Publicado originalmente por Hoje em Dia
Amália Goulart
É uma fazenda muito grande. Tem terra e boi, daqueles...nelore, pra todo lado. Para entrar na granja de porcos tem que usar máscara e roupa especial. A casa fica no fim de uma rua de pedra. E sabe, ele é bom para os funcionários. A única coisa ruim são as estradas. Ele mesmo só vem de avião. Este foi o relato de uma senhora que já trabalhou na fazenda do rei do campo e dá uma pequena dimensão de uma das propriedades rurais mais completas do Estado. Todo morador de Morada Nova de Minas, a 300 Km de Belo Horizonte, sabe na ponta da língua de quem é a Fazenda Guará: Zezé Perrella (PDT). O cartola dos gramados de futebol também é rei das pastagens. Mas os eleitores não sabem que o ex-deputado e primeiro suplente de senador guarda tamanha riqueza.
A propriedade está avaliada em cerca de R$ 60 milhões, segundo corretores ouvidos pelo Hoje em Dia na região. Aqui, nenhuma fazenda de mil hectares sai por menos de R$ 10 milhões. Recentemente, foi vendida uma, até barata, por este preço. A do Perrella vale uns R$ 60 milhões, sem dúvida. Ela tem quase 2 mil hectares, afirmou o corretor Alisson de Faria Braga, sem saber que a informação era para uma reportagem sobre o patrimônio de Perrella.
As terras do presidente do Cruzeiro se perdem no horizonte aos olhos de quem passa pelo local. Os registros oficiais obtidos pelo Hoje em Dia são discrepantes. No Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), uma única propriedade de nome Guará está registrada em Minas Gerais. Tem área de 1.262 hectares. Porém, uma escritura da mesma, emitida pelo cartório de Morada Nova de Minas, aponta área de 480 hectares.
Segundo Alisson Braga, o preço de venda do hectare que informou refere-se a terra nua na beira do Rio São Francisco, sem equipamentos. Já o corretor Alan Israel Costa, da JA Imobiliária, em Patos de Minas, uma das imobiliárias de maior prestígio na região, onde o agronegócio é forte, informou que a localização da Fazenda Guará é uma das mais valorizadas do Estado. São terras vermelhas, férteis, e que têm água, disse.
Pensando tratar-se de uma reportagem sobre a valorização imobiliária da região, Costa disse que o preço médio do hectare a região da Guará é de R$ 3.500, mas pode ser maior devido à falta de oferta de fazendas para venda. Lá (em Morada Nova de Minas) tem fazendas boas. O preço é de R$ 3.500 o hectare, em média, para terras sem benfeitorias, informou.
Costa disse que está vendendo uma fazenda de 9 mil hectares por R$ 130 milhões. Possui cinco pivôs centrais e está localizada em uma região de terras piores do que a do presidente do Cruzeiro. A fazenda de Perrella é equipada com sete pivôs centrais de irrigação. Segundo o corretor, somente as terras de Perrella, sem benfeitorias, valeriam R$ 7 milhões. Sites especializados na venda de fazendas apresentam opções de compra de terrenos na região da Guará que se aproximam desse valor. O próprio presidente do Cruzeiro admitiu ao Hoje em Dia que a fazenda de Morada Nova de Minas, considerando os equipamentos e benfeitorias, vale mais de R$ 60 milhões.
A Fazenda Guará é banhada pelas águas da represa de Três Marias, no Rio São Francisco. Produz de grãos, aves, suínos e gado. A granja é climatizada. Perrella tem 1,3 mil matrizes (fêmeas reprodutoras), disse um funcionário. Uma porca gera em média 8 filhotes a cada gestação. Por dia, saem quatro caminhões da fazenda carregados de suínos para o abate. Parte da carne é exportada.
As pastagens para o gado, na maioria da raça nelore, estão na margem do São Francisco. Quem está do lado de fora da propriedade pode avistar centenas de animais da raça espalhados. O curral é informatizado. Ele (Perrella) costuma participar de leilões, contou um profissional da área.
Diariamente, saem da Guará caminhões carregados de arroz, trigo, feijão, milho e soja. Num intervalo de aproximadamente de três horas, o Hoje em Dia flagrou quatro caminhões sendo carregados e despachados da fazenda. Grandes silos compõem a paisagem opulenta da propriedade.
Apesar de vizinhos da fazenda e outros moradores do município assegurarem que a Guará pertence ao presidente do Cruzeiro, o imóvel não consta da declaração de bens do deputado entregue à Justiça Eleitoral em 2010, quando se apresentou como primeiro suplente do senador eleito Itamar Franco (PPS). Ao contrário, a julgar pelo documento, Perrella nem mesmo pode ser considerado rico. Depois de dois mandatos parlamentares, um como deputado federal e outro como estadual, e de dez anos na direção do Cruzeiro, ele informa ter um patrimônio de apenas R$ 490 mil.
Oficialmente, a Guará é de propriedade da Limeira Agropecuária e Participações Ltda. Segundo a Junta Comercial do Estado de Minas Gerais, 95% das cotas da empresa são divididas entre os filhos de Perrella: a estudante Carolina Perrella Amaral Costa, de 25 anos de idade, e o deputado estadual Gustavo Henrique Perrella Amaral Costa (PDT), de 27 anos. Um sobrinho do presidente do Cruzeiro, André Almeida Costa, de 29 anos, detém os restantes 5% das cotas da Limeira e figura no documento como administrador da Fazenda Guará.
Fazenda lucra com gado e grãos
A constituição da Limeira Agropecuária criou uma situação curiosa. Oficialmente, o jovem Gustavo Perrella é um milionário, enquanto o pai, empresário há 40 anos, tem patrimônio compatível com o de um brasileiro da classe média.
Graças ao prestígio de Zezé Perrella, Gustavo foi eleito deputado estadual no ano passado. Na declaração de bens entregue à Justiça Eleitoral, Gustavo tinha patrimônio de R$ 1,9 milhão. Deste total, segundo o documento, R$ 900 mil se referiam às quotas da Limeira.
Gustavo indicou na mesma declaração que uma parcela, no valor de R$ 250 mil, do patrimônio total era procedente de doação do pai, em dinheiro. Os demais bens listados são um carro, um apartamento, quotas de outras duas empresas e saldo em caderneta de poupança.
Carolina Perrella parece detentora de um grande tino empresarial. Em 2009, na última alteração contratual da Limeira registrada na Junta Comercial do Estado de Minas Gerais (Jucemg), as cotas da jovem estudante na empresa, equivalentes a 47,5% do total, valiam R$ 855 mil. Os valores eram os mesmos atribuídos ao irmão Gustavo. Mas, a julgar pelas avaliações informais atualizadas da Fazenda Guará, o patrimônio real de Carolina pode chegar a quase R$ 30 milhões.
Isso porque, embora dona de fazendas avaliadas em dezenas de milhões de reais, a Limeira valia em 2009, segundo o contrato social, apenas cerca de R$ 1,8 milhão. Mas, além das avaliações de corretores, é certo que a fazenda tem gerado lucros com a criação de gado, porcos, aves e com a produção de grãos. Pela declaração de bens à Justiça Eleitoral de 2010 de Gustavo Perrella, houve variação patrimonial positiva de R$ 55 mil em relação ao valor das cotas indicado na alteração contratual registrada na Jucemg em 2009.
Segundo o contrato social, as atividades da Limeira são cria, recria e comercialização de bovinos, suínos, aves e peixes; a produção, beneficiamento, reembalagem e comercialização de grãos e sementes; extração e comercialização de leite e derivados; produção e comercialização de madeira; industrialização e comercialização, no mercado interno e externo, de produtos agropecuários.
Abrigo para descansar
Para quem tem uma rotina intensa, a Fazenda Guará é um ótimo local de descanso. O ex-deputado estadual Zezé Perrella que o diga. É lá que ele gosta de passar os finais de semana. Em meados de janeiro, por exemplo, o Hoje em Dia entrou em contato com o motorista do ex-deputado. Conhecido como Dadá, ele informou que o patrão (Zezé Perrella) estava na Guará, descansando.
Ele não pode falar porque está na fazenda dele, afirmou Dadá. Na ocasião, Perrella estava sendo procurado para falar sobre a acusação feita pelo empresário Antônio César Pires de Miranda Júnior de que o presidente do Cruzeiro teria feito acerto prévio com um terceiro empresário para vencer licitação do Governo estadual.
Frequentemente, Perrella é visto na companhia de amigos e de parceiros de negócios na Fazenda Guará. Um desses visitantes é Ildeu da Cunha Pereira, superintendente do Cruzeiro. Ildeu foi preso pela Polícia Federal em 2008, junto com o empresário Marcos Valério Fernandes de Souza, acusado de ser o operador do esquema conhecido como mensalão.
Moradores da região e funcionários disseram que Perrella invariavelmente aterrissa de avião ou de helicóptero na pista particular da fazenda de Morada Nova de Minas, a poucos metros da casa sede. Parentes do deputado, originários de São Gonçalo do Pará, cidade natal de Perrella, também costumam visitar a propriedade. Mas, segundo amigos da família, eles ficam acampados pela fazenda. Ele (Perrella) quer cortar isso porque o lugar fica uma bagunça, disse um outro visitante da Guará.
A casa usada por Perrella na Guará não segue os padrões de grandeza das pastagens e dos equipamentos agrícolas. É aconchegante, mas discreta. Tem duas suítes, mais três quartos, piscina e área de lazer. A decoração é rústica. Uma grande varanda rodeia a edificação. Árvores estrategicamente plantadas garantem privacidade aos donos e frequentadores. Nas proximidades, habitações para funcionários e uma casa para hóspedes.
Transação tem cifras discrepantes
Mesmo sendo avaliada por corretores da região em pelo menos R$ 60 milhões, a Fazenda Guará foi vendida, oficialmente, à Limeira Agropecuária por R$ 360 mil. A escritura da propriedade, registrada no cartório de imóveis de Morada Nova de Minas, dá conta de que ela tem 480 hectares e foi negociada no dia 9 de novembro de 2009.
O vendedor foi Waldemar Alves de Moura, um pequeno fazendeiro de Biquinhas, município vizinho a Morada Nova de Minas. Procurado pelo Hoje em Dia, Waldemar negou a venda da fazenda. Não vendi nada para ele não, disse. Ao ser informado que na escritura da fazenda constava a venda com o número do CPF dele, mudou a versão. Confirmou que vendeu uma pequena propriedade a Zezé Perrella. Vendi para ele uma fazenda em Biquinhas. Mas não era nem uma fazenda, era um pedaço de terra, disse, confirmando o negócio com o deputado, não com os filhos, e o valor de R$ 360 mil da negociação.
Mas aquela fazenda lá não é a Guará. Ela chama Néris e é muito menor, afirmou. Néris era o nome da Guará antes da venda. Terras na Fazenda Néris, município de Biquinhas, que a partir desta data será denominada Fazenda Guará, diz trecho da escritura da propriedade. No documento, a fazenda está localizada em Biquinhas. Mas, no contrato social da Limeira consta que a Guará está localizada em Morada Nova de Minas.
Corretores da região informaram que, em 2009, a fazenda já valia mais de R$ 40 milhões, e que ela foi comprada, numa transação anterior, por cerca de R$ 10 milhões. Os corretores não souberam informar com precisão o ano em que Perrella teria adquirido a propriedade. Um amigo da família informou que esteve na Guará em 2008, na condição de convidado. Neste período, segundo ele, a fazenda já pertencia a Perrella. O amigo do deputado exibiu duas fotografias feitas durante a visita.
Na escritura da fazenda consta também que ela possui uma reserva florestal. Esta fazenda é tão grande que ela vai de um vilarejo a outro, disse um trabalhador rural da região. A Guará começa próximo à comunidade de Val das Flores e termina na Frei Orlando. Aqui no Val das Flores quase todo mundo trabalha na fazenda de Zezé Perrella, informou o trabalhador que pediu para não ser identificado na reportagem. Cerca de 200 funcionários são contratados da Guará. Dois ônibus passam, por dia, recolhendo os trabalhadores nas comunidades para levá-los ao trabalho.
Empresa possui outra fazenda
A Limeira Agropecuária e Participações Ltda. tem uma segunda fazenda, a Mato Dentro. Fica no município de Igaratinga, no Centro-Oeste de Minas, e é especializada na produção de bovinos e suínos. É administrada pelo irmão de Zezé Perrella, Geraldo de Oliveira Costa.
Graças a um documento de 30 de julho de 2008 da Superintendência Regional de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Alto São Francisco, é possível mensurar a propriedade. Segundo fiscais do meio ambiente que estiveram na fazenda para emitir parecer sobre um pedido de licenciamento, as terras abrigavam 4.500 porcos, 250 cabeças de gado e 75 hectares de pastagens.
A ração que alimenta o rebanho é produzida na fazenda. A Mato Dentro se dedica a engorda de leitões até o ponto de abate. Os animais são mantidos em galpões com comedouros, bebedouros, lâmina dágua, grades plásticas, gaiolas, cortinas para propiciar conforto térmico, praticidade, economia de água e facilidade nas operações de higienização dos animais para o processo produtivo, diz trecho do documento.
Ex-deputado já é investigado
A Polícia Federal já investiga a suspeita de enriquecimento ilícito de Zezé Perrella. Trata-se de um inquérito referente à gestão do cartola no Cruzeiro Esporte Clube. Em maio do ano passado, o deputado e o irmão dele, Alvimar de Oliveira Costa, foram acusados de lavagem de dinheiro e evasão de divisas na venda do jogador Luisão.
A investigação mostrou que o jogador foi negociado com a equipe Central Espanhol Futebol Clube, do Uruguai. O valor da transação foi de US$ 2,5 milhões. O problema, apontado pela Polícia Federal, é que, pouco tempo depois, o clube de Montevidéu vendeu Luisão para o Benfica por quase US$ 1 milhão a menos. A suspeita é de que a negociação com o Central Espanhol tenha sido de fachada para esquentar dinheiro sem origem declarada. Existe ainda uma segunda investigação na PF para apurar suspeita semelhante na venda do volante Ramires para o Benfica, em 2009.
Como deputado estadual, Perrella teria a chance de ganhar R$ 1 milhão no mandato, somando salário, auxílio moradia e outros benefícios. Ainda assim, terminou o mandato com uma declaração de bens de R$ 490 mil. Fontes do meio político disseram que existe a possibilidade de Itamar Franco ser convidado, no fim do ano que vem, para reassumir a presidência do Conselho Administrativo do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG). Desta maneira, Perrella assumiria a vaga de Itamar no Senado. O senador foi internado na última semana em São Paulo para tratar de uma leucemia.
No site da Assembleia Legislativa consta que a profissão de Zezé Perrela é empresário. Atua nas áreas da agricultura e agroindústria, em especial no comércio de carnes, diz o perfil oficial de Perrella.
Irritado com a abordagem do Hoje em Dia para falar do patrimônio pessoal, o ex-deputado Zezé Perrella (PDT) informou que a fazenda Guará vale mais de R$ 60 milhões. Ela vale muito mais. Não é só isso, disse. O presidente do Cruzeiro ameaçou a repórter e prometeu retaliação. Estou doido para pegar um jornalistazinho assim, igual a você. Isso vai ter volta. Vai ter retaliação, afirmou. Ele disse que doou todos os bens para os filhos há oito, nove anos.
quarta-feira, 27 de novembro de 2013
segunda-feira, 25 de novembro de 2013
Dilma Rousseff: Dama de Ferro Brasileira?
O que temos hoje no Brasil é realmente um governo de Direita, tipo Margaret Thatcher, tão direitista como o de FHC e os anteriores.
Apresentam alguns disfarces com a infame bolsa esmola como se 30 ou 280 reais por família resolvesse os problemas de alimentação, medicamentos, transporte, habitação,etc. É muito cinismo do governo dizer que o mísero salário mínimo melhorou o nível econômico dos trabalhadores. Como se não bastasse, o arqui corrupto José Dirceu, mercador da miséria, chegou a associar o bolsa família com 40 milhões de votos.
40% dos juros da dívida externa e interna somam mais de 1 trilhão de reais, entregue de mãos beijadas ao capital financeiro nacional e internacional e a meia dúzia de famílias privilegiadas, capachas destes conglomerados financeiros.
Sarney, Renan Calheiros,Jader Barbalho, Romero Jucá, Collor, Maluf, Sérgio Cabral, Kátia Abreu, Edson Lobão e outros semelhantes a eles são os verdadeiros governantes deste país, são o mesmos serviçais dos governos FHC,Color, Sarnei e principalmente da sanguinária ditadura que foi o início descarado de toda esta infâmia que nos assola.
Esta história de "risco de volta da direita" é verdadeira?
A privatização do megacampo petrolífero de Libra (área de pré-sal) é um divisor de águas. Todos os movimentos sociais do Brasil, inclusive alguns muito próximos ao governo, se posicionaram contra. O governo se manteve inflexível e, copiando o governo FHC nas grandes privatizações (Vale, Telebrás), garantiu o leilão com segurança policial e tropas militares, de um lado, e batalhões de advogados da Advocacia Geral da União para derrubar liminares, de outro.
Por Ivo Lesbaupin
Muitas das análises sobre os governos do PT (Lula-Dilma) partem do pressuposto de que houve antes um governo de direita, neoliberal, o de FHC, e que hoje temos um governo se não de esquerda, ao menos de centro-esquerda, de coalizão.
Seria um governo em disputa, que ora tomaria medidas mais voltadas para os setores populares ora voltadas para os setores dominantes. Isto dependeria da maior ou menor pressão de cada um dos lados.
Este pressuposto leva a crer que este governo mereça todo o nosso apoio para evitar a "volta da direita". Porque esta volta traria políticas que não queremos ver novamente.
Os governos do PT indubitavelmente deram mais atenção ao social que os governos anteriores, como o aumento real do salário-mínimo e o programa Bolsa-Família, e reduziram fortemente o desemprego. A política externa é mais independente e também solidária com os governos progressistas de outros países da América Latina. E poderíamos citar uma lista de avanços ocorridos nos últimos dez anos, avanços que devem ser mantidos e devemos apoiar.
Há setores do governo que têm uma preocupação centrada na sociedade, nos trabalhadores, que se dedicam a uma maior democratização. Mas, infelizmente, estes setores não mandam no governo. E, na hora da cobrança, apoiam as grandes decisões (Belo Monte, Libra...).
Porém, se examinarmos mais de perto, o que nos impressiona não são as diferenças com os governos anteriores, são as semelhanças – cada vez maiores, à medida que o tempo passa. O governo FHC é considerado uma “herança maldita”. Mas a política econômica que privilegia o capital financeiro permanece de pé: os bancos tiveram mais lucros nos governos do PT do que antes. E estes governos introduziram medidas que favoreceram ainda mais os investidores financeiros ao isentá-los, em vários casos, de imposto. Não foi feita nenhuma reforma estrutural nas estruturas geradoras da desigualdade no país. No entanto, foram feitas reformas estruturais para atender aos interesses do capital, como a reforma da previdência do setor público, aprovada no primeiro ano do governo Lula.
Os recursos do país: para quem vão prioritariamente?
Se queremos saber para quem o governo trabalha, temos de examinar o orçamento realizado: para onde estão indo os recursos? Os recursos do país são destinados fundamentalmente ao pagamento da dívida pública, interna e externa, e de seus juros. A dívida externa chegou em dezembro de 2012 a 441 bilhões de dólares e a dívida interna a 2 trilhões e 823 bilhões de reais (cf. Auditoria Cidadã da Dívida). O orçamento realizado de 2012 mostra que 44% do nosso dinheiro foi usado para os juros, amortização e rolagem da dívida, enquanto que apenas 5% para a saúde e 3% para a educação. Em suma, o destino de quase metade do orçamento é a pequena camada mais rica do país – que são aqueles que recebem os juros da dívida -, além dos credores externos. Cada décimo de aumento dos juros pelo Banco Central significa maiores ganhos para os que já são muito ricos.
Portanto: o primeiro setor cujos interesses são atendidos é o capital financeiro (bancos e investidores financeiros)
Obras de infraestrutura: para as empreiteiras
Mas, há um segundo setor que é também privilegiado pelo governo: são as grandes empreiteiras – Odebrecht, OAS,Camargo Correia, Andrade Gutierrez... Elas estão em todas as grandes obras de infraestrutura do país, entre as quais as usinas hidrelétricas – Belo Monte é o exemplo mais notório – e até na do Maracanã. Em 1993, durante a CPI do Orçamento, o senador José Paulo Bisol havia denunciado a existência de um “governo paralelo” no país: eram as grandes empreiteiras, que distribuíam entre si as licitações das obras públicas. Denunciou, mas nada aconteceu... A maior parte destas obras são financiadas pelo BNDES, com recursos públicos, portanto.
Estas empreiteiras são também, junto com os bancos, as principais financiadoras das campanhas eleitorais. Este dado nos ajuda a entender o empenho do governo na realização de certas políticas – os megaprojetos, por exemplo, as privatizações, outro exemplo – e no impedimento de controles sobre o capital – a não realização da auditoria da dívida, por exemplo.
Portanto, o segundo setor cujos interesses são atendidos é constituído pelas grandes empreiteiras.
O agronegócio: o grande aliado do governo no campo
E há um terceiro setor que tem recebido muito apoio do governo: o agronegócio. O governo ajuda a agricultura familiar, sem dúvida, mas a proporção é de 90% para o agronegócio e 10% para a agricultura familiar. Esta é a razão pela qual, em dez anos de governos do PT, a reforma agrária não avançou: o principal aliado do governo no campo é o agronegócio, não os movimentos sociais. E certas medidas que favorecem este setor acabam sendo aprovadas no Congresso – o Código Florestal -, porque o governo não quer perder este aliado.
Portanto, o terceiro setor cujos interesses são atendidos é o agronegócio.
Povos indígenas: pedra no caminho do agronegócio, de megaprojetos de infraestrutura, de grandes mineradoras
O governo está ressuscitando a política indigenista da ditadura, para a qual "o índio não pode atrapalhar o progresso do país". O capítulo sobre os povos indígenas foi comemorado, na época, como um dos mais avançados da Constituição Cidadã. Pois exatamente os direitos destes povos originários ás suas terras estão sendo derrubados: pouco a pouco, a cada nova usina hidrelétrica, a cada nova lei ou portaria (ou código...), os direitos estão sendo violados e até as demarcações já feitas correm o risco de serem questionadas. Para atender aos interesses de setores do capital, este governo está desprezando os direitos dos povos indígenas.
O sistema tributário reprodutor da desigualdade social permanece
Por outro lado, o Brasil carrega outra “herança maldita”: o sistema tributário regressivo, que o governo FHC acentuou. Isto significa que, ao invés de distribuir renda, este sistema concentra renda, é um “Robin Hood” às avessas, tira dos pobres para dar aos ricos. É um sistema pelo qual os pobres pagam proporcionalmente mais que os ricos, porque nele o peso maior está no imposto sobre o consumo. Mesmo aquele que não têm renda para pagar imposto de renda compra bens, compra alimentos. E no preço dos bens está incluído o imposto.
Embora tenha introduzido pequenos avanços, no essencial esta herança de FHC foi mantida pelos governos do PT: a regressividade do sistema permanece. E a combinação de superávit primário (...) com a política monetária de juros altos incidentes sobre a dívida pública resulta “num dos mais perversos mecanismos de transferência de renda dos pobres para os ricos de que se tem notícia na história do capitalismo. (...) Na verdade, o mais poderoso mecanismo de concentração de renda na economia é essa combinação de política fiscal e monetária perversa, onde o Estado atua como um redistribuidor de renda e de riqueza a favor dos poderosos” (Assis, 2005: 89) (1).
Um primeiro meio para mudar esta grave injustiça seria fazer uma reforma tributária, para tornar o sistema progressivo (os que podem mais, pagam mais). Mas o governo não fez isso: ao contrário, apresentou um projeto de reforma que não mexe no caráter regressivo e que cortará recursos da Seguridade Social, se for aprovada.
Haveria uma segunda maneira de reduzir a transferência de recursos para os ricos: seria a realização de uma auditoria da dívida pública. Ela provaria que uma parte da dívida que nós pagamos é irregular e isto reduziria substancialmente a sangria de recursos públicos. A única auditoria que o país fez, em 1931, concluiu que 60% da dívida não tinham documentos que a comprovassem. O mesmo aconteceu mais de 70 anos depois, quando oEquador fez sua auditoria, em 2009: 65% da dívida eram eivadas de irregularidades. Como a nossa dívida externa foi constituída principalmente durante a ditadura civil-militar de 1964-1985, quando o Congresso não tinha acesso aos documentos, há sérias suposições de que parte desta dívida é indevida. O que só uma auditoria poderia verificar e comprovar (a CPI da dívida evidenciou várias irregularidades que teriam de ser examinadas, mas PT e PSDB se uniram para impedir que esta CPI tivesse resultados).
Esta é uma exigência da constituição de 1988, a qual nem o governo FHC nem os governos do PT puseram em prática. Preferiram favorecer os poucos privilegiados que ganham com a manutenção do status quo. E desfavorecer os muitos que sofrem as consequências de os recursos públicos não serem empregados onde deveriam: pois esta é a razão da falta de recursos suficientes para a saúde, a educação, o transporte, o saneamento básico, para os serviços públicos em geral.
Havia ainda uma grande diferença entre o governo neoliberal de FHC e os governos do PT: as privatizações. No entanto, o governo Lula não fez uma auditoria das privatizações, como se esperava; não reestatizou nenhuma das empresas privatizadas, como fez o governo Evo Morales. O governo Lula privatizou algumas rodovias federais e ogoverno Dilma passou a privatizar tudo: portos, aeroportos, rodovias, hospitais universitários e até riquezas estratégicas como o petróleo.
O governo FHC havia quebrado o monopólio da Petrobras e 60% das ações desta empresa estão hoje em mãos privadas. O governo Lula não reverteu este processo. O governo FHC iniciou em 1997 o leilão das áreas de exploração do petróleo. Os governos Lula e Dilma não interromperam os leilões, apesar de reiterados protestos dos movimentos de trabalhadores, especialmente dos petroleiros. O governo Dilma promoveu o leilão de petróleo docampo de Libra – cujas reservas valem no mínimo 1 trilhão de dólares - e tem ignorado solenemente a oposição dos movimentos sociais. O petróleo é nosso? Não, parte dele será das empresas privadas e estatais estrangeiras que venceram este leilão, assim decidiu o governo brasileiro. É como se só devesse satisfação ao setor privado, às multinacionais: os interesses do país, as reivindicações dos movimentos populares não são prioritárias.
O que traria a volta da direita?
Privatizações? Leilões do petróleo? de áreas do pré-sal? Avanço do agronegócio? Usinas hidrelétricas na Amazônia? Perda de direitos dos povos indígenas? Tropas militares para enfrentá-los? Código Florestal? Plantio de transgênicos? Aumento do uso de agrotóxicos? A não realização da reforma agrária?
Tudo isso está sendo feito por este governo.
Com exceção dos líderes do PSDB, todos os líderes da direita são hoje aliados do governo: Sarney, Renan Calheiros,Jader Barbalho, Romero Jucá, Collor, Maluf, Sérgio Cabral, Kátia Abreu...
Apesar de sua prática, de suas políticas fundamentais, o governo mantém um discurso de esquerda, de quem defende os direitos dos pobres e oprimidos e que "a direita quer solapar", "olhem o que a grande mídia diz de nós". Os movimentos de trabalhadores e demais movimentos sociais veem suas reivindicações desprezadas (povos indígenas), não atendidas (reforma agrária) ou mal atendidas (recursos para a agricultura familiar).
Movimentos sociais e entidades da sociedade civil precisam constantemente se mobilizar, denunciar, fazer pressão, para evitar perda de direitos, para evitar retrocessos maiores. E a maioria das vezes não o conseguem (Libra é apenas um exemplo).
Apesar da defesa e do apoio de alguns movimentos sociais, o governo nunca se sentiu obrigado a cumprir os compromissos assumidos com relação aos trabalhadores: nem a reforma agrária, nem a auditoria da dívida, nem a defesa das terras dos povos tradicionais...
A grande mídia é denunciada por autoridades públicas como parcial, agressiva, injusta com o governo, adepta de uma postura demolidora. Mas o governo nada faz para democratizar os meios de comunicação no Brasil, nada faz para quebrar o oligopólio existente, através da regulamentação do setor, que permitiria abrir o espectro das comunicações para outros atores. Por que? Porque, na verdade, apesar das críticas a aspectos secundários, a grande mídia apoia todos os projetos importantes do governo: o pagamento da dívida sem auditoria, os aumentos da taxa de juros (supostamente para conter a inflação), as usinas hidrelétricas na Amazônia, a transposição do S. Francisco, o leilão de Libra... As críticas da grande mídia mantêm a aparência de que os interesses da direita não estão sendo atendidos e que o governo é "de esquerda". A manutenção desta aparência interessa aos que querem se manter no poder. Na verdade, o governo receia a entrada em cena de outros meios de comunicação, capazes de trazer outras opiniões, de fazer a crítica a aspectos centrais da atual política. É por isso que, neste campo, tudo fica como está.
Existe uma direita mais à direita que este governo, sem dúvida. Que é possível piorar, é sempre possível. Mas que este governo está montado para atender aos interesses dos grandes grupos econômicos, também não há dúvida. Ele tem certamente várias políticas louváveis, faz o enfrentamento da pobreza, reduz a miséria, melhora a capacidade de consumo dos pobres com mais crédito. Mas não muda as estruturas geradoras da desigualdade social e, por isso, continua transferindo a maior parte da renda e da riqueza do país para os mais ricos do país e do mundo. E entregando nossas riquezas naturais para o setor privado e as multinacionais. Isso mostra claramente a quem este governo serve em primeiro lugar.
Nota do autor:
1.- ASSIS, José Carlos de (2005). A Macroeconomia do pleno emprego. In: SICSÚ, João, PAULA, Luiz Fernando de, MICHEL, Renaut (orgs.) (2005). Novo desenvolvimentismo: um projeto nacional de crescimento com eqüidade social. Barueri, Manole; Rio de Janeiro, Fundação Konrad Adenauer, p. 77-93.
Apresentam alguns disfarces com a infame bolsa esmola como se 30 ou 280 reais por família resolvesse os problemas de alimentação, medicamentos, transporte, habitação,etc. É muito cinismo do governo dizer que o mísero salário mínimo melhorou o nível econômico dos trabalhadores. Como se não bastasse, o arqui corrupto José Dirceu, mercador da miséria, chegou a associar o bolsa família com 40 milhões de votos.
40% dos juros da dívida externa e interna somam mais de 1 trilhão de reais, entregue de mãos beijadas ao capital financeiro nacional e internacional e a meia dúzia de famílias privilegiadas, capachas destes conglomerados financeiros.
Sarney, Renan Calheiros,Jader Barbalho, Romero Jucá, Collor, Maluf, Sérgio Cabral, Kátia Abreu, Edson Lobão e outros semelhantes a eles são os verdadeiros governantes deste país, são o mesmos serviçais dos governos FHC,Color, Sarnei e principalmente da sanguinária ditadura que foi o início descarado de toda esta infâmia que nos assola.
Esta história de "risco de volta da direita" é verdadeira?
A privatização do megacampo petrolífero de Libra (área de pré-sal) é um divisor de águas. Todos os movimentos sociais do Brasil, inclusive alguns muito próximos ao governo, se posicionaram contra. O governo se manteve inflexível e, copiando o governo FHC nas grandes privatizações (Vale, Telebrás), garantiu o leilão com segurança policial e tropas militares, de um lado, e batalhões de advogados da Advocacia Geral da União para derrubar liminares, de outro.
Por Ivo Lesbaupin
Muitas das análises sobre os governos do PT (Lula-Dilma) partem do pressuposto de que houve antes um governo de direita, neoliberal, o de FHC, e que hoje temos um governo se não de esquerda, ao menos de centro-esquerda, de coalizão.
Seria um governo em disputa, que ora tomaria medidas mais voltadas para os setores populares ora voltadas para os setores dominantes. Isto dependeria da maior ou menor pressão de cada um dos lados.
Este pressuposto leva a crer que este governo mereça todo o nosso apoio para evitar a "volta da direita". Porque esta volta traria políticas que não queremos ver novamente.
Os governos do PT indubitavelmente deram mais atenção ao social que os governos anteriores, como o aumento real do salário-mínimo e o programa Bolsa-Família, e reduziram fortemente o desemprego. A política externa é mais independente e também solidária com os governos progressistas de outros países da América Latina. E poderíamos citar uma lista de avanços ocorridos nos últimos dez anos, avanços que devem ser mantidos e devemos apoiar.
Há setores do governo que têm uma preocupação centrada na sociedade, nos trabalhadores, que se dedicam a uma maior democratização. Mas, infelizmente, estes setores não mandam no governo. E, na hora da cobrança, apoiam as grandes decisões (Belo Monte, Libra...).
Porém, se examinarmos mais de perto, o que nos impressiona não são as diferenças com os governos anteriores, são as semelhanças – cada vez maiores, à medida que o tempo passa. O governo FHC é considerado uma “herança maldita”. Mas a política econômica que privilegia o capital financeiro permanece de pé: os bancos tiveram mais lucros nos governos do PT do que antes. E estes governos introduziram medidas que favoreceram ainda mais os investidores financeiros ao isentá-los, em vários casos, de imposto. Não foi feita nenhuma reforma estrutural nas estruturas geradoras da desigualdade no país. No entanto, foram feitas reformas estruturais para atender aos interesses do capital, como a reforma da previdência do setor público, aprovada no primeiro ano do governo Lula.
Os recursos do país: para quem vão prioritariamente?
Se queremos saber para quem o governo trabalha, temos de examinar o orçamento realizado: para onde estão indo os recursos? Os recursos do país são destinados fundamentalmente ao pagamento da dívida pública, interna e externa, e de seus juros. A dívida externa chegou em dezembro de 2012 a 441 bilhões de dólares e a dívida interna a 2 trilhões e 823 bilhões de reais (cf. Auditoria Cidadã da Dívida). O orçamento realizado de 2012 mostra que 44% do nosso dinheiro foi usado para os juros, amortização e rolagem da dívida, enquanto que apenas 5% para a saúde e 3% para a educação. Em suma, o destino de quase metade do orçamento é a pequena camada mais rica do país – que são aqueles que recebem os juros da dívida -, além dos credores externos. Cada décimo de aumento dos juros pelo Banco Central significa maiores ganhos para os que já são muito ricos.
Portanto: o primeiro setor cujos interesses são atendidos é o capital financeiro (bancos e investidores financeiros)
Obras de infraestrutura: para as empreiteiras
Mas, há um segundo setor que é também privilegiado pelo governo: são as grandes empreiteiras – Odebrecht, OAS,Camargo Correia, Andrade Gutierrez... Elas estão em todas as grandes obras de infraestrutura do país, entre as quais as usinas hidrelétricas – Belo Monte é o exemplo mais notório – e até na do Maracanã. Em 1993, durante a CPI do Orçamento, o senador José Paulo Bisol havia denunciado a existência de um “governo paralelo” no país: eram as grandes empreiteiras, que distribuíam entre si as licitações das obras públicas. Denunciou, mas nada aconteceu... A maior parte destas obras são financiadas pelo BNDES, com recursos públicos, portanto.
Estas empreiteiras são também, junto com os bancos, as principais financiadoras das campanhas eleitorais. Este dado nos ajuda a entender o empenho do governo na realização de certas políticas – os megaprojetos, por exemplo, as privatizações, outro exemplo – e no impedimento de controles sobre o capital – a não realização da auditoria da dívida, por exemplo.
Portanto, o segundo setor cujos interesses são atendidos é constituído pelas grandes empreiteiras.
O agronegócio: o grande aliado do governo no campo
E há um terceiro setor que tem recebido muito apoio do governo: o agronegócio. O governo ajuda a agricultura familiar, sem dúvida, mas a proporção é de 90% para o agronegócio e 10% para a agricultura familiar. Esta é a razão pela qual, em dez anos de governos do PT, a reforma agrária não avançou: o principal aliado do governo no campo é o agronegócio, não os movimentos sociais. E certas medidas que favorecem este setor acabam sendo aprovadas no Congresso – o Código Florestal -, porque o governo não quer perder este aliado.
Portanto, o terceiro setor cujos interesses são atendidos é o agronegócio.
Povos indígenas: pedra no caminho do agronegócio, de megaprojetos de infraestrutura, de grandes mineradoras
O governo está ressuscitando a política indigenista da ditadura, para a qual "o índio não pode atrapalhar o progresso do país". O capítulo sobre os povos indígenas foi comemorado, na época, como um dos mais avançados da Constituição Cidadã. Pois exatamente os direitos destes povos originários ás suas terras estão sendo derrubados: pouco a pouco, a cada nova usina hidrelétrica, a cada nova lei ou portaria (ou código...), os direitos estão sendo violados e até as demarcações já feitas correm o risco de serem questionadas. Para atender aos interesses de setores do capital, este governo está desprezando os direitos dos povos indígenas.
O sistema tributário reprodutor da desigualdade social permanece
Por outro lado, o Brasil carrega outra “herança maldita”: o sistema tributário regressivo, que o governo FHC acentuou. Isto significa que, ao invés de distribuir renda, este sistema concentra renda, é um “Robin Hood” às avessas, tira dos pobres para dar aos ricos. É um sistema pelo qual os pobres pagam proporcionalmente mais que os ricos, porque nele o peso maior está no imposto sobre o consumo. Mesmo aquele que não têm renda para pagar imposto de renda compra bens, compra alimentos. E no preço dos bens está incluído o imposto.
Embora tenha introduzido pequenos avanços, no essencial esta herança de FHC foi mantida pelos governos do PT: a regressividade do sistema permanece. E a combinação de superávit primário (...) com a política monetária de juros altos incidentes sobre a dívida pública resulta “num dos mais perversos mecanismos de transferência de renda dos pobres para os ricos de que se tem notícia na história do capitalismo. (...) Na verdade, o mais poderoso mecanismo de concentração de renda na economia é essa combinação de política fiscal e monetária perversa, onde o Estado atua como um redistribuidor de renda e de riqueza a favor dos poderosos” (Assis, 2005: 89) (1).
Um primeiro meio para mudar esta grave injustiça seria fazer uma reforma tributária, para tornar o sistema progressivo (os que podem mais, pagam mais). Mas o governo não fez isso: ao contrário, apresentou um projeto de reforma que não mexe no caráter regressivo e que cortará recursos da Seguridade Social, se for aprovada.
Haveria uma segunda maneira de reduzir a transferência de recursos para os ricos: seria a realização de uma auditoria da dívida pública. Ela provaria que uma parte da dívida que nós pagamos é irregular e isto reduziria substancialmente a sangria de recursos públicos. A única auditoria que o país fez, em 1931, concluiu que 60% da dívida não tinham documentos que a comprovassem. O mesmo aconteceu mais de 70 anos depois, quando oEquador fez sua auditoria, em 2009: 65% da dívida eram eivadas de irregularidades. Como a nossa dívida externa foi constituída principalmente durante a ditadura civil-militar de 1964-1985, quando o Congresso não tinha acesso aos documentos, há sérias suposições de que parte desta dívida é indevida. O que só uma auditoria poderia verificar e comprovar (a CPI da dívida evidenciou várias irregularidades que teriam de ser examinadas, mas PT e PSDB se uniram para impedir que esta CPI tivesse resultados).
Esta é uma exigência da constituição de 1988, a qual nem o governo FHC nem os governos do PT puseram em prática. Preferiram favorecer os poucos privilegiados que ganham com a manutenção do status quo. E desfavorecer os muitos que sofrem as consequências de os recursos públicos não serem empregados onde deveriam: pois esta é a razão da falta de recursos suficientes para a saúde, a educação, o transporte, o saneamento básico, para os serviços públicos em geral.
Havia ainda uma grande diferença entre o governo neoliberal de FHC e os governos do PT: as privatizações. No entanto, o governo Lula não fez uma auditoria das privatizações, como se esperava; não reestatizou nenhuma das empresas privatizadas, como fez o governo Evo Morales. O governo Lula privatizou algumas rodovias federais e ogoverno Dilma passou a privatizar tudo: portos, aeroportos, rodovias, hospitais universitários e até riquezas estratégicas como o petróleo.
O governo FHC havia quebrado o monopólio da Petrobras e 60% das ações desta empresa estão hoje em mãos privadas. O governo Lula não reverteu este processo. O governo FHC iniciou em 1997 o leilão das áreas de exploração do petróleo. Os governos Lula e Dilma não interromperam os leilões, apesar de reiterados protestos dos movimentos de trabalhadores, especialmente dos petroleiros. O governo Dilma promoveu o leilão de petróleo docampo de Libra – cujas reservas valem no mínimo 1 trilhão de dólares - e tem ignorado solenemente a oposição dos movimentos sociais. O petróleo é nosso? Não, parte dele será das empresas privadas e estatais estrangeiras que venceram este leilão, assim decidiu o governo brasileiro. É como se só devesse satisfação ao setor privado, às multinacionais: os interesses do país, as reivindicações dos movimentos populares não são prioritárias.
O que traria a volta da direita?
Privatizações? Leilões do petróleo? de áreas do pré-sal? Avanço do agronegócio? Usinas hidrelétricas na Amazônia? Perda de direitos dos povos indígenas? Tropas militares para enfrentá-los? Código Florestal? Plantio de transgênicos? Aumento do uso de agrotóxicos? A não realização da reforma agrária?
Tudo isso está sendo feito por este governo.
Com exceção dos líderes do PSDB, todos os líderes da direita são hoje aliados do governo: Sarney, Renan Calheiros,Jader Barbalho, Romero Jucá, Collor, Maluf, Sérgio Cabral, Kátia Abreu...
Apesar de sua prática, de suas políticas fundamentais, o governo mantém um discurso de esquerda, de quem defende os direitos dos pobres e oprimidos e que "a direita quer solapar", "olhem o que a grande mídia diz de nós". Os movimentos de trabalhadores e demais movimentos sociais veem suas reivindicações desprezadas (povos indígenas), não atendidas (reforma agrária) ou mal atendidas (recursos para a agricultura familiar).
Movimentos sociais e entidades da sociedade civil precisam constantemente se mobilizar, denunciar, fazer pressão, para evitar perda de direitos, para evitar retrocessos maiores. E a maioria das vezes não o conseguem (Libra é apenas um exemplo).
Apesar da defesa e do apoio de alguns movimentos sociais, o governo nunca se sentiu obrigado a cumprir os compromissos assumidos com relação aos trabalhadores: nem a reforma agrária, nem a auditoria da dívida, nem a defesa das terras dos povos tradicionais...
A grande mídia é denunciada por autoridades públicas como parcial, agressiva, injusta com o governo, adepta de uma postura demolidora. Mas o governo nada faz para democratizar os meios de comunicação no Brasil, nada faz para quebrar o oligopólio existente, através da regulamentação do setor, que permitiria abrir o espectro das comunicações para outros atores. Por que? Porque, na verdade, apesar das críticas a aspectos secundários, a grande mídia apoia todos os projetos importantes do governo: o pagamento da dívida sem auditoria, os aumentos da taxa de juros (supostamente para conter a inflação), as usinas hidrelétricas na Amazônia, a transposição do S. Francisco, o leilão de Libra... As críticas da grande mídia mantêm a aparência de que os interesses da direita não estão sendo atendidos e que o governo é "de esquerda". A manutenção desta aparência interessa aos que querem se manter no poder. Na verdade, o governo receia a entrada em cena de outros meios de comunicação, capazes de trazer outras opiniões, de fazer a crítica a aspectos centrais da atual política. É por isso que, neste campo, tudo fica como está.
Existe uma direita mais à direita que este governo, sem dúvida. Que é possível piorar, é sempre possível. Mas que este governo está montado para atender aos interesses dos grandes grupos econômicos, também não há dúvida. Ele tem certamente várias políticas louváveis, faz o enfrentamento da pobreza, reduz a miséria, melhora a capacidade de consumo dos pobres com mais crédito. Mas não muda as estruturas geradoras da desigualdade social e, por isso, continua transferindo a maior parte da renda e da riqueza do país para os mais ricos do país e do mundo. E entregando nossas riquezas naturais para o setor privado e as multinacionais. Isso mostra claramente a quem este governo serve em primeiro lugar.
Nota do autor:
1.- ASSIS, José Carlos de (2005). A Macroeconomia do pleno emprego. In: SICSÚ, João, PAULA, Luiz Fernando de, MICHEL, Renaut (orgs.) (2005). Novo desenvolvimentismo: um projeto nacional de crescimento com eqüidade social. Barueri, Manole; Rio de Janeiro, Fundação Konrad Adenauer, p. 77-93.
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sábado, 23 de novembro de 2013
Suíça: Democracia direta, renda mínima incondicional de quase 3 mil dólares e mais igualdade social
O povo suíço está colocando sob escrutínio uma lei onde todos os adultos na Suíça receberiam uma renda mínima de US $ 2800 por mês, incondicionalmente. Junto com esta votação sobre a renda, outra iniciativa está sendo apresentada para votação. A nova iniciativa, denominada 1:12, que será votada em 25 de novembro, garantiria que a pessoa mais bem paga dentro de determinada empresa não poderia receber mais do que doze vezes o menor salário pago na mesma. Isso é um conceito fascinante!
Quer saber como é que essas votações são feitas? Bem, a Suíça tem um sistema muito interessante e as pessoas são bem amigáveis. Para "convocar um referendo", basta colher uma certa quantidade de assinaturas no país dentro de um determinado período de tempo A equipe de base que organizou o referendo em questão, por exemplo, coletou as 100.000 assinaturas necessárias e, em seguida, fez uma grande manifestação na frente do edifício do parlamento descarregando um caminhão de lixo, numa sexta-feira, cheio de moedas de cinco centavos, uma para cada cidadão na Suíça. Isso é, cerca de 8 milhões de moedas, no caso de você estar se perguntando.
Isso mesmo, coisas assim poderão em breve ser um bom argumento para visitar a Suíça. Além de manter a taxa de criminalidade das mais baixas do mundo, a Suíça tem um clima agradavelmente moderado - que nunca é a quente, muito frio ou muito úmido. A falta de espaço os suíços compensam com alta renda. Os suíços se esforçam para que todos seus adultos, incondicionalmente, recebam pelo menos US $ 2800 por mês e livrem-se da pobreza. O resto do mundo observa-os com atenção. Que outro país se atreveria a tentar uma jogada tão ousada para apoiar os seus cidadãos? Conforme o mundo muda, mais e mais governos se defrontam com grandes desafios. Talvez a gente aprenda com os suíços, não apenas como fazer relógios e canivetes, mas como cuidar do nosso povo.
Extraído de http://desiebenthal.blogspot.com.br/2013/10/125000-signatures-for-swiss.html
Original escrito por Stasia Bliss Banoosh ; Notícias MSN ; Expatica
Quer saber como é que essas votações são feitas? Bem, a Suíça tem um sistema muito interessante e as pessoas são bem amigáveis. Para "convocar um referendo", basta colher uma certa quantidade de assinaturas no país dentro de um determinado período de tempo A equipe de base que organizou o referendo em questão, por exemplo, coletou as 100.000 assinaturas necessárias e, em seguida, fez uma grande manifestação na frente do edifício do parlamento descarregando um caminhão de lixo, numa sexta-feira, cheio de moedas de cinco centavos, uma para cada cidadão na Suíça. Isso é, cerca de 8 milhões de moedas, no caso de você estar se perguntando.
Isso mesmo, coisas assim poderão em breve ser um bom argumento para visitar a Suíça. Além de manter a taxa de criminalidade das mais baixas do mundo, a Suíça tem um clima agradavelmente moderado - que nunca é a quente, muito frio ou muito úmido. A falta de espaço os suíços compensam com alta renda. Os suíços se esforçam para que todos seus adultos, incondicionalmente, recebam pelo menos US $ 2800 por mês e livrem-se da pobreza. O resto do mundo observa-os com atenção. Que outro país se atreveria a tentar uma jogada tão ousada para apoiar os seus cidadãos? Conforme o mundo muda, mais e mais governos se defrontam com grandes desafios. Talvez a gente aprenda com os suíços, não apenas como fazer relógios e canivetes, mas como cuidar do nosso povo.
Extraído de http://desiebenthal.blogspot.com.br/2013/10/125000-signatures-for-swiss.html
Original escrito por Stasia Bliss Banoosh ; Notícias MSN ; Expatica
Traduzido eletronicamente, com uma ligeira adaptação e revisão.
quinta-feira, 14 de novembro de 2013
Desobediência Civil: Fundamentos da Ação Direta
Voltairine Cleyre (1866-1912), anarquista americana, escritora feminista, teórica e ativista no tempo da revolta de Haymarket, foi quem em resposta ao Senador norte-americano Joseph R. de Hawley -- que ofereceu mil dólares de recompensa ao anarquista que lhe desse um tiro -- escreveu:
«Negócio fechado. Pague apenas sua passagem até minha casa, o tiro vai de graça, mas já que faz tanta questão em pagar $1000, então, depois de dar-lhe o tiro, usarei o dinheiro na propagação da idéia de uma sociedade livre onde não haja assassinos, presidentes, mendigos, nem senadores».
Extraído de originalmente de
http://www.blancmange.net/tmh/index.html
Copiado de: http://www.oocities.org/projetoperiferia/7a2.htm
Desobediência Civil: Fundamentos da Ação Direta
AÇÃO DIRETA
Por Voltairine de Cleyre
Do ponto de vista daquele que se julga capaz de discernir uma rota constante para o progresso humano, e segue por ela, e desenha tal rota no mapa de sua mente, certamente resolverá indicá-la aos outros; fazê-los ver as coisas como ele vê; convencê-los com argumentos claros e simples que expressem seus pensamentos -- diante disso é um sinal de pesar e de confusão de espírito o fato da frase «Ação Direta» adquirir de repente na mente das pessoas em geral um significado circunscrito, que não tem, e que certamente nunca teve, nem mesmo no pensamento de seus adeptos.
Porém, essa é mais uma ironia que o Progresso lança naqueles que se julgam capazes de fixar metas e lutar por alcançá-las. Inúmeras vezes, nomes, frases, lemas, divisas, palavras de ordem, são viradas ao avesso, colocadas de cabeça para baixo. Como uma percepção tardia do que deveria ser feito tornam-se tendenciosas. Pessoas usam e abusam de expressões com sentido dado por eles mesmos; e ainda, outros tenazmente permanecem firmes, teimam ser ouvidos, para finalmente concluir que o período de mau-entendido e de preconceito foi mais um prelúdio de investigação do que de compreensão.
Certamente este é o caso da presente concepção errônea do termo Ação Direta que pelo equívoco, ou mesmo pelo deliberado embuste perpetrado por certos jornalistas de Los Angeles, por ocasião da condenação de McNamara, sismaram em colocar na cabeça das pessoas que Ação Direta significa, «atacar violentamente a vida e a propriedade». Esta atitude ignorante ou desonesta por parte desses profissionais provocou em muita gente a curiosidade de saber o que realmente significava Ação Direta.
De fato, aqueles que assim tão vigorosa e desordenadamente a condenam, se olharem para eles mesmos descobrirão que eles próprios em muitas ocasiões praticaram a ação direta, e farão isso novamente.
Qualquer um que sempre pensou por si próprio, que usou seu direito de livre expressão, e corajosamente reafirmou isto juntamente com outros que compartilham de suas convicções, foi um praticante da ação direta. Uns trinta anos atrás eu recordo que o Exército de Salvação era um vigoroso praticante da ação direta na defesa da liberdade de seus membros para falar, reunir e discursar. Muitos foram presos, multados e encarcerados; mas eles continuaram exercendo seu direito de cantar, pregar e marchar, e de tal forma que seus perseguidores acabaram finalmente por deixá-los em paz. Os trabalhadores nas indústrias estão ministrando a mesma luta agora, e tem, em vários casos, compelido seus patrões a deixá-los em paz pelas mesmas táticas diretas.
Toda pessoa que planejou fazer qualquer coisa, e foi e fez, ou pôs seu plano em execução antes de outros, e ganhou a cooperação e colaboração de outras pessoas, sem apelar para autoridades, pedir licença ou agradá-los, foi um praticante da ação direta.
Todas as experiências de cooperação são essencialmente ação direta. Todo indivíduo que em sua vida teve uma diferença com qualquer outra pessoa, e diretamente procurou outras pessoas para envolvê-las na luta, através de um plano pacífico ou não, colocou a ação direta em prática. Greves e boicotes são exemplos de tal ação; muitas pessoas ainda lembram da ação das donas de casa de Nova York que boicotaram os açougueiros, o que acabou provocando a queda do preço da carne; ou do boicote à manteiga, como uma resposta direta aos fabricantes de manteiga.
Estas ações geralmente não são levadas a efeito simplesmente por causa de argumentos de um ou de outro, ou em função de leis, mas é a resposta espontânea daqueles que estão oprimidos por uma situação. Em outras palavras, todas as pessoas acreditam, quase sempre, no princípio da ação direta e a praticam.
Porém, a maioria das pessoas também é ativista indireto ou político. E eles são ao mesmo tempo ambas estas coisas. Há, todavia, um número limitado de pessoas que evitam a ação política sob quaisquer circunstâncias; mas não há ninguém, nenhuma pessoa, que jamais praticou alguma forma de ação direta. A maioria dos intelectuais tendem ao oportunismo e ao apoio, alguns mais à direita, outros mais à esquerda, mas sempre prontos para usar quaisquer meios quando chegar o momento. Quer dizer, há aqueles que crêem que colocar governantes no poder é essencialmente uma coisa errada e tola; mas que, diante da tensão de determinadas circunstâncias, passam a considerar isto como uma coisa sábia a fazer, e acabam votando em algum indivíduo naquele momento em particular. Há, também, aqueles que acreditam que, em geral, o modo mais sábio para as pessoas adquirirem o que querem está no método indireto da votação. Uma vez no poder os eleitos farão leis favoráveis; ainda que, mais adiante, no mesmo documento coloque uma greve ocasionalmente debaixo de condições excepcionais; e uma greve, como eu disse, é ação direta. Eles podem também fazer como os agitadores do Partido Socialista (que estão declinando, nos últimos tempos, para uma postura contrária à ação direta) fizeram no verão passado, quando chamaram a polícia para dar segurança às suas reuniões.
Quem são esses que, pela essência das suas convicções, são os praticantes da Ação Direta? Por que não adotam uma postura conformista? Porque alguns não acreditam em não-violência? Agora, não cometa o engano de confundir ação direta com conformismo. A Ação direta pode ser extremamente violenta, ou tão calma quanto as suaves águas dos rios de planície. O que quero dizer é que o real conformismo ocorre sempre pela ação política, nunca pela ação direta. Do ponto de vista da ação toda política é coerção; até mesmo quando o Estado faz coisas boas o faz através do exercício do poder, e isto se aplica também a um clube, uma arma, ou uma prisão.
Logo após a chegada dos quakers em Massachusetts, os Puritanos os acusaram de «aborrecer todo mundo com seus discursos». Os quakers não aceitavam jurar submissão a governo algum e nem admitiam que sua igreja pagasse impostos. (Fazendo essas coisas eles eram praticantes da ação direta, coisa que poderíamos chamar de ação direta negativa.) Assim, os Puritanos, sendo ativistas políticos, aprovavam leis para excluir, deportar, multar, encarcerar, mutilar, e finalmente, até mesmo para enforcar os quakers. Todavia, os quakers continuaram praticando suas idéias (que era ação direta positiva); há registros na história que depois de enforcarem quatro quakers e de arrastarem Margaret Brewster presa ao para-choques de um carro pelas ruas de Boston, «os Puritanos desistiram de tentar silenciar os missionários; a persistência e não-violência quacre acabou prevalecendo».
Outro exemplo de ação direta no começo da história colonial, desta vez de nenhuma forma pacífica, foi o evento conhecido como a Rebelião de Bacon. Todos nossos historiadores certamente defendem a ação dos rebeldes naquela ocasião, porque os rebeldes estavam certos. Mesmo no caso da ação direta violenta contra a autoridade legalmente constituída. Para o bem daqueles que esqueceram dos detalhes, vamos lembrar brevemente que os plantadores de Virgínia estavam com medo de um ataque geral pelos índios; e com razão. Adeptos da ação política, reivindicaram que o governo reconhecesse Bacon como líder deles, ou permitisse a convocação de voluntários para a auto-defesa. O governador temeu que uma companhia de homens armados constituísse uma ameaça para ele; também com razão. Ele recusou a convocação. Ao que os plantadores responderam com a ação direta. Eles recrutaram voluntários sem a autorização governamental, e com sucesso se defenderam dos índios. O governador declarou Bacon traidor; mas por sua popularidade, o governador temeu agir contra ele. Finalmente, porém, as coisas foram tão longe que Jamestown acabou incendiada pelos rebeldes; e se não fosse pela morte intempestiva de Bacon, muito mais poderia ter ocorrido. Claro que a reação foi bem terrível, o que normalmente acontece quando uma rebelião desmorona ou é esmagada. Até mesmo durante seu breve período de sucesso, os rebeldes sofreram muitos abusos. Eu estou bem segura que os defensores da ação-política-do-custe-o-que-custar, depois que a reação retomou o poder, deve ter dito: «Veja quantos males a ação direta nos traz! Veja como o progresso da colônia regrediu em vinte e cinco anos»; esquecendo que se os colonos não recorressem à ação direta, seus couros cabeludos teriam sido levados pelos índios no ano anterior, embora alguns deles acabassem enforcados pelo governador no ano seguinte.
Nos períodos de agitação e excitação que precedem às revoluções, há todo tipo de ação direta, da mais pacífica à mais violenta; quase todos estudantes acham, por conta destes desempenhos, que é exatamente aí que se situa o que há de mais interessante da história dos Estados Unidos e o que mais facilmente grava na memória.
Entre os movimentos pacíficos, destaca-se os acordos de não-importação, as ligas das indústrias de tecidos e os «comitês de correspondência». A ação direta violenta acabou por se desenvolver em função do inevitável crescimento da hostilidade; exemplos clássicos foram o caso da destruição das rendas estampadas e a ação relativa aos navios carregados de chá, que quando não eram proibidos de descarregar, os descarregavam em armazéns úmidos ou no chão do porto, como ocorria em Boston. Em Annapolis obrigavam os donos dos navios de chá a incendiar suas próprias embarcações. Todas estas ações estão registradas em nossos livros escolares, não de modo condenatório, não de modo apologético, são todos casos de ação direta contra autoridades legalmente constituídas e contra a propriedade de bens. Menciono estes e outros casos semelhantes para provar que a ação direta sempre foi usada, e tem a sanção histórica dos mesmos que hoje a reprovam.
Todo mundo sabe que George Washington foi o líder da liga de não-importação dos plantadores da Virgínia; se George Washington fosse escolhido hoje como líder de uma liga de agricultores da Virgínia para a não-importação; provavelmente seria levado às barras dos tribunais pela formação de tal liga; e se ele persistisse, seria multado e processado.
Quando a grande disputa entre o Norte e o Sul estava em ebulição, foi novamente a ação direta que precedeu e precipitou as ações políticas. Sem a ação direta tais ações políticas jamais entrariam em cena, e nem mesmo seriam contempladas. As mentes dormentes precisaram primeiramente serem despertas por atos diretos de protesto contra as condições existentes.
A história do movimento anti-escravidão e a Guerra Civil é um dos maiores paradoxos da história, embora a história seja uma cadeia de paradoxos. Politicamente falando, os Estados que possuíam maior liberdade política eram aqueles que continham propriedades escravistas, cada Estado era autônomo diante da interferência dos Estados Unidos; politicamente falando, os Estados sem propriedades escravistas apoiavam um forte governo centralizado que, conforme os Secessionistas disseram, e com razão, tendia ao desenvolvimento de formas ainda mais tirânicas. O que veio acontecer mais tarde. No fim da Guerra Civil houve uma invasão ininterrupta do poder federal em áreas antigamente restritas aos Estados. Os escravos-assalariados, em suas lutas de hoje, estão em contínuo conflito com esse poder centralizado contra o qual os proprietários de escravos protestaram (com liberdade nos lábios, e tirania nos corações). Eticamente falando, os Estados com propriedades não escravistas, de um modo geral, representaram maior liberdade humana, ao passo que os Secessionistas representaram o escravagismo, o preconceito e a intolerância racial. Mas apenas em termos gerais; quer dizer, a maioria de nortistas, desacostumados com a presença real de negros escravos entre eles, provavelmente julgavam a escravidão um erro; mas nunca tiveram nenhuma grande ânsia por aboli-la. Apenas e tão somente os Abolicionistas, e eles eram relativamente poucos, foram eticamente genuínos. Para eles, a escravidão -- não a secessão ou a união -- era a questão principal. Na realidade, estavam tão convencidos disso que um número considerável deles eram favoráveis à dissolução da união, ao mesmo tempo em que defendiam a iniciativa Nortistas na questão da dissolução, para que o povo nortista pudesse livrar-se da culpa de manter negros em cadeias.
Naturalmente, houve todo tipo de gente com todo tipo de temperamento entre os defensores da abolição da escravidão. Houve quakers como Whittier (realmente adepto do sistema paz-custe-o-que-custar da filosofia quaker, favorável à abolição desde os primeiros dias da colonização); houve ativistas políticos moderados favoráveis à compra de escravos como forma mais barata de libertá-los; e houve pessoas extremamente violentas que acreditavam e fizeram todo tipo de coisas violentas.
Sobre o que os políticos fizeram, há um longo registro de «coisas-que-não-se-deve-fazer», um registro de trinta anos de compromissos, pechinchas, tentativas de manter o status quo, acalmar ambos os lados quando as novas condições exigiam que algo fosse feito, ou fingir fazer algo. Mas «as estrelas em seu curso lutaram contra Sícera»; o sistema estava demolindo por dentro, foram os adeptos da ação direta que ampliaram tais fissuras tornando-as visíveis.
Entre as várias expressões da rebelião direta estavam as «organizações secretas». A maioria das pessoas que pertenceram a tais grupos acreditavam em ambos tipos de ação; mas por mais que subscrevessem teoricamente o direito de maioria de agir e obrigar cumprimento de leis, eles não chegavam a este ponto na prática. Meu avô foi membro de uma «organização secreta»; ele ajudou muitos escravos fugirem para o Canadá. Ele era um homem muito paciente, obediente à lei em muitos aspectos, entretanto freqüentemente achava que ele a respeitava por ser uma coisa distante; ele sempre conduziu uma vida pioneira, e a lei geralmente estava longe dele, enquanto que a ação direta sempre foi um imperativo. Seja como for, por mais que respeitasse as leis, ele nunca teve nenhum respeito por leis escravagistas, não importava se tais leis foram aprovadas por uma maioria de dez contra um; ele conscientemente quebrava cada uma que atrapalhasse sua caminhada.
Houve tempos em que as operações «secretas» exigiram a violência, e fizeram uso dela. Lembro-me de uma velha amiga descrevendo como ela e sua mãe ficaram acordadas durante toda a noite escondendo um escravo fugido no porão da casa onde moravam; embora fossem descendentes e simpatizantes de quakers, havia uma espingarda na mesa. Felizmente não precisaram fazer uso dela naquela noite.
Enquanto a lei do escravo fugitivo era aprovada com a ajuda de ativistas políticos do Norte no intuito de oferecer um novo calmante aos proprietários de escravos, os ativistas diretos resgatavam fugitivos recapturados. Havia vários grupos: «Resgate de Shadrach», «Resgate de Jerry», mais tarde vieram outros conduzidos pelo famoso Gerrit Smith; que teve mais sucesso do que fracasso em suas tentativas. Enquanto os políticos continuavam vagando e tentando abrandar as coisas, os Abolicionistas eram denunciados e depreciados por pacificadores ultra-extremistas, quase da mesma forma como Wm. D. Haywood e Frank Bohn são denunciados hoje pelos seus próprios correligionários.
Outro dia li um comunicado no Chicago Daily Socialist do secretário local do Partido Socialista de Louisville, dirigido ao secretário nacional, pedindo algum outro orador seguro e sensato no lugar de Bohn, anunciado para falar. Explicando o motivo, o Sr. Dobbs mencionou a conferência de Bohn: Se os McNamaras tivessem, «êxito defendendo os interesses do proletariado, eles estariam certos, da mesma maneira que John Brown estaria certo, se tivesse êxito libertando os escravos. A ignorância foi o único crime de John Brown, e a ignorância é o único crime dos McNamaras».
O comentário do Sr. Dobbs continua: «Defendemos enfaticamente o que aqui declaramos. A tentativa de traçar um paralelo entre a -- mesmo errônea -- revolta de John Brown, e os métodos secretos e assassinos dos McNamaras, é não apenas indicativo de raciocínio superficial, como também algo altamente danoso pelas conclusões lógicas que podem ser tiradas de tais declarações».
Evidentemente Mr.Dobbs sabe muito pouco sobre a vida e o trabalho de John Brown. John Brown foi um homem adepto da violência; ele desprezaria qualquer pessoa tentasse fazê-lo agir de uma maneira diferente. Quando alguém acredita na violência, a única coisa que o interessa é encontrar a maneira mais efetiva de aplicá-la, que só pode ser determinada pelo conhecimento das condições e meios que possui. John Brown nunca temeu métodos conspirativos. Aqueles que leram a autobiografia de Frederick Douglas e as Reminiscências de Lucy Colman, lembram que um dos planos conduzidos por John Brown era organizar uma rede de acampamentos armados nas montanhas de West Virginia, Carolina do Norte, e Tennessee, enviar emissários secretos entre os escravos para incitá-los a fugir para estes acampamentos, e com o tempo criar as condições para despertar uma futura revolta entre o negros. Se este plano falhou foi devido à fraqueza do desejo por liberdade entre os escravos, mais do que qualquer outra coisa.
Mais tarde, quando os políticos em suas infinitas divergências inventaram uma nova proposição de como-não-fazer-nada, conhecida como Kansas-Nebraska Act que deixou a questão da escravidão ser determinada pelos colonos, os ativistas diretos de ambos os lados enviaram falsos colonos aos territórios, que começaram a lutar entre si. Os homens pró-escravidão que chegaram primeiro fizeram uma constituição que reconhecia a escravidão e uma lei que castigava com morte qualquer um que ajudasse um escravo a escapar; mas os Free Soilers, que estavam um pouco mais longe, por serem oriundos de Estados mais distantes, fizeram uma segunda constituição, e recusaram reconhecer as leis do outro partido. E John Brown lá estava, envolvido com todo tipo de violência, conspirativa ou aberta; ele foi «um ladrão de cavalos e assassino», aos olhos de ativistas decentes, pacíficos, políticos. Ninguém duvida que ele roubou cavalos, nem enviava comunicados sobre sua intenção de roubá-los. Ele também matou homens favoráveis à escravidão. Ele atacou e escapou muitas vezes antes de ser finalmente detido em Harper's Ferry. Se ele não usava dinamite, era porque dinamite ainda não estava em voga como uma arma prática. Ele fez mais ataques intencionais em sua vida do que os dois condenados irmãos Secretários Dobbs poderiam fazer com seus «métodos assassinos». E história compreende John Brown. A humanidade sabe que ele foi um homem violento, com sangue humano nas mãos, que foi culpado de alta traição, e enforcado por causa disso, contudo foi uma grande, forte, e desinteressada alma, incapaz de suportar o crime assustador que manteve 4.000.000 de pessoas como bestas estúpidas, e acreditava que fazer guerra contra isto era algo sagrado, um dever determinado por Deus, (John Brown era um homem muito religioso -- um presbiteriano).
É devido e por causa da ação direta dos precursores da mudança social, sejam eles de natureza pacífica ou bélica, que a Consciência Humana, a consciência da massa, desperta para a necessidade de mudança. Seria muito estúpido dizer que não se pode esperar nenhum resultado positivo da ação política; às vezes coisas boas ocorrem por esse modo. Mas nunca até que a rebelião individual, seguida pela rebelião da massa, forçe isto. A ação direta sempre é o clarim, o ponto de partida, pelo qual a grande soma de indiferentes se dá conta de que a opressão chegou a um nível intolerável.
Nós temos agora e opressão na terra -- e não apenas na terra, mas ao longo de qualquer região do mundo que desfrute as muitas promíscuas bênçãos da Civilização. E da mesma maneira que na questão da escravidão dos negros, outras formas de escravidão tem gerado ação direta e ação política. Um certo percentual de nossa população (provavelmente um percentual bem menor que aqueles que os políticos atingem com seus comícios) está produzindo a riqueza material na qual todo o resto de nós vive; da mesma forma aqueles 4.000.000 de negros escravizados sustentaram toda uma multidão de parasitas sobre seus ombros. Eles eram camponeses e operários.
Pelas imprevistas e imprevisíveis operações de instituições que nenhum de nós criou, mas que já existiam quando chegamos aqui, nós trabalhadores, que compomos a parte mais absolutamente necessária de toda estrutura social, e que sem nossos serviços ninguém pode comer, morar, ou vestir, somos exatamente os que menos tem oportunidade para comer, morar, ou vestir -- sem falar de outros benefícios sociais que supostamente nos oferecem, como educação e satisfação artística.
Nós trabalhadores temos, de uma ou de outra forma, juntado mutuamente nossas forças tentando melhorar nossas condições de vida; principalmente pela ação direta, e secundariamente pela ação política. Nós formamos Granjas, Alianças Camponesas [N.T.: no original Knights of Labor], Associações Cooperativas, Experiências de Colonização, Associações de Trabalhadores, Sindicatos, e a IWW (Industrial Workers of the World). Todos organizados com a finalidade de arrancar dos senhores da área econômica um pagamento um pouco melhor, condições um pouco melhores, horas um pouco mais curtas; ou por outro lado resistir contra uma redução no pagamento, contra condições piores, contra horas mais longas de trabalho. Nenhuma dessas tentativas procurava uma solução final à guerra social. Nenhum delas, com exceção da IWW, reconheceu que há uma guerra social em curso, inevitável enquanto perdurar as presentes condições legais-sociais. Nós trabalhadores aceitamos as instituições da propriedade da forma como encontramos. Elas foram compostas por homens comuns, com desejos de homens comuns, e resolveram fazer coisas que lhes parecia possível e bem razoáveis. Eles não estavam comprometidos com qualquer política em particular quando se organizaram, mas se associaram para a ação direta por iniciativa própria, tanto na forma positiva como na forma defensiva.
Sem dúvida houve e há em todas estas organizações, membros que olharam além das demandas imediatas; que olharam as coisas do ponto de vista do desenvolvimento contínuo das forças agora em operação para provocar rapidamente as condições diante das quais é impossível que a vida continue a mesma, e contra a qual protestem, e protestem violentamente; não há outra alternativa senão essa; ou isso ou a morte inevitavel; mas não há nada na natureza da vida que se renda sem luta, assim, não há porque morrer sem lutar. Vinte e dois anos atrás eu conheci o pessoal da Aliança Camponesa que dizia coisas assim, Associações de Trabalhadores que diziam o mesmo, Sindicalistas que diziam o mesmo. Eles pretendiam objetivos maiores que esses e criaram organizações para alcançá-los; mas eles tiveram que aceitar os membros como eles eram, e tentaram na medida do possível fazê-los compreender como as coisas funcionavam. Que eles poderiam ter preços melhores, salários melhores, condições menos perigosas, menos tirânicas, horas mais curtas de trabalho. Na fase do desenvolvimento quando estes movimentos foram iniciados, os trabalhadores do campo não viram a relação da luta deles com a luta dos trabalhadores nas fábricas ou nos transportes; nem estes últimos, por sua vez, perceberam qualquer relação deles com o movimento dos camponeses. Essas coisas bem poucos conseguiram compreender. Eles ainda têm que aprender que há uma luta comum contra aqueles que se apropriaram da terra, do dinheiro, e das máquinas.
Desgraçadamente as grandes organizações camponesas se fragmentaram em uma estúpida luta pelo poder político. Elas tiveram bastante êxito conquistando o poder em certos Estados; mas os tribunais pronunciaram suas leis inconstitucionais, e esse foi o cemitério de todas suas conquistas políticas. Seu programa original era construir seus próprios silos, e armazenar seus produtos, preservando-os do mercado até que pudessem escapar do especulador. Também, organizar bolsas de mão-de-obra, emitir notas de crédito em produtos depositados para troca. Se tivessem aderido a este programa de ajuda mútua dirigida, poderiam, até certo ponto, durante um tempo pelo menos, dispor de uma ilustração de como o gênero humano poderia livrar-se do parasitismo dos banqueiros e dos intermediários. Claro que tudo isso seria subvertido no final -- a menos que revolucionassem as mentes dos homens, por exemplo, forçando a subversão do monopólio legal da terra e do dinheiro -- mas pelo menos serviria a um grande propósito educacional. Sobre como «sacrificar pouco para ganhar muito» em vez de desintegrar-se em futilidades.
As Alianças Camponesas acabaram relegadas a uma relativa insignificância, não por causa de seu fracasso no uso da ação direta, nem por causa do seu envolvimento com políticos, que era pequeno, mas principalmente porque era uma massa heterogênea de trabalhadores que não conseguiram associar efetivamente seus esforços.
Enquanto as Alianças Camponesas afundavam, os Sindicatos cresciam fortes, e continuaram lentamente seu crescimento, e tenazmente aumentavam em poder. É verdade que às vezes esse fluxo oscilava; que vez por outra houve recuo; que grandes organizações centralizadas foram formadas e novamente dispersadas. Mas em geral os sindicatos constituíram um crescente poderio. E isso ocorreu porque, diante de sua pobreza, foi o meio pelo qual uma certa seção de trabalhadores pôde juntar forças para enfrentar diretamente seus patrões, e conseguir para si alguma porção daquilo que queriam -- se não ditavam as condições teriam pelo menos que tentar conseguir isso. A greve era a arma natural que possuíam, uma arma que eles mesmos forjaram. Em noventa por cento dos casos é o sopro direto da greve que faz o patrão tremer de medo. (Claro que há ocasiões quando ele anseia por uma, mas isso é incomum). A razão deste medo da greve não é tanto porque ele acha que não pode fazer nada contra ela, mas apenas e simplesmente porque ele não quer uma interrupção em seus negócios. O patrão ordinário não teme coisas como «voto consciente da classe trabalhadora»; há inúmeros locais onde você pode falar o dia todo sobre Socialismo ou sobre qualquer outro programa político; mas se você começa a falar sobre Sindicalismo pode esperar ser expulso em seguida ou na melhor das hipóteses ser convidado a calar a boca. Por que? Não porque o chefe seja tão sábio a ponto de saber que a ação política é um pântano onde o trabalhador se enlameia, ou porque ele percebe que aquele Socialismo político rapidamente está se tornando um movimento de classe-média; não. Ele acha que o Socialismo é uma coisa muito ruim; mas que é também uma bela porta de saída! Mas ele sabe que se os trabalhadores de sua fábrica forem sindicalizados, ele terá dificuldades imediatas. As mãos desses trabalhadores serão rebeldes, ele será forçado a gastar dinheiro para melhorar as condições de trabalho, ele terá que manter trabalhadores que detesta, e no caso de greve ele pode esperar danos aos seus equipamentos e edifícios.
É dito com frequência, e repetidamente como os papagaios fazem, que os patrões são uma «classe-consciente», que eles estão unidos em torno de seus interesses de classe, e que estão dispostos a sofrer qualquer tipo de perda pessoal em defesa desses interesses. Nada disso é verdade. A maioria dos empresários é exatamente como a maioria dos trabalhadores; eles se preocupam o tempo todo mais com suas perdas ou ganho individuais do que com os ganhos ou perdas de sua classe. E é sua própria perda individual que o patrão vê, quando ameaçado por um sindicato.
Agora todo mundo sabe que uma greve de qualquer tamanho significa violência. Não importa a preferencia ética pela paz que alguém possa ter, ele sabe que não estará calmo. Se for uma greve de telégrafos, significa arames cortados e postes derrubados, e infiltrar falsos fura-greves para destruir os instrumentos. Se for uma greve de metalúrgicos, significa dar porrada em fura-greves, quebrar janelas, descalibrar bitolas, e arruinar peças caras juntamente com toneladas e toneladas de material. Se for uma greve de mineiros, significa destruir trilhos e pontes, e explodir fábricas. Se for uma greve de trabalhadores de uma tecelagem ou artigos de vestuário, significa a ocorrência de incêndios «acidentais», pedradas em janelas aparentemente inacessíveis, ou possivelmente uma tijolada na cabeça do dono da fabrica. Se for uma greve de montadora de automóveis, significa remover esteiras ou obstruí-las com resíduos sólidos ou líquidos, com peças pesadas ou robôs, significa carros esmagados ou incinerados e interruptores sabotados. Se for uma greve de um sistema federado, significa máquinas «mortas», máquinas desreguladas, fretes descarrilados, e trens bloqueados. Se é uma greve na área da construção civil, significa dinamitar estruturas. E sempre, em toda parte, em todo o tempo, lutas de seguranças e fura-greves contra grevistas e simpatizantes de grevistas, entre Gente e Polícia.
No lado dos patrões, significa holofotes, cercas elétricas, vigilantes, cárcere privado, detetives e agentes provocadores, sequestro violento e deportação, e todo dispositivo que eles podem conceber para a proteção direta, além de ultimatos da polícia, milícias, polícia distrital, estatal, e tropas federais.
Todo o mundo conhece estas coisas; todo mundo sorri quando os funcionários do sindicato apelam aos trabalhadores para que sejam pacíficos e obedientes à lei, porque todo mundo sabe que estão mentindo. Eles sabem que a violência será usada, secreta e abertamente; e eles sabem que será usada porque os grevistas não podem agir de outro modo, sem imediatamente serem derrotados. Nem por isso eles podem ser acusados de perder a razão por usarem esses recursos violentos. As pessoas entendem em geral que eles fazem estas coisas pela lógica cruel de uma situação que eles não criaram, mas que os força a estes ataques pelo sucesso de sua luta pela vida ou para evitar descer ao poço sem fundo da pobreza, para evitar que a Morte os encontre nos ambulatórios dos asilos, na sarjeta, ou na lama. Esta é a alternativa terrível que os trabalhadores estão enfrentando; e é isto que faz com que pessoas integralmente propensas à cordialidade -- homens que desviam do caminho para ajudar um cão ferido, ou trazem um gatinho perdido para casa e o alimenta, ou pisam com cuidado para evitar esmagar um pintinho -- recorrem à violência contra membros de sua própria raça. Eles sabem, porque os fatos lhes ensinaram, que este é o único caminho para a vitória, se eles querem mesmo vencer. A coisa mais absurda e totalmente irrelevante que alguém pode dizer ou fazer quando se aproxima na intenção de apoiar ou ajudar um grevista que está lidando com uma situação imediata, é propor «nas eleições a gente dá o troco!» quando a próxima eleição está a uma distância de seis meses, um ano, ou dois anos.
Infelizmente a pessoa que conhece melhor como usar a violência na guerra sindical não pode tomar a palavra e dizer: «Em tal dia, em tal lugar, tal e qual ação específica será feita, o que resultará em que tal e qual concessão será conquistada, ou tal e qual patrão capitulará». Fazer isso tiraria sua liberdade e seu poder para a luta. Então aqueles que melhor conhecem a arte da greve têm que permanecer em silêncio em seu cantinho, e deixar a parte do discurso com os tagarelas. É a ação concreta, não o discurso, que dá clareza ao ponto de vista das pessoas.
Nas últimas semanas houve uma enxurrada de tagarelices. Oradores e escritores -- honestamente convencidos (eu acho) de que a ação política e apenas a ação política pode dar a vitória aos trabalhadores -- tem denunciado o que eles chamam de «ação direta» (a que eles realmente querem dizer é violência conspirativa [ou terrorismo]) como a autora de danos incalculáveis. Oscar Ameringer, por exemplo, disse recentemente em uma reunião em Chicago que o bombardeio de Haymarket conduziu o patamar da luta pelas 8 horas para vinte e cinco anos atrás, argumentando que quem teve sucesso foi a bomba não o movimento. É um grande engano. Ninguém pode medir exatamente em anos ou meses o efeito de um estímulo ou de uma reação. Ninguém pode provar que o movimento pelas oito-horas sairia vitorioso vinte e cinco anos atrás. Nós sabemos que a jornada de oito-horas foi legalmente estabelecida em Illinois em 1871 pela ação política, e permaneceu como lei morta. Que a ação direta dos trabalhadores ganharia essa parada, isso não pode ser provado; mas pode ser demonstrado que fatores bem mais potentes que a bomba de Haymarket atuaram contra a vitória dos trabalhadores nessa batalha pela jornada de oito horas. Por outro lado, se a influencia reativa da bomba foi realmente tão poderosa, deveríamos naturalmente esperar que as condições de trabalho e de organização sindical seriam piores em Chicago do que nas cidades onde nada disso aconteceu. Pelo contrário, por mais ruins que sejam, as condições gerais de trabalho são melhores em Chicago que nas demais cidades grandes, e o poder dos sindicatos desenvolveu-se mais lá do que em qualquer outra cidade americana com exceção de São Francisco. Assim se temos que tirar qualquer conclusão sobre a influência da bomba de Haymarket, é bom lembrar destes fatos. Pessoalmente eu não acho que sua influência no movimento operário, como tal, foi assim tão grande.
O mesmo ocorre com o presente frenesi sobre a violência. Nenhum fundamento foi alterado. Dois homens foram presos pelo que fizeram (vinte e quatro anos atrás eles seriam enforcados pelo que não fizeram); alguns poucos ainda podem ser presos. Mas as forças da vida continuarão se revoltando contra as cadeias econômicas que as prendem. Essa revolta não cessará nunca, não importa se homens de papel votem ou deixem de votar, enquanto essas cadeias não forem arrebentadas.
Como as cadeias serão quebradas?
Os ativistas políticos nos dizem que as cadeias econômicas só serão quebradas pela ação dos partidos de trabalhadores no poder mediante eleições; o voto colocará os meios de produção e de vida nas mãos do proletariado; que também assumirá o comando das florestas, das minas, das fazendas, das bacias hidrográficas, das fábricas, dos silos; da mesma forma, terá sob seu controle o poder militar para defender seus interesses, todo esse domínio será e estará a serviço do povo.
E depois?
Depois, haverá paz, criatividade, obediência à lei, paciência, e sobriedade (como Madero disse aos peões mexicanos após vendê-los a Wall Street)! Até mesmo se alguns de vocês forem privados de direitos civis ou de privilégios, não é necessário revoltar-se nem mesmo contra essas coisas, pode deixar que «o partido tomará as devidas providências».
Bem, eu já declarei que, ocasionalmente, algumas coisas boas podem resultar da ação política -- e não necessariamente da ação de partidos proletários. Mas estou plenamente convencida de que cada benefício alcançado é mais do que anulado pelo malefício que traz a tiracolo; também estou plenamente convencida de que, ocasionalmente, cada malefício resultante da ação direta é mais do que anulado pelo benefício que traz a tiracolo.
Quase todas as leis que foram moldadas originalmente com a intenção de beneficiar os trabalhadores, viraram armas armas nas mãos dos seus inimigos, ou se tornaram letra morta a menos que os trabalhadores pelas suas organizações obriguem diretamente sua observância. De forma que no final das contas, e de todas as maneiras, é na ação direta que devemos depositar nossa confiança. Como exemplo da ineficácia de uma lei, basta observar a lei antitruste que supostamente beneficiava o povo em geral e o proletariado em particular. Cerca de duas semanas depois que a lei entrou em vigor, 250 líderes sindicais foram citados para responder processo acusados de truste. Esse foi o efeito da lei aos grevistas de Illinois.
Mas os malefícios provocados pela confiança na ação indireta são bem maiores do que se pode imaginar. O principal malefício é que destrói a iniciativa, extingue o espírito rebelde de cada um, ensina pessoas a confiar em outra pessoa para fazer para eles o que eles deveriam fazer por si próprios; finalmente torna orgânica a idéia anômala de que aglomerar uma multidão inerte até que uma maioria seja obtida fará com que -- por uma estranha magia daquela maioria -- aquela inercia seja transformada em energia. Quer dizer, pessoas que perderam o hábito de lutar por si mesmas enquanto indivíduos, pessoas que se submetem a toda injustiça esperando que uma maioria seja formada, são metamorfoseadas em humanos de alto poder explosivo por um mero processo de empacotamento!
Eu concordo totalmente que as fontes da vida, e toda a riqueza natural da terra, e as ferramentas necessários à produção cooperativa, tem que estar livremente acessíveis a todos. Tenho certeza de que o sindicalismo precisa alargar e aprofundar seus propósitos, ou será extinto; estou segura de que a lógica da situação os forçará a ver isto gradualmente. Eles têm que aprender que o problema dos trabalhadores nunca pode ser resolvido espancando fura-greves, sua própria política de limitar seus sócios cobrando altas taxas e outras restrições ajuda criar fura-greves. Eles têm que aprender que o curso do crescimento não está tanto em salários mais altos, mas em jornadas mais curtas de trabalho que os permitirão a aumentar a quantidade de membros, a chamar qualquer pessoa disposta a entrar no sindicato. Eles têm que aprender que se eles querem mesmo ganhar batalhas, todos os trabalhadores aliados têm que agir em conjunto, e agir depressa (sem avisar aos patrões), e resguardar sua liberdade de entrar em greve quantas vezes for necessário. E finalmente eles têm que aprender (quando houver uma organização completa) que jamais ganharão nada permanente a menos que lutem, não por conquistas parciais, mas por conquistas totais -- não por um salário, não por benefícios secundários, mas pela conquista de todas as riquezas naturais do planeta. E procedam à expropriação direta de tudo!
Eles têm que aprender que seu poder não está na força do seu voto, mas na sua habilidade de parar a produção. É um grande engano supor que os assalariados constituem a maioria dos eleitores. Os assalariados estão hoje aqui e amanhã acolá, e isso impede um número grande deles de votar; uma grande porcentagem deles neste país são estrangeiros sem direito a voto. A prova mais patente, e os líderes Socialistas sabem disso, é que os sindicatos estão comprometendo cada ponto de seu programa visando angariar apoio da classe empresarial, e do pequeno investidor. Os documentos de seus programas proclamam que seus acordos foram assegurados por compradores de títulos de Wall Street, e que eles igualmente estariam prontos a comprar títulos de socialistas de Los Angeles da mesma forma que compram de administradores capitalistas; e que a atual administração de Milwaukee foi benéfica ao pequeno investidor; seus periódicos asseguram aos seus leitores naquela cidade que nós não precisamos ir até grandes lojas de departamentos para comprar -- basta comprar de Fulano de Tal na Avenida Milwaukee, que ficaremos totalmente satisfeitos como se estivéssemos comprando em uma «grande instituição empresarial». Em suma, eles estão fazendo um desesperado esforço para ganhar o apoio e prolongar a existência daquela classe-média que a economia socialista diz estar em frangalhos, porque sabem que não podem alcançar maioria sem eles.
O máximo que um partido de trabalhadores pode conseguir, supondo que seus políticos permaneçam honestos, seria formar uma forte facção no parlamento -- somando votos de vários lados -- para obter certos paliativos políticos ou econômicos.
Mas aquilo que a classe trabalhadora pode fazer, na medida em que toma a forma de uma sólida organização, é mostrar à classe proprietária, por uma parada súbita de todo trabalho, que toda estrutura social está sobre seus ombros; e que as propriedades e riquezas da classe empresarial são absolutamente inúteis para eles sem a atividade dos trabalhadores; tal protesto, tal golpe, direto no coração do sistema da propriedade, ocorrerá periodicamente, continuamente, até que a coisa inteira seja abolida -- e tendo mostrado sua eficácia, procederá a expropriação.
«E quanto ao poder militar?», diz o ativista político; «temos que conquistar poder político, ou o exército será usado contra nós!»
Contra uma real Greve Geral, o exército não pode fazer nada. Oh, ou melhor, se você tiver um Socialista como Briand no poder, ele pode declarar os trabalhadores «funcionários públicos» e mandar o exército contra eles! Mas contra o sólido muro de uma massa de trabalhadores parados, nem Briand poderia derrubá-lo.
Enquanto isso, até este despertar internacional, a guerra entre as classes continuará seguindo seu curso, apesar de toda essa manifesta histeria de pessoas bem-intencionadas mas que não compreendem a vida e suas necessidades; apesar do patente temor dos líderes acovardados; apesar de toda vingança reacionária que pode ser perpetrada; apesar de todo capital que os políticos recebem da situação. A luta de classes continuará seu curso porque a Vida anseia por viver, mesmo com a Propriedade negando sua liberdade para viver; a Vida não se submeterá.
Nem deve se submeter.
Seguirá seu curso até aquele dia quando uma Humanidade que se auto libertou puder cantar o Hino ao Homem de Swinburne:
«Glória ao Homem nas alturas,
Ao Homem, Senhor das coisas».
v v v
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Traduzido eletrônicamente e ligeiramente revisado pelo Coletivo Periferia
http://www.oocities.com/projetoperiferia
Desobediência Civil: Fundamentos da Ação Direta
AÇÃO DIRETA
Por Voltairine de Cleyre
Do ponto de vista daquele que se julga capaz de discernir uma rota constante para o progresso humano, e segue por ela, e desenha tal rota no mapa de sua mente, certamente resolverá indicá-la aos outros; fazê-los ver as coisas como ele vê; convencê-los com argumentos claros e simples que expressem seus pensamentos -- diante disso é um sinal de pesar e de confusão de espírito o fato da frase «Ação Direta» adquirir de repente na mente das pessoas em geral um significado circunscrito, que não tem, e que certamente nunca teve, nem mesmo no pensamento de seus adeptos.
Porém, essa é mais uma ironia que o Progresso lança naqueles que se julgam capazes de fixar metas e lutar por alcançá-las. Inúmeras vezes, nomes, frases, lemas, divisas, palavras de ordem, são viradas ao avesso, colocadas de cabeça para baixo. Como uma percepção tardia do que deveria ser feito tornam-se tendenciosas. Pessoas usam e abusam de expressões com sentido dado por eles mesmos; e ainda, outros tenazmente permanecem firmes, teimam ser ouvidos, para finalmente concluir que o período de mau-entendido e de preconceito foi mais um prelúdio de investigação do que de compreensão.
Certamente este é o caso da presente concepção errônea do termo Ação Direta que pelo equívoco, ou mesmo pelo deliberado embuste perpetrado por certos jornalistas de Los Angeles, por ocasião da condenação de McNamara, sismaram em colocar na cabeça das pessoas que Ação Direta significa, «atacar violentamente a vida e a propriedade». Esta atitude ignorante ou desonesta por parte desses profissionais provocou em muita gente a curiosidade de saber o que realmente significava Ação Direta.
De fato, aqueles que assim tão vigorosa e desordenadamente a condenam, se olharem para eles mesmos descobrirão que eles próprios em muitas ocasiões praticaram a ação direta, e farão isso novamente.
Qualquer um que sempre pensou por si próprio, que usou seu direito de livre expressão, e corajosamente reafirmou isto juntamente com outros que compartilham de suas convicções, foi um praticante da ação direta. Uns trinta anos atrás eu recordo que o Exército de Salvação era um vigoroso praticante da ação direta na defesa da liberdade de seus membros para falar, reunir e discursar. Muitos foram presos, multados e encarcerados; mas eles continuaram exercendo seu direito de cantar, pregar e marchar, e de tal forma que seus perseguidores acabaram finalmente por deixá-los em paz. Os trabalhadores nas indústrias estão ministrando a mesma luta agora, e tem, em vários casos, compelido seus patrões a deixá-los em paz pelas mesmas táticas diretas.
Toda pessoa que planejou fazer qualquer coisa, e foi e fez, ou pôs seu plano em execução antes de outros, e ganhou a cooperação e colaboração de outras pessoas, sem apelar para autoridades, pedir licença ou agradá-los, foi um praticante da ação direta.
Todas as experiências de cooperação são essencialmente ação direta. Todo indivíduo que em sua vida teve uma diferença com qualquer outra pessoa, e diretamente procurou outras pessoas para envolvê-las na luta, através de um plano pacífico ou não, colocou a ação direta em prática. Greves e boicotes são exemplos de tal ação; muitas pessoas ainda lembram da ação das donas de casa de Nova York que boicotaram os açougueiros, o que acabou provocando a queda do preço da carne; ou do boicote à manteiga, como uma resposta direta aos fabricantes de manteiga.
Estas ações geralmente não são levadas a efeito simplesmente por causa de argumentos de um ou de outro, ou em função de leis, mas é a resposta espontânea daqueles que estão oprimidos por uma situação. Em outras palavras, todas as pessoas acreditam, quase sempre, no princípio da ação direta e a praticam.
Porém, a maioria das pessoas também é ativista indireto ou político. E eles são ao mesmo tempo ambas estas coisas. Há, todavia, um número limitado de pessoas que evitam a ação política sob quaisquer circunstâncias; mas não há ninguém, nenhuma pessoa, que jamais praticou alguma forma de ação direta. A maioria dos intelectuais tendem ao oportunismo e ao apoio, alguns mais à direita, outros mais à esquerda, mas sempre prontos para usar quaisquer meios quando chegar o momento. Quer dizer, há aqueles que crêem que colocar governantes no poder é essencialmente uma coisa errada e tola; mas que, diante da tensão de determinadas circunstâncias, passam a considerar isto como uma coisa sábia a fazer, e acabam votando em algum indivíduo naquele momento em particular. Há, também, aqueles que acreditam que, em geral, o modo mais sábio para as pessoas adquirirem o que querem está no método indireto da votação. Uma vez no poder os eleitos farão leis favoráveis; ainda que, mais adiante, no mesmo documento coloque uma greve ocasionalmente debaixo de condições excepcionais; e uma greve, como eu disse, é ação direta. Eles podem também fazer como os agitadores do Partido Socialista (que estão declinando, nos últimos tempos, para uma postura contrária à ação direta) fizeram no verão passado, quando chamaram a polícia para dar segurança às suas reuniões.
Quem são esses que, pela essência das suas convicções, são os praticantes da Ação Direta? Por que não adotam uma postura conformista? Porque alguns não acreditam em não-violência? Agora, não cometa o engano de confundir ação direta com conformismo. A Ação direta pode ser extremamente violenta, ou tão calma quanto as suaves águas dos rios de planície. O que quero dizer é que o real conformismo ocorre sempre pela ação política, nunca pela ação direta. Do ponto de vista da ação toda política é coerção; até mesmo quando o Estado faz coisas boas o faz através do exercício do poder, e isto se aplica também a um clube, uma arma, ou uma prisão.
Logo após a chegada dos quakers em Massachusetts, os Puritanos os acusaram de «aborrecer todo mundo com seus discursos». Os quakers não aceitavam jurar submissão a governo algum e nem admitiam que sua igreja pagasse impostos. (Fazendo essas coisas eles eram praticantes da ação direta, coisa que poderíamos chamar de ação direta negativa.) Assim, os Puritanos, sendo ativistas políticos, aprovavam leis para excluir, deportar, multar, encarcerar, mutilar, e finalmente, até mesmo para enforcar os quakers. Todavia, os quakers continuaram praticando suas idéias (que era ação direta positiva); há registros na história que depois de enforcarem quatro quakers e de arrastarem Margaret Brewster presa ao para-choques de um carro pelas ruas de Boston, «os Puritanos desistiram de tentar silenciar os missionários; a persistência e não-violência quacre acabou prevalecendo».
Outro exemplo de ação direta no começo da história colonial, desta vez de nenhuma forma pacífica, foi o evento conhecido como a Rebelião de Bacon. Todos nossos historiadores certamente defendem a ação dos rebeldes naquela ocasião, porque os rebeldes estavam certos. Mesmo no caso da ação direta violenta contra a autoridade legalmente constituída. Para o bem daqueles que esqueceram dos detalhes, vamos lembrar brevemente que os plantadores de Virgínia estavam com medo de um ataque geral pelos índios; e com razão. Adeptos da ação política, reivindicaram que o governo reconhecesse Bacon como líder deles, ou permitisse a convocação de voluntários para a auto-defesa. O governador temeu que uma companhia de homens armados constituísse uma ameaça para ele; também com razão. Ele recusou a convocação. Ao que os plantadores responderam com a ação direta. Eles recrutaram voluntários sem a autorização governamental, e com sucesso se defenderam dos índios. O governador declarou Bacon traidor; mas por sua popularidade, o governador temeu agir contra ele. Finalmente, porém, as coisas foram tão longe que Jamestown acabou incendiada pelos rebeldes; e se não fosse pela morte intempestiva de Bacon, muito mais poderia ter ocorrido. Claro que a reação foi bem terrível, o que normalmente acontece quando uma rebelião desmorona ou é esmagada. Até mesmo durante seu breve período de sucesso, os rebeldes sofreram muitos abusos. Eu estou bem segura que os defensores da ação-política-do-custe-o-que-custar, depois que a reação retomou o poder, deve ter dito: «Veja quantos males a ação direta nos traz! Veja como o progresso da colônia regrediu em vinte e cinco anos»; esquecendo que se os colonos não recorressem à ação direta, seus couros cabeludos teriam sido levados pelos índios no ano anterior, embora alguns deles acabassem enforcados pelo governador no ano seguinte.
Nos períodos de agitação e excitação que precedem às revoluções, há todo tipo de ação direta, da mais pacífica à mais violenta; quase todos estudantes acham, por conta destes desempenhos, que é exatamente aí que se situa o que há de mais interessante da história dos Estados Unidos e o que mais facilmente grava na memória.
Entre os movimentos pacíficos, destaca-se os acordos de não-importação, as ligas das indústrias de tecidos e os «comitês de correspondência». A ação direta violenta acabou por se desenvolver em função do inevitável crescimento da hostilidade; exemplos clássicos foram o caso da destruição das rendas estampadas e a ação relativa aos navios carregados de chá, que quando não eram proibidos de descarregar, os descarregavam em armazéns úmidos ou no chão do porto, como ocorria em Boston. Em Annapolis obrigavam os donos dos navios de chá a incendiar suas próprias embarcações. Todas estas ações estão registradas em nossos livros escolares, não de modo condenatório, não de modo apologético, são todos casos de ação direta contra autoridades legalmente constituídas e contra a propriedade de bens. Menciono estes e outros casos semelhantes para provar que a ação direta sempre foi usada, e tem a sanção histórica dos mesmos que hoje a reprovam.
Todo mundo sabe que George Washington foi o líder da liga de não-importação dos plantadores da Virgínia; se George Washington fosse escolhido hoje como líder de uma liga de agricultores da Virgínia para a não-importação; provavelmente seria levado às barras dos tribunais pela formação de tal liga; e se ele persistisse, seria multado e processado.
Quando a grande disputa entre o Norte e o Sul estava em ebulição, foi novamente a ação direta que precedeu e precipitou as ações políticas. Sem a ação direta tais ações políticas jamais entrariam em cena, e nem mesmo seriam contempladas. As mentes dormentes precisaram primeiramente serem despertas por atos diretos de protesto contra as condições existentes.
A história do movimento anti-escravidão e a Guerra Civil é um dos maiores paradoxos da história, embora a história seja uma cadeia de paradoxos. Politicamente falando, os Estados que possuíam maior liberdade política eram aqueles que continham propriedades escravistas, cada Estado era autônomo diante da interferência dos Estados Unidos; politicamente falando, os Estados sem propriedades escravistas apoiavam um forte governo centralizado que, conforme os Secessionistas disseram, e com razão, tendia ao desenvolvimento de formas ainda mais tirânicas. O que veio acontecer mais tarde. No fim da Guerra Civil houve uma invasão ininterrupta do poder federal em áreas antigamente restritas aos Estados. Os escravos-assalariados, em suas lutas de hoje, estão em contínuo conflito com esse poder centralizado contra o qual os proprietários de escravos protestaram (com liberdade nos lábios, e tirania nos corações). Eticamente falando, os Estados com propriedades não escravistas, de um modo geral, representaram maior liberdade humana, ao passo que os Secessionistas representaram o escravagismo, o preconceito e a intolerância racial. Mas apenas em termos gerais; quer dizer, a maioria de nortistas, desacostumados com a presença real de negros escravos entre eles, provavelmente julgavam a escravidão um erro; mas nunca tiveram nenhuma grande ânsia por aboli-la. Apenas e tão somente os Abolicionistas, e eles eram relativamente poucos, foram eticamente genuínos. Para eles, a escravidão -- não a secessão ou a união -- era a questão principal. Na realidade, estavam tão convencidos disso que um número considerável deles eram favoráveis à dissolução da união, ao mesmo tempo em que defendiam a iniciativa Nortistas na questão da dissolução, para que o povo nortista pudesse livrar-se da culpa de manter negros em cadeias.
Naturalmente, houve todo tipo de gente com todo tipo de temperamento entre os defensores da abolição da escravidão. Houve quakers como Whittier (realmente adepto do sistema paz-custe-o-que-custar da filosofia quaker, favorável à abolição desde os primeiros dias da colonização); houve ativistas políticos moderados favoráveis à compra de escravos como forma mais barata de libertá-los; e houve pessoas extremamente violentas que acreditavam e fizeram todo tipo de coisas violentas.
Sobre o que os políticos fizeram, há um longo registro de «coisas-que-não-se-deve-fazer», um registro de trinta anos de compromissos, pechinchas, tentativas de manter o status quo, acalmar ambos os lados quando as novas condições exigiam que algo fosse feito, ou fingir fazer algo. Mas «as estrelas em seu curso lutaram contra Sícera»; o sistema estava demolindo por dentro, foram os adeptos da ação direta que ampliaram tais fissuras tornando-as visíveis.
Entre as várias expressões da rebelião direta estavam as «organizações secretas». A maioria das pessoas que pertenceram a tais grupos acreditavam em ambos tipos de ação; mas por mais que subscrevessem teoricamente o direito de maioria de agir e obrigar cumprimento de leis, eles não chegavam a este ponto na prática. Meu avô foi membro de uma «organização secreta»; ele ajudou muitos escravos fugirem para o Canadá. Ele era um homem muito paciente, obediente à lei em muitos aspectos, entretanto freqüentemente achava que ele a respeitava por ser uma coisa distante; ele sempre conduziu uma vida pioneira, e a lei geralmente estava longe dele, enquanto que a ação direta sempre foi um imperativo. Seja como for, por mais que respeitasse as leis, ele nunca teve nenhum respeito por leis escravagistas, não importava se tais leis foram aprovadas por uma maioria de dez contra um; ele conscientemente quebrava cada uma que atrapalhasse sua caminhada.
Houve tempos em que as operações «secretas» exigiram a violência, e fizeram uso dela. Lembro-me de uma velha amiga descrevendo como ela e sua mãe ficaram acordadas durante toda a noite escondendo um escravo fugido no porão da casa onde moravam; embora fossem descendentes e simpatizantes de quakers, havia uma espingarda na mesa. Felizmente não precisaram fazer uso dela naquela noite.
Enquanto a lei do escravo fugitivo era aprovada com a ajuda de ativistas políticos do Norte no intuito de oferecer um novo calmante aos proprietários de escravos, os ativistas diretos resgatavam fugitivos recapturados. Havia vários grupos: «Resgate de Shadrach», «Resgate de Jerry», mais tarde vieram outros conduzidos pelo famoso Gerrit Smith; que teve mais sucesso do que fracasso em suas tentativas. Enquanto os políticos continuavam vagando e tentando abrandar as coisas, os Abolicionistas eram denunciados e depreciados por pacificadores ultra-extremistas, quase da mesma forma como Wm. D. Haywood e Frank Bohn são denunciados hoje pelos seus próprios correligionários.
Outro dia li um comunicado no Chicago Daily Socialist do secretário local do Partido Socialista de Louisville, dirigido ao secretário nacional, pedindo algum outro orador seguro e sensato no lugar de Bohn, anunciado para falar. Explicando o motivo, o Sr. Dobbs mencionou a conferência de Bohn: Se os McNamaras tivessem, «êxito defendendo os interesses do proletariado, eles estariam certos, da mesma maneira que John Brown estaria certo, se tivesse êxito libertando os escravos. A ignorância foi o único crime de John Brown, e a ignorância é o único crime dos McNamaras».
O comentário do Sr. Dobbs continua: «Defendemos enfaticamente o que aqui declaramos. A tentativa de traçar um paralelo entre a -- mesmo errônea -- revolta de John Brown, e os métodos secretos e assassinos dos McNamaras, é não apenas indicativo de raciocínio superficial, como também algo altamente danoso pelas conclusões lógicas que podem ser tiradas de tais declarações».
Evidentemente Mr.Dobbs sabe muito pouco sobre a vida e o trabalho de John Brown. John Brown foi um homem adepto da violência; ele desprezaria qualquer pessoa tentasse fazê-lo agir de uma maneira diferente. Quando alguém acredita na violência, a única coisa que o interessa é encontrar a maneira mais efetiva de aplicá-la, que só pode ser determinada pelo conhecimento das condições e meios que possui. John Brown nunca temeu métodos conspirativos. Aqueles que leram a autobiografia de Frederick Douglas e as Reminiscências de Lucy Colman, lembram que um dos planos conduzidos por John Brown era organizar uma rede de acampamentos armados nas montanhas de West Virginia, Carolina do Norte, e Tennessee, enviar emissários secretos entre os escravos para incitá-los a fugir para estes acampamentos, e com o tempo criar as condições para despertar uma futura revolta entre o negros. Se este plano falhou foi devido à fraqueza do desejo por liberdade entre os escravos, mais do que qualquer outra coisa.
Mais tarde, quando os políticos em suas infinitas divergências inventaram uma nova proposição de como-não-fazer-nada, conhecida como Kansas-Nebraska Act que deixou a questão da escravidão ser determinada pelos colonos, os ativistas diretos de ambos os lados enviaram falsos colonos aos territórios, que começaram a lutar entre si. Os homens pró-escravidão que chegaram primeiro fizeram uma constituição que reconhecia a escravidão e uma lei que castigava com morte qualquer um que ajudasse um escravo a escapar; mas os Free Soilers, que estavam um pouco mais longe, por serem oriundos de Estados mais distantes, fizeram uma segunda constituição, e recusaram reconhecer as leis do outro partido. E John Brown lá estava, envolvido com todo tipo de violência, conspirativa ou aberta; ele foi «um ladrão de cavalos e assassino», aos olhos de ativistas decentes, pacíficos, políticos. Ninguém duvida que ele roubou cavalos, nem enviava comunicados sobre sua intenção de roubá-los. Ele também matou homens favoráveis à escravidão. Ele atacou e escapou muitas vezes antes de ser finalmente detido em Harper's Ferry. Se ele não usava dinamite, era porque dinamite ainda não estava em voga como uma arma prática. Ele fez mais ataques intencionais em sua vida do que os dois condenados irmãos Secretários Dobbs poderiam fazer com seus «métodos assassinos». E história compreende John Brown. A humanidade sabe que ele foi um homem violento, com sangue humano nas mãos, que foi culpado de alta traição, e enforcado por causa disso, contudo foi uma grande, forte, e desinteressada alma, incapaz de suportar o crime assustador que manteve 4.000.000 de pessoas como bestas estúpidas, e acreditava que fazer guerra contra isto era algo sagrado, um dever determinado por Deus, (John Brown era um homem muito religioso -- um presbiteriano).
É devido e por causa da ação direta dos precursores da mudança social, sejam eles de natureza pacífica ou bélica, que a Consciência Humana, a consciência da massa, desperta para a necessidade de mudança. Seria muito estúpido dizer que não se pode esperar nenhum resultado positivo da ação política; às vezes coisas boas ocorrem por esse modo. Mas nunca até que a rebelião individual, seguida pela rebelião da massa, forçe isto. A ação direta sempre é o clarim, o ponto de partida, pelo qual a grande soma de indiferentes se dá conta de que a opressão chegou a um nível intolerável.
Nós temos agora e opressão na terra -- e não apenas na terra, mas ao longo de qualquer região do mundo que desfrute as muitas promíscuas bênçãos da Civilização. E da mesma maneira que na questão da escravidão dos negros, outras formas de escravidão tem gerado ação direta e ação política. Um certo percentual de nossa população (provavelmente um percentual bem menor que aqueles que os políticos atingem com seus comícios) está produzindo a riqueza material na qual todo o resto de nós vive; da mesma forma aqueles 4.000.000 de negros escravizados sustentaram toda uma multidão de parasitas sobre seus ombros. Eles eram camponeses e operários.
Pelas imprevistas e imprevisíveis operações de instituições que nenhum de nós criou, mas que já existiam quando chegamos aqui, nós trabalhadores, que compomos a parte mais absolutamente necessária de toda estrutura social, e que sem nossos serviços ninguém pode comer, morar, ou vestir, somos exatamente os que menos tem oportunidade para comer, morar, ou vestir -- sem falar de outros benefícios sociais que supostamente nos oferecem, como educação e satisfação artística.
Nós trabalhadores temos, de uma ou de outra forma, juntado mutuamente nossas forças tentando melhorar nossas condições de vida; principalmente pela ação direta, e secundariamente pela ação política. Nós formamos Granjas, Alianças Camponesas [N.T.: no original Knights of Labor], Associações Cooperativas, Experiências de Colonização, Associações de Trabalhadores, Sindicatos, e a IWW (Industrial Workers of the World). Todos organizados com a finalidade de arrancar dos senhores da área econômica um pagamento um pouco melhor, condições um pouco melhores, horas um pouco mais curtas; ou por outro lado resistir contra uma redução no pagamento, contra condições piores, contra horas mais longas de trabalho. Nenhuma dessas tentativas procurava uma solução final à guerra social. Nenhum delas, com exceção da IWW, reconheceu que há uma guerra social em curso, inevitável enquanto perdurar as presentes condições legais-sociais. Nós trabalhadores aceitamos as instituições da propriedade da forma como encontramos. Elas foram compostas por homens comuns, com desejos de homens comuns, e resolveram fazer coisas que lhes parecia possível e bem razoáveis. Eles não estavam comprometidos com qualquer política em particular quando se organizaram, mas se associaram para a ação direta por iniciativa própria, tanto na forma positiva como na forma defensiva.
Sem dúvida houve e há em todas estas organizações, membros que olharam além das demandas imediatas; que olharam as coisas do ponto de vista do desenvolvimento contínuo das forças agora em operação para provocar rapidamente as condições diante das quais é impossível que a vida continue a mesma, e contra a qual protestem, e protestem violentamente; não há outra alternativa senão essa; ou isso ou a morte inevitavel; mas não há nada na natureza da vida que se renda sem luta, assim, não há porque morrer sem lutar. Vinte e dois anos atrás eu conheci o pessoal da Aliança Camponesa que dizia coisas assim, Associações de Trabalhadores que diziam o mesmo, Sindicalistas que diziam o mesmo. Eles pretendiam objetivos maiores que esses e criaram organizações para alcançá-los; mas eles tiveram que aceitar os membros como eles eram, e tentaram na medida do possível fazê-los compreender como as coisas funcionavam. Que eles poderiam ter preços melhores, salários melhores, condições menos perigosas, menos tirânicas, horas mais curtas de trabalho. Na fase do desenvolvimento quando estes movimentos foram iniciados, os trabalhadores do campo não viram a relação da luta deles com a luta dos trabalhadores nas fábricas ou nos transportes; nem estes últimos, por sua vez, perceberam qualquer relação deles com o movimento dos camponeses. Essas coisas bem poucos conseguiram compreender. Eles ainda têm que aprender que há uma luta comum contra aqueles que se apropriaram da terra, do dinheiro, e das máquinas.
Desgraçadamente as grandes organizações camponesas se fragmentaram em uma estúpida luta pelo poder político. Elas tiveram bastante êxito conquistando o poder em certos Estados; mas os tribunais pronunciaram suas leis inconstitucionais, e esse foi o cemitério de todas suas conquistas políticas. Seu programa original era construir seus próprios silos, e armazenar seus produtos, preservando-os do mercado até que pudessem escapar do especulador. Também, organizar bolsas de mão-de-obra, emitir notas de crédito em produtos depositados para troca. Se tivessem aderido a este programa de ajuda mútua dirigida, poderiam, até certo ponto, durante um tempo pelo menos, dispor de uma ilustração de como o gênero humano poderia livrar-se do parasitismo dos banqueiros e dos intermediários. Claro que tudo isso seria subvertido no final -- a menos que revolucionassem as mentes dos homens, por exemplo, forçando a subversão do monopólio legal da terra e do dinheiro -- mas pelo menos serviria a um grande propósito educacional. Sobre como «sacrificar pouco para ganhar muito» em vez de desintegrar-se em futilidades.
As Alianças Camponesas acabaram relegadas a uma relativa insignificância, não por causa de seu fracasso no uso da ação direta, nem por causa do seu envolvimento com políticos, que era pequeno, mas principalmente porque era uma massa heterogênea de trabalhadores que não conseguiram associar efetivamente seus esforços.
Enquanto as Alianças Camponesas afundavam, os Sindicatos cresciam fortes, e continuaram lentamente seu crescimento, e tenazmente aumentavam em poder. É verdade que às vezes esse fluxo oscilava; que vez por outra houve recuo; que grandes organizações centralizadas foram formadas e novamente dispersadas. Mas em geral os sindicatos constituíram um crescente poderio. E isso ocorreu porque, diante de sua pobreza, foi o meio pelo qual uma certa seção de trabalhadores pôde juntar forças para enfrentar diretamente seus patrões, e conseguir para si alguma porção daquilo que queriam -- se não ditavam as condições teriam pelo menos que tentar conseguir isso. A greve era a arma natural que possuíam, uma arma que eles mesmos forjaram. Em noventa por cento dos casos é o sopro direto da greve que faz o patrão tremer de medo. (Claro que há ocasiões quando ele anseia por uma, mas isso é incomum). A razão deste medo da greve não é tanto porque ele acha que não pode fazer nada contra ela, mas apenas e simplesmente porque ele não quer uma interrupção em seus negócios. O patrão ordinário não teme coisas como «voto consciente da classe trabalhadora»; há inúmeros locais onde você pode falar o dia todo sobre Socialismo ou sobre qualquer outro programa político; mas se você começa a falar sobre Sindicalismo pode esperar ser expulso em seguida ou na melhor das hipóteses ser convidado a calar a boca. Por que? Não porque o chefe seja tão sábio a ponto de saber que a ação política é um pântano onde o trabalhador se enlameia, ou porque ele percebe que aquele Socialismo político rapidamente está se tornando um movimento de classe-média; não. Ele acha que o Socialismo é uma coisa muito ruim; mas que é também uma bela porta de saída! Mas ele sabe que se os trabalhadores de sua fábrica forem sindicalizados, ele terá dificuldades imediatas. As mãos desses trabalhadores serão rebeldes, ele será forçado a gastar dinheiro para melhorar as condições de trabalho, ele terá que manter trabalhadores que detesta, e no caso de greve ele pode esperar danos aos seus equipamentos e edifícios.
É dito com frequência, e repetidamente como os papagaios fazem, que os patrões são uma «classe-consciente», que eles estão unidos em torno de seus interesses de classe, e que estão dispostos a sofrer qualquer tipo de perda pessoal em defesa desses interesses. Nada disso é verdade. A maioria dos empresários é exatamente como a maioria dos trabalhadores; eles se preocupam o tempo todo mais com suas perdas ou ganho individuais do que com os ganhos ou perdas de sua classe. E é sua própria perda individual que o patrão vê, quando ameaçado por um sindicato.
Agora todo mundo sabe que uma greve de qualquer tamanho significa violência. Não importa a preferencia ética pela paz que alguém possa ter, ele sabe que não estará calmo. Se for uma greve de telégrafos, significa arames cortados e postes derrubados, e infiltrar falsos fura-greves para destruir os instrumentos. Se for uma greve de metalúrgicos, significa dar porrada em fura-greves, quebrar janelas, descalibrar bitolas, e arruinar peças caras juntamente com toneladas e toneladas de material. Se for uma greve de mineiros, significa destruir trilhos e pontes, e explodir fábricas. Se for uma greve de trabalhadores de uma tecelagem ou artigos de vestuário, significa a ocorrência de incêndios «acidentais», pedradas em janelas aparentemente inacessíveis, ou possivelmente uma tijolada na cabeça do dono da fabrica. Se for uma greve de montadora de automóveis, significa remover esteiras ou obstruí-las com resíduos sólidos ou líquidos, com peças pesadas ou robôs, significa carros esmagados ou incinerados e interruptores sabotados. Se for uma greve de um sistema federado, significa máquinas «mortas», máquinas desreguladas, fretes descarrilados, e trens bloqueados. Se é uma greve na área da construção civil, significa dinamitar estruturas. E sempre, em toda parte, em todo o tempo, lutas de seguranças e fura-greves contra grevistas e simpatizantes de grevistas, entre Gente e Polícia.
No lado dos patrões, significa holofotes, cercas elétricas, vigilantes, cárcere privado, detetives e agentes provocadores, sequestro violento e deportação, e todo dispositivo que eles podem conceber para a proteção direta, além de ultimatos da polícia, milícias, polícia distrital, estatal, e tropas federais.
Todo o mundo conhece estas coisas; todo mundo sorri quando os funcionários do sindicato apelam aos trabalhadores para que sejam pacíficos e obedientes à lei, porque todo mundo sabe que estão mentindo. Eles sabem que a violência será usada, secreta e abertamente; e eles sabem que será usada porque os grevistas não podem agir de outro modo, sem imediatamente serem derrotados. Nem por isso eles podem ser acusados de perder a razão por usarem esses recursos violentos. As pessoas entendem em geral que eles fazem estas coisas pela lógica cruel de uma situação que eles não criaram, mas que os força a estes ataques pelo sucesso de sua luta pela vida ou para evitar descer ao poço sem fundo da pobreza, para evitar que a Morte os encontre nos ambulatórios dos asilos, na sarjeta, ou na lama. Esta é a alternativa terrível que os trabalhadores estão enfrentando; e é isto que faz com que pessoas integralmente propensas à cordialidade -- homens que desviam do caminho para ajudar um cão ferido, ou trazem um gatinho perdido para casa e o alimenta, ou pisam com cuidado para evitar esmagar um pintinho -- recorrem à violência contra membros de sua própria raça. Eles sabem, porque os fatos lhes ensinaram, que este é o único caminho para a vitória, se eles querem mesmo vencer. A coisa mais absurda e totalmente irrelevante que alguém pode dizer ou fazer quando se aproxima na intenção de apoiar ou ajudar um grevista que está lidando com uma situação imediata, é propor «nas eleições a gente dá o troco!» quando a próxima eleição está a uma distância de seis meses, um ano, ou dois anos.
Infelizmente a pessoa que conhece melhor como usar a violência na guerra sindical não pode tomar a palavra e dizer: «Em tal dia, em tal lugar, tal e qual ação específica será feita, o que resultará em que tal e qual concessão será conquistada, ou tal e qual patrão capitulará». Fazer isso tiraria sua liberdade e seu poder para a luta. Então aqueles que melhor conhecem a arte da greve têm que permanecer em silêncio em seu cantinho, e deixar a parte do discurso com os tagarelas. É a ação concreta, não o discurso, que dá clareza ao ponto de vista das pessoas.
Nas últimas semanas houve uma enxurrada de tagarelices. Oradores e escritores -- honestamente convencidos (eu acho) de que a ação política e apenas a ação política pode dar a vitória aos trabalhadores -- tem denunciado o que eles chamam de «ação direta» (a que eles realmente querem dizer é violência conspirativa [ou terrorismo]) como a autora de danos incalculáveis. Oscar Ameringer, por exemplo, disse recentemente em uma reunião em Chicago que o bombardeio de Haymarket conduziu o patamar da luta pelas 8 horas para vinte e cinco anos atrás, argumentando que quem teve sucesso foi a bomba não o movimento. É um grande engano. Ninguém pode medir exatamente em anos ou meses o efeito de um estímulo ou de uma reação. Ninguém pode provar que o movimento pelas oito-horas sairia vitorioso vinte e cinco anos atrás. Nós sabemos que a jornada de oito-horas foi legalmente estabelecida em Illinois em 1871 pela ação política, e permaneceu como lei morta. Que a ação direta dos trabalhadores ganharia essa parada, isso não pode ser provado; mas pode ser demonstrado que fatores bem mais potentes que a bomba de Haymarket atuaram contra a vitória dos trabalhadores nessa batalha pela jornada de oito horas. Por outro lado, se a influencia reativa da bomba foi realmente tão poderosa, deveríamos naturalmente esperar que as condições de trabalho e de organização sindical seriam piores em Chicago do que nas cidades onde nada disso aconteceu. Pelo contrário, por mais ruins que sejam, as condições gerais de trabalho são melhores em Chicago que nas demais cidades grandes, e o poder dos sindicatos desenvolveu-se mais lá do que em qualquer outra cidade americana com exceção de São Francisco. Assim se temos que tirar qualquer conclusão sobre a influência da bomba de Haymarket, é bom lembrar destes fatos. Pessoalmente eu não acho que sua influência no movimento operário, como tal, foi assim tão grande.
O mesmo ocorre com o presente frenesi sobre a violência. Nenhum fundamento foi alterado. Dois homens foram presos pelo que fizeram (vinte e quatro anos atrás eles seriam enforcados pelo que não fizeram); alguns poucos ainda podem ser presos. Mas as forças da vida continuarão se revoltando contra as cadeias econômicas que as prendem. Essa revolta não cessará nunca, não importa se homens de papel votem ou deixem de votar, enquanto essas cadeias não forem arrebentadas.
Como as cadeias serão quebradas?
Os ativistas políticos nos dizem que as cadeias econômicas só serão quebradas pela ação dos partidos de trabalhadores no poder mediante eleições; o voto colocará os meios de produção e de vida nas mãos do proletariado; que também assumirá o comando das florestas, das minas, das fazendas, das bacias hidrográficas, das fábricas, dos silos; da mesma forma, terá sob seu controle o poder militar para defender seus interesses, todo esse domínio será e estará a serviço do povo.
E depois?
Depois, haverá paz, criatividade, obediência à lei, paciência, e sobriedade (como Madero disse aos peões mexicanos após vendê-los a Wall Street)! Até mesmo se alguns de vocês forem privados de direitos civis ou de privilégios, não é necessário revoltar-se nem mesmo contra essas coisas, pode deixar que «o partido tomará as devidas providências».
Bem, eu já declarei que, ocasionalmente, algumas coisas boas podem resultar da ação política -- e não necessariamente da ação de partidos proletários. Mas estou plenamente convencida de que cada benefício alcançado é mais do que anulado pelo malefício que traz a tiracolo; também estou plenamente convencida de que, ocasionalmente, cada malefício resultante da ação direta é mais do que anulado pelo benefício que traz a tiracolo.
Quase todas as leis que foram moldadas originalmente com a intenção de beneficiar os trabalhadores, viraram armas armas nas mãos dos seus inimigos, ou se tornaram letra morta a menos que os trabalhadores pelas suas organizações obriguem diretamente sua observância. De forma que no final das contas, e de todas as maneiras, é na ação direta que devemos depositar nossa confiança. Como exemplo da ineficácia de uma lei, basta observar a lei antitruste que supostamente beneficiava o povo em geral e o proletariado em particular. Cerca de duas semanas depois que a lei entrou em vigor, 250 líderes sindicais foram citados para responder processo acusados de truste. Esse foi o efeito da lei aos grevistas de Illinois.
Mas os malefícios provocados pela confiança na ação indireta são bem maiores do que se pode imaginar. O principal malefício é que destrói a iniciativa, extingue o espírito rebelde de cada um, ensina pessoas a confiar em outra pessoa para fazer para eles o que eles deveriam fazer por si próprios; finalmente torna orgânica a idéia anômala de que aglomerar uma multidão inerte até que uma maioria seja obtida fará com que -- por uma estranha magia daquela maioria -- aquela inercia seja transformada em energia. Quer dizer, pessoas que perderam o hábito de lutar por si mesmas enquanto indivíduos, pessoas que se submetem a toda injustiça esperando que uma maioria seja formada, são metamorfoseadas em humanos de alto poder explosivo por um mero processo de empacotamento!
Eu concordo totalmente que as fontes da vida, e toda a riqueza natural da terra, e as ferramentas necessários à produção cooperativa, tem que estar livremente acessíveis a todos. Tenho certeza de que o sindicalismo precisa alargar e aprofundar seus propósitos, ou será extinto; estou segura de que a lógica da situação os forçará a ver isto gradualmente. Eles têm que aprender que o problema dos trabalhadores nunca pode ser resolvido espancando fura-greves, sua própria política de limitar seus sócios cobrando altas taxas e outras restrições ajuda criar fura-greves. Eles têm que aprender que o curso do crescimento não está tanto em salários mais altos, mas em jornadas mais curtas de trabalho que os permitirão a aumentar a quantidade de membros, a chamar qualquer pessoa disposta a entrar no sindicato. Eles têm que aprender que se eles querem mesmo ganhar batalhas, todos os trabalhadores aliados têm que agir em conjunto, e agir depressa (sem avisar aos patrões), e resguardar sua liberdade de entrar em greve quantas vezes for necessário. E finalmente eles têm que aprender (quando houver uma organização completa) que jamais ganharão nada permanente a menos que lutem, não por conquistas parciais, mas por conquistas totais -- não por um salário, não por benefícios secundários, mas pela conquista de todas as riquezas naturais do planeta. E procedam à expropriação direta de tudo!
Eles têm que aprender que seu poder não está na força do seu voto, mas na sua habilidade de parar a produção. É um grande engano supor que os assalariados constituem a maioria dos eleitores. Os assalariados estão hoje aqui e amanhã acolá, e isso impede um número grande deles de votar; uma grande porcentagem deles neste país são estrangeiros sem direito a voto. A prova mais patente, e os líderes Socialistas sabem disso, é que os sindicatos estão comprometendo cada ponto de seu programa visando angariar apoio da classe empresarial, e do pequeno investidor. Os documentos de seus programas proclamam que seus acordos foram assegurados por compradores de títulos de Wall Street, e que eles igualmente estariam prontos a comprar títulos de socialistas de Los Angeles da mesma forma que compram de administradores capitalistas; e que a atual administração de Milwaukee foi benéfica ao pequeno investidor; seus periódicos asseguram aos seus leitores naquela cidade que nós não precisamos ir até grandes lojas de departamentos para comprar -- basta comprar de Fulano de Tal na Avenida Milwaukee, que ficaremos totalmente satisfeitos como se estivéssemos comprando em uma «grande instituição empresarial». Em suma, eles estão fazendo um desesperado esforço para ganhar o apoio e prolongar a existência daquela classe-média que a economia socialista diz estar em frangalhos, porque sabem que não podem alcançar maioria sem eles.
O máximo que um partido de trabalhadores pode conseguir, supondo que seus políticos permaneçam honestos, seria formar uma forte facção no parlamento -- somando votos de vários lados -- para obter certos paliativos políticos ou econômicos.
Mas aquilo que a classe trabalhadora pode fazer, na medida em que toma a forma de uma sólida organização, é mostrar à classe proprietária, por uma parada súbita de todo trabalho, que toda estrutura social está sobre seus ombros; e que as propriedades e riquezas da classe empresarial são absolutamente inúteis para eles sem a atividade dos trabalhadores; tal protesto, tal golpe, direto no coração do sistema da propriedade, ocorrerá periodicamente, continuamente, até que a coisa inteira seja abolida -- e tendo mostrado sua eficácia, procederá a expropriação.
«E quanto ao poder militar?», diz o ativista político; «temos que conquistar poder político, ou o exército será usado contra nós!»
Contra uma real Greve Geral, o exército não pode fazer nada. Oh, ou melhor, se você tiver um Socialista como Briand no poder, ele pode declarar os trabalhadores «funcionários públicos» e mandar o exército contra eles! Mas contra o sólido muro de uma massa de trabalhadores parados, nem Briand poderia derrubá-lo.
Enquanto isso, até este despertar internacional, a guerra entre as classes continuará seguindo seu curso, apesar de toda essa manifesta histeria de pessoas bem-intencionadas mas que não compreendem a vida e suas necessidades; apesar do patente temor dos líderes acovardados; apesar de toda vingança reacionária que pode ser perpetrada; apesar de todo capital que os políticos recebem da situação. A luta de classes continuará seu curso porque a Vida anseia por viver, mesmo com a Propriedade negando sua liberdade para viver; a Vida não se submeterá.
Nem deve se submeter.
Seguirá seu curso até aquele dia quando uma Humanidade que se auto libertou puder cantar o Hino ao Homem de Swinburne:
«Glória ao Homem nas alturas,
Ao Homem, Senhor das coisas».
v v v
voltar: http://www.oocities.com/projetoperiferia/Numero7.htm
Traduzido eletrônicamente e ligeiramente revisado pelo Coletivo Periferia
http://www.oocities.com/projetoperiferia
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