domingo, 28 de setembro de 2008
Por que o mercado acabou dominado pelas grandes corporações?
C.4.1 Qual o tamanho dessas grandes corporações?
C.4.2 Como essas grandes corporações afetam a sociedade?
C.4.3 O que significa a existencia dessas grandes corporações para a teoria econômica e para o trabalho assalariado?
"Os fatos mostram. . . que, com o passar do tempo, a economia capitalista tende (com algumas interrupções) a tornar-se mais e mais fortemente concentrada". [M.A. Utton, The Political Economy of Big Business, p. 186]. A dinâmica do "livre" mercado funciona de tal forma que ele tende a tornar-se completamente dominado por algumas poucas empresas (tanto a nível nacional como, principalmente, a nível internacional), resultando em competições oligopolísticas e altíssimos lucros para estas companhias em questão (veja na próxima seção detalhes e exemplos). Isto ocorre porque apenas as grandes corporações podem dispor do capital necessário para investir, tornando-se competitivas pela redução do número de competidores habilitados para entrar ou sobreviver em um determinado mercado. Conforme as palavras de Proudhon, "competição mata competição". [System of Economical Contradictions, p. 242]
Isto "não significa que não surgirão novas e poderosas marcas [surgiram muitas grandes empresas nos EEUU após os anos 80]; elas surgem, mas em tais mercados. . . [é necessário tamanho e poder, sem tais características dificilmente sobrevivem, embora as que dominam o mercado hoje] eram muito pequenas ou inexistentes nos primeiros anos deste século". A dinâmica do capitalismo é tal que a "a vantágem competitiva [associada com o tamanho e o poder da grande corporação no mercado], uma vez conquistada, torna-se duradoura". [Paul Ormerod, The Death of Economics, p. 55]
Para pessoas com pouco ou nenhum capital, a entrada na competição fica limitada a novos mercados com baixo custo para o acesso ("Em geral, indústrias associadas com pequena escala de produção. . . tem baixos níveis de concentração". [Malcolm C. Sawyer, The Economics of Industries and Firms, p. 35]). Lamentavelmente, contudo, devido à dinâmica da competição, tais mercados normalmente acabam sendo dominados por algumas grandes empresas, enquanto as empresas fracas quebram, as bem sucedidas crescem na medida em que seus custos de capital diminuem -- "Cada vez que o capital completa seu ciclo, o [poder aquisitivo das] pessoas cresce menos com relação a ele". [Josephine Guerts, Anarchy: A Journal of Desire Armed no. 41, p. 48]
Por exemplo, entre 1869 e 1955 "existia um mercado que aumentava o capital per cápita entre os trabalhadores. O capital per cápita aumentou. . . algo em torno de quatro vezes seu patamar inicial. . . aproximadamente 17% por década". O índice anual de formação de capital bruto cresceu "$3.5 bilhões no período 1869-1888, $19 bilhões no período 1929-1955, e $30 bilhões no período 1946-1955. Este aumento a longo prazo durante tres quartos de século representou cerca de nove vezes o patamar original". [Simon Kuznets, Capital in the American Economy, p. 33 e p. 394]. Tomando a indústria do aço como exemplo: em 1869 o custo médio nas siderúrgicas nos EEUU era de $156,000, em 1899 passou para $967.000 -- um crescimento de 520%. De 1901 até 1950, o ativo fixo bruto cresceu de $740.201 para $2.829.186 na indústria siderúrgica como um todo, com os ativos da Bethlehem Steel crescendo 4.386,5% de 1905 ($29.294) a 1950 ($1.314.267). Este crescimento bruto se reflete tanto no tamanho dos locais de trabalho como nos padrões de administração na companhia como um todo.
Com o crescente quociente de capital dirigido ao trabalhador, o monumental custo de lançamento de uma firma rival em determinado (e bem desenvolvido) mercado torna o processo de participação exclusivo às grandes empresas (isso sem mencionar gastos com propaganda e outras despesas de distribuição, que eleva ainda mais os custos de lançamento - "a propaganda aumenta [a quantidade de] capital necessário para lançar uma indústria" -- Sawyer, Op. Cit., p. 108). J.S Bain [Barriers in New Competition] identificou tres barreiras principais para a entrada de uma empresa no mercado: a economia de escala (i.e. o crescimento dos custos de capital e sua natureza mais produtiva); a diferenciação do produto (i.e. propaganda); e uma categoria mais geral que ele denominou "vantágem do custo absoluto".
Esta última barreira significa que grandes companhias sobrepujam companhias menores pelos seus recursos, idéias, etc. inclusive injetando mais dinheiro em coisas como Pesquisa e Desenvolvimento e compra de patentes. Dessa forma elas acabam tendo uma vantágem tecnológica e material sobre as pequenas companhias. Elas podem também, se for necessário, implementar preços "não econômicos" por um tempo (durante o qual sobrevive com seus recursos) -- numa atividade denominada "preço predatório" -- e/ou montar uma pródiga campanha promocional para conquistar o maior quinhão do mercado ou expulsar seus concorrentes para fora do mercado. Além disso, é muito mais fácil para as grandes companhias levantar capitais externos, e o risco é geralmente menor.
Importante não esquecer também que as grandes empresas geralmente tem um maior poder na inovação e no desenvolvimento da tecnologia -- elas podem simplesmente absorver empresas novas e pequenas através de seu poder econômico, comprando (e portanto controlando) novas idéias. Muitas companhias de petróleo possuem patentes de uma variedade de fontes tecnológicas de energia alternativa, as quais mantém a sete chaves de forma a reduzir a competição na produção de suas mercadorias (naturalmente, em algum momento no futuro eles as desenvolverão mas só quando tiverem a certeza que isso lhes dará lucro). Também, quando o controle de um mercado está assegurado, os oligopólios retém a inovação para maximizar a ulilização das fábricas e equipamentos ou introduzir inovações falsas para maximizar a diferenciação do produto. Se o controle do mercado sofre alterações (usualmente por outras grandes empresas, como aconteceu no acirramento da competição entre os oligopólios ocidentais pela ação dos japoneses durante os anos 70 e 80), elas podem acelerar a introdução de teconologias mais avançadas e eventualmente conter outros competidores (mas tudo isso depende do tamanho dos recursos disponíveis).
Tais barreiras funcionam em dois níveis - absoluto, que estabelece barreiras de (entrada) e relativo, que estabelece barreiras de (movimento). Como as corporações crescem em seu tamanho, o montante de capital requerido para o investimento de forma a lançar uma corporação também cresce. Isto restringe a entrada de novo capital no mercado (que fica limitado apenas a empresas com substancial capacidade financeira e/ou com suporte político que as ampare):
"As velhas organizações que dominam o mercado trazem consigo as características estruturais da indústria, onde os potenciais competidores encontram imensas barreiras para poder entrar [no mercado] onde elas atuam. São necessários altíssimos investimentos em fábricas, equipamentos, e pessoal. . . O desenvolvimento e a utilização dos recursos produtivos dentro da organização toma um considerável tempo, particularmente diante das formidáveis incumbências que que são necessárias . . . Portanto, apenas umas poucas organizações corporativas tem a capacidade de fazer emergir uma indústria dotada de características . . . altamente competitivas. É realmente um problema enfrentar uma indústria. . . [sustentada pelo] poder oligopolistico do mercado". [William Lazonick, Business Organisation and the Myth of the Market Economy, pp. 86-87]
Além disso, dentro da indústria ologopolística, o grande tamanho e poder das empresas que dominam o mercado necessáriamente implica em que as pequenas empresas cedo ou tarde acabarão enfrentando o fantasma da expansão que reduz a competição. As empresas que dominam o mercado tem muitas vantágens sobre seus pequenos rivais -- um significante poder aquisitivo (que lhes permite lucro com serviços melhores e preços baixos disponibilizados pelos fornecedores, como também um melhor acesso aos recursos), -- um acesso privilegiado aos recursos financeiros, -- um enorme montante de ganhos guardados em fundos de investimentos, -- uma economia de escala tanto dentro como entre os locais de traballho, -- um subfaturamento dos preços em níveis "não-econômicos" e assim por diante (e assim, naturalmente, elas se capacitam para comprar companhias menores -- A IBM pagou $3.5 bilhões pela Lotus em 1995. O que equivale ao produto anual bruto do Nepal, que tem uma população de 20 milhões). A grande empresa ou grupo de empresas pode também, se quiser, usar a influencia que exerce sobre seus compradores e fornecedores para limitar as atividades das pequenas empresas que tentam se expandir (por exemplo, usando sua influencia para que seus contatos boicotem os produtos das pequenas empresas).
Não foi por acaso que Proudhon argumentou que "na competição. . . a vitória está garantida para os batalhões mais fortes". [Op. Cit., p. 260]
Como consequencia destas barreiras de entrada/movimento, o mercado fica dividido em dois setores principais -- um setor oligopolístico e um setor mais competivivo. Tais setores funcionam em dois níveis -- dentro dos mercados (com algumas firmas em determinado mercado tendo quotas, poder e lucros excessivos) e dentro da própria economia (alguns mercados tornam-se altamente concentrados e dominados por algumas empresas, outros mercados tornam-se mais competitivos). Isto resulta em que pequenas empresas em mercados oligopolísticos acabem sendo expulsas pelas grandes corporações em direção a mercados mais competivos. Protegida contra toda e qualquer competição (que possa influir no preço de mercado dos mercados oligopolísticos) a grande corporação não é forçada a derrubar o preço médio de produção no mercado, em vez disso este tende a se estabilizar em torno do preço de produção das pequenas empresas daquele ramo industrial (as quais não tem acesso às mesmas vantágens daqueles que dominam o mercado). Isto faz com que a empresa que domina o mercado se apodere de super-lucros até o momento em que um novo capital surja no mercado, coisa que demora a acontecer uma vez que apenas companhias maiores que ela poderão fazer isso, companhias estas que usualmente já obtem retornos semelhantes em seus respectivos mercados oligopolizados (a concentração do poder no mercado em algumas poucas mãos pode ser potencialmente desastroso para pequenas empresas se sua expansão for interpretada como uma ameaça).
Todos os super-lucros angariados pelas grandes corporações resultam da redução da competição obtida pelas vantágens da concentração, de seu poder no mercado e de seu tamanho (veja seção C.5 para detalhes).
Além do mais, é importante notar que todo processo em torno do crescimento das Grandes Corporações nacionais está também relacionado ao mercado global. Da mesma forma que as grandes corporações surgiram atraidas pelo desejo de maximizar lucros e sobreviver no mercado, "as transnacionais surgem como meio para consolidar ou aumentar lucros em um mundo oligopolizado". [Keith Cowling and Roger Sugden, Transnational Monopoly Capitalism, p. 20]. Enquanto o quadro local (USA) revela um mercado dominado por, diganos, quatro empresas, o quadro global revela vinte empresas. Da mesma forma que os mercados nacionais (USA) viram um crescimento na concentração das empresas durante os últimos anos, o mesmo ocorrerá com os mercados globais. Com o tempo surgirá uma estrutura bem desenvolvida de oligopólio global, com um punhado de empresas dominando a maior parte dos mercados globais (com uma rotação de estoque, empregados e vendas maior que o PNB de muitos países -- coisa que de alguma forma já ocorre em nossos dias. Por exemplo, em 1993 a Shell possuia um ativo de US$ 100.8 bilhões, que representa mais que o dobro do PNB da Nova Zelandia e o triplo da Nigéria, e um total de vendas no valor de US$ 95.2 bilhões).
A própria dinãmica do capitalismo, suas exigências para sobrevivência no mercado, resulta em que o mercado torne-se cada vez mais dominado por grandes corporações ("quanto mais competição houver, mais ela tende a reduzir o número de competidores". [P-J Proudhon, Op. Cit., p. 243]). A ironia da competição resultar em sua própria destruição e do mercado sendo substituído pela alocação coordenada e planejada de recursos são assuntos tabu entre os defensores do capitalismo.
ativo fixo. Parte do ativo que denota o valor dos bens imobilizados de uma empresa, representando seu capital fixo que pode ser tangível ou intangível.
concentração. Termo que, em marketing, se aplica em relação à segmentação de mercado (market segmentation). Há concentração quando a organização enfoca somente um subgrupo e desenvolve um programa de marketing que lhe é particularmente dirigido, a fim de conquistar uma posição de destaque.
marketing concentrado. Situação que ocorre quando uma empresa não deseja nem pode visar ao mercado todo e escolhe um segmento, criando através de especialização, uma posição de predomínio.
diferenciação de produto. Conjunto de técnicas em concorrência monopolística (monopolistic competition), em que os produtores marcam seus produtos para diferençá-los de outros, esperando persuadir os consumidores de que seus produtos são diferentes e presumivelmente melhores. Dessa forma, os produtores tentam estabelecer lealdade para com a marca (brand loyalty), o que lhes permite evitar a concorrência estritamente de preços. O grande número de marcas para produtos similares apóia esta teoria.
vantagem absoluta. De acordo com Adam Smith, capacidade de uma nação de produzir uma certa mercadoria, na qual deve especializar-se, importando as que produz com menor eficiência, e na qual tem uma desvantagem absoluta (absolute disadvantage).
rotação de estoque; rotação de empregados; movimento de vendas. 1. Número de vezes durante um determinado período em que é vendido ou renovado o estoque de uma empresa. 2. Perda e reposição de empregados por uma organização durante um determinado período. 3. Total de vendas durante um período, com a conotação de giro das mercadorias do estoque.
Grande Corporação. Big Business
C.4.1 Qual o tamanho dessas grandes corporações?
Os efeitos das grandes corporações nos ativos, vendas e distribuição de lucros são claros. Nos EEUU, em 1985, existiam 14.600 bancos comerciais. Os 50 maiores possuiam 45.7 de todos os ativos, os 100 maiores detinham 57.4%. Em 1984 existiam 272.037 corporações ativas no setor fabril, 710 delas (a quarta parte de 1 por cento) possuindo 80.2 por cento dos ativos totais. No setor de serviços (usualmente um ambiente dos pequenos negociantes) 95 empresas num total de 899.369 possuiam 28 por cento dos ativos do setor. Em 1986 na agricultura, 29.000 grandes fazendas (apenas 1.3% de todas as fazendas) ficaram com um terço do total das vendas nas fazendas e com 46% dos lucros das fazendas. Em 1987, as maiores 50 empresas ficaram com 54.4% do total das vendas da Fortune, as 500 maiores companhias industriais. [Richard B. Du Boff, Accumulation and Power, p. 171]
O processo de dominação do mercado reflete-se no crescimento das ações das grandes companhias no mercado. Na Grã Bretanha, as 100 maiores companhias fabrís viram suas ações subir no mercado de 16% em 1909, para 27% em 1949, para 32% em 1958 e para 42% em 1975. Em termos de ativos líquidos, as 100 maiores companhias industriais e comerciais viram suas ações de ativos líquidos subir de 47% em 1948 para 64% em 1968 para 80% em 1976 [RCO Matthews (ed.), Economy and Democracy, p. 239]. Numa visão panorâmica, notamos que em 1995 cerca de 50 empresas produziram cerca de 15 por cento dos bens fabricados no mundo industrializado. Existem cerca de 150 empresas funcionando ao redor do mundo na indústria de veículos a motor. Mas as duas maiores empresas, a General Motors e a Ford, juntas produzem mais de um terço de todos os veículos. As cinco maiores empresas respondem pela metade de toda a produção e as dez maiores empresas produzem tres quartos. Quatro empresas de aparelhos elétricos produzem 98 por cento das máquinas de lavar roupa fabricadas nos Estados Unidos. Ainda nos Estados Unidos, na indústria frigorífica, quatro empresas controlam 85 por cento da produção de carne bovina, enquanto que as outras 1.245 firmas participam em menos de 15 por cento do mercado.
Embora a concentração do poder econômico seja mais aparente no setor fabril, ela não se limita a esse setor. Estamos testemunhando uma crescente concentração no setor de serviços - linhas aéreas, cadeias de fast-food e a indústria do entretenimento são apenas alguns exemplos.
Outro efeito do fenômeno das grandes corporações é que as grandes companhias tendem a tornar-se mais diversificadas com um aumento na concentração de empresas individuais. Isto ocorre porque quando um dado mercado é dominado por grandes companhias, estas companhias se expandem em direção a outros mercados (usando seus grandes recursos para fazer isso) de forma a fortalecer suas posições na economia e reduzir riscos. Isto pode ser visto com o surgimento das "subsidiárias" de matrizes em muitos diferentes mercados, com alguns produtos aparentemente competindo uns com os outros mas na realidade pertencentes à mesma companhia!
As companhias de cigarros são espeicalistas nessa estratégia de diversificação; a maioria das pessoas ajuda indústrias tóxicas sem mesmo conhecê-las! Não acredita nisso? Bom, se você come algum produto da Jell-O, bebe Kool-Aid, usa o xarope Log Cabin, mastiga Minute Rice, saboreia cerveja Miller, devora Oreos, se pinta com Velveeta ou come biscoitos Ritzs, e se rende ao café Maxwell House, você está auxiliando a indústria do tabaco, e tudo isso sem colocar um cigarro na boca!
Ironicamente, a razão pela qual a economia tornou-se dominada pelas grandes corporações tem a ver com a própria natureza da competição. Para que possa sobreviver (pela maximização dos lucros) em um mercado competitivo, as empresas tem que investir em capital, propaganda, e daí por diante. Este processo de sobrevivência resulta na criação de barreiras para os potenciais competidores, que resulta em mais e mais mercados sendo dominados por algumas poucas grandes empresas. Esse processo de oligopolização que supre suas próprias necessidades oligopolísticas (devido ao seu tamamanho) tem acesso a mais recursos que as firmas menores. Assim, a dinâmica da competição capitalista é negar-se a si mesma na forma do oligopólio.
matriz. Matriz ou empresa principal de um grupo interligado; exerce controle e tem subsidiárias ou filiais. Não tendo negócio próprio, a matriz também pode ser considerada como a empresa controladora
oligopólio. Palavra de origem grega que significa "poucos vendedores". É, portanto, algum ramo de atividade empresarial dominado por um pequeno número de empresas. Supõe uma situação de mercado em que poucas firmas fazem produtos idênticos ou similares e podem influir nos preços.
C.4.2 Como essas grandes corporações afetam a sociedade?
É muito comum entre os economistas pro-capitalismo e defensores do capitalismo em geral procurar miminizar a importancia do tamanho e do domínio das grandes corporações no capitalismo.
Negam que essas grandes corporações sejam um problema - com o mercado, num processo autofágico, gerando grandes companhias que devoram as pequenas. Há que diga que a escola libertariana da direita "austríaca" seja o carro chefe dessa posição. Embora pareça irônico, tais economistas austríacos e outros "defensores do mercado" celebram a supressão do mercado coordenado por uma coordenação planejada dentro da economia, que resultaria em um crescimento ainda maior no tamanho das grandes corporações.
Não há dúvida alguma -- e é a competição oligopolística que estamos discutindo aqui, que as grandes corporações são responsáveis pela demanda (através da propaganda, naturalmente), de outra forma perderiam ações no mercado para seus rivais (usualmente para outras empresas dominantes no mesmo mercado, ou grandes empresas de outros países). Contudo, o "livre mercado" responsável pelo fenômeno do oligopólio ignora o fato de que nós, seres humanos, somos mais que apenas consumidores e que a atividade economica e os resultados do mercado exercem um impacto em diversos aspectos de nossas vidas. Assim, nosso argumento não é focado no fato de que pagamos mais por alguns produtos do que pagaríamos em um mercado mais competitivo -- nossa preocupação são as consequencias devastadoras do oligopólio. Se algumas companhias recebem lucros exorbitantes apenas porque seu tamanho limita a competição o efeito disto será generalizado.
Esses lucros "exorbitantes" tendem a se concentrar nas mãos de algumas poucas pessoas, distorcendo ainda mais a distribuição de renda (sem falar em poder e influencia) dentro da sociedade. As evidências disponíveis indicam que "uma maior concentração industrial gera uma menor quota em salários para os trabalhadores" no valor adicionado das empresas. [Keith Cowling, Monopoly Capitalism, p. 106]. As maiores empresas retém apenas 52% de seus lucros, o resto é pago como dividendos, comparado com os 79% das mais pequenas isto "pode ser qualificado como uma agiotagem acionária do excesso corporativo - dividendos mais juros oriúndos de um percentual de lucros e de juros pre-taxados - que subiram acentuadamente, de 20-30% nos anos 50 para 60-70% no princípio dos anos 90". [Doug Henwood, Wall Street, p. 75, p. 73]. Os 10% mais ricos da poupulação dos Estados Unidos possuem algo em torno de 80% dos grupos de ações (stock) e hipotecas ou obrigações (bonds) enquanto que os 5% mais ricos detém 94.5% de todos os grupos de ações de posse de indivíduos. Evidentemente a riqueza vem se concentrando cada vez mais desde os anos 70. [Ibid., pp. 66-67]. Este disparate na distribuição da renda proporciona à classe capitalista mais recursos para o enfrentamento na luta de classes mas seu impacto vai bem além disso.
Por exemplo, o "índice de concentração agregada ajuda revelar o gráu de centralização da tomada de decisão na economia e o poder econômico das grandes empresas". [Malcolm C. Sawyer, Op. Cit., p. 261]. Este oligopólio aumenta e centraliza o poder econômico sobre as decisões de investimento e de alocação de recuros que podem ser usadas para lançar regiões, países, forças de trabalho, uns contra os outros de forma a rebaixar salários e impor condições para todos (ou, da mesma forma, mover investimentos para fora dos países onde as forças de trabalho estão rebeladas ou onde há governos radicais, o colapso resultante serviria para "ensinar-lhes uma lição" para nunca se meterem a besta com gente poderosa). Como o tamanho das corporações aumenta, o poder do capital sobre o trabalho e sobre a sociedade também cresce com a ameaça da relocação sendo suficiente para fazer com que as forças de trabalho aceitem pagar o preço dos cortes, piorando as condições, "engolindo o sapo". Dessa forma, aumento nos níveis de poluição nas comunidades são aprovadas através de leis pro-capitalistas. O mesmo ocorre com relação a greves, organização sindical, etc. (aumentando assim o poder corporativo devido à mobilidade do capital).
Também, naturalmente, o oligopólio resulta em poder político pela importancia econômica, e seus recursos disponíveis dão a eles a capacidade para influenciar governos para que eles introduzam políticas favoráveis -- seja diretamente, seja pela fundação de partidos políticos, ou indiretamente por decisões de investimento, ou influencia nos principais meios de comunicação na política do toma-lá-dá-cá. O poder econômico também se extende ao mercado de trabalho, onde além de restringir as oportunidades de trabalho, as más condições no processo de trabalho atingem de cheio ao ser humano (originando doenças físicas e mentais) pelos seus efeitos negativos. As leis repressivas na sociedade onde vivemos tiveram sua orígem nas mesmas idéias que regem o mercado e que predominam na sociedade (veja seções D.2 e D.3).
Dessa forma, aumento em dimensão implica em aumento em poder. O poder dos oligopólios "influenciam as condições sob as quais eles irão operar. Eles não apenas reagem ao nível de salários e a velocidade do trabalho, como também atuam determinando-os. . . A crença na possibilidade de alterar produção e investimento se aplica também no que diz respeito a diminuir salários e aumentar níveis de esforços [pelos trabalhadores] . . . como também na capacidade de ganhar a cooperação do estado que lhes garantirá a apropriação [de recursos] do meio ambiente . . . [para] revertê-los em lucros" em valor adicionado e em renda nacional. [Keith Cowling and Roger Sugden, Transnational Monopoly Capitalism, p. 99]
Sendo o preço de mercado das mercadorias produzidas pelos oligopólios determinado por um valor acima dos custos, isto significa que eles contribuem para a inflação na medida em que adequam o aumento ou a queda nos custos à sua taxa de lucro pelo aumento de preços. De qualquer forma, isto não significa que o capitalismo oligopolístico não esteja sujeito a depressão. Pelo contrário. A luta de classes influenciará a quota dos salários (e a quota de lucros). Todavia, mesmo que os salários cresçam nunca serão completamente compensados pelo aumento de preços -- altos preços significam menor procura e existe sempre a ameaça da competição por parte de outros oligopólios. Além disso, a luta de classes também produzirá um impacto na produtividade e no montande de mais valia na economia como um todo, que, por sua vez, produzirá uma maior limitação na estabilidade do sistema. Este capitalismo oligopolístico entrará em choque com os efeitos da resistencia social à hierarquia, exploração e opressão, a mesma resistencia que atormentou capitalistas mais competitivos no passado.
O oligopólio distorce a distribuição de renda. Quanto maior o gráu de monopólio maior será seu impacto no gráu de desigualdade na distribuição doméstica. A fluência de riqueza para o topo faz com que não se produza aquilo que a classe trabalhadora necessita (os recursos acabam leiloados para quem paga mais, obrigando as empresas a produzir bens para mercados da elite enquanto que os outros mercados, não tão bem aquinhoados, ficam sem nada). A evidência impírica apresentada por Keith Cowling "aponta para a conclusão de que a redistribuição dos salários em direção aos lucros terá um impacto depressivo no consumo" [Op. Cit., p. 51] que pode causar depressão. Altos lucros também significa que um maior capital pode ser retido pelas empresas e fundos de investimentos (ou maiores ordenados aos executivos e aumentos de dividendos, naturalmente). Quando o capital se expande mais rápido que as rendas no trabalho, o excesso de investimento torna-se um crescente problema pois a demanda agregada não consegue se manter diante da queda no índice de lucros (veja seção C.7 para obter mais informações sobre o ciclo econômico). Além disso, quanto maior for o estoque de capital, maior será a tendência do oligopólio em afundar-se numa eventual depressão, que uma vez instalada será tão longa e tão dura que trará consigo a iminência da ruína completa.
Olhando para o oligopólio do ângulo da eficiência, a existência de super lucros por parte dos oligopólios significa que o alto preço dentro de um mercado impede empresas ineficientes continuar a produzir. Pequenas empresas podem produzir lucros (não oligopolísticos) médios a despeito dos altos custos, da sub-otimização da fábrica e daí por diante. Isto resulta que devido ao uso ineficiente dos recursos pelas forças de mercado ele não pode eliminar empresas com custos mais altos que a média (um dos traços chaves do capitalismo de acordo com seus defensores). E, naturalmente, lucros oligopolísticos distorcem a eficiência na alocação de recursos. Um punhado de empresas pode sobrepujar todas as outras, o que significa que os recursos não vão onde eles são mais necessários mas onde há uma maior procura efetiva (produzir bens para uma minoria que tem dinheiro).
Contudo, estes grandes recursos à disposição das companhias oligopolísticas faz com que elas resistam aos piores furacões no mercado. Conforme Richard B. Du Boff colocou, "Um caso notório foi o da . . . U.S. Steel [fundada em 1901]. Não obstante a companhia ter sofrido uma falencia comercial . . . resistiu por décadas funcionando com ações sem lastro. . . Outro caso foi a Ford. A companhia sobreviveu durante os anos 30 tão somente por causa de uma reserva em dinheiro que havia guardado em seus dias de glória. 'A Ford provê uma excelente ilustração do fato de que uma organização realmente grande pode resistir ao inesperado...'" [Accumulation and Power, p. 174]
Dessa forma as grandes corporações em muitos níveis reduzem a eficiencia da economia da mesma forma que exerce um impacto significante e avassalador na estrutura social, economica e política da sociedade.
Os efeitos da concentração de capital e de riqueza na sociedade são muito importantes. O capitalismo tende a produzir grandes corporações. O impacto da riqueza de uns poucos na vida de muitos é indicado na seção D do FAQ. Conforme mostraremos alí, além de envolver autoridade direta sobre os empregados, o capitalismo também envolve um controle indireto sobre as comunidades através do poder provocado pela riqueza.
Assim, o capitalismo não é o livre mercado descrito por algumas pessoas como Adam Smith -- o nível da concentração de capital faz com que as idéias sobre livre competição se tornem uma piada de muito mau gosto.
obrigação. Título de dívida com vencimento além de cinco anos. No Reino Unido o bond descreve alguns valores que nos Estados Unidos são chamados de debêntures (debentures).
estoque; grupo de ações. 1. Quantidade de algum bem mantida ou armazenada para ser usada quando surgir a necessidade, como, por exemplo, os artigos que um comerciante tem para vender. O mesmo que (inventory). 2. Termo equivalente a ação (share), mas com a idéia de que se trata de mais do que uma única, podendo ser um lote. Sinônimo de estoque de capital (capital stock).
ciclo econômico. Diz-se da expansão ou contração alternada na atividade econômica geral de um país. Segundo alguns economistas, o intervalo entre a expansão e a contração é bastante regular. O ciclo, geralmente, tem quatro fases: expansão, nivelamento, contração e recuperação. Nos períodos de expansão (boom), o volume de produção, emprego, lucros e preços aumenta, acontecendo o contrário na contração. Quando a contração é muito forte, denomina-se depressão (depression), mas quando não é tão intensa, passa a chamar-se recessão (recession).
C.4.3 O que significa a existencia dessas grandes corporações para a teoria econômica e para o trabalho assalariado?
Estudaremos aqui o impacto das grandes corporações na teoria econômica e no trabalho assalariado. Nas palavras de Michal Kalecki, competição perfeita é "mais uma suposição irreal" e "quando seu status real de modelo conveniente é esquecido torna-se um perigoso mito". [citado por Malcolm C. Sawyer, The Economics of Michal Kalecki, p. 8]. A realidade é que o princípio econômico do capitalismo é construído sobre este mito. Ironicamente, ele foi contra "com o pano de fundo [do surgimento das grandes corporações na última década do século XIX] quando apareceu a economia marginal, [há] um mundo imaginário composto por pequenas empresas. . . [um conceito] que se consolidou na profissão de economia". Assim, "Práticamente desde que foram criados, os postulados teóricos da economia marginal concernentes à natureza das companhias [e dos mercados] não passam de uma caricatura da realidade". [Paul Ormerod, Op. Cit., pp. 55-56]
As suposições da ideologia econômica constantemente contradizem a realidade com considerações importantes sobre a natureza "voluntária" do trabalho assalariado. Se o modelo competitivo assumido pela economia neo-clássica refletisse a realidade, teríamos uma grande diversidade de tipos de propriedade (incluindo cooperativas, extensas áreas de auto-emprego e trabalhadores acessando capital) não haveria quaisquer "barreiras de entrada" associadas com o controle da empresa. Este não é o caso -- os trabalhadores não acessam capital e auto-emprego e as cooperativas são marginalizadas. A característica dominante é o capital acessando o trabalho (escravidão assalariada).
Com um modelo baseado na "concorrência perfeita", os defensores do capitalismo construíram a fantasia de que o trabalho assalariado é uma escolha voluntária -- nestas circunstancias, os trabalhadores (em tal mercado) poderiam acessar capital ou formar cooperativas com uma relativa facilidade. Mas a realidade do "livre" mercado é tal que esse modelo não existe -- e enquanto suposição, ele é seriamente enganoso. Se levarmos em conta a realidade da economia capitalista, logo perceberemos que o que domina o mercado é o oligopólio e que a economia capitalista, pela sua própria natureza, restringe as opções disponíveis aos trabalhadores -- e de tal forma que a noção de que o trabalho assalariado é uma escolha "voluntária" é inaceitável.
Se a economia é estruturada de tal forma a criar dificuldades para a entrada no mercado e a sobrevivência depende da acumulação de capital, então tais barreiras são tão justas e eficazes como os decretos governamentais. Se pequenos empresarios são atropelados pelos oligopólios evidentemente as chances de falência aumentam (a grande maioria acaba se juntando ao rol de trabalhadores assalariados ou com poucos recursos, não por escolha "voluntária" mas por não ter outra opção) e se a desigualdade na renda é enorme, isso faz com que os trabalhadores tenham muita dificuldade para preencher as exigências necessárias para poder emprestar capital e começar suas próprias cooperativas. Dessa forma, olhando para a realidade do capitalismo (diferente daquilo que os livros de economia mostram) fica evidente que a existencia do oligopólio ajuda a manter o trabalho assalariado restringindo as opções disponíveis de participação no "livre mercado" aos trabalhadores.
Conforme vimos nesta seção C.4, aqueles que possuem um pequeno capital estão sendo expulsos para fora dos mercados em virtude do custo de ajustamento e baixa concentração. Assim, a afirmação dos defensores do capitalismo de que os trabalhadores tem uma escolha é totalmente desprovida de veracidade. Na melhor das hipóteses tal escolha é (como indicamos) de alguma forma limitada pela existencia de mercados oligopolísticos -- na verdade tão limitada que menos de 10% da população trabalhadora são trabalhadores auto-empregados. Além disso, as forças tecnológicas contribuem para aumentar o número de mercados que requerem baixos custos de ajustamento (o mercado de computadores é apontado como um exemplo disto). Todavia, predições semelhantes foram feitas há mais de 100 anos atrás quando os motores elétricos começaram a substituir as máquinas a vapor nas fábricas. "Esperava-se que as novas tecnologias [da década de 1870/80] fossem compatíveis com pequenas unidades de produção e operações descentralizadas. . . Contudo. . . estas expectativas não se concretizaram". [Richard B. Du Boff, Op. Cit., p. 65]. Com base na história do capitalismo, julgamos que todos os mercados associados com novas tecnologias irão pelo mesmo caminho.
A realidade do desenvolvimento capitalista é que mesmo se os trabalhadores investissem em um novo mercado, por exemplo, um que exigisse um baixo custo de ajustamento, a dinâmica do sistema é tal que com o decorrer do tempo tal mercado acabaria sendo dominado e engolido por alguma grande empresa. Além disso, para sobreviver em uma economia oligopolizada as pequenas cooperativas sofreriam pressão no sentido de contratar trabalho assalariado e adotar a dinâmica capitalista (veja seção J.5.11). Consequentemente, mesmo se ignorassemos a maciça intervenção do estado que em primeiro plano gera capitalismo (veja seção B.3.2), a dinâmica do sistema é tal que as relações de dominação e opressão sempre estarão associadas a ele -- essas pequenas cooperativas não teriam "competencia" diante de um contexto de competição (veja também seções J.5.11 e J.5.12 sobre as barreiras capitalistas às cooperativas e empresas autogestionárias mesmo quanto elas são mais eficientes).
Assim, os efeitos da concentração de capital sobre eventuais opções que poderíamos criar são grandes e muito importantes. A existencia das grandes corporações exerce um impacto direto na natureza "voluntária" do trabalho assalariado por produzir uma verdadeira e efetiva "barreira de entrada", um obstáculo para modos alternativos de produção. A pressão que as grandes corporações exercem sobre as pequenas empresas também reduzem a viabilidade das cooperativas e empresas autogestionárias de forma que dificilmente sobreviveriam enquanto cooperativas sem o uso de trabalho assalariado, marginalizando-as como uma alternativa verdadeira. Além disso, mesmo para os novos mercados a dinâmica do capitalismo é tal que novas barriras são criadas todo o tempo, sempre reduzindo nossas opções.
Enfim, a realidade do capitalismo é tal que a igualdade de oportunidade inserida nos modelos de "concorrência perfeita" não existe. E sem tal igualdade, o trabalho assalariado não pode ser tido como uma escolha "voluntária" entre várias opções disponíveis -- as opções disponíveis foram obstacularizadas de tal forma que qualquer outra alternativa, exceto trabalho assalariado, torna-se marginalizada e portanto, inviável.
concorrência perfeita (pura). Mercado perfeitamente competitivo em que os agentes econômicos, produtores e consumidores são tomadores de preços e não podem influenciar o preço de mercado. Mais especificamente, para justificar este pressuposto, geralmente se supõe que há um grande número de produtores e consumidores, que o produto é homogêneo, que há perfeita informação sobre as condições do mercado e que não há barreiras à entrada da indústria no mercado.
custo de ajustamento. Quantia que tem de ser gasta na transformação de máquinas, quando um tipo de produto deixa de ser fabricado e um outro entra em manufatura.
concentração. Termo que, em marketing, se aplica em relação à segmentação de mercado (market segmentation). Há concentração quando a organização enfoca somente um subgrupo e desenvolve um programa de marketing que lhe é particularmente dirigido, a fim de conquistar uma posição de destaque.
Extraído do FAQ ANARQUISTA: http://www.geocities.com/projetoperiferia2/secC4.htm
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