Reprimir protestos da Copa do Mundo - um negócio em expansão no Brasil
Anna Feigenbaum
18 de junho de 2014
Bomba de gás lacrimogêneo feita no Rio de Janeiro pela Condor Tecnologias Não Letais e encontrada nas ruas de Ancara, na Turquia, em 2013. (Twitter / Suzette Grillot)
Em 12 de junho, a polícia brasileira usou gás lacrimogêneo em um grupo de 50 manifestantes desarmados que bloqueavam a estrada que leva para a arena da abertura da Copa do Mundo em São Paulo. Em 15 de junho, no Rio de Janeiro mais de 200 manifestantes enfrentaram nuvens de gás lacrimogêneo e granadas de efeito moral na sua abordagem ao estádio do Maracanã. Armada com um arsenal de armas menos letais e táticas importadas de equipes estadunidenses da SWAT no início de 2000, a polícia vestida com equipamento anti-motim está implantando táticas agressivas, empunhando cassetetes e liberando agentes químicos direto nos manifestantes. No Brasil, esse estilo de policiamento anti-protesto não é apenas uma forma comum de controle político , mas também um negócio florescente.
A Copa do Mundo e os protestos econômicos relacionados que ocorrem em todo o país estão trazendo grandes lucros para uma empresa com sede em Rio, a Condor Tecnologias Não Letais. Como parte do orçamento da segurança massiva da Copa do Mundo, a Condor fechou um contrato de US $ 22 milhões, fornecendo gás lacrimogêneo, balas de borracha, Tasers e granadas de efeito moral para a polícia e forças de segurança privadas. Com a venda de armamentos de controle de distúrbios e manutenção ordem pública para a aplicação da lei por militares e compradores das Nações Unidas, os negócios da Condor cresceram mais de 30 por cento nos últimos cinco anos.
Eventos como a Copa do Mundo e Jogos Olímpicos - que o Brasil também hospedará em 2016 - chamam a atenção para a segurança nacional. Cai bem, aos olhos da indústria, receber convites de todo o mundo para palestras, consultorias e operações de treinamento. Para amplos setores da indústria da segurança no Brasil, como a Condor, por exemplo, a Copa do Mundo é como uma semana de moda; é uma oportunidade para mostrar o mais recente equipamento policial, atraindo os futuros compradores.
Embora a Condor não divulgue oficialmente os detalhes de seus lucros, de acordo com o curriculum vitae de seu diretor de marketing, a empresa tem vendas internacionais de US $ 50 milhões em armas não-letais e munições. Nos últimos anos, a Condor tem visto um aumento em sua receita de 33 por cento, como resultado de uma nova estratégia de marketing envolvendo instrumentos de comunicação e participação em feiras. Com estas iniciativas, a diretora de marketing tem supervisionado um crescimento médio de vendas de 90 por cento. De 12 países e passaram a vender para mais de 40, com novos mercados na Ásia e África.
Aproveitando os protestos no exterior
Sob banners gigantes da bandeira brasileira, a Condor mostra sua marca regularmente em exposições nas principais feiras de segurança do mundo, incluindo DSEI e Milipol, onde mostra seus produtos para compradores do governo e militares. Esses novos dispositivos em exposição incluem a "granada bailarina", que pula no chão para evitar a "devolução" pelos manifestantes.
Grande variedade de tecnologias de controle de motim da Condor é enviada para o exterior tendo como endereço centenas de cidades ao redor do mundo, inclusive para países com violações dos direitos humanos documentadas. Este comportamento levou ao escrutínio de 2010, quando a Condor declarou-se "pioneira na disseminação do conceito 'não-letal' no Brasil ... com o uso controlado da escalada da força, sem qualquer prejuízo para os direitos humanos".
Todas as vendas internacionais de gás lacrimogêneo no Brasil passam pelo Ministério das Relações Exteriores e pelo Ministério da Defesa do Brasil. No entanto, eles não mantêm um registro de como elas são usadas e os números das vendas não são tornados públicos. De acordo com um relatório de um grupo de jornalismo investigativo Publica , "Nesta indústria, a norma é a falta de transparência".
Apesar de sua crescente utilização como força mortal, o "controle de tumultos" continua isento da Convenção sobre Armas Químicas, o que permite que gases tóxicos sejam lançados contra civis. Como outras armas que podem ser classificadas como equipamento de policia, esses agentes muitas vezes acabam sendo vendidos sem nenhuma restrição. Isso deixa o seu comércio com fins lucrativos ainda menos regulamentado do que a indústria farmacêutica.
Controle de motim: Grande negócio no mercado brasileiro
A ascensão do Brasil ao topo da indústria internacional de controle de protestos é em grande parte o resultado do relaxamento do país às regras em torno da venda de armas no início de 2000. Em 2002, o governo brasileiro apresentou um novo conjunto de políticas flexíveis para aumentar a receita nacional. "Os Ministério da Defesa, Relações Exteriores (Itamaraty), Ciência e Tecnologia juntaram-se com os da área econômica fizeram uma dobradinha", de acordo com o periódico Gazeta Mercantil de São Paulo. Frederico Aguiar, então presidente de contratação e vendas da Condor, disse: "Há uma crescente consciência de que um país política e economicamente importante como o nosso não pode ficar dependente de sistemas de defesa concebidos e produzidos no exterior".
Este movimento para aumentar a produção de tecnologias de polícia, trouxe mudanças nas práticas de policiamento. De acordo com um relatório do Cirro Barros, em 2004, o Brasil criou uma Força Nacional para lidar com emergências de segurança pública, que fazem parte de um plano mais amplo para expandir o treinamento militar para policiamento da ordem pública.
Em 2006, a Condor e o governo brasileiro organizaram conjuntamente o que era na época a maior conferência de armas menos letais do mundo, catapultando-os para o cenário internacional. Entre os oradores estavam especialistas militares dos EUA como o coronel John B. Alexander - de “The Men Who Stare at Goats” e Charles "Sid" Heal, homem chave para o desenvolvimento de táticas militares para o policiamento. Disse ter " escrito na Bíblia da SWAT. O comandante Heal presta consultoria à Condor, enquanto esta expande seus fins lucrativos policiando protestos e "pacificando" mercados. Investigações recentes de Público Jornalismo Investigativo revelam o continuo envolvimento dos EUA na militarização da polícia brasileira, com consultoria do FBI e treinamentos realizados em centros financiados pelo Departamento de Estado dos EUA.
Fugindo da responsabilidade
Enquanto o governo brasileiro aponta para suas políticas para fugir da culpa, fabricantes corporativos como Condor permanecem protegidos atrás de rótulos de advertência, apesar do uso cada vez mais abusivo de seus produtos. Nos últimos anos, as tecnologias da Condor têm sido usadas repetidamente contra o protocolo, aumentando intencionalmente os danos e até mesmo a tortura sistemática contra pessoas na Turquia, Bahrein e Egito . "Nós sempre aconselhamos o direito do uso escalado da força", recomenda Beni Iachan, analista de negócios sênior da Condor. Tal conselho legalmente permite que fabricantes como a Condor fujam da responsabilidade, enquanto abastecem governos e seus policiais com métodos que propiciamj uma violenta escalada da força.
Enquanto a receita da Condor sobe em todo o mundo, bombas, granadas e balas de borracha continuam a ser disparadas à queima-roupa na cabeça e nos órgãos superiores das pessoas. Os dispositivos são lançados até mesmo em espaços fechados, atingindo níveis mortais de toxicidade. Inclusive, agentes químicos fora de validade com a marca Condor estão sendo usados contra civis, e mais recentemente documentado nas ruas da Venezuela.
Enquanto os relatos de mortes e ferimentos antimotim se acumulam, é cada vez mais difícil para as empresas como a Condor a agarrarem-se à "não-letalidade" em seu nome empresarial. Junto com os ativistas locais, o grupo brasileiro pró direitos humanos Tortura Nunca Mais, e jornalistas investigativos de Público estão trabalhando duro para aumentar a conscientização pública em torno do papel destas armas no abuso policial e da necessidade de uma maior responsabilização.
Expondo as ligações entre o governo e a especulação corporativa do protesto, Público está mapeando a influência da Condor nas agências governamentais. "Nós descobrimos recentemente que a Condor tem um acordo de exclusividade envolvendo o Ministério da Defesa do Brasil e a Security Industries Association", explicou Bruno Fonseca, um repórter investigativo de Público. "Isso significa que todas as instituições de defesa e segurança públicas, como a polícia brasileira", possam comprar sem qualquer controle.
Isso permite que centenas de milhares de armas Condor sejam colocadas nas mãos das forças de segurança brasileiras sem supervisão do governo. "A Condor tem exclusividade para 27 tipos de equipamentos não-letais", disse Fonseca. O uso que o governo brasileiro faz da força excessiva e a sua incapacidade de regular as suas práticas de controle de distúrbios estão agora sob escrutínio numa campanha mundial da Anistia Internacional, que deu ao governo brasileiro um cartão amarelo. A Anistia Internacional está monitorando a repressão dos protestos pacíficos durante a Copa do Mundo.
Com todos os olhos agora no Brasil - e seus manifestantes - é hora de não só resistir à repressão dos direitos de protesto, mas também de enfrentar os incentivos comerciais que alimentam a escalada da força. "Corporações em todo o mundo, como a Condor, vêem isso tudo como uma oportunidade para lucrar - e eles estão lucrando muito com a repressão do Estado", disse Heinz Kimber na campanha mundial Enfrentando o Gás Lacrimogênio.
Desmascarar quem ganha dinheiro com a repressão aos protestos mundiais revela as interseções entre o controle governamental e o grande negócio, apontando para novos alvos para campanhas de ação direta não-violenta. "O militarismo é um projeto global, com implicações locais", explica Heinz. "Nosso trabalho tem como alvo os motores da campanha de militarização: locais de formação, exposição de armas e programas de governo, e a construção de uma base de oposição ao militarismo e ao policiamento dos movimentos sociais grassroots.