quarta-feira, 15 de junho de 2011

Na Grécia, vemos a democracia em ação


O debate público dos ultrajados em Atenas constitui a fina flor da prática democrática na história recente da Europa




Praça Syntagma: O paralelo com a clássica ágora ateniense, há algumas centenas de metros dalí,  é impressionante. Fotógrafo: Pascal Rossignol/Reuters





ATUALIZAÇÃO 18:30 O efeito da enorme manifestação de ontem e da perseverança pacífica dos "ultrajados" foi imediata: Conforme os relatos da mídia, o primeiro-ministro Papandreou aceitou o fracasso das suas políticas, pediu ao líder da oposição de direita a formação de um novo governo de unidade nacional, e ofereceu sua demissão. Independente do que acontecerá daqui para a frente, essa é a maior vitória da oposição anti-austeridade na Europa até o momento. O ponto central agora é a política que o novo governo adotará, e não quem estará à frente dela.


Quando Stéphane Hessel escreveu em Time for Outrage! que a mistura de indignação com injustiça geraria uma "insurreição pacífica", jamais imaginou que os indignados na Espanha e os aganaktismenoi (ultrajados) na Grécia, adotariam tão rápida e espetacularmente seu conselho.

A resistência grega diante das catastróficas medidas econômicas já era esperada. Ao longo da história moderna os gregos resistiram com determinação e sacrifício, tanto a ocupação estrangeira como a ditadura nacional. As medidas impostas pelo FMI, UE e Banco Central Europeu, com pleno acordo, ou mesmo convite, do governo grego, resultaram no 11º dia de greve geral, variadas greves regionais e atos criativos de resistência. A midia (nacional e estrangeira) avidamente relata confrontos entre jovens e tropa de choque, e as grandes manifestações apimentadas que deixaram uma espessa nuvem de gás lacrimogêneo pairando sobre Atenas. Liderados pelos partidos de esquerda e alguns sindicatos, estes protestos ofuscaram as manifestações anti-austeridade do resto da Europa. Mas a incansável campanha de intimidação implementada pela mídia do establishmentespecialistas e intelectuais da elite, espalhou medo e sentimento de culpa na maioria da população, e logo consegui limitar sua resistência.

Porém, três semanas atrás as coisas mudaram. Uma multidão heterogênea de homens e mulheres ultrajados de todas as ideologias, idades, profissões, incluindo os muitos desempregados, começaram a ocupar Syntagma, a praça central de Atenas, situada em frente ao parlamento, a área ao redor da Torre Branca em Tessalônica, e espaços públicos em outras grandes cidades. As ocupações diárias e manifestações, por vezes envolvendo mais de 100 mil pessoas, tem sido pacíficas, com a polícia observando à distância.

Autodenominando-se "ultrajados", eles denunciam o injusto empobrecimento dos trabalhadores gregos, a perda de soberania que transformou o país num feudo neocolonial de banqueiros, e a destruição da democracia. Sua exigência comum é que essas elites políticas e corruptas que governaram o país durante os últimos 30 anos e que lançaram a nação à beira do colapso, devem sair. Até mesmo os partidos políticos e as bandeiras ideológicas são refutadas.

Milhares de pessoas se reúnem diariamente na Praça Syntagma para discutir os próximos passos. Os paralelos com a clássica ágora ateniense, há algumas centenas de metros dali, são impressionantes. Aqueles que se inscrevem para dizer algo recebem uma senha que, caso sorteada, o autoriza a subir ao palanque para falar durante dois minutos (para permitir o maior número possível de contribuições). A assembléia transcorre de forma eficiente sem a disputa habitual pela palavra. Os temas abordam questões organizacionais para novos tipos de resistência, solidariedade internacional, e alternativas às medidas catastroficamente injustas. Mas nem tudo é proposta e disputa. Em bem organizados debates semanais, são convidados economistas, juristas e filósofos políticos para que apresentem alternativas no combate à crise.

Isto é democracia em ação. As opiniões do desempregado e do professor universitário são apresentadas mesmo tempo, discutidas com o mesmo vigor e postas ao escrutínio para aprovação. O ultrajado resgatou a praça das atividades comerciais transformando-a em espaço real de interação pública. O costumeiro ato de ver TV ao entardecer e à noite foi abandonado e substituído por juntar-se aos outros e discutir o bem comum. Se a democracia é o poder do "demos" - o governo daqueles que não tem qualificação específica para governar, nem poder, riqueza ou conhecimento - isso é o que mais se aproxima de prática democrática na história recente da Europa.

Os debates altamente articulados na Praça Syntagma têm desacreditado o mantra banal de que a maioria das questões de ordem pública são demasiado técnicas para as pessoas comuns e que devem ser deixados aos peritos. A constatação de que as decisões assembleárias têm mais representatividade do que as de qualquer líder, uma crença constitutiva da ágora clássica que agora retorna a Atenas. Os ultrajados demonstram que a democracia parlamentar deve ser suplementada pela sua versão mais direta. É um lembrete oportuno, pois a crença na representação política está em cheque em toda a Europa.

A resposta do governo Pasok tem sido vergonhosamente silenciada até agora. Propagandistas do establishment colocam toda culpa nas manifestações e na violência provocada pela esquerda dividida. Essa tática, porém, não funciona com os indignados, que vêm de todos os partidos e de nenhum. Costura-se uma proposta visando interromper as votações do parlamento enquanto novas medidas seriam implementadas pelo presidente George Papandreou em concordância com os banqueiros e a chanceler alemã, Angela Merkel, que estenderia e expandiria a atual recessão e o aumento do desemprego até 2015, pelo menos - um remédio pior que a doença. A reação a estas medidas será o ponto alto do confronto entre os "inseridos" e ultrajados, agora entrando em sua fase final. Hoje, a multidão reunida diariamente na Praça Syntagma une forças com os sindicatos numa greve geral e no cerco ao parlamento.

Syntagma agora se assemelha mais à Tahrir no Cairo do que à Puerta del Sol em Madri. A experiência dessa labuta diária e do confronto com o parlamento mudou a política da Grécia para o bem e arrepiou, pela primeira vez, o cabelo das elites. Em grego, a palavra stasis significa uma postura ereta, assim como revolta ou insurreição. A praça recebeu esse nome depois das manifestações do século XIX, que exigiram uma Constituição (Syntagma) do rei. É exatamente isso que os ultrajados repetem hoje, eles estão de pé, exigindo um novo arranjo político para livrá-los da dominação neoliberal e da corrupção política.

Artigo extraído de http://goo.gl/lf480, traduzido pelo Google, rapidamente revisado e aqui republicado. Qualquer sugestão para aprimorar essa tradução será bem-vinda.

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