveriam obedecer seus governos. O conselho foi dado em relação a impostos. Considerando Cesar, havendo criado a moeda, o senhor dela, é bem provável que o recado de Jesus foi no sentido de que seus discípulos não poderiam servir Mamon e Deus ao mesmo tempo.

A tendência libertária do cristianismo foi prevalescente. A pobreza voluntária de Jesus, seu ataque às riquezas, "é mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no céu", e seu compartilhamento de bens (particularmente pão e peixe) vem inspirando muitos cristãos a praticar uma forma de comunismo. A vida comunal da Igreja cristã primitiva provavelmente continuou ao longo do ministério de Paulo. 3

Estes comunistas cristãos primitivos tiveram conexões com os Essênios, uma seita judia ascética mas não retirada do mundo. Eles menosprezavam o matrimônio e a "lascividade" feminina mas cuidavam de crianças alheias. Eles não podem ser considerados precursores do anarquismo na medida em que mantinham rígidas observâncias religiosas e se consideravam uma elite moral.

Porém há sólidos indícios de que os primeiros cristãos desenvolveram uma forma de comunismo e compartilhamento. Isso está explícito em Atos: "E todos os que criam estavam juntos, e tinham tudo em comum. E vendiam suas propriedades e bens, e repartiam com todos, segundo cada um havia de mister". (Atos 2: 44-5). E novamente Atos registra: "E era um o coração e a alma da multidão dos que criam, e ninguém dizia que coisa alguma do que possuía era sua própria, mas todas as coisas lhes eram comuns".(Atos 4:32). Os pais da igreja primitiva também fora claros nesse aspecto. A declaração de Ambrósio no século IV não deixa dúvidas: "A Natureza disponibilizou todas as coisas a todos os homens para uso comum... A Natureza produziu o direito comum para todos, mas a ganância tem produzido o direito para alguns". Ele se antecipou a Kropotkin concluindo que "pela vontade de Deus e pelo conjunto da natureza, deveríamos ser mútuos auxiliadores".

No século XIII Tomas de Aquino resumiu o principal ensino dos pais cristãos, enquanto tentava combinar as tradições do pensamento grego e cristão em um modo novo. Ele reconheceu o direito à propriedade de "uso" pessoal, mas acreditava que qualquer excesso deve ser distribuído a outros que estão em necessidade. O direito a propriedade se refere estritamente ao direito de administração da coisa enquanto instrumento a serviço da comunidade. O possuidor de riquezas é um administrador que tem que distribuí-la, de acordo com seu julgamento, para o bem da humanidade. Posses não são meramente propriedade privada para o prazer pessoal: "Quantum ad hoc non debet homo habere resexteriores ut propias, ut de sed comunga". O proprietário de riqueza tem o dever ininterrupto de distribuí-la de acordo com sua consciência individual. A riqueza é um bem público. Tomar conta de um propriedade não significa ter o direito a torná-la inacessível onde a morte ameaça ou onde não há nenhuma outra fonte de sustento, é permissível levar o que é necessário para outros. Tal postura não pode ser considerada furto ou roubo. Essa foi uma visão compartilhada pelo pai do anarquismo, William Godwin.

Em geral, a posição da Igreja Cristã primitiva não era exatamente um endosso do comunismo mas uma condenação ao abuso da riqueza. Mas a tradição comunista no Cristianismo logo agiu enquanto poder mitológico e exerceu uma influência considerável no desenvolvimento posterior do anarquismo e socialismo.

Desenvolvendo uma tendência antipolítica no ensino de Cristo, os pais da igreja no ocaso do império romano continuou separando o cristianismo do Estado. Mas crescentemente o cristianismo veio ser interpretado em termos sociais e políticos. No século V, Agostinho em seu livro Cidade de Deus (413-426) ofereceu a primeira utopia política de inspiração cristã na história. Embora ele acentuasse a corrupção da natureza humana pela queda do homem, Agostinho apresentou a redenção como um evento histórico no futuro, não como a memória de alguma "era áurea" do passado. Considerando todo poder político como uma forma de coerção, ele denunciou a política como coisa ruim, e viu que só com a vinda do reino de Deus a coerção cessaria. Seu ensino mais subversivo foi: "Ame, e faça o que quiser".

A influência de Agostinho levou alguns a retirarem-se completamente da prudência política do monasticismo; em outros, incendiou esperanças milenaristas. O Apocalipse e a Segunda Vinda já não eram consideradas metáforas espirituais mas eventos iminentes na história. Para um número crescente, particularmente entre os miseráveis e empobrecidos, o milênio do reino de Deus na terra estava próximo de ser realizado.

Uma figura influente neste aspecto foi Joaquim de Fiore (1145-1202), abade cisterciano e ermitão da Calabria. Depois de muitos anos meditando nas escrituras, ele desenvolveu um sistema profético altamente influente. Ele se convenceu de que tinha achado a chave do entendimento do curso da história. Em uma série de comentários com base nos livros apocalípticos da Bíblia, ele dividiu a história da humanidade em três eras, associadas à Santíssima Trindade. A primeira, a era do Pai, sob as Leis judaicas do Vellho Testamento, leis baseadas no medo e na servidão; a segunda, do Filho, debaixo do Evangelho, a era da fé e da obediencia ao Filho. Na terceira era, a do Espírito Santo, ele ensinou que toda a lei faleceria na medida em que todas as pessoas agiriam de acordo com a vontade de Deus. Todo domínio, espiritual e temporal, desapareceria e o Evangelho Perpétuo — uma nova compreensão do significado da Bíblia — predominaria. Seria a era do amor e da liberdade espiritual pelos Filhos de Deus, uma era de alegria e êxtase. Este estado predominaria até o Julgamento Final. Essa visão de uma era de liberdade iminente foi adotada pelos Ranters durante a Revolução inglesa. A abolição da monarquia foi apenas o primeiro ato em um processo de completa mudança que transformaria completamente a sociedade. Durante a Revolução Francesa, William Blake pregava na Inglaterra uma mensagem semelhante.

No começo do século XIII, a tentativa de Francisco de Assis de retomar à vida do Jesus histórico teve implicações revolucionárias. Como é bem conhecido ele orou um sermão aos pássaros, escreveu um hino ao sol, e chamou o burro de irmão. Ele se tornou símbolo do pacifismo cristão. Embora não vegetariano, o amor dele para com os animais reflete uma consciência mística da unidade do ser geralmente alheia à principal tradição judaico-cristã. Seus contemporâneos o descreveram como alguém que se "encantava por dentro e por fora por quase toda criatura, e quando ele as tocava ou olhava, seu espírito parecia estar no céu em vez da terra". Ele sentia o mesmo encanto pela água, pedras, flores e árvores, e em todos os aspectos viveu uma vida de alegria extática. Para São Francisco, Deus é imanente no mundo, e a Trindade através de Cristo tornou-se camarada do homem.

Com um pequeno grupo de companheiros (uma irmandade de onze), São Francisco tentou, como Cristo, viver em pobreza voluntária. Ele repudiou toda noção de propriedade, incluindo até mesmo objetos de uso pessoal. Sua afinidade ao grupo original compunha uma perfeita comunhão, mas, quando seus seguidores foram aceitos pela Igreja Católica, os franciscanos desenvolveram uma ordem monástica hierárquica como as demais, fundada na pobreza, castidade e obediência. No entanto, a mensagem de mística pobreza de São Francisco teve uma profunda influência subversiva: a Igreja e o Estado estavam perdidos no fausto e na opulência, e a comunidade pobre surgia como a única capaz de redenção. Aqueles que queriam seguir o exemplo pessoal de São Francisco foram chamados de espirituais e eventualmente taxados como hereges. Pelo final do século XIII, foram também propagadores das profecias de Joaquim de Fiore que preconizava anos de liberdade espiritual.

Os espirituais foram apenas mais uma tendência dentro do crescente movimento milenarista na Idade Média, ao lado dos Irmãos do Espírito Livre, Taboritas, Hussitas, e Anabatistas da Reforma. Eles emergiram na ala radical do movimento republicano na Revolução Inglesa, especialmente os Diggers e Ranters. Estes grupos acharam inspiração em passagens como "ame e faça o que quiser" de Agostinho e "onde está o espírito do Senhor há liberdade" de Paulo (II Coríntios 2:17). Eles rejeitaram a Igreja e o Estado e toda lei temporal porque acreditavam estar num estado de graça divina e que não poderiam cometer nenhum pecado. Eles negaram todo governo terrestre, acreditando que o dom de Deus era razão suficiente para guiar suas ações. Eles viam a Segunda Vinda de Cristo como a imediata realização do céu na terra onde as pessoas viveriam em perfeita liberdade e completa igualdade.

Esta tradição libertária underground dentro do cristianismo vem à tona novamente no final do século XVIII nos escritos de William Blake. Ele também expressou sua aspirações sociais em linguagem bíblica, que pretende substituir a atual Igreja da Babilônia e do Estado pela Jerusalém de uma sociedade livre na qual todas as pessoas viveriam de acordo com o Evangelho Eterno do perdão e do amor. Como Lao Tzu, ele viu a realidade como uma dinâmica interação de opostos. "Sem contrários há progressão". Mas ele esperava realizar uma síntese maior, um casamento entre céu e inferno, que permitiria uma reconciliação entre mente e corpo, imaginação e razão, consciência e vontade, ricos e pobres, humanidade e natureza.

Blake não separava religião da política: na verdade, ele perguntou: "Religião e Política não a mesma coisa?" e insistiu em [dizer que] "Irmandade é Religião". Ele se inspirou no mítico paraíso social, o Jardim do Éden, onde homem e mulher viviam em uma condição de inocência e integridade, sem propriedade privada, distinções de classe, ou autoridade humana. Após a Queda, a humanidade foi condenada à labuta e sofrimento, sob o peso de Igreja e Estado, e oprimida pelo senhorio e pelo rei. Ela foi obrigada a viver num mundo cheio de contradições: entre natureza e homem, Estado e sociedade, capital e trabalho, Igreja e cristianismo. Otimista, Blake antevia uma revolução mundial em um novo milênio sem tais contradições.

Como os anarquistas posteriormente formularam, Blake considerou a autoridade como a principal fonte de injustiça: "um tirano é a pior doença e a causa de todas as outras". É a opressão das estruturas do Estado que impedem o potencial divino operar na humanidade. Blake afirmava: "todo mundo odeia o Rei" e "a Casa dos Comuns e a Casa dos Lordes são tolices, coisas além da vida humana". O Estado não tinha o direito de fazer leis, especialmente pelo fato de que nenhuma lei pode ser suficientemente ampla de modo a cobrir adequadamente todos os casos: "Uma [mesma] Lei para o leão e para o boi é opressão". Além disso, a lei incentiva a criminalidade e a transgressão, tal como o Estado cria a desordem na sociedade: "Prisões são construídas com pedras da Lei, bordéis com tijolos da Religião". Assim, no momento em que a lei define algo como crime incita pessoas a cometê-lo mesmo sob ameaças de duro castigo, Blake insistiu: "Todas as Leis Penais cortejam a transgressão, portanto, promovem a crueldade e o assassinato". Como um grande libertário, concluiu: "Negar reverência ao governo é melhor do que exercê-la". 8

Quando se trata da Igreja, Blake não é menos iconoclasta. A moderna Igreja, disse, "Crucifica Cristo de cabeça para baixo". Ele rejeitou todas as autoridades políticas e religiosas pelo [fato dos] seres humanos serem feitos à imagem divina e poderem governar a si mesmos. Ele identificou o Jesus rebelde como oposto ao tirânico Deus Jeová do Antigo Testamento: "Jesus era todo virtude, agia por impulso, não por regras". Considerando o homem inocente e os desejos naturais benéficos, Blake julgava qualquer obstáculo como prejudicial e desnecessário. Com efeito, no coração de sua antevisão anarquista estava a convicção que o "Evangelho é perdão de pecados e não tem nenhum preceito moral". Ele ansiava por um tempo em que cada indivíduo seria "Rei e Padre em seu próprio Lar" em uma sociedade de plena tolerância: "Que é a Liberdade sem Tolerância Universal?" 9.

Ao mesmo tempo, o cristianismo de Blake influenciou seu contemporâneo William Godwin de uma forma indireta e ajudou-o a tornar-se o pai do anarquismo. Em sua juventude, Godwin chegou a ser um calvinista extremado treinado para se tornar ministro protestante. Mais tarde concluiu que o Deus do Antigo Testamento agia como um "político legislador" em um Estado teocrático e "sem o direito de ser um tirano". Quando escreveu Investigação Sobre Justiça Política (1793), já estava sob influência da filosofia francesa e tornara-se ateu, mas suas convicções morais e econômicas tinham sido largamente amoldadas pelo Calvinismo. 11 Ele desenvolveu a noção de Aquino de compartilhamento das coisas boas da terra no sentido comunista: o indivíduo com qualquer riqueza em excesso deveria distribuí-la aos mais necessitados. O anarquismo de Godwin, além disso, resultou de uma rígida aplicação do direito (dos Dissenters) de julgamento privado religioso para o reino político.

Os grandes pensadores anarquistas do século XIX, Proudhon, Stirner e Bakunin estavam todos imbuídos com o espírito científico do Iluminismo e identificavam o cristianismo com o autoritarismo da Igreja. Proudhon quis mostrar que o Catolicismo era a contraparte de um sistema hierárquico de governo secular. Considerando o Deus católico como a autoridade na qual todas as outras autoridades repousam, os governos eram nada menos que açoites pelos quais "Deus impõe disciplina ao mundo". Mesmo do ponto de vista moral Proudhon estava convencido de que "Deus é tirania e pobreza; Deus é o mal". Então, o primeiro dever do homem livre é banir a idéia de Deus de sua mente. A partir do momento em que adquirimos conhecimento e vida social apesar de Deus, "cada passo em nosso progresso representa uma mais vitória na qual aniquilamos a Deidade". 12 Mas embora Proudhon fosse anti-católico convicto, ele ainda interpretava a doutrina cristã do pecado original como símbolo da inclinação do homem para o mal e buscava criar uma ordem social que conteria tais tendências. Além disso, ele falou da idéia de Justiça inerente na natureza como se fosse um princípio divino. Uma espécie de lei natural provia um último ponto de referência para sua moralidade e operava como um tipo de Providência disfarçada.

Stirner, por outro lado, pensou Deus, junto com o Estado e a Moralidade, como mais um fantasma para iludir a humanidade. Ele argumentava enfaticamente que o Estado era considerado sagrado como a Igreja, e as leis eram apresentadas como se fossem ordens de Deus:

"Se a Igreja teve pecados mortais, o Estado tem crimes capitais; se a Igreja teve seus hereges, o Estado tem seus traidores; se a Igreja tem penalidades eclesiásticas, o Estado tem penalidades criminais, a Igreja tem o processo inquisitorial, o Estado tem o processo fiscal; em suma: lá pecados, aqui crimes, lá inquisição e aqui —inquisição. "A santidade do Estado não cairá como a da Igreja?".

Quanto a Bakunin ele foi atormentado pelo problema da existência de Deus em sua juventude. Mas eventualmente tornou-se um ateu militante, adotando o slogan "Nem Deus nem Amo". Para ele, o Deus Cristão que julgava cada ação e ameaçava castigo eterno, era o mais completo símbolo da autoridade. Como Stirner, ele disse que Deus não existe mas é uma abstração que os homens projetam no céu para adorar.

Bakunin acreditava que o cristianismo ensinava:

"Deus é tudo, o mundo real e o homem são nada. Deus é verdade, justiça, bem, beleza, poder, e vida, o homem é falsidade, iniquidade, mal, feiúra, impotência, e morte. Deus é mestre, o homem é escravo..." 14

O Cristianismo compreendera isso melhor que todas as outras religiões. Como resultado, era a religião absoluta, e a Igreja romana a única consistente e lógica.

Como Nietzsche, Bakunin declarou a morte de Deus, e disse que temos que transcender valores cristãos e criar nossos próprios. A destruição da religião é condição prévia para uma sociedade livre uma vez que "a idéia de Deus insinua a abdicação da razão e da justiça, — é a negação mais decisiva da liberdade humana, e necessariamente resulta na escravização de gênero humano, tanto na teoria como na prática". Bakunin, apaixonado em sua denúncia ao cristianismo, fez questão de anunciar a morte de Deus na forma de silogismo: "Se Deus existe, o homem é escravo; agora, o homem pode e deve ser livre; então, Deus não existe. Eu desafio todos a romper este círculo". Considerando o desejo humano por liberdade como a absoluta condição para tudo que ele respeitava na humanidade, Bakunin inverteu a frase de Voltaire afirmando: "Se Deus realmente existisse, seria necessário obolí-lo". 15 Por isto, ele elogiou Satanás por ser o primeiro rebelde e o "emancipador do mundo".

De acordo com Bakunin, a Igreja representa os interesses do clero, como o Estado representa os da burguesia. "Porque ela", pergunta retoricamente, "não revela que vive em um cadáver, longe da liberdade, pregando a escravidão eterna das massas em benefício de tiranos e exploradores? Não é esta Igreja implacável que tende a perpetuar o reinado de sombras, de ignorância, de pobreza e de crime?". Ele afirmou então que a abolição da Igreja e do Estado deve ser "condição primeira e indispensável da verdadeira libertação de sociedade". 16 Estes sentimentos, particularmente nos países latinos em que a Igreja Católica era mais dominante, teve uma ampla influência. Bakunin foi, sem dúvida parcialmente responsável pelo ateísmo militante dos anarquistas espanhóis, que levou a muitos casos de queima de igrejas durante o período inicial da Revolução Espanhola.

Mas nem todos os anarquistas do século XIX eram ateus, muitos inferiram sua filosofia diretamente de suas crenças cristãs. O estadunidense Adin Ballou chegou a conclusões anarquistas em sua Prática Cristã Socialista (1854) a partir de uma rota mais racional. Uma vez que o homem só tem obrigação de obedecer a Deus e ao seu governo divino, ele não tem obrigação de obedecer à lei da terra ou ao governo humano.

Governo humano é vontade do homem exercendo "absoluta autoridade sobre o homem mediante astúcia e força física". Deus, por outro lado, não divide sua autoridade com nenhuma criatura, ele é soberano absoluto. A vontade do homem, portanto, não possui nenhuma autoridade intrínseca, "Nada legitima a submissão do homem [por outro homem]". Assim, Ballou formula a sequinte questão sobre o governo: "Não é uma mera cifra?".

Embora sem declarar-se anarquista, Ballou pregou contra eleições, exploração do trabalho, legislação ou sentenças punitivas, pois "muitas vezes são maiorias que decretam loucuras e desigualdades. O poder corrompe seu possuidor, e não beneficia os impotentes". Em vez disso, ele alegou que o verdadeiro cristão deve resistir à guerra e desenvolver seu poder moral. Segundo ele, a "não-resistência" deveria ser sempre a maioria em qualquer comunidade, administrando os negócios públicos por assembléias voluntárias nas quais a "lei do amor e os conselhos de sabedoria prevaleceriam sem conflitos". 7

Tolstoy, o mais bem conhecido anarquista cristão, tinha uma interpretação radical do Evangelho que o levou a conclusões anarquistas. Para ele, cada um deveria viver em paz com todos os homens, não prestar juramento, nem resistir ao mal. Para Tolstoi, todos os governos, leis, exércitos, e todos os aparatos de protecção à vida ou à propriedade são imorais: "Eu não posso participar de qualquer atividade na qual o governo objetiva a defesa das pessoas e seus bens pela violência, eu não posso ser um juiz nem tomar parte em julgamentos; nem ajudar outros a participar de fóruns e chancelarias governamentais", declarou ele. "Uma vez que o Reino de Deus está em vós, podeis ser guiados pela luz divina da razão, os governos são tão desnecessários quanto prejudiciais".

Se as pessoas pudessem entender que são "filhos de Deus", escreveu Tolstoy, "não seriam nem escravos nem inimigos uns dos outros - essas organizações insanas, desnecessárias, estropiadas, perniciosas chamadas de Governos, e todos os sofrimentos, violações, humilhações, e crimes que eles ocasionam, deixariam de existir". 19 Tolstoy inspirou uma longa tradição de anarquistas pacifistas, Gandhi, seu maior discípulo, desenvolveu sua doutrina de desobediência civil numa forma altamente eficaz de ação direta não-violenta.

Embora Tolstoi rejeitasse tanto a Igreja como o Estado, e ter sido excomungado pela Igreja Ortodoxa Russa por causa de seus pontos de vista, Ammon Hennacy e Dorothy Day acharam possível ser anarquistas católicos. Dorothy Day, que fundou o Catholic Worker em 1933, tornou-se uma firme defensora do pacifismo cristão e do anarquismo. Ela sentia que a autoridade de Deus só lhe fez uma rebelde melhor. Deu-lhe coragem para se opor a todos aqueles que adotam erradamente o conceito da transição da autoridade do sobrenatural para o campo social à qual pertencem. Ela não achava ser contraditório ou antiético preferir obedecer a autoridade de Deus e rejeitar a autoridade do Estado uma vez que "nascemos em um estado que nos foi imposto, mas podemos aceitar Deus de livre e expontânea vontade".

Influenciada por Tolstoi e Proudhon, ela procurou juntamente com o anarquista Peter Maurin e o grupo do Catholic Worker descentralizar a sociedade e criar uma comunidade de famílias, combinando propriedade privada e comunal. Embora a maioria das pessoas fosse ligada ao voluntariado católico de trabalhadores, pobres e gente da comunidade, ela salientou a necessidade do amor: "Temos todos conhecido uma longa solidão e aprendemos que a única solução é o amor e o amor que vem com a comunidade". 21

Hennacy, por sua vez, foi inspirado pelo "rebelde verdadeiro Jesus" e sua idéia de Deus "não foi a de uma autoridade a quem eu obedeço como a um monarca, mas um princípio do bem como preconizado por Jesus no Sermão da Montanha". 22 Se as forças do Estado estão em conflito com seus ideais, ele iria seguir os seus ideais e desobedecer ao Estado. Hennacy pregou "a um homem-revolução dentro do coração" com base num compromisso voluntário de pobreza e pacifismo. Desenhando seu legado, escreveu: "O caminho de Jesus, de São Francisco, de Tolstoi, e de Gandhi nos ensina a amar os nossos inimigos, para estabelecer justiça, abolir a exploração, e para confiar em Deus, em vez de políticos e governos". 23

No prefácio de sua autobiografia, Hennacy deu a mais clara e mais eloquente demonstração de seus princípios e sua fonte no cristianismo:

"O Anarquismo-cristão baseia-se na resposta de Jesus aos fariseus quando Ele disse que quem fosse sem pecado que atirasse a primeira pedra, e no Sermão da Montanha quando aconselha pagar o mal com o bem e oferecer a outra face. Portanto, se tivermos qualquer parte no governo através do voto para o legislativo, judiciário e executivo, nós fazemos destes homens nosso braço pelo qual lançamos uma pedra e negamos o Sermão no Monte".

"A definição do dicionário para cristão é: aquele que segue Cristo, amável, bondoso, similar a Cristo. Anarquismo é voluntária cooperação para o bem, com o direito de discordância. Um cristão-anarquista é, portanto, aquele que oferece a outra face, destrói as mesas dos cambistas, e que não precisa de um polícial para dizer-lhe como se comportar. Um cristão-anarquista não depende de balas ou cédulas para alcançar seu ideal, ideal que ele realiza diariamente pela Revolução de Um Homem com a qual enfrenta esse mundo decadente, confuso e moribundo". 24

Enquanto Day e Hennacy eram principalmente ativistas, o filósofo russo Nicholas Berdyaev desenvolveu, como Tolstoi, uma revolucionária forma de cristianismo não-institucional e libertária. Ambos (Day e Hennacy) viram o Reino de Deus mais como uma condição existencial do que um regime social, mas para Berdyaev ele tomou a forma de autonomia criativa, em vez do amor não-resistente.

Berdyaev definiu liberdade como "dever do homem ser uma personalidade, para mostrar a força do caráter da personalidade". O homem livre é um ser autônomo que transcende tanto o Estado como a sociedade pois "auto-governo da sociedade e de um povo ainda é governo dos escravos". Mas para Berdyaev o conceito da livre personalidade só pode ser entendida em um contexto religioso: Cristo era o homem livre vinculado apenas pelo amor e "Deus é a garantia da liberdade da personalidade diante do poder que escraviza a natureza e a sociedade, do Reino de César e do mundo das coisas". 25

O anarquismo de Berdyaev é baseado na incompatibilidade entre o Evangelho e o Estado, entre o que ele chama O Reino do Espírito e o reino de César (1946). A ética do Evangelho, insiste, é invariavelmente oposta à ética imposta pelo Estado. A prosperidade do Estado, não representa a comunidade e sempre envolve a morte de inocentes. "A lei do Estado é que, a fim de salvar o Estado, mesmo os inocentes devem ser sacrificados", escreve Berdyaev, e ainda "a morte de um único homem é um evento mais importante e mais trágico do que a morte de um Estado ou de um Império". Além disso, a Igreja se tornou uma sócia tão íntima do Estado que transformou o Estado em outra Igreja. Ao reconhecer o Estado, seja ele qual for, a Igreja aceitou o operador histórico do poder, de forma que "soberania e caráter divino do poder estão em pé de igualdade!" 26 A solução para este estado de coisas é negar a soberania do Estado e de quem pretende a autoridade política.

Tal como os anarquistas não-resistentes Tolstoy e Ballou, Berdyaev desenvolve o conceito cristão da Segunda Vinda e da Divindade de Cristo em uma direção revolucionária. Ele não olha para uma determinada classe como agente da mudança: tanto amo como escravo, governante como governado, são vítimas da mesma aflição espiritual. É no indivíduo único que Ele introduz o vigamento filosófico do conceito espiritual da "personalidade" humana, nossa característica essencial: o homem é uma pessoa cujo comportamento deve ser explicado em termos de intenções e crenças, e não pelo seu comportamente ou forças externas. Então, para Berdyaev é autonomia criativa, em vez da não-resistência amorosa que constitui o centro existencial, o verdadeiro reino interno: "A personalidade do homem é o triunfo em cima da determinação do grupo social... é a emancipação da dependência da natureza, da dependência da sociedade e do estado". 27

A escravidão no homem é o seu pecado, sua Queda. O homem procura tanto escravidão como liberdade. Mas o homem livre ultrapassa as dimensões de amo e escravo para existir em si mesmo, tornar-se semelhantes a Cristo, o mais livre dos filhos dos homens que tinha apenas um vínculo, o amor. O homem verdadeiramente livre é libertado da violência psicológica e física do Estado e das pressões sociais, para ser inteiramente autogovernado. Como uma pessoa completa, ele é criativo no "êxtase do momento", que está fora do tempo. Apenas quando "liberdade, verdade e amor se reúnem é que surge a livre e criativa personalidade". 28

Berdyaev finalmente prevê o fim da história, que para ele é marcado pela vitória do "tempo existencial" sobre o tempo histórico, com a completa libertação da humanidade.

Deve ficar claro, apesar da oposição ao cristianismo por parte de muitos pensadores clássicos anarquistas do século XIX, e à estreita ligação histórica entre Igreja e Estado, que o anarquismo não é de forma alguma intrinsecamente antirreligioso ou anticristão. Na verdade, seus precursores foram inspirados por uma minoria de tendência libertária e comunal dentro cristianismo, especialmente na Idade Média e durante a Reforma. Tolstoi foi um notável pensador anarquista cristão no passado, mas nosso século tem testemunhado um notável florescimento do anarquismo a partir de diferentes tradições cristãs.

Na verdade, poder-se-ia alegar que o cristianismo anarquista não é uma tentativa de sintetizar dois sistemas de pensamento, mas sim uma tentativa de compreender a mensagem dos Evangelhos. Tal como os anarquistas místicos da Idade Média, Ciaron O'Reilly afirmou recentemente que a sociedade livre já existe embrionáriamente: "Para o cristão a revolução já chegou na forma da ressurreição. É apenas uma questão de viver a promessa, de não viver os padrões do mundo caído. O Reino de Deus existe no seio do organismo social, e nosso papel torná-lo universalmente manifesto". 29

Negar a autoridade do Estado e da Igreja não implica necessariamente negar a autoridade de Deus. A lei de Deus, como a lei natural, oferece um padrão de vida oposto à lei artificial. Somos coagidos a aceitar esta última, ao passo que podemos aceitar ou rejeitar o antigo acordo por escolha voluntária. Jesus, sem dúvida, fornece um duradouro exemplo libertário, recusando-se a colaborar com os governantes romanos, rejeitando os benefícios financeiros dos saduceus, e encorajando as pessoas a libertar-se e para formar comunidades de associação voluntária baseadas na propriedade comum. Jesus lidou com malfeitores e trapaceiros, confrontando-os e em seguida, perdoando-lhes. Ao sugerir que devíamos fazer aos outros o que gostaríamos que fizessem para nós, ele ofereceu um princípio moral universal, que não exige a sanção da lei. Ao não resistir o mal, oferecendo a outra face, ele ensinou que não devemos ser violentos uns com os outros. Na medida em que governo é violência organizada por excelência, uma verdadeira leitura do Sermão da Montanha logicamente deve levar à rejeição de todos os governos terrestres. Tal como acontece com as outras grandes religiões mundiais, o cristianismo deixou um legado misto, mas tem sido uma fonte de grande inspiração para o anarquismo, bem como para o socialismo, e sem dúvida continuará a sê-lo no futuro.

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Anarquistas Místicos e Milenaristas

TAOÍSMO, BUDISMO E CRISTIANISMO, não foram os únicos movimentos religiosos a produzir pensadores e tendências libertárias. No Médio Oriente, pouco antes do nascimento de Maomé, um profeta chamado Mazdak apareceu cerca de 487 dC na Pérsia.

Adotando os conceitos de Zoroastro sobre luz e trevas, Mazdak pregou uma religião dualista, mas com princípios socialistas. Ele acreditava que todos os homens nascem iguais, mas sofrem com a distribuição desigual da riqueza e das mulheres, e dado que a maioria dos combates é causada por elas, ele condenou a propriedade privada e o casamento. As pessoas devem partilhar seus bens e mulheres como água, fogo e pasto. Elas também devem manter o respeito pelos animais, pondo assim termo ao abate. O ideal de Mazdak era uma vida estóica e simples, e ele exortou a alegria e a austeridade.

Mazdak incentivou seus seguidores ricos e dar o que eles não precisavam aos pobres. Ele ainda apelou à derrubada do rei. Não tinham propriedade privada e seus filhos não conheciam seus pais. Milhares aderiram ao movimento, mas em 523 dC Rei Qob-bath promoveu um massacre.

Mazdak foi preso e executado em AD 528 ou 529. Seus seguidores foram virtualmente eliminados, embora Babik tentasse sem sucesso reanimar o movimento no século IX. Alguns dos ensinos de Mazdak mais tarde encontrou expressão no Movimento Ismaeliya, em geral, e em particular na influente organização cultural conhecida como Ikhwan al-Safa (os Irmãos da Pureza). Eles também podem ter influenciado a Al-Quramina que estabeleceu a primeiro sociedade socialista Islâmica, no sul do Iraque e Bahrein. No Médio Oriente hoje Mazdak ainda é utilizado para descrever alguém que é rebelde e intratável.

Na Europa durante a Idade Media, na medida em que a Igreja estabelecida começou a exercer poder com regras temporais impondo seu próprio dogma, um movimento underground desenvolveu-se dentro de Cristianismo um movimento que freqüentemente assumia uma forma revolucionária em tempos de desassossego e escassez. Desafiando o poder do Estado e da Igreja tentou estabelecer uma sociedade baseada na a comunidade dos apóstolos. A mais radical heresia passou a ser conhecida como a heresia do Espírito Livre. Embora menos conhecida que as heresias cataristas ou albigenses, provavelmente foi mais importante na história social da Europa Ocidental.2 A Heresia do Espírito Livre foi um dos muitos cristãos milenaristas na Idade Média que, inspirados pelo Apocalipse 20:4-6, ansiavam pela Segunda Vinda de Cristo, que estabeleceria um reino messiânico na terra, um reinado de mil anos antes do Juízo Final. Enquanto o ensino original considerava que apenas os cristãos mártires ressussitariam antes da ressurreição dos mortos no último julgamento, a passagem era interpretada no sentido de que os sofredores fiéis seriam ressuscitados em sua própria geração. Esta doutrina milenarista, esparramada por santos mendigos, exerceu uma atração considerável entre os pobres da Europa Ocidental que passaram a acreditar na possibilidade iminente da salvação total, terrestre e coletiva.. Mulheres solteiras e viúvas, que não tinham clara função social, foram particularmente atraídas para o movimento.

A heresia do Espírito Livre enquanto heresia reconhecida surgiu no encerramento do século XII no seio de uma mística fraternidade de Sufis na Espanha islâmica, particularmente em Sevilha. Após um período de iniciação em que obediência-se cegamente a um mestre, os membros da seita teriam total liberdade, de forma que cada impulso era visto como um comando divino. A heresia se espalhou rapidamente no final do século XIII em toda a Europa cristã e emergiu por completo no século XIV. No processo, a heresia desenvolveu três doutrinas principais dentro de um vigamento metafísico neoplatônico. Em primeiro lugar, seus seguidores acreditavam que "Deus é tudo o que é" e que "Toda coisa criada é divina". No final dos tempos, tudo será reabsorvido em Deus como uma gota de vinho no mar. Em segundo lugar, eles achavam que não há recompensa ou castigo após a morte, mas que céu e inferno são apenas estados da alma neste mundo. Em terceiro lugar, e este tinha consequencias políticas e morais mais importantes, uma vez que considerado que uma pessoa tem conhecimento de Deus, ele ou ela está no céu e era incapaz de pecado: "Cada criatura é, na sua natureza abençoada". Unido com Deus, o indivíduo ultrapassa todas as leis, igrejas e ritos, e pode fazer o que ele ou ela deseja. Esta visão entre alguns grupos foi associada a um culto ligado a Adão onde seus membros (conhecidos como adamitas) restauravam o estado de inocência antes da Queda. No século XIV, Heinrich Suso, um discípulo do místico alemão Meister Eckhart e um ex-flagelado, surgiram a partir de um miasma underground para registrar o reaparecimento do Espírito Livre em Colônia cerca de 1330.

De onde você veio?, Suso perguntou. "De lugar nenhum" Diga-me, Quem é você? "Eu não sou". O que você deseja? "Não quero nada". Isto é um milagre! Diga-me, qual é seu nome? "Chamam-me de Selvagem Sem Nome". Vai para onde? "Para a plena liberdade". Diga-me, o que é plena liberdade? "Quando um homem vive de acordo com todos seus caprichos sem distinguir entre Deus e ele, e sem olhar antes ou depois".

Esta forma anticonvencional de misticismo medieval (também encontrada entre os contemporâneos Sufis), foi compartilhada pelos santos mendigos que formaram uma inquieta intelectualidade. Seus seguidores foram chamados místicos anarquistas. Na verdade, os adeptos do Espírito Livre se diferenciaram de todas as outras seitas medievais pelo seu total amoralismo: Eles ensinavam que "o homem livre tem toda a razão em fazer o que lhe dá prazer". Um outro insistiu: "Eu pertenço à Liberdade da Natureza, e tudo o que a minha natureza deseja eu satisfaço". 4

Tornou-se prova de salvação não experimentar nenhuma consciência ou remorso. Enquanto antinomianos, já não se sentem vinculados a mandamentos religiosos, regras morais ou leis civis. Recusavam a propriedade privada e partilhavam suas riquezas. Eles eram sexualmente promíscuos e rejeitavam os laços do matrimônio.

Mas a despeito de toda essa ênfase na autodeificação e na liberdade individual, é difícil vê-los como anarquistas no senso moderno porque eles formavam uma elite e exploravam e oprimiam pessoas fora da seita. De qualquer forma, eles se assemelhavam a estes seguidores de Nietzsche que se afirmam às custas de outros e vivem além definições convencionais do bem e mal. Uma adepta do sexo feminino argumentou no século XIV, que Deus criou todas as coisas para servir quem é "um com Deus", acrescentando, "diante de um homem a quem todo o céu serve, todas as pessoas e criaturas são, de fato, obrigadas a servir-lo e obedecê-lo". Uma outra mulher inciada ensinava, "você deve ordenar todos os seres criados para atendê-lo de acordo com a sua vontade, para a glória de Deus". Eram, portanto, convencidos da sua infinita superioridade e acreditavam que todos os seres e coisas foram feitas para servir seus fins. Na prática, eles tinham a trapaça, furto, roubo com violência, como todos justificados: "Qualquer coisa que os olhos vêem e desejam, deixe a mão agarrá-la".

Marguerite Porete, julgada e queimada em Paris, em 1311, deixou-nos Mirouer des simples times, a única obra completa escrita por um adepto medieal e que chegou até nós. Ela ensinava que na sétima etapa da iluminação da alma ela torna-se unido a Deus e por sua graça é libertada do pecado. Não é necessária nenhuma Igreja, sacerdócio ou sacramento. Ela deixa claro que aquelas almas que estão unidas a Deus devem "fazer apenas coisas agradáveis, se não o fizer será privada da paz, liberdade e nobreza, pois a alma não é aperfeiçoada até que faça aquilo que lhe agrada, e não é censurada por sentir prazer". Novamente, esta doutrina da auto-afirmação amoral é ensinada em detrimento das demais: "Tais almas usam todas as coisas feitas e criadas, e como requer a natureza, com tal paz de espírito eles andam sobre a terra".

Este tipo de ensino pode facilmente ser utilizado para justificar o amoralismo ou promover toda a gama de conflitos que eclodiram na revolta medieval camponesa. A heresia do Espírito Livre, refletida nos escritos de William Blake, formava uma tradição clandestina que eclodiu não apenas nas grandes rebeliões camponesas da Idade Média como também na extrema esquerda na Revolução Inglesa. Um moderna versão do culto do Espírito Livre, com ênfase na emancipação total do indivíduo e no convite à paz universal e ao amor, pode ser ainda reconhecida na contracultura dos anos sessenta. É evidente que tais crenças libertarias revolucionárias tinham implicações para a sociedade medieval. Até meados do século XIV, as profundas mudanças econômicas e sociais foram criando graves tensões. Os distúrbios eclodiram entre os camponeses não tanto onde tinham sido relativamente prósperos e livres, mas onde uma pequena multidão de civis e senhores clericais tentavam ampliar e formalizar sua competência à custa deles. 8

Entre os despossuídos e pobres, houve também um grande anseio pelo retorno à justiça natural do Jardim do Éden. Mas a grande massa insurreições que ocorreram - principalmente a Revolta dos Camponeses Ingleses, a Revolta de 1381, a Revolução na Boêmia Hussita em Tabor em 1419-21, a dos Camponeses Alemães, Revolta liderada por Thomas Miinzer em 1525, a da Comuna de Münster em 1534 - foram frequentemente contraditórias. Nem sempre é fácil descobrir nelas raízes anarquistas. Embora certamente promovidas sob inspiração milenarista e persperctiva libertária, elas geralmente tinham objetivos realistas e limites sociais. Seu apelo à liberdade foi, sem dúvida, libertário, mas, muitas vezes, acabou em um regime autoritário.

Os Camponeses na Revolta na Inglaterra em 1381 começaram como um protesto em massa dos soldados da cavalaria em Essex e Kent contra os cada vez mais pesados impostos - especialmente a Poll Tax, que tinha sido recentemente introduzida. Eles temiam que os nobres estavam tentando destruir o status feudal dos soldados da cavalaria e reduzi-los a um vilão. O obscuro clérigo John Ball expressou sua crença em uma antiga era de igualdade e liberdade, em seu famoso dístico:

"Quando o Adão plantava e Eva tecia, quem era o patrão?".

Antes da insurreição, John Ball pregou um sermão revolucionário, registrado pelo conista francês Jean Froissart:

"A situação não está boa na Inglaterra, jamais estará, até que tudo seja partilhado, não exista mais camponeses sem terra nem amos, estejamos todos unidos, e os lordes não sejam maiores do que nós. O que fizemos para merecer ser mantidos escravizados assim? Somos todos descendentes de um único pai e mãe, Adão e Eva. Que razões eles podem dar para mostrar que são mais dignos do que nós, fazendo-nos labutar e trabalhar enquanto eles esbanjam dinheiro?" 9

Embora desferisse ataques à propriedade privada e desigualdade, John Ball não atacava especificamente o governo. Embora argumente que o povo deveria apelar para o Rei e queixar-se da escravidão, ele sugere mordazmente: "diga a ele que nos garanta a mudança senão nós mesmos proveremos o remédio". Os rebeldes em Kent elegeram Wat Tyler de Maidstone como seu capitão e designaram Jack Straw como seu principal tenente. Marchando para Londres com 100.000 homens, eles capturaram cidades e castelos em Essex e Kent e, em seguida, entraram na capital. Quando chegaram lá, o povo de Londres impediu o fechamento das portas contra os rebeldes e se uniram a eles. Os homens de Essex concordaram em retornar quando o rei, Richard II, prometeu em Mile End que libertaria os camponeses sem terra e que pagaria seus serviços com dinheiro vivo. Mas os homens de Kent começaram a destruir o Palácio Savoy (então moradia de John de Gaunt, conselheiro chefe da casa real), queimaram o Temple Bar, abriram os cárceres (incluindo o de John Ball), mataram o Arcebispo de Cantuária e ocuparam seu palácio.

Suas reivindicações não eram grandes, apenas apelos salariais, redução de impostos, liberdade de compra e venda, e um termo de encargos e obrigações feudais. O jovem Rei Richard reuniu-se duas vezes com Tyler e Straw e atendeu a maior parte de suas demandas. Na sua segunda reunião, em Smithfield, Tyler disse ao rei que "não deveria haver mais camponeses sem terra na Inglaterra, nenhuma servidão ou coisa semelhante, mas que todos os homens deveriam ser livres dessa condição" 10 Por trás das limitadas reivindicações a Richard havia a visão milenarista de uma repentina restauração, uma era áurea de liberdade e igualdade. Isto transparece na queima do Palácio Savoy sem que fosse saqueado, e na suposta declaração de Jack Straw de que, no final, os ricos e o clero (exceto os mendigos ordenados) teriam que ser mortos.

As esperanças dos rebeldes nunca foram realizadas. Na reunião em Smithfield, durante as negociações, William Walworth, o prefeito de Londres, feriu Tyler. Ao descobrir que ele tinha sido levado para Hospital de São Bartolomeu, o prefeito arrastou Tyler para fora e o decapitou. O rei revogou suas promessas, então, John Ball e Jack Straw foram executados com muitos outros, e a rebelião esmagada. Mas não completamente. A mensagem de John Ball não foi esquecida:

"No início todos os seres humanos foram criados livres e iguais. Homens maus através de uma injusta opressão inaugurou a servidão contra a vontade de Deus. Agora é o tempo dado por Deus quando as pessoas comuns podem, se quiserem, rejeitar o jugo que sofreram por tanto tempo e ganhar a liberdade que sempre ansiaram. Por isso, estes devem ser de bom coração e se portar como o sábio lavrador nas escrituras que juntou o trigo em seu celeiro, e arrancou e queimou o joio que tinha quase destruído o bom grão; chegou o tempo da colheita. O joio são os grandes senhores, os juízes e os advogados. Eles devem todos ser exterminados e, por isso, o mesmo deve ocorrer com todos os que poderiam ser perigosos à comunidade do futuro. Então, uma vez que os grandes tenham sido descartados, todos os homens desfrutarão de igual liberdade, importância e poder, e compartilhar todas as coisas em comum".

William Morris reavivou O Sonho de John Ball (1888) quinhentos anos depois. A Revolta Camponesa na Inglaterra foi baseada no mito de uma Era Dourada, mas no tempo devido a própria Revolta assumiu o poder de mito.

Alguns dos anarquistas participantes das manifestações contra os impostos em Londres em 1990, por exemplo, estavam conscientes desta revolta anterior contra a tributação injusta.

Apesar da ação ofensiva de Richard II, os reis ao longo da Europa não puderam impedir o desmoronamento do feudalismo por mais que a Igreja se esforçasse para conter a crescente onda da Reforma. Depois da Revolta dos Camponeses na Inglaterra, a insurreição mais anárquica aconteceu na Bohemia no século seguinte em 1419. Fazia parte de uma rebelião inicialmente provocada pela execução de Jan Hus, um reformador moderado que tinha atacado os abusos da igreja. Ele também defendeu o protestante britânico John Wycliffe que argumentava que a Igreja estaria melhor servida sem o papa e seus prelados.

Wycliffe declarara em retumbante Latin:

"Em primeiro lugar, todas as boas coisas de Deus devem ser acessíveis a todos. A prova disto é o seguinte: Todo homem deve estar em estado de graça, e se ele está em estado de graça é senhor do mundo e de tudo o que contém, portanto, cada homem deve ser o senhor de todo o mundo. Porém, devido às multidões de homens, isso não irá acontecer a menos que todos eles detenham todas as coisas em comum: por isso, todas as coisas devem ser compartilhadas". 11

Durante a agitação que se seguiu na Boémia, os insurgentes chamaram eles próprios de Taboritas após ter dado o nome bíblico Tabor a uma cidade em um monte perto de Praga. Eles tentaram estabelecer um ordem anarco-comunista onde não haveria propriedade privada, nem impostos, nem autoridade humana de qualquer espécie. Eles tomaram a Bíblia como a única autoridade para a sua fé e prática. Insistiram em que "Todos devem viver juntos como irmãos, ninguém estará sujeito a outro". Enquanto pediam democracia popular, aceitavam a suprema autoridade de Deus: "O Senhor deve reinar, e o Reino será entregue ao povo da terra". 12 Eram milenaristas extremados, acreditando que a Segunda Vinda de Cristo (disfarçado como um salteador) era iminente. Todas as leis, então, seriam abolidas, o eleito nunca morreria, e as mulheres teriam parto sem dor. Alguns agiam como se o milênio já houvesse chegado, vagando nús pela floresta, cantando e dançando; alegando que estavam em estado de inocência como Adão e Eva antes da Queda.

Os Taboritas criaram cofres comunais e compartilhavam suas riquezas igualmente entre eles. Embora o seu sistema econômico tenha sido chamado de comunismo de consumo, há alguns indícios de que eles também socializavam a produção. 13 mas eles não puderam organizar a produção em grande escala, ou trocar bens eficazmente entre a cidade e as comunidades no campo. Quando acabou a sua riqueza, eles começaram a tirar dos povoados dos países vizinhos. O experimento desmoronou após um par de anos. Entretanto, tem sido chamada como a primeira tentativa de fundar uma sociedade com base no princípio que a liberdade é a mãe e não filha da ordem. 14

Os Taboritas estavam prontos para lutar. Eles apelaram a um Cristo guerreiro para batalhar contra o anticristo na Babilônia, e declararam: "Todos os senhores, nobres e cavaleiros serão cortados e exterminados nas florestas como foras-da-lei". 15 Alguns porém contestaram tal violência e se retiraram sob a orientação de Peter Chelcicky para uma área rural da Bohemia para fundar uma comunidade de pacifistas. Ele lamentou o modo como os chamados servos de Deus tomaram da espada e empenharam "todo tipo de injustiça, violência, roubo, opressão, ao pobre trabalhador... Assim, todo o amor fraterno é infiltrado pela luxúria sangrenta e tal tensão criada facilmente conduz à competição e ao assassinato". Satanás seduzira-os a pensar que eles eram anjos que tinham que purificar o mundo de Cristo de todos os escândalos e julgar o mundo; o resultado foi que eles "cometeram muitas matanças e empobreceram muita gente". 16

Em sua principal obra, A Rede da Fé (c. 1450), Peter Chelcicky se opunha às "duas baleias" a Igreja e o Estado. Ele acreditava que o Estado e o poder político foram resultado do pecado original, foram males necessários para manter a ordem em um mundo degenerado. Mas em qualquer verdadeira comunidade de cristãos eles eram supérfluos; amor e paz bastariam. A comunidade que Chelcicky fundou não tinha qualquer organização externa, e só se manteve unida pelo amor e seguindo o exemplo de Cristo e de seus apóstolos. A seita se tornou a Irmandade Moraviana. Rudolf Rocker posteriormente viria a qualificar Chertickf como um precursor de Tolstoi, e Kropotkin reconheceu-o como um precursor do anarquismo. 17

A Reforma, iniciada com os grandes reformadores Lutero, Zwinglio e Calvino, desencadeara forças que foram difíceis para a Igreja e o Estado controlar. Ela coincidiu com a ruptura da ordem hierárquica feudal em sua rede de direitos e obrigações, e libertou a economia à concorrência e à usura. Os reformadores recorreram à Bíblia e sua insistência na salvação pela fé e na predestinação tiveram enormes consequências. Nos três anos seguintes Lutero celebrou três grandes acordos da Reforma de 1520, é o início de um tremendo movimento no seio da cristandade que tem sido chamado de Reforma Radical. Ela marcou uma "ruptura radical das instituições existentes e das teologias nas unidades interligadas para restaurar o cristianismo cristão, para a reconstrução e para a sublimação". 18 Consistia de um movimento solto de Anabatistas (que acreditavam no batismo de adultos), Espiritualistas (que acentuavam a imediação divina), e Evangélicos racionalistas. Eles acreditavam no princípio da separação da Igreja do Estado, procuravam espalhar sua versão da vida cristã através de missões e filantropia, rejeitando todas as formas de coação exceto o banimento. Eles tinham um traço antinomiano que, na sua forma ligeira significava uma ênfase da graça sobre a lei, mas em uma forma mais pronunciada conduzia ao repúdio de toda a organização e ordenações na vida da igreja.

O Anabatistas no século XVI foram em muitos aspectos sucessores da Irmandade do Espírito Livre, cultivando o amor fraternal e partilhando seus bens. Eles olhavam o Estado com desconfiança, considerando-o irrelevante para verdadeiros cristãos como eles. Eles recusaram ocupar cargos oficiais no Estado ou pegar em armas em seu nome. Embora fossem milenaristas que aguardavam com expectativa a vinda do Reino de Deus, eles estavam dispostos a esperar por sua chegada. Eram principalmente pacifistas.

Este não foi o caso de Thomas Miinzer que se opusera a Lutero na Alemanha no momento da Revolta Camponesa. Os camponeses ansiavam por uma sociedade de independentes fazendeiros minifundiários e trabalhadores livres, como também pela restituição do direito de todos à terra. Lutero, que indiretamente ajudara a provocar a agitação, chegou a defender as regras que estavam introduzindo a nova forma de servidão. "Só há uma maneira do sr. povinho fazer sua obrigação", disse, "constrangendo-o pela lei e pela espada, prendendo-o em cadeias e gaiolas, da mesma forma que se faz com bestas selvagens... melhor a morte de todos os camponeses do que a morte dos príncipes... estrangulem os rebeldes como fariam com cães raivosos". 19 Em 1523, Thomas Münzer começou a organizar em segredo um exército revolucionário chamado a Liga dos Eleitos. Baseando sua visão apocalíptica no Livro de Daniel, ele anunciou o início imediato da guerra entre as forças do Diabo e a Liga dos Eleitos que conduziria pelo milênio. Tomando a cidade de Mühlhausen na Turíngia, ele conseguiu estabelecer sua base e atrair apoio dos camponeses. Por causa do elogio de Engels a Münzer na Guerra Camponesa na Alemanha (1850), ele se tornou um santo revolucionário marxista, mas na realidade ele apenas convocou uma comunidade de bens nos últimos dias em Mühlhausen, fugindo da batalha final em 1525 em Frakenhausen, onde o exército camponês foi derrotado.

Após o desastre, pregadores itinerantes espalharam o evangelho de um milenarismo violento nos Países Baixos e no Sul da Alemanha. O livreiro e impressor Hans Hut, que havia escapado da batalha de Mühlhausen, apelou para uma revolução social, refletindo tanto os pontos de vista de John Ball como dos Taboritas: "Cristo dará a espada da vingança para eles, os Anabatistas, para punir todos os pecados, eliminar todos os governos; communizar todos os bens e matar aqueles que não permitem serem rebatizados". Hut foi preso e executado, mas sua mensagem se espalhou rapidamente no sul da Alemanha. Os grupos milenaristas se multiplicaram, muitas deles rejeitando todos os ritos e sacramentos, vivendo de acordo com a Luz Interior, e mantendo suas posses em comum.

Foi, no entanto, em Münster, uma pequena cidade-estado eclesiástica no noroeste da Alemanha, que os radicais anabatistas tentaram sob a inspiração de Jan Bockelson (João de Leyden) fundar uma Nova Jerusalém, em 1534. Eles exortou seus irmãos e irmãs a viverem em uma comunidade, sem pecado, unidos pelo amor. Eles juntaram seus bens, incluindo os alimentos, e deram dinheiro. Mas as tendências autoritárias predominaram em seu ensino: eles queimaram todos os livros exceto a Bíblia. Embora Münster tenha sido regida por um conselho eleito, Bockelson criou um novo governo de doze anciãos. Em seu nome, ele introduziu um novo código legal que praticamente tornou todas as contravenções em crime ou delito grave. Embora o grande número de mulheres os levasse a aceitar a poligamia (com base no texto de Génesis 1:22, "crescei e multiplicai-vos"), ele impôs uma estrita moralidade com pena de morte por adultério.

No final, Bockelson, proclamando-se o Messias dos últimos dias, coroou-se rei do Povo de Deus e Governador da Nova Sião. Mestre em manipular pessoas através de festas e banquetes, seu programa encontrou pouca resistência e a vida parece ter sido um constante círculo de júbilo. Ao contrário dos Taboritas, ele conseguiu introduzir um comunismo de produção, bem como de consumo, com uma guilda de membros trabalhando sem salário. O sentimento de comunidade foi de grande importância para todo seu sucesso. Mas, enfraquecido por um cerco prolongado e escassez de alimentos, Münster finalmente caiu em 1535.

A experiência levou o Anabatistas a tornarem-se rigorosos pacifistas. Eles continuaram na criação de comunidades, especialmente na Europa Oriental. Jacob Huffer, milenarista extremado e comunalista pacifista, exerceu uma grande influência na Morávia que resultou em seu martírio. As Crônicas Huteritas registram como seu grupo mudou-se para uma aldeia perto de Austerlitz, em 1528 "estendeu um manto diante das pessoas, e cada homem depositava algo nele, com um coração disposto e sem constrangimento, para o sustento das pessoas necessitadas, de acordo com a doutrina dos apóstolos e profetas (Isaías 23, 18, Atos 2, 4-5)". 21 Embora o príncipe local tenha dito que iria defender o refúgio deles contra Viena, os líderes responderam "Mesmo que prometa recorrer à espada para nos proteger não podemos ficar". As colônias Huteritas foram altamente bem sucedidas e, embora acreditassem em pobreza digna a eficiência de sua economia comunista tornou-os ricos. Os membros das colônias praticavam uma piedosa vigilância mútua, e os casamentos eram arranjados com a ajuda dos anciãos. Os nobres da Morávia foram forçados pela Igreja e pelo Império a expulsá-los de suas propriedades em 1622. Finalmente dispersos partiram para os Estados Unidos e Canadá.

As revoltas camponesas da Idade Média não podem ser classificadas como totalmente libertárias. Elas apelaram por uma libertação dos laços feudais e rejeitaram a nova servidão imposta pela nobreza na forma de pesados impostos. Eles recorreram aos seus direitos tradicionais em "comum acordo" mas também queriam ser trabalhadores livres. As seitas milenaristas que surgiram muitas vezes canalizaram seu descontentamento e aspirações, procurando a lei divina para substituir a lei humana. Eles rejeitaram as alegações dos defensores do poder político, bem como os decretos da moribunda Igreja. Seitas mais extremadas, como os Irmãos do Livre Espírito, acreditavam que uma vez unidos com Deus, nenhuma lei, divina ou temporal se aplicava, e que o indivíduo poderia fazer o que queria. Embora esta celebração da liberdade antecipasse o anarquismo, na prática muitos dos Espiritualistas eram libertinos que menosprezavam e exploravam aqueles que não estavam "no estado da graça" como eles.

A mesma ambivalência também pode ser encontrada nas várias tentativas milenaristas de realizar o céu na terra. Os Taboritas chegaram mais perto de estabelecer uma ordem anarco-comunista, mas o seu comunismo não foi muito além de um consumo abastecido às custas dos povos vizinhos. O Anabatistas em Münster foram mais longe em seu comunismo, mas acabaram por estabelecer um regime de terror. E, embora os Anabatistas subsequentes se tornassem pacifistas, suas comunidades foram em muitos aspectos intolerantes. Como o próprio cristianismo, o legado dos milenaristas revolucionários e dos místicos anarquistas é multiforme.

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Notas de Referência:

Capítulo Seis

1 Veja Bookchin, Ecology of Freedom, op. cit., p. 195
2 Jacques Ellul, 'Anarchism and Christianity', Katallagete, 7,
3 (i98o), 14-24 3 Veja Kenneth Rexroth, Communalism: From its Origins to the Twentieth Century, op. cit., p. 25
4 Gray, The Socialist Tradition, op. cit.,PP. 35-8
5 St Ambrose, The Duties of the Clergy, Book t, ch. 28
6 Veja Franz Neumann, The Democratic and Authoritarian State (New York: The Free Press of Glencoe, 1957), p. 6
7 St Francis of Assissi. His Lift and Writings as Recorded by His Contemporaries, trans. 714
8 William Blake Complete Writings, ed. Geoffrey Keynes (Oxford University Press, 1974). pp. 689- 402, 400, boo, 158, 151, 393, 401; Veja also my (Freedom Press, 1988), pp. 34-42
9 Blake, Complete Writings, op. cit., PP. 61 5, 1 58, 395, 879, 413 in Godwin, Sketches of History, in Six Sermons (T. Cadell, 1 784), PP. 5,
10 Veja por Peter Marshall, William Godwin (New Haven & London: Yale University Press, 1984), pp. 26-8
12 Proudhon, Selected Writings, op. cit., pp. 556, 223, 221
13 Stirrer, The Ego and Its Own, op. cit.,
14 Bakunin, God and the State in The Essential Works of Anarchism, ed. Marshall S. Shatz (New York: Bantam, 197 1 ), PP. 1 35
15 Ibid., pp. 136, 138
16 Bakunin, Oeuvres (1 9t 0), IV, Citado em Anarchist Reader, op. cit., p. 88
17 Adin Ballou, Non Resistance and Government (1839), in Patterns of Anarchy, eds. Leonard I. Krimerman & Lewis Perry (New York: Anchor, 1966), pp. 1 4 1 , 1 43, 1 48-9
18 Tolstoy, A Confession. The Gospel in Brief and What I Believe, trans. Aylmer Maude (Oxford University Press, 1 974), PP- 53 1-2
19 Tolstoy, Patriotism and Government, Works, op. cit., XLVI, I, 261
20 Ammon Hennacy, Autobiography of a Catholic Anarchist (New York: Catholic Worker Books, 1954), p. 128
21 Dorothy Day, The Long Loneliness (New York: Harper & Row, 1952), p. 286
22 Hennacy, Autobiography of a Catholic Anarchist, op. cit., p. 13o z3 Ibid., pp. 365, 368
24 Ibid., preface
25 Nicholas Berdyaev, Slavery and Freedom, trans. E. M. French (Geoffrey Bles, 1943), in Patterns, p. 239
26 Berdyaev, Citado em Ellul, 'Anarchism and Christianity', op. cit., p. 22
27 Berdyaev, Slavery and Freedom, in Patients of Aisardty, op. cit., p. 152
28 Ibid., p. 160
29 Gaon O'Reilly, 'The Anarchist Implication of Christian Discipleship', Social Alternatives, II, 3 (1982), 11((Amer*, op. cit., pp. 155,


Capítulo Sete

1 Veja Ahmad Amin, The Dawn of Islam (Beirut, 1969). Translated for Peter Marshall by Bazgas Hatem.
2 Veja Norman Cohn, The Pursuit of (Paladin, 1984), p. 148
3 Ibid., p. 177
4 Ibid., p. 178
5 Ibid., p. 179
6 Ibid., p. 183
7 Ibid., pp. 184, 185
8 Veja George H. Williams, The Radical Reformation (Weidenfeld & Nicolson, 1962), p. 61
9 Citado em A Radical Reader: The snug for Change in England, 1381-1914, ed, Christopher Hampton (Penguin, 1984), p. 51
10 Ibid., p. 62
11 Citado em Rexroth, Communalism, op. cit., P. 69
12 Citado em Cohn, The Pursuit of the Millennium, op. cit., p. 215
13 Veja Rexroth, Communalism, op. cit., P. 86
14 ibid., p. 91
15 Citado em Cohn, The Pursuit of the Millennium, op. cit., p. 215
16 Peter Chelcicky, The Net of Faith, trans. into German by Carl Vogl (Munich, 1925), p. 145, Citado em Rudolf Rocker, Nationalism and Culture, op. cit., p. 109
17 Rocker, ibid.; Cropotkin, Anarkism, op. cit., p. 11. Revolutionary Millenarians and Mystical Anarchists of the Middle Ages, (1979), pp. 70-1
18 Williams, The Radical Reformation, op. cit., p. 846
19 Citado em Rextoth, Communalism, op. cit., pp. 104-5.
20 Citado em Cohn, The Pursuit of the Millennium, op. cit., p. 255
21 Citado em Rexroth, Communalism, op. cit., p. 125





Extrato traduzido de Demanding the Impossible - History of Anarchism, por Piter Marshall

domingo, 24 de maio de 2009

O Capital e a História

Por Robert Kurz
A confiança no capitalismo parece inabalável, até na esquerda. Ele renascerá como Fênix das cinzas de todas as crises e iniciará novas retomadas. Entretanto, já não pode ser negado que estamos atualmente confrontados com uma queda histórica. Uma nova crise económica mundial com consequências imprevisíveis está na ordem do dia da história. Porém, apesar de tudo, a pergunta geral é apenas: Quando é que a crise acaba? Que capitalismo virá após a crise? Esta expectativa alimenta-se do entendimento de que o capitalismo é o "eterno retorno do mesmo". Os mecanismos fundamentais da valorização permanecem sempre os mesmos. É verdade que há revoluções tecnológicas, convulsões sociais, mudanças nas "relações de forças" e novas potências hegemônicas. Mas esta é apenas uma superficial "história de eventos", um eterno sobe e desce de ciclos. Nesta perspectiva, a crise é meramente funcional para o capitalismo. Ela leva à "limpeza", pois desvaloriza o capital em excesso. Assim se abre caminho para novos processos de acumulação.

Esse entendimento não leva a sério a dinâmica interna do capitalismo. Mas há também uma visão diferente. Segundo esta, a valorização só existe realmente numa dinâmica histórica de desenvolvimento crescente das forças produtivas. Não se trata apenas de mudança tecnológica, mas também são estabelecidas novas condições de valorização. É por isso que o capitalismo não é o "eterno retorno do mesmo", mas um irreversível processo histórico, que conduz a um ponto culminante. Pois no decurso da história interna do capitalismo restringem-se as possibilidades de valorização. A força motriz é a libertação da força de trabalho, tornada cada vez mais supérflua por meio dos agregados tecnológico-científicos. O trabalho, no entanto, constitui a substância do capital, porque só ele produz mais-valia real. O capitalismo só pode compensar esta contradição interna através duma expansão do sistema de crédito, ou seja, através da antecipação de mais-valia futura. Este sistema de bola de neve, no entanto, tem de esbarrar em limitações, caso se estenda este adiantamento demasiado longe no futuro. Nesta perspectiva, as crises não têm apenas uma "função de limpeza", mas agravam-se historicamente e levam até uma barreira interna da valorização.

Cabe agora a pergunta sobre qual o estatuto da nova crise econômica mundial. Os representantes da segunda opinião são acusados de apenas quererem esperar pelo fim do capitalismo. Mas o atingir de uma barreira interna não substitui a emancipação social, pelo contrário, apenas lançaria a sociedade mundial no caos. Poder-se-ia muito mais acusar os representantes da primeira opinião de que eles, sim, pretendem esperar ingenuamente que o capitalismo seja relançado, após a "limpeza". É esta a esperança que muitas esquerdas partilham com as elites dominantes. Mas o que acontece se a situação não se comportar assim? Se não pode ser especificado qualquer novo potencial de valorização real, a teoria da "limpeza" não passa de uma fórmula vazia. Uma nova produção com trabalho intensivo, no entanto, está longe da vista. A posição geral de expectativa poderá sofrer um mau despertar. A questão teria então de ser: o que vem após o capitalismo? A mera nacionalização das categorias capitalistas não é mais uma opção, pois ela já faz parte da história. Se esta crise tem de ser resolvida com a civilização, talvez seja necessário mais do que esperar pela próxima retomada.

Deutsch KAPITAL UND GESCHICHTE in www.exit-online.org Publicado em Neues Deutschland, Berlim, 24.04.2009.

http://obeco.planetaclix.pt/

http://www.exit-online.org/

Extraído de http://o-beco.planetaclix.pt/rkurz333.htm

quinta-feira, 7 de maio de 2009

À espera dos escravos globais

Está prestes a se concretizar a união das duas formas decadentes de sociedade capitalista.

ROBERT KURZ

Em que mundo vivemos? A resposta dos ideólogos é sempre a mesma: num mundo de economia de mercado e democracia, no qual a economia de mercado e a democracia nunca são suficientes. Quanto mais as catástrofes se acumulam nessa ordem mundial, mais incisivos, a cada novo colapso, são os pedidos estereotipados feitos pela ignorância asinina da consciência oficial por "mais economia de mercado" e "mais democracia". Esses dois conceitos tornaram-se uma espécie de mantra que, à força da repetição exaustiva, se diluiu numa cantilena sem sentido.

Nesse poço dos desejos oculta-se uma contradição elementar. De um lado, ergue-se a pretensão de que a sociedade é capaz de deliberar conscientemente sobre assuntos de interesse comum e tomar as devidas decisões racionais ("democracia"). De outro, no entanto, trata-se expressamente da auto-regulação mecânica de um nexo sistêmico autônomo, cujas leis surdas se sedimentaram em fatos naturais ("economia de mercado", vulgo capitalismo).

Na verdade, a vida social não é norteada pela discussão e pela consciente decisão comum dos membros da sociedade. Isso porque o procedimento democrático não se acha anteposto aos efeitos galvanizadores da "física social" de mercados anônimos, mas posposto. Todas as decisões de instituições democráticas não representam assim um emprego autônomo do cabedal simbólico dos recursos, mas são antes plasmadas de antemão pelo automatismo do sistema econômico, que, como tal, não se presta a debates.

Por trás dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, da forma como os concebeu Montesquieu, há um "quarto poder" -o poder estrutural do sistema total de mercado. Desde Rousseau, esse ídolo econômico, que zomba de todo procedimento democrático, atende na teoria política pelo nome abstrato de "bem comum". Ao jogo democrático sujeitam-se, portanto, somente alternativas predeterminadas (algo como a livre escolha entre a cruz e a caldeirinha), do modo como as concebem os cegos "processos naturais" da física social.

A construção social da democracia de mercado ou do mercado democrático contém assim um inconfessado aspecto ditatorial e totalitário, que se exprime no conceito de soberania estatal. Esse princípio do Estado moderno foi formulado, em seus primórdios, pelo jurista francês Jean Bodin (1529-1596). Segundo Bodin, o conceito de soberania implica "o poder absoluto e perpétuo de um Estado para promulgar ou revogar leis" e também fazê-las cumprir, se necessário com uso da força. Com toda paz de espírito, prossegue Bodin: "Já o conceito de "felicidade" não é exigível. Isso porque um Estado, embora bem governado, pode não obstante se ver castigado pela pobreza. Não temos o conceito de "felicidade" como essencial para a definição do Estado. Não se poderia dizer com mais clareza que se trata aqui de um fim situado além das necessidades humanas.

Em vista da soberania, contudo, a diferença entre o príncipe absoluto de Bodin e o Estado democrático moderno é um tanto irrelevante. O problema não foi resolvido, antes "reificou-se" num grau superior. À medida que os monarcas soberanos foram substituídos pelo procedimento democrático, a lei sistêmica surda, impassível de discussão, tornou-se ao mesmo tempo cada vez mais insofismável. No contexto interno, a soberania nada mais faz do que pôr em prática o "terror estrutural da economia". No contexto externo, esse terror se prolonga nos interesses concorrentes dos Estados nacionais capitalistas. Desde as "guerras de formação dos Estados" nos séculos 16 e 17, como as chamou o historiador suíço Carl Jakob Burckhardt, até as guerras mundiais do século 20, estivemos sempre às voltas com o rearranjo de forças da soberania estatal, nunca com anseios da população. Só depois de 1945 as instituições características da história capitalista renunciariam a tal padrão imutável em favor do sistema mundial futuro: Estados nacionais soberanos, reunidos na "comunidade de Estados civilizados" da ONU, ligados pelo direito das pessoas e (ao menos em perspectiva) pelos procedimentos democráticos, bem como pela noção de Estado de Direito, cuja base é o sistema produtor de mercadorias e sua forma político-econômica de conceber o sujeito.

Desde o final dos anos 70, porém, essa aprazível nova ordem mundial é abalada por uma crise de raiz causada pelo "quarto poder" das coações econômicas estruturais: como todos sabem, a revolução microeletrônica substitui em proporções crescentes, na vasta gama das atividades rotineiras, a força de trabalho humana pela tecnologia informática e robotizada. Do ponto de vista dos mercados, as pessoas -e sua força de trabalho- tornam-se "supérfluas". Hoje é de toda urgência que a soberania estatal não interfira no "quarto poder" do mecanismo de mercado. O cidadão do Estado democrático é pressuposto como "força de trabalho"; fora dessa definição, seu próprio status político e jurídico desaparece.

Para restringir a "superfluidade" em massa das pessoas não há instrumental democrático que baste, a não ser um cinismo entranhado. Quem se mostra incapaz da reprodução burguesa de sua vida tem de aceitar o "destino" que lhe cabe e se apegar às regras do jogo. A miséria causada pela economia de mercado é encarada, à maneira pós-moderna, como "pluralidade de projetos de vida" ou como uma espécie de folclore da diferença. Que aos "supérfluos" seja negado de fato o direito à vida marca, por assim dizer, o triunfo das regras jurídicas procedimentais da democracia liberal.

É ilustrativo que essa interpretação democrática do mundo não seja mais sustentável tão logo a "superfluidade" transgrida uma certa medida crítica. Quando a concorrência deixa de ter substância econômica, ela só pode levar à selvageria: por trás do sujeito jurídico burguês que firma contratos, sobressai a careta original do desbragado poder capitalista -agora, sem dúvida, não mais o poder constituinte da história de ascensão burguesa em oposição aos produtores pré-modernos, mas o poder de destruição recíproca do material humano amansado pelo capitalismo, numa história de declínio e decadência.

Porém o desenvolvimento da crise é escalonado, em seus efeitos, por regiões do globo. Tal como as diversas sociedades foram inseridas com um "descompasso" histórico no moderno sistema produtor de mercadorias, assim também o grau e a extensão da crise apresentam-se com o respectivo descompasso, de modo que a periferia relativamente subdesenvolvida, ao contrário da perspectiva de Marx para o século 19, prefigura o futuro dos centros capitalistas desenvolvidos. Todo o Terceiro Mundo, mas também grande parte do sul da Europa, é ameaçado por uma constante ruína do desenvolvimento econômico nacional, que já ocorreu em diversos países: a moeda nacional entra em colapso e torna-se moeda de indigentes; o estoque de capital converte-se irremediavelmente em "indústrias fantasmas" não rentáveis, que atrasam ou não pagam salários; a infra-estrutura reduz-se a frangalhos, água e energia só fluem esporadicamente, interrompe-se o serviço de coleta de lixo, os órgãos públicos de saúde fecham as portas, seguindo o exemplo dos correios. O Estado retira-se de cena, e o que resta de sua política econômica é gerido pelo FMI.

Se tal situação persistir por muito tempo, chega-se à luta armada pela sobrevivência em todos os níveis da sociedade. A soberania estatal esfacela-se e as antigas elites burocráticas lutam com unhas e dentes para apropriar o restante dos despojos econômicos. Em países como o Afeganistão ou a Somália, praticamente não existe mais Estado. A fé na livre concorrência não se externa como "jovial dissenso" pós-moderno nas regiões que se desintegram, mas em graus diversos de guerra civil, cujo desfecho nunca levará ao surgimento de formações estatais de sopro renovado. Na opinião de Martin van Creveld, historiador militar israelense, a guerra do século 21 não será mais travada entre Estados, mas entre "organizações não-estatais" dos mais diversos tipos.

Esse processo não é apreendido pelo Ocidente como o rematado fracasso de seu sistema social, mas como simples "problema de segurança" externo. O capitalismo democrático ocidental em crise aumenta sua petulância, já demonstrada em relação a seus próprios "supérfluos", ao lidar com países e continentes inteiros que se revelam inaptos à reprodução de mercado. Ora, eles que se conformem pacificamente a seu inevitável destino! Se preciso for, a "segurança" há de ser restabelecida com intervenções militares de âmbito mundial (as chamadas "missões de paz").

Mas as guerras desse novo imperialismo de segurança não são mais movidas em busca de uma nova repartição da soberania sobre determinados territórios. Num espaço econômico globalizado, de cunho empresarial, toda política expansionista tradicional perde o sentido. Em vez disso, trata-se de proteger os poucos segmentos capitalistas ainda capazes de se reproduzir contra os ímpetos de violência enfurecida dos marginalizados e contra sua luta encarniçada pela sobrevivência. As ilhas de produção e fornecimento de serviços para o mercado mundial devem ser mantidas a salvo da falta de civilidade dessas populações empobrecidas, verdadeiras vagas oceânicas, devem ser preservadas em sua atividade desordenada, até que elas também se tornem "supérfluas".

Não se visa à conquista ou à incorporação para ganhar certos recursos (não-humanos, é claro). Ao contrário, a orientação estratégica é manter bem longe do sistema o enorme contingente de "supérfluos" da periferia, vistos com toda desconfiança. As catástrofes produzidas pela própria economia universal de mercado devem ser isoladas o máximo possível. Desse ponto de vista, as correntes de refugiados devem ser barradas nas fronteiras ocidentais, e as regiões em conflito, "contentar-se" com o nível de pobreza. O imperialismo de segurança, nesse sentido, é ao mesmo tempo um imperialismo de exclusão em nome na "Fortaleza Europa" e da "Fortaleza América do Norte". O objetivo implícito só pode ser uma hierarquia da exclusão escalonada por continentes, a qual se estende, na Europa, de alguns poucos Estados diretamente associados à Otan e à UE (algo como a Hungria), passando por um leque de Estados-operetas só parcialmente vinculados (algo como a Croácia), até protetorados ou homelands de todo dependentes, geridos por organizações internacionais (algo como Kosovo).

Se, desde 1945, a concorrência entre os blocos capitalistas dos Estados Unidos e da UE era atenuada pelo interesse comum da concorrência com o bloco oriental e seu capitalismo de Estado, depois do fim da Guerra Fria a lógica do imperialismo de exclusão e segurança globais constitui um novo metainteresse comum, cujo móbil é a crise velada do sistema global produtor de mercadorias. A Otan transforma-se, de um instrumento da Guerra Fria num mundo bipolar, em polícia mundial num mundo unipolar, sob a batuta dos Estados Unidos, última potência planetária com seu incontrastável poderio bélico. Mas essa polícia mundial só pode funcionar se a Otan exigir uma espécie de monopólio global da força. Isso significaria que o aparato militar de todos os Estados que não podem ou não querem se integrar à Otan teria de ser forçosamente eliminado. Agindo assim, o próprio Ocidente põe em dúvida o princípio da soberania estatal e torna a ONU obsoleta: o capitalismo não é mais capaz de reconhecer sua própria ordem jurídica internacional.

É muito improvável, no entanto, que o imperialismo ocidental de segurança se instaure efetivamente. Os gigantescos gastos necessários para manter sob controle militar um mundo que se esboroa não é mais economicamente viável nem mesmo para a aliança ocidental. Os resultados obtidos até agora por tal polícia planetária já deixam a desejar. Antes, é de supor que Estados-pesadelos, dotados de mísseis e arsenais atômicos como a Rússia, a China, a Índia ou o Paquistão, que há muito se acham na berlinda da dinâmica global de crise, liberem forças destrutivas no momento do colapso interno de sua soberania, forças essas que botarão no chinelo a polícia mundial. Aliás, Milosevic será fichinha perto do que se arma no horizonte.

Simultaneamente, a própria soberania dos Estados ocidentais se esfarela. Mesmo a última potência mundial, com seu aparato militar, depende hoje em dia do movimento autônomo do capital financeiro transnacional, que solapa qualquer soberania política. Burocracias militares e político-econômicas supranacionais, com processos de decisão obscuros como a Otan e a UE, o Banco Mundial e o FMI, ganham dinâmica própria em relação às instituições politicamente legitimadas. Por fim, acontecimentos como o massacre dos colegiais em Littleton, os pogroms racistas de jovens alemães ou as bombas-relógios do "Combat 18" e dos "Lobos Brancos" em Londres mostram que a soberania estatal interna dos centros ocidentais se encontra tão ameaçada quanto no resto do mundo.

Em toda parte a concorrência econômica e social desenfreada destrói o domínio estatal, sem criar outra forma de vínculo comunitário. Para o século 21, portanto, delineia-se a tendência de uma "desestatização negativa": um número crescente de funções estatais será absorvido por organizações paraestatais sem controle algum. A atual soberania será substituída, de um lado, pelo império dos cartéis transnacionais, pelos fundos de capital financeiro e por rudimentos de uma polícia global, e, de outro, pelo império da máfia, dos senhores da guerra e dos grupos terroristas armados. É somente questão de tempo até que essas duas formas decadentes da sociedade capitalista unam esforços para, a ferro e fogo, sujeitar os 5 bilhões de pessoas desta Terra a uma ordem mundial que já está nos estertores.

Robert Kurz é sociólogo e ensaísta alemão; publicou no Brasil, entre outros, "O Colapso da Modernização" e "O Retorno do Potemkim" (Paz e Terra); é co-editor da revista "Krisis"; ele escreve uma vez por mês na série "Autores" da Folha.

Tradução de José Marcos Macedo.

quarta-feira, 6 de maio de 2009

A Relevância de Rexroth- IV


NOTAS E BIBLIOGRAFIA




Informações sobre Copyright


A Relevância de Rexroth
 [versão em lingua inglesa] como um todo não tem direitos autorais (copyright), o que não é o caso das citações da obra de Kenneth Rexroth. As citações em prosa foram reproduzidas com permissão de Bradford Morrow, Executor Literário do Kenneth Rexroth Trust (21 East 10th St. #3E, New York, NY 10003). As citações de seus poemas foram reproduzidas com permissão do New Directions Publishing Corporation (80 Eighth Ave., New York, NY 10011).

 
 


 


NOTAS

[Informações adicionais desde sua edição 
original em 1990 em colchetes
]

Abreviações:

A — Assays (New Directions, 1961)

AN — An Autobiographical Novel (Doubleday, 1966) [Edição expandida (New Directions, 1991) com a mesma paginação]

AS — The Alternative Society: Essays from the Other World (Herder & Herder, 1970)

BB — Bird in the Bush: Obvious Essays (New Directions, 1959)

C — Communalism: From Its Origins to the Twentieth Century (Seabury, 1974) [versão em lingua portuguesa, Comunalismo: Das Origens ao Século XX]

CLP — Collected Longer Poems (New Directions, 1968)

CR — Classics Revisited, with Afterword by Bradford Morrow (New Directions, 1986)

CSP — Collected Shorter Poems (New Directions, 1966)

ER — The Elastic Retort: Essays in Literature and Ideas (Seabury, 1973)

MCR — More Classics Revisited, editado por Bradford Morrow (New Directions, 1989)

MS — The Morning Star (New Directions, 1979) [Atualmente incorporada em Flower Wreath Hill: Later Poems (New Directions, 1991).]

SE — World Outside the Window: Selected Essays, editado por Bradford Morrow (New Directions, 1987)

SFE — San Francisco Examiner columns

SFM — San Francisco Magazine columns

SP — Selected Poems, editados por Bradford Morrow (New Directions, 1984)

WEE — With Eye and Ear (Herder & Herder, 1970)



Notas do Capítulo 1

1. Rexroth freqüentemente formulou esta pergunta (referindo-se aos seus três poemas principais) como uma introdução em suas conferências. A resposta citada aqui era sua favorita. [Muitos dos poemas que Rexroth mencionou ou citou aqui estão agora online neste website.]

2. AN 169.

3. AN 366.

4. ''Poetry and Society," The Coast, Spring 1937, p. 35. Uma introdução poética cubista aborda as traduções de Rexroth emSelected Poems (New Directions, 1969) de Pierre Reverdy, reimpressos em SE 252 258.

5. ''Smokey The Bear Bodhisattva," WEE 212.

6. ''The Signature of All Things," CSP 177/SP 42-43.

7. ''Floating," CSP 144/SP 29-30.

8. ''Thou Shalt Not Kill," CSP 268-269/SP 95-96.

9. ''Observations in a Cornish Teashop," CSP 331.

10. ''Andrée Rexroth," CSP 154/SP 34.

11. ''Homer in Basic," CSP 317. [Se você nunca leu Homero, ou se já faz muito tempo que leu, dê uma olhada nessa soberba tradução de Robert Fitzgerald]

12. "August 22, 1939," CSP 97-98/SP 5-6. (Data do aniversário da execução de Sacco e Vanzetti em 1927)

13. Introdução a CLP.

14. AN 152.

15. SFE, 17 July 1960. Os comentários de Rexroth sobre a moderna poesia norte-americana são resumidas em seu livroAmerican Poetry in the Twentieth Century (Herder & Herder, 1971).

16. "Jazz Poetry," SE 71.

17. "Poets, Old and New," A 208. (L'Action Française foi um jornal fascista muito apreciado por Eliot)

18. "Mark Twain," A 97.

19. "Would You Hit a Woman with a Child, or Who Was that Lady I Seen You with Last Night?" BB 88-89.

20. "Some Thoughts on Jazz as Music, as Revolt, as Mystique," BB 25-26. Veja também "What's Wrong with the Clubs" (A 75-81/SE 191-196).

21. SFE, 6 March 1960.

22. "Marcus Aurelius, The Meditations," CR 80.

23. "The Authentic Joy of Philip Whalen," WEE 211.

24. "The Younger Generation and Its Letters," New Republic, 15 February 1954.

25. "The Lost Vision of Isaac Bashevis Singer," WEE 192.

26. "Tacitus, Histories," CR 76.

27. "Franz Kafka, The Trial," MCR 141/WEE 21-22.

28. "Poets, Old and New," A 235.

29. "Daniel Defoe, Robinson Crusoe," MCR 57/ER 60.

30. "Modern Chinese Literature," Chicago Review xvii:1 (1964), p. 169.

31. "The Social Lie": Aborda The Holy Barbarians (Messner, 1959) de Lawrence Lipton, pp. 295-296.

32. Introdução de The Kingdom of God Is Within You (Farrar, Straus & Giroux, 1961) de Tolstoy, pp. v-vi; reimpresso por MCR 124-125/WEE 160-161.

33. "Greek Tragedy in Translation," WEE 143.

34. BB viii.

35. "The Reality of Henry Miller," BB 156-157. Compare a composição posterior, mais crítica "Henry Miller: The Iconoclast as Everyman's Friend" (WEE 188-191).

36. As citações não mencionadas nos últimos parágrafos deste capítulo foram retiradas de CR and MCR/ER, exceto as de Thucydides, que foram retiradas de Hippolytus (MCR 11/ER 15) de Euripides.

37. "Greek Tragedy in Translation," WEE 143-144.



Notas do Capítulo 2

1. Citado por R.H. Blyth em Zen in English Literature and Oriental Classics (Hokuseido, 1942), pp. 79-80.

2. "The Chinese Classic Novel in Translation: The Art of Magnanimity," BB 215. [Caso esteja interessado, o que geralmente se considera como os cinco maiores romances chineses, já estão disponíveis em lingua inglesa: The Dream of the Red Chamber(a.k.a. The Story of the Stone), um maravilhoso romance de costumes com um tom taoísta; Outlaws of the Marsh (The Water Margin or All Men Are Brothers), uma série de aventuras picarescas; Monkey (The Journey to the West), uma fantasia satírica budista; Three Kingdoms (The Romance of the Three Kingdoms), um romance histórico cheio de estratégia militar e intriga política; e o erótico Chin P'ing Mei (The Golden Lotus or The Plum in the Golden Vase).]

3. Ibid., BB 216

4. SFE, 10 July 1960.

5. "Ford Madox Ford, Parade's End," MCR 139-140/ER 127.

6. "Dostoievsky, The Brothers Karamazov," CR 184.

7. "The Dragon and the Unicorn," CLP 185-186/SP 64. Ver CR e MCR/ER pra os ensaios de Walton, White e Woolman.

8. "Julius Caesar, The War in Gaul," CR 67.

9. "The Chinese Classic Novel in Translation," BB 216-217.

10. "The Hasidism of Martin Buber," BB 139/SE 99.

11. "Unacknowledged Legislators and Art pour Art," BB 18.

12. SFE, 20 November 1960.

13. Quatro títulos de Rexroth estão contidos em Beyond the Mountains (New Directions, 1951).

14. Introdução de The Signature of All Things (New Directions, 1950).

15. "The Dragon and the Unicorn," CLP 157.

16. AN 338.

17. SFE, 13 September 1965.

18. "Lao Tzu, Tao Te Ching," MCR 7/ER 10.

19. "Izaak Walton, The Compleat Angler," CR 143-144.

20. "The Lights in the Sky Are Stars," CSP 238.

21. "The Signature of All Things," CSP 178-179/SP 44.

22. "The Phoenix and the Tortoise," CLP 90-91/SP 23-25.

23. "On Flower Wreath Hill," MS 45.

24. Ibid., MS 41.

25. AN 338. A abordagem mais extensa de Rexroth sobre o budismo pode ser vista em Introduction to The Buddhist Writings of Lafcadio Hearn (Ross-Erikson, 1977), reimpressa em SE 303-319.

26. Introduction to CLP.

27. AN 119.

28. "My Head Gets Tooken Apart," BB 71-72.

29. "The Holy Kabbalah," A 43.

30. "Gnosticism," A 141-142/SE 141-142.

31. "The Bollingen Series," WEE 203.

32. "The Holy Kabbalah," A 42-43.

33. SFE, 25 December 1960.

34. AN 335, 252.

35. "The Hasidism of Martin Buber," BB 109/SE 79.

36. Ibid., BB 136-137/SE 97-98.

37. "Lamennais," ER 186-187.

38. Introdução a The Phoenix and the Tortoise (New Directions, 1944).

39. Introduction to Lawrence's Selected Poems (New Directions, 1947; Viking, 1959), pp. 11, 14, 23; reimpresso em BB 189, 192, 203/SE 16, 18, 25. Compare com o ensaio posterior, mais crítico de "D.H. Lawrence: The Other Face of the Coin" (WEE 34-39).

40. "Inversely, as the Square of Their Distances Apart," CSP 148/SP 32.

41. "This Night Only" (to Satie's Gymnopédie #1), CSP 338.

42. "The Dragon and the Unicorn," CLP 268.

43. Ibid., CLP 178.

44. "The Hasidism of Martin Buber" BB 106/SE 77.

45. Martin Buber, Between Man and Man, traduzido por Ronald Gregor Smith (Macmillan, 1965), p. 14.

46. Martin Buber, I and Thou, traduzido por Walter Kaufmann (Scribner's, 1970), p. 112. As outras duas citações referem-se às traduções de Ronald Gregor Smith (Scribner's, 1958), pp. 18, 11.

47. "The Hasidism of Martin Buber," BB 130-131/SE 93-94.

48. Ibid., BB 139-140/SE 99-100.

49. Ibid., BB 112/SE 81.

50. Ibid., BB 141-142/SE 101.

51. Ibid., BB 110-111/SE 80.

52. SFE, 30 August 1964.

53. Raymond Blakney, Meister Eckhart: A Modern Translation (Harper, 1941), p. 14.

54. "The World of the Shining Prince," ER 143.

55. "The Dragon and the Unicorn," CLP 233 (adaptação de Eugene Debs).

 
 

Notas do Capítulo 3

1. Situationist International Anthology, editado e traduzido do Francês por Ken Knabb (Bureau of Public Secrets, 1981), p. 63 [Instructions for an Insurrection].

2. SFE, 29 December 1966.

3. AN 128.

4. "The Institutionalization of Revolt, the Domestication of Dissent," SE 201.

5. "Kenneth Patchen, Naturalist of the Public Nightmare" BB 96-97.

6. "Thou Shalt Not Kill," CSP 272/SP 99.

7. "The Dragon and the Unicorn," CLP 235-236.

8. AN 355-356.

9. "The Dragon and the Unicorn," CLP 207.

10. "The Social Lie": interview in Lipton's The Holy Barbarians, pp. 293-294.

11. Introdução a The New British Poets (New Directions, 1949), p. xxvi.

12. Excerpts from a Life, editado por Ekbert Faas (Conjunctions, 1981), pp. 57-58. Este livro pequeno, publicado em uma edição limitada, contém episódios que dão continuidade à autobiografia de Rexroth nos anos 30 e 40. [Foi desde então incorporado na edição ampliada de An Autobiographical Novel (New Directions, 1991), onde uma versão ligeiramente diferente da passagem citada pode ser encontrada na p. 518.]

13. "Disengagement: The Art of the Beat Generation," AS 2/SE 42.

14. "The Students Take Over," A 110-111, 102, 104/SE 123, 115-118.

15. BB vii.

16. "His Corner of the World," New York Times Book Review, 27 October 1957.

17. SFE, 21 July 1963.

18. SFM, December 1970.

19. SFM, July 1968. Sobre a revolta de maio, que as teorias e táticas situationistas contribuíram para provocar, veja Situationist International Anthology, pp. 225-256, 343-352 [Beginning of an Era e May 1968 Documents].

20. "Back to the Sources of Literature," AS 164.

21. SFE, 9 January 1966.

22. C 30.

23. C xv, xvii-xviii.

24. C xi-xii.

25. C xii.

26. "Facing Extinction," AS 185-186.

27. SFM, July 1969.

28. "Back to the Sources of Literature," AS 153.

29. Ibid., AS 160.

30. "The Poetry of the Far East in a General Education," em Approaches to the Oriental Classics, editado por William de Bary (Columbia University Press, 1959), p. 197.

31. Uma entrevista, The San Francisco Poets, editada por David Meltzer (Ballantine, 1971), pp. 42-44; reimpressa como Golden Gate: Interviews with Five San Francisco Poets (Wingbow, 1976), pp. 52-54. Talvez a melhor entrevista de Rexroth, certamente a mais engraçada. [Veja a reedição ampliada do livro: San Francisco Beat: Talking with the Poets (City Lights, 2001).]

32. "Poets, Old and New," A 208-209.

33. "Back to the Sources of Literature," AS 165.

34. Guy Debord, The Society of the Spectacle (Paris, 1967; translation: Black and Red, 1977), thesis #4.

35. P. Canjuers & Guy Debord, Preliminaries Toward Defining a Unitary Revolutionary Program, em Situationist International Anthology, pp. 307-308.

36. "For Eli Jacobson," CSP 244-245/SP 89-91.




BIBLIOGRAFIA


Toda poesia e prosa de Rexroth e a maioria das suas traduções estão disponíveis em New Directions, juntamente com suaAutobiographical Novel, Selected Essays e os dois volumes de Classics Revisited. A maioria dos outros livros em prosa estão esgotados. [Para mais detalhes e informações atualizadas, veja a página 
Rexroth Archive].

Fantasy Records emitiu dois elepês da poesia jazzística de Rexroth, Poetry Readings in the Cellar (with Lawrence Ferlinghetti, 1959) e Poetry and Jazz at the Blackhawk (1960). [Ambos estão há muito tempo esgotados, mas uma leitura poderosa de Rexroth de "Thou Shalt Not Kill" (da Cellar) foi recentemente reeditada pela Howls, Raps & Roars: Recordings from the San Francisco Poetry Renaissance (Fantasy Records).A Sword in a Cloud of Light, uma leitura em fita cassete de 1977 com jazz e acompanhamento de koto-shakuhachi, está disponível em Watershed Tapes (P.O. Box 50145, Washington, DC 20004).

O estudo mais compreensivo de Rexroth foi feito por Morgan Gibson em Revolutionary Rexroth: Poet of East-West Wisdom(Archon, 1986), que incorpora e reordena substancialmente o material dos seus primeiros livros, Kenneth Rexroth (Twayne, 1972). Apesar do título Gibson diz relativamente pouco sobre o radicalismo político e a crítica social de Rexroth; mas a discussão dele sobre poesia e prosa, com ênfase particular nos seus aspectos orientais, são seguras e freqüentemente brilhantes. Sua bibliografia aborda um grande número de outros escritos sobre Rexroth. [Revolutionary Rexroth de Gibson está esgotado, mas uma versão ampliada e revisada já está disponível online (incluindo uma coleção de sua correspondencias com Rexroth). O estudo mais detalhado da poesia de Rexroth foi produzido por Donald Gutierrez em The Holiness of the Real: The Short Verse of Kenneth Rexroth (Associated University Presses, 1996).]

Kenneth Rexroth de James Hartzell e Richard Zumwinkle: A Checklist of His Published Writings (UCLA Library, 1967) é essencial para aqueles que pretendem pesquisar nas grandes bibliotecas as centenas de artigos produzidos por Rexroth. (Quase todos eles podem ser encontrados na biblioteca da Universidade de Califórnia em Berkeley.) Uma bibliografia muito maior está em desenvolvimento, mas vai demorar ainda vários anos. [No momento parece estar interrompida].

Linda Hamalian completou uma biografia de Rexroth e prepara uma edição expandida de sua autobiografia que incorporaráExcerpts from a Life e outro material sobre os anos posteriores. A correspondência de Rexroth com James Laughlin logo será publicada por Norton. [Estes três livros apareceram em 1991. Infelizmente a biografia de Hamalian, A Life of Kenneth Rexroth (Norton, 1991), se revela extremamente hostil e incompreensível].

Além dos livros esgotados — que devem ser todos certamente reeditados — existe manuscritos completos de dois livros que nunca foram integralmente publicados: The Poetry of Pre-Literate Peoples (uma antologia) e Camping in the Western Mountains(um guia de viagem dos ano trinta). Lá também pode ser encontrada uma grande quantidade de material escrito por Rexroth — colunas, artigos, revisões, introduções, entrevistas, cartas, gravações radiofônicas, pinturas — muita coisa valorosa que poderia sair em forma de livro. Eu compilei uma antologia de 200 páginas do Examiner e das colunas do San Francisco, contudo, ainda não encontrei um editor adequado.



[Índice]
 [
Capítulo 1 : Vida e Literatura
[
Capítulo 2 : Magnanimidade e Misticismo
[
Capítulo 3 : Sociedade e Revolução
[
Notas e Bibliografia]



Fim da versão em lingua portuguesa de The Relevance of Rexroth (1990) de Ken Knabb.


 

Os textos originais em inglês podem ser encontrados em:

[Contents
[
Chapter 1: Life and Literature
[
Chapter 2: Magnanimity and Mysticism
[
Chapter 3: Society and Revolution
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Notes and Bibliography]

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