terça-feira, 31 de março de 2009

MAIS COMIDA PARA O DRAGÃO



 








As montanhas de dinheiro que os governos em todo mundo estão disponibilizando para salvar principalmente bancos e montadoras, nada mais são do que alimento de dragão, um dragão insaciável. A ajuda aos bancos, apenas nos Estados Unidos, alcança US$ 1 trilhão, e a cúpula do G20 em Londres anuncia a cifra de US$ 5 tri para alimentar o dragão. O planeta não dispõe mais dos recursos necessários à manutenção do monstro. Um dos dois tem que morrer- o dragão ou o planeta.

 

por Robert Kurz

O que é a economia empresarial? O estudo acadêmico deste aspecto da economia capitalista afirma que se trata de algo tão antigo como a própria humanidade. Pois sempre houve "instalações de produção". Desde a antiguidade nos foram deixados livros onde se descreve como deve ser tratado um bem da economia agrária; seja a poda correta das árvores de fruto ou o tratamento adequado dos escravos. Mas a moderna economia empresarial já não trata da produção de bens. A finalidade das instalações produtivas pré-modernas era apenas o fabrico de bens de consumo e a respectiva "ciência" descreve como se faz. Com a moderna ciência econômica empresarial a finalidade é apenas a valorização do capital-dinheiro, enquanto a produção de bens de uso não passa de um meio subordinado a esta finalidade superior. Assim, a ciência econômica empresarial não descreve como fabricar mais adequadamente este ou aquele bem, mas como orientar da melhor maneira possível o curso da produção no seu conjunto, para a finalidade do aumento do dinheiro. 

Do ponto de vista clássico e também marxista trata-se do enriquecimento subjetivo, duma espécie de "querer-ter". A economia empresarial seria, portanto, o mecanismo funcional de uma relação de poder, com a qual certos homens retiram dinheiro de outros a fim de guardá-lo para si ("exploração"). Mas neste modo de ver mais uma vez é ignorada a diferença em relação às condições agrárias, pré-modernas, nas quais uma casta dominante efetivamente se apropriava do "sobreproduto" (Marx), para consumi-lo todo regaladamente. O que de modo nenhum é válido em relação à finalidade da economia de empresa. Nem os acionistas nem os gestores podem consumir o sobreproduto capitalista. Antes ele tem que regressar como mais valia à forma do dinheiro, para na sua maior parte ser reinvestido; e não ao sabor da conveniência subjetiva, mas de acordo com a "coação muda da concorrência" (Marx). Assim, a mais valia tem que ser utilizada sempre sem fim para obter nova mais valia (acumulação). O objetivo da economia empresarial é, portanto, uma auto-finalidade em si irracional: a produção pela produção, a acumulação de dinheiro pela acumulação de dinheiro. 

O conhecido autor de ficção científica Stanislaw Lem apresentou na forma de uma parábola esta absurda fixação no fim em si mesmo. No planeta Abrásia, "a economia da civilização local está toda ao serviço do dragão". O monstro devorador tem que ser alimentado pelos habitantes e cresce sem parar. O governo preserva e mantém o dragão, pois todos os rendimentos dos habitantes são obtidos no trabalho de alimentação do dragão e nada pode ser produzido que não esteja subordinado ao objetivo final de fazer crescer o dragão. De acordo com esta imagem, os capitalistas e gestores não seriam os sujeitos do enriquecimento pessoal, mas apenas "funcionários do serviço de alimentação do dragão", servidores desse serviço de fim em si mesmo ou fetichista. É nesse sentido que Marx lhes chama "fanáticos da valorização do valor". 

A economia empresarial revela-se assim como um mecanismo funcional para a produção de bens na forma de "comida para o dragão" da valorização do dinheiro. Reina aqui uma noção de eficiência que já nada tem a ver com as necessidades humanas. Eficiência significa que a força de trabalho seja "utilizada" com intensidade otimizada no seu tempo de produção. Um caso extremo é revelado pela jornalista Bárbara Ehrenreich dos Estados Unidos: Lá a ida ao banheiro já é considerada um "roubo de tempo"; em algumas empresas as trabalhadoras têm que usar fraldas (por exemplo, caixas de supermercado). 

"Eficiente" do ponto de vista econômico-empresarial é também lançar diretamente na natureza efluentes gasosos e líquidos e outros "excrementos da produção" (Marx). Lem diz que o dragão da Abrásia "com mau tempo cheira mal a mil quilômetros". A mesma lógica de eficiência está ligada com a razão porque frangos congelados ou embalagens de iogurte fazem milhares de quilômetros em busca de custos mais baixos das funções econômico-empresarialmente repartidas, o que do ponto de vista dos gastos naturais e materiais é duma ineficiência que brada aos céus. Deste conceito decorre também a poupança nos custos de segurança, o que leva a acidentes, destruição da paisagem, roubos e outros danos sociais. 

O economista americano William Kapp descreveu já em 1950 o absurdo do cálculo de custos econômico-empresariais, no seu livro Custos econômicos da economia privada. Kapp chama "custos sociais" ao conjunto de danos provocados pela redução de custos na economia empresarial. A sua síntese: "A moderna teoria dos preços parte da suposição tácita de que as despesas empresariais incluem a totalidade dos custos de produção. Se se integrar nessa teoria os custos sociais, impostos pela ordem vigente, fica claro que não passa de um mito a força pretensamente benfazeja desta ordem do processo de concorrência". 

Após as tímidas e sempre falhadas tentativas de ter em conta os "custos sociais" no cálculo econômico-empresarial, hoje, na crise, o dragão está mais devorador do que nunca. O objetivo da emancipação ecológica e social só pode ser a morte do dragão: a supressão da economia empresarial, para desenvolver um conceito de eficiência qualitativamente diferente, que considere todo o contexto do encadeamento das relações de reprodução social e não provoque mais "custos sociais".

 

Original alemão Futter für den Drachen em "Neues Deutschland", Berlim, 05.03.2004.

 

Tradução de Ana Moura

 

segunda-feira, 30 de março de 2009

A Náu dos Desesperados




























O "Ato Internacional Unificado contra a Crise" tocado por movimentos sociais e estudantis e centrais sindicais (Força Sindical, CUT, CGTB, Nova Central, UGT e CTB), que reivindica coisas como "redução dos juros", "defesa do emprego e dos direitos trabalhistas", "investimento em políticas sociais" e "redução da jornada de trabalho sem redução de salários", e com palavras de ordem do tipo "os trabalhadores não pagarão pela crise", assemelha-se à situação do filme "O Couraçado Pontemkin" quando surge o impasse entre os marinheiros e seus superiores hierárquicos.

A diferença é que, ao invés dos marinheiros se rebelarem contra sua condição miserável, e assumirem o controle do barco, como ocorre na película de Sergei Eisenstein, elegem um "conselho de representantes" para "negociar" com os comandantes. 

Esse "Ato contra a Crise" pode ser retratado também na forma de um navio negreiro a deriva, abarrotado de escravos, no meio do oceano, no momento em que a tripulação perde totalmente o controle. Os "passageiros" ao invés assumirem o leme e a direção eles mesmos, reúnem-se para gritar, reclamar e reivindicar diante da tripulação igualmente desesperada: "Estamos todos perdidos e a culpa é de vocês da tripulação!", "não nos deixem morrer!", "cuidem de nós!", "reduzam o número de chicotadas!", "nossas algemas estão muito apertadas!", "não nos deixem passar fome!".

sábado, 28 de março de 2009

IGREJA CASEIRA


Igreja Caseira é o termo informalmente usado para definir um grupo de cristãos que em vez de usar o tradicional edifício ou templo dedicado ao culto e adoração, reúne-se regular ou espontaneamente em uma residência ou em lugares que normalmente não são utilizados para isso. Nos países de língua inglesa os termos usados são "home church" ou "house church".

As razões que conduzem esses grupos a optarem por suas próprias casas têm razões bíblicas, históricas e culturais. Para eles, as relações oriundas da reunião caseira configuram o verdadeiro modelo ensinado por Cristo e utilizado pelos cristãos do primeiro século.

Índice
1 Base bíblica
2 Estrutura e organização
3 Origens e história
4 Relações com as Igrejas Tradicionais e Grupos Missionários

Base bíblica
Essa vertente cristã radical usa suas casas para promover seus encontros almejando retornar à simplicidade da reunião informal doméstica encontrada na Bíblica Cristã, particularmente no Novo Testamento. Uma leitura despreconceituosa dos Evangelhos e documentos apostólica, especialmente o livro de Atos, mostra uma igreja cristã comunalista bem distante de divisões internas, cultos formais e complexas doutrinas.

Os versículos abaixo são algumas das muitas passagens bíblicas que indicam explicitamente que as reuniões dos cristãos primitivos ocorriam em suas próprias residências:

“Vocês sabem que não deixei de pregar-lhes nada que fosse proveitoso, mas ensinei-lhes tudo publicamente e de casa em casa". [NVI] Atos 20:20.

"Saúde também a igreja que se reúne na casa deles". [NVI] Romanos 16:5

"Áquila e Priscila os saúdam afetuosamente no Senhor, e também a igreja que se reúne na casa deles". [NVI] 1 Coríntios 16:19b

"Saúdem os irmãos de Laodicéia, bem como Ninfa e a igreja que se reúne em sua casa". [NVI] Colossenses 4:15

"... e à igreja que se reúne com vocês em sua casa". [NVI] Filemom 1:2

Diferentemente da igreja moderna que basicamente restringe a teoria e a pratica cristã a liturgias no templo ou no salão religioso, a igreja bíblica conduz à vida coletiva e ao apoio mútuo. A frase "uns aos outros", por exemplo, é mencionada pelo menos 50 vezes no Novo Testamento, começando pelas palavras de Jesus, "amem-se uns aos outros" (João 13:34).

A propagação das igrejas caseiras em nossos dias é vista com mais intensidade em países como China, Cuba, Índia, Brasil e nações africanas, mas ocorre também em pequenos e emergentes grupos na Europa e América do Norte.

Estrutura e organização
As igrejas caseiras não devem ser confundidas com "igrejas em células". Uma igreja caseira normalmente não faz parte de uma grande e vistosa denominação. Embora o grupo possa integrar redes informais com outros cristãos e igrejas, reflete mais igualdade do que hierarquia. Aqueles que se reúnem nas igrejas caseiras praticam o autogoverno e a independência, consideram-se membros da Igreja mundial, mas geralmente evitam relacionamentos formais com as "igrejas institucionais estabelecidas. Algumas igrejas caseiras têm alguma estrutura convencional de liderança funcional, outras não têm nenhuma. Hoje, a opinião geralmente aceita no "movimento" das igrejas caseiras é que a reforma protestante não avançou suficientemente na pratica neotestamentária do "sacerdócio de todos os crentes" onde Jesus Cristo (e apenas Ele) é a cabeça, e a igreja seu corpo. O MIC (movimento das igrejas caseiras) vem ganhando força tanto em países industrializados como Austrália, Alemanha, Reino Unido e Estados Unidos, como em países não industrializados. A ausência de estruturas formais de liderança e cargos hierárquicos em muitas igrejas caseiras é frequentemente vista pela igreja protestante como um sinal de anarquia ou rebelião contra a autoridade, mas muitos no movimento das igrejas caseiras consideram a liderança funcional neotestamentária (e não a liderança formal mundana do pastor único), como a maneira mais viável e eficaz de alcançar a verdadeira autoridade espiritual contida no mútuo amor, na relação horizontal entre os membros, e no domínio visível de Jesus Cristo como a cabeça do corpo a ele subordinado, a igreja. Consequentemente, alguns dentro do "movimento" das igrejas caseiras consideram o termo "igreja caseira" um tanto quanto inadequado, argumentando que o desdobramento principal resultante de sua fé e pratica não é a casa mas mais o tipo de reunião praticada; assim, eventualmente utilizam outros títulos que consideram mais funcionais, como "igreja simples", "igreja relacional", "igreja primitiva", "viver coletivo", "igreja orgânica", e termos similares. O movimento atual das igrejas caseiras também deve muito de seu crescimento às redes de troca de informação pela Internet, onde se costuma usar a sigla IC (Igreja Caseira). A sigla II (Igreja Institucional) refere-se às estruturas eclesiais tradicionais, templo, púlpito, igreja edifício, e/ou cultos centrados no sermão e conduzidos por ministro ou pastor único. Via de regra, os encontros da igreja caseira são livres, informais, incluindo às vezes uma refeição mútua. O grupo espera que cada um dos presentes sinta-se livre para participar ativamente da reunião, e deixe-se levar, como um barco a vela, pelo sopro do Espírito Santo. Sem qualquer vestígio de liderança oficial (hierárquica), a estrutura de liderança funcional é reforçada por uma pluralidade de anciãos experimentados; portanto, há uma busca deliberada dentro da maioria das igrejas caseiras por minimizar ou diluir a liderança de um único indivíduo, de forma que figuras como a do pastor vocacionado ou do idoso experiente, por exemplo, tendem a um segundo plano em favor de uma responsabilidade de liderança mais plural e difusa sobre os demais membros.

Origens e história
Alguns consideram o movimento das igrejas caseiras como uma nova vertente do movimento Plymouth Brethen, outros o associam ao remanescente anabatista: quacres, amish, huteritas, menonitas e waldenses. Atualmente, o movimento é fortemente encorajado por plantadores de igreja e pela iniciativa de escritores como Robert Fitts, Frank Viola, Wolfgang Simson e Gene Edwards. Outra perspectiva encara o movimento das igrejas caseiras como uma reemergência do Espírito Santo, semelhante à ocorrida no Jesus Movement nos anos 1970 nos Estados Unidos ou na chamada Renovação Carismática mundial nos anos 1960 e 1970. Outros o encaram como um simples retorno às práticas da igreja primitiva descritas no Novo Testamento, ou paradigma Restauracionista, que estimula os cristãos a sair das hierarquias e cadeias de comando, e reassumir as práticas descritas e encorajadas pelas Escrituras. A própria Internet, contribuindo para o fenômeno do crescimento exponencial da última década, fez com que pessoas anteriormente isoladas se juntassem em redes. O movimento das igrejas caseiras é precursor e responsável pelos eventos em torno da Igreja Emergente. Enfim, nenhum fator isolado pode explicar a emergência desta eclesiologia passado-futuro, ou seja, a somatória de todas as vertentes destacadas acima é a grande responsável pelo crescimento das igrejas caseiras no mundo. Enfim, o rio que compõe o movimento mundial das igrejas caseiras tem diversos afluentes.

Relação com as Igrejas Tradicionais e Grupos Missionários
A história mostra claramente que houve momentos de tensão entre o movimento das igrejas caseiras (restauração e reavivamento) e as igrejas tradicionais. Contudo, recentemente, algumas denominações e organizações missionárias já estão fornecendo ajuda para o desenvolvimento de redes de igrejas caseiras. Entre elas destacam-se, The Free Methodist Church in Canada, The Foursquare Gospel Church of Canada, The Navigators of Canada, The Evangelical Fellowship of Canada, The Southern Baptist Convention (USA), Dove Christian Fellowship International e a Youth With a Mission (YWAM).

Listas de discussão em lingua inglesa:
Radically Christian Cafe
Yahoo Discussion Group HCConnection
House Church Discussion List
Koinonia Life Discussion Group
New Wineskin Discussion Group
HC raw "where sparks fly" group

Livros recomendados:
Steve Atkerson, Ekklesia: To the Roots of Biblical Church Life
E.H. Broadbent, The Pilgrim Church
Robert Fitts, The Church in the House
David Garrison, Church Planting Movements
Larry Kreider, House Church Networks
Wolfgang Simson, Houses that Change the World
Frank Viola, Repensando o Odre, Cristianismo Pagão, Quem é Tua Cobertura?
John Dee, De Volta às Origens
The Global House Church Movement




COMUNIDADES NO ORKUT
Igreja caseira (ekklesia)
Cristãos Anarquistas
Caio Fábio - Leitores/Ouvintes
Igreja Emergente
Sou Cristão apesar da igreja
Soren Kierkegaard - Brasil
Cristãos sem igreja
Leon Tolstoi
Igreja Simples (Emergente)
Igreja sem nome
Jacques Ellul
Tomas Munzer e os Anabatistas
Mennonites
Quakers - Sociedade de Amigos

sexta-feira, 27 de março de 2009

A ruptura estrutural do capital e o papel da crítica categorial

ENTREVISTA DE ROBERT KURZ À REVISTA ONLINE PORTUGUESA “SHIFT”, ZION EDIÇÕES

Como se enquadra a atual crise financeira no contexto do desenvolvimento da crise estrutural do capital?

É teoricamente errado falar de uma crise financeira autônoma, cuja «repercussão» sobre a chamada economia real seria incerta e possivelmente moderada. Expressa em termos da teoria de Marx, a crise financeira só pode ser uma manifestação da falta de condições de valorização real do capital. O sistema financeiro e de crédito não é um sector autônomo, mas uma componente integrante da reprodução ampliada do capital total. Aqui surge uma contradição que se agrava com o desenvolvimento progressivo. A expansão do sistema de crédito em si não é nova, já percorreu um processo secular. Isso reflete um mecanismo descrito por Marx como «aumento da composição orgânica do capital». Com o aumento da cientificização da produção, cresce a proporção de capital constante (máquinas, equipamento tecnológico de controlo, comunicações e infra-estruturas, etc.) em relação ao capital variável (força de trabalho produtivo de valor). Correspondentemente, crescem os custos prévios para, de algum modo, poder aplicar de forma rentável a força de trabalho, a única fonte de mais-valia. Os custos prévios crescentes exigem, para manter em curso a atual produção de mais-valia, um adiantamento de mais-valia futura na forma de crédito, cada vez mais adiado no futuro.

Isto cria uma tensão crescente na conexão interna entre crédito e valorização real. No passado, esta contradição pôde ser compensada pelo efeito social colateral da cientificização. O aumento da produtividade barateia os alimentos e, portanto, reduz também o valor da força de trabalho, de modo que os custos da sua reprodução baixam. O mesmo mecanismo que leva a que a proporção de capital variável (força de trabalho) na composição orgânica do capital seja relativamente menor leva também a que a força de trabalho tenha de produzir menos valor para a sua própria conservação. Aumenta a proporção da mais-valia no total do valor real criado, o que Marx designa como produção de «mais-valia relativa». Mas isto só se aplica a cada força de trabalho individual produtiva do ponto de vista capitalista. O pressuposto para que haja um efeito compensatório em termos de valorização social é, portanto, que simultaneamente se expanda o capital real total e, assim, cresça em termos absolutos o número de trabalhadores utilizáveis em condições produtivas do ponto de vista capitalista – apesar do menor peso relativo do capital variável na composição de certo capital monetário avançado. Também só sob esta condição o adiantamento de mais-valia futura, cada vez mais diferida para o futuro por meio da expansão do crédito, pode ser pago de volta, pelo menos na medida em que a conexão entre crédito e valorização real não for completamente rompida. Enquanto esta conexão funcionar de algum modo, também a contradição se expressa apenas relativamente, como a famosa queda tendencial da taxa de lucro social. A taxa de lucro médio refere-se a um capital monetário de qualquer ordem de grandeza. Essa taxa vai caindo, num processo secular, devido à crescente quota de custos prévios do capital constante, que não produz qualquer novo valor, mas apenas transfere valor já criado. Mas, se a massa social total do capital monetário avançada na aplicação produtiva de valor crescer suficientemente, pode, apesar de diminuir a taxa de lucro por capital monetário aplicado, continuar simultaneamente a subir a massa de mais-valia real absoluta e a massa de lucro do capital total. Marx analisou esta conexão, em que o resultado histórico permanece em aberto, no Primeiro Volume (produção de mais-valia relativa) e no Terceiro Volume (tendência para a queda da taxa de lucro) de O Capital. No nível elementar de «substância de valor» como «substância de trabalho», Marx, por outro lado, fala nos Grundrisse no fato de a concorrência, forçada pelo aumento permanente de produtividade, dever levar finalmente a uma redução absoluta da força de trabalho produtivo de valor e, assim, a um limite histórico absoluto da valorização. Este aspecto, no entanto, ficou por desenvolver teoricamente em Marx.

A fase fordista foi a época alta da mais-valia relativa, com a expansão simultânea do capital real total. O permanente adiantamento do crédito parecia realizável. A teoria de um limite interno absoluto da valorização foi considerada ultrapassada, mesmo na esquerda. A contradição entre o sistema de crédito e a produção de mais-valia real atingiu, porém, um ponto culminante no contexto da Terceira Revolução Industrial, a da microeletrônica, assumindo uma nova qualidade. 

A expansão do capital real total atinge os seus limites históricos, enquanto, simultaneamente, a «substância trabalho» produtiva de valor se derrete numa escala sem precedentes, com a nova qualidade da cientificização. O aumento de mais-valia relativa por força de trabalho singular começa a perder o seu caráter de mecanismo histórico de compensação. Isto transforma a apenas relativa queda tendencial da taxa de lucro por capital monetário aplicado em queda absoluta da massa de mais-valia social real e, portanto, da massa de lucro. A conexão entre o adiantamento amplamente antecipado da mais-valia futura na forma do crédito e a produção de mais-valia real é irrevogavelmente rasgada. O que surge como uma devastadora crise financeira é apenas a manifestação empírica da contradição amadurecida no nível empiricamente intangível das relações reais de valor.

Estamos, portanto, perante uma «ruptura estrutural» de ordem superior. Se até agora se falava de uma «crise estrutural» do capital, por exemplo, no contexto da «teoria das ondas longas», era apenas em relação à «transição» para um novo «modelo de acumulação». A crise devia ter apenas a função de «limpeza», a fim de abrir caminho para o próximo surto histórico de valorização numa nova base tecnológica. Esse foi o famoso conceito do economista Joseph Schumpeter da potência do capital como «destruição criativa». Mas o final da era fordista não trouxe qualquer ruptura estrutural «criativa», no sentido de um novo «modelo de acumulação».

A muito invocada transição para o chamado «pós-fordismo» não passava de uma fórmula vazia. O que então aconteceu não foi senão a transição para a era historicamente breve da famigerada «economia das bolhas financeiras», em que o sistema de crédito foi inflado, muito para lá da capacidade minguante de produção real de valor, de maneira historicamente sem precedentes.
Aqui surgiu, para uma percepção positivista que não consegue reconhecer a conexão interna das relações de valor, a ilusão óptica de um «modelo de acumulação» de fato novo. Por um lado, o «pós-fordismo» consistiria na deslocalização da produção industrial de mais-valia para a periferia, para os chamados países emergentes (mais recentemente, na forma do alegado «milagre do crescimento» asiático). Na realidade, o ponto de partida e força motriz desta deslocalização não consistia em receitas monetárias de criação real de valor, mas em «capital fictício» de bolhas financeiras sem substância, desde há muito desligadas da aplicação produtiva de força de trabalho humana. Desta forma se pôs em movimento uma conjuntura global de déficit, agora na iminência de queda brusca. Por outro lado, o «pós-fordismo» criaria nos centros capitalistas uma chamada «sociedade de prestação de serviços», imaginada como novo campo independente de valorização. Na realidade, tratava-se em grande parte de sectores improdutivos do ponto de vista capitalista, como «prestação de serviços pessoais» privada, que também não tinham o seu ponto de partida e o seu sustento na criação real de valor e nos rendimentos daí obtidos, mas no inflacionamento do «capital fictício» e na mera simulação de processos de valorização. Daí que a pretensa transição para uma «economia de serviços» também não tenha ocorrido como expansão das infra-estruturas estatais, por exemplo, na saúde e na educação, que já nos anos 1970 tinham fracassado, mas sim na forma de prestação de serviços precarizada, em pequenas empresas privadas de baixos salários, e na forma de «falso trabalho autônomo», agora por igual ameaçados de extinção.

Sobre isto, é necessária ainda uma observação relativamente à evolução teórica na esquerda. A ideologia pós-moderna da «virtualização» levou também a uma adaptação da crítica social de esquerda ao capitalismo de crise e simulativo. Começaram, sem mais, a falar de um crescimento apenas «financeiramente induzido», a que pretendiam adaptar-se «simbolicamente». As categorias básicas da crítica da economia política de Marx foram não apenas positivisticamente incompreendidas, como no marxismo tradicional, mas feitas desaparecer de todo. E o problema da potência de crise não só foi reduzido a uma «função» de «limpeza», mas também reinterpretado subjetivamente e simplesmente dissolvido em «relações de vontade políticas». 

Paradigmático no caso é o pós-operarismo de Antonio Negri. Na medida em que há «crises», elas são entendidas apenas como reação «politicamente querida» consciente dos capitalistas e das suas fracções às gloriosas «lutas» da chamada multitude. Mas, se a atual dinâmica da queda global deve ser um ato político deliberado do Empire capitalista, então há-de ser mais como «reação» ao espírito da minha avó do que às «lutas» há muito tempo apenas simbólicas de um capital variável desmoralizado, sem poder de intervenção real nos centros capitalistas. Mas, como se explica na teoria de Marx de forma insuperável, o verdadeiro limite da valorização é estritamente objetivo e ergueu-se «por detrás das costas» dos agentes. A emancipação social da lógica capitalista, pelo contrário, não pode de modo algum ser «objetiva»; e por isso mesmo ela exige a crítica radical das categorias fundamentais do capitalismo, que foram «interiorizadas» pela humanidade e amplamente recalcadas pela esquerda. Quando a esquerda tem agora de digerir a objetividade negativa da crise, confronta-se também consigo própria e com as suas ilusões pós-modernistas.

Na sua opinião, este é um bom momento para se generalizar uma crítica radical do sistema do capital? Ou, considerando que as condições materiais básicas de milhões de seres humanos estão cada vez mais degradadas, não será possível ir além do keynesianismo e da nostalgia do Estado-providência?

Aparentemente, verifica-se uma deslegitimação geral do capitalismo, até na classe política e nas páginas culturais. O conceito de capitalismo em si tornou-se pejorativo do dia para a noite, como se ele não tivesse sido sempre proclamado «vencedor da história». Mas esta «viragem» súbita e não mediada não pode deixar de parecer indigna de crédito e suspeita. O neoliberalismo penetrou profundamente na consciência das massas nas últimas décadas como tendência básica para o «radicalismo de mercado», como individualização abstrata e dessolidarização de «átomos sociais» autistas. A relação individual direta com o mercado universal e a concorrência universal tornaram-se condição de vida, e já não são filtradas socialmente. Estas formas de vida numa sociedade desintegrada são agora atingidas com toda a força pela nova qualidade do surto de crise global e abaladas nos seus fundamentos.

Trata-se, em primeiro lugar, de um abalo da função legitimatória. O «espírito dominante» da viragem neoliberal descredibilizou-se completamente de forma vergonhosa. Até agora, porém, o desabamento devastador tem sido percebido de modo perfeitamente fantasmático, apenas como espetáculo nos mercados financeiros e nos media globais. Uma notícia catastrófica atrás da outra, enquanto a crise ainda não chegou à reprodução «real» e à vida quotidiana. Os primeiros prenúncios são as perdas dramáticas nas vendas da indústria automóvel e dos seus fornecedores. 

Porém, a dinâmica da crise vai atingir sucessivamente não só todos os sectores da produção de mercadorias (indústria, meios de comunicação e serviços), mas todas as áreas da vida, que durante décadas se tornaram dependentes do inflacionamento do crédito, porque já não podiam ser alimentadas pela produção real de mais-valia e pela sua redistribuição social; desde a educação, a cultura e a saúde, passando pelas infra-estruturas locais, até aos cuidados prestados aos idosos, etc. Os programas de medidas onerosas para combater as alterações climáticas ou para seguros de saúde, que continuam a ser discutidos como se nada tivesse acontecido, já não passam realmente de lixo.

Esta dinâmica de «desintegração da desintegração» não pode ser adequadamente digerida pelos indivíduos sociais atomizados; e muito menos ao ritmo a que ela avança. Os seres humanos individualizados são em todos os aspectos «criaturas a crédito», não importando em que medida tem consciência desse fato. O mesmo se aplica também à «religião do quotidiano» (Marx) do consumo de mercadorias; o sistema de cartões de crédito será provavelmente o próximo colapso do sector financeiro. Todo o discurso fútil sobre os «excessos especulativos», que finalmente teriam de ser impedidos, não pode esconder o fato de que a dependência em relação ao «castelo de cartas mundial» da superestrutura financeira autonomizada também está bem ancorada na consciência das massas, como condição de vida. Portanto, a deslegitimação superficial do «capitalismo» também não chega à crítica radical do modo de produção e de vida dominante. 

Apenas as formas do capital financeiro privado, a banca de investimento, os hedge funds, etc., são sentidos como «capitalistas». À medida que se desmorona a economia das bolhas financeiras, ainda há pouco idolatrada, os «seres humanos a crédito» individualizados invocam o Estado para salvarem a sua «pele a crédito» e poderem continuar a viver a sua vida capitalista precarizada. O sistema de crédito privado esgotado deve ser substituído pelo crédito estatal, que se gostaria de imaginar como inesgotável.

Naturalmente que isto é um volte-face perigoso. Pois já fora exatamente a crença na capacidade ilimitada do financiamento estatal que o discurso neoliberal dominante nas últimas décadas tinha denunciado como uma grande aberração. E não foi só por razões ideológicas. Quando nos anos 1970 o crescimento fordista se tinha esgotado e a conexão entre o sistema de crédito antecipado e a produção de mais-valia real tinha começado a romper-se, foi então em primeiro lugar o crédito estatal que foi esticado para lá da capacidade de criação de valor social, para manter a conjuntura em funcionamento através da antecipação do futuro. O endividamento estatal keynesiano sem solução constituiu já uma bolha financeira de tipo próprio. Como resultado, a inflação ficou cada vez mais fora de controlo em todo o mundo. O neoliberalismo reagiu a este desenvolvimento, mas sem compreender a sua causa profunda. Ele imaginou que o problema consistia apenas numa expansão demasiado forte da atividade estatal e que poderia ser remediado pela desregulamentação radical do mercado. Contudo, uma vez que, na realidade, o aumento da composição orgânica do capital começou a transformar-se numa queda histórica da massa de mais-valia real e da massa do lucro, o inflacionamento do crédito já sem solução foi apenas deslocado pela viragem neoliberal do Estado para as bolhas financeiras do endividamento e da especulação do capital privado. Uma vez que esta deslocação já não ocorreu no plano estritamente limitado do Estado, mas no contexto da globalização transnacional, pôde ser simulado durante mais de trinta anos, com esta nova modalidade de crédito sem cobertura na criação de valor real, um crescimento cujo caráter deficitário só agora se revela. Quando agora as elites, tal como a consciência das massas, subitamente pretendem regressar ao financiamento estatal como âncora de salvação, parecem estar a sofrer de amnésia. O Estado, até há pouco tempo diabolizado, é mais uma vez elevado, com a melhor das boas vontades, ao estatuto do deus que deve eternizar o fluxo de crédito, porque seria «todo-poderoso», para lá dos interesses individuais.

Ora, o Estado não é, de fato, a agência independente de uma «classe dominante» ou de certos grupos econômicos, mas a instância do poder geral sobrejacente à sociedade, que constitui o enquadramento exterior da valorização do capital e de todas as suas «máscaras de caráter» (Marx). Mas, precisamente por isso, o Estado não está «acima» das leis objetivas do movimento do capital e não pode querer controlá-las ou modificá-las arbitrariamente; pelo contrário, ele não lhes está menos sujeito do que o capital individual, está apenas num nível social mais elevado. 

Tudo o que o Estado faz tem de ser financiado, tal como tudo o que é feito pelo capital singular ou pelos indivíduos; e a fonte deste financiamento só pode ser a produção de mais-valia real. O Estado obtém rendimentos em dinheiro a partir desta fonte original, quer diretamente através de impostos quer adquirindo dinheiro nos mercados financeiros através da emissão de dívida. No segundo caso, ele próprio é um ator ao nível do capital financeiro e está vinculado às suas condições. O que significa isto na crise histórica do crédito e do crescimento «financeiramente induzido» dele dependente que hoje sofremos? Os «pacotes de salvamento» do sistema financeiro até agora lançados pelos Estados e os programas estatais de apoio à conjuntura em perspectiva mas ainda não concretizados por todo o mundo já ascendem a vários bilhões de euros. Aonde vai o Estado obter financiamento para tudo isso, se a crise está precisamente no fato de que a fonte de criação de valor real secou e o crédito, como adiantamento de mais-valia futura, se esgotou? Um aumento drástico de impostos deprimiria ainda mais a produção de mais-valia real já minguante. Uma grande massa de emissão de dívida pública nos mercados financeiros teria o mesmo efeito, porque o Estado estaria então a concorrer com as empresas e as famílias para o crédito disponível e, assim, a puxar para cima as taxas de juro reais.

Seja no que for que é gasto o dinheiro dos impostos cobrados pelo Estado e dos empréstimos por ele obtidos nos mercados financeiros, do ponto de vista da lógica da valorização não há qualquer produção, mas apenas consumo. Com efeito, mesmo no caso em que, por exemplo, se financia a construção de estradas ou de escolas, não terá lugar, desta forma, qualquer nova criação de valor, mas será sangrada a produção de mais-valia real do passado (impostos) ou do futuro (crédito). Isto é verdade, naturalmente, por maioria de razão, se o Estado com esse dinheiro, na forma de «pacotes de salvamento», apenas tapar os buracos do sistema financeiro, comprar créditos malparados dos bancos, etc. Após a cessação definitiva da economia das bolhas financeiras e da conjuntura de simulação, a responsabilidade das finanças estatais ascende a valores muitas vezes superiores aos da anterior, que já antes soçobrou. Uma vez que não é possível um aumento de impostos nem uma expansão da dívida pública na medida do necessário, resta apenas, como ultima ratio, a impressão de notas, criando dinheiro do nada, e a sua transferência diretamente para o Estado, sem garantias nem contrapartidas. Mas a competência dos bancos centrais para criar moeda é meramente formal, «expressando» apenas o processo de criação de valor capitalista real, sem o poder substituir. O recurso direto à emissão de notas seria a maior bolha financeira de todas, e só poderia acabar na completa desvalorização do dinheiro e de todos os créditos, títulos, etc. (hiperinflação, bancarrota estatal, reforma monetária).

A deslocação do problema do crédito do Estado para o capital financeiro e o atual regresso novamente ao Estado completam uma volta sem saída. Certamente que agora o fracasso social mundial do sistema capitalista e da sua legitimação neoliberal constitui um campo no qual se pode fazer valer a crítica radical das formas capitalistas básicas de uma maneira diferente do passado. Mas isso ainda não significa, de modo algum, que essa crítica radical já se torne assim susceptível de adesão pela consciência das massas, que ainda se move inteiramente nas categorias do fetichismo moderno. É preciso, em primeiro lugar, tomar consciência do paradoxo de que as condições materiais de existência em todas as áreas da vida estão dependentes da virtualidade do crédito em dissolução. Deste ponto de vista, os obstáculos a uma negação da totalidade capitalista não se tornaram menores, mas sim maiores. Se a própria vida está ameaçada, as pessoas agarram-se com tanto mais força às condições dominantes. Isso equivale a dizer, hoje, que todos projetos de salvamento estatal do sistema de crédito, por mais ilusórios que sejam, têm auditório, mesmo ao preço de desembocar em ideologias assassinas (anti-semitismo ou proto-anti-semitismo). Por maioria de razão, a crítica radical tem de contrapor-se ao mainstream do espírito do tempo, em vez de se deixar arrastar por ele.

Como vê a apropriação pelo sistema de conceitos clássicos de esquerda, como a «nacionalização» ou a «regulação dos mercados financeiros»?

O programa da ala radical do marxismo tradicional assumiu uma fórmula marcial, a «ditadura do proletariado». Ainda assim, sempre era a organização social que estava no centro das atenções, embora ligada a uma falsa ontologia do trabalho abstrato. Na verdade, o programa transformou-se nesta base ideológica numa mera nacionalização das categorias capitalistas, ou seja, o oposto da emancipação social. O próprio Marx, na Crítica do Programa Gotha, polemizou contra este fetichismo do Estado, embora ele próprio, em algumas formulações anteriores, não estivesse totalmente livre dele. Na prática histórica dos sistemas de «modernização atrasada» (União Soviética, China, etc.), o conceito de «Estado dos trabalhadores» tinha apenas uma função legitimadora para a reprodução do capitalismo de Estado. A maioria dos partidos socialistas e comunistas no Ocidente transformou este requisito num programa de «nacionalização» dos bancos e das principais indústrias do capitalismo. A orientação estatal era apenas vagamente ligada ao paradigma esgotado da «classe trabalhadora». Em vez disso, o conceito de «nação» passou para o centro e a «questão social» foi transformada numa «questão nacional». Este «socialismo de cores nacionais» assumiu um caráter verdadeiramente reacionário face à «socialização mundial» negativa do capital. Ele já pertencia à história da dissolução do marxismo tradicional.

Na economia burguesa fez-se notar, em reação à crise econômica mundial dos anos 1930, uma orientação estatal «moderada», amortecida, sob a forma do keynesianismo. Esta doutrina nunca teve nada a ver com esperanças «socialistas» difusas; pelo contrário, entendia-se a si mesma expressamente como programa de salvação do capitalismo com a ajuda de intervenções estatais, cuja base residia na expansão continuada do crédito estatal. O «keynesianismo de esquerda» tentou transformar esta doutrina num sentido quase «socialista». Mas tratou-se apenas da velha orientação para o capitalismo de Estado, novamente diluída e aligeirada, dos antigos «partidos operários» há muito integrados na classe política do capitalismo. A referência à crítica da economia política de Marx ficou definitivamente perdida. O discurso do keynesianismo de esquerda já não se refere fundamentalmente à análise categorial da «valorização do valor» e da dinâmica do contexto da forma capitalista de mais-valia relativa, aumento da composição orgânica, queda da taxa de lucro, nem a uma teoria da crise nesta base. Para este pensamento, a possibilidade de uma «crise categorial» com a queda da massa de mais-valia foi totalmente excluída. Com isto, também a «crítica categorial» das formas básicas do sistema do fetiche capitalista se tornou ainda menos viável do que no marxismo tradicional do antigo movimento operário. Em vez disso, a «crítica» caiu num «tratamento da contradição» no quadro do capitalismo não mais explicitamente contestado, assim numa forma de «política econômica» burguesa vulgar, que tinha de assentar cegamente na expansão do crédito estatal, a fim de supostamente daí sugar o mel social. Quando a ciência econômica e a política econômica dominantes, na esteira da «revolução neoliberal», oficialmente afastaram a doutrina keynesiana, a esquerda política teoricamente desarmada ficou com o keynesianismo por sua conta, sem perceber que se estava a casar com um cadáver histórico. O keynesianismo surgia agora como oposição fundamental ao neoliberalismo de modo puramente formal, embora ele nunca o tenha sido no seu conteúdo.

A recente viragem desesperada das elites econômicas e políticas para o crédito estatal revelou os pés de barro dos partidos de esquerda, tal como de organizações do movimento como a ATTAC. 

Aparentemente, elementos centrais do keynesianismo por si consistentemente representado (estatização ou «nacionalização» dos bancos e eventualmente de indústrias-chave, regulação dos mercados financeiros) são repentinamente objeto de novas honras. Contudo, já não se trata de um Estado-providência keynesiano, como no período final da prosperidade fordista na década de 1970, mas de um keynesianismo de emergência do capital financeiro, que vem de par com o agravamento da administração estatal anti-social do trabalho e das pessoas. É o paradoxo do prolongamento do neoliberalismo com meios quase-keynesianos, porque no limite interno tornado historicamente manifesto da valorização já não há qualquer terceira opção. O crédito estatal não está fluindo para programas sociais, educação e cuidados de saúde, etc., mas é lançado no buraco negro dos balanços debilitados. A esquerda keynesiana fica desamparada perante a nova qualidade da crise, porque não tem qualquer noção da mesma. Enquanto ela acredita pressentir a brisa matinal keynesiana, na realidade é-lhe apresentada a conta pela sua auto-entrega ao modo de produção e de vida capitalista. Se ela quer «envolver-se» na nova expansão do crédito estatal portadora de inflação, ela própria corre o risco de tornar-se parte integrante da administração da crise capitalista. Indícios disso já existem por toda a Europa. Caso a esquerda de partido e do movimento se torne neste sentido «politicamente capaz» e para as elites do capital «socialmente capaz», a sua «social-democratização» poderia desembocar numa carreira na base do estado de exceção.

Que formas de mediação podem ser estabelecidas entre as lutas imanentes por condições básicas de sobrevivência e a crítica das categorias de base do sistema do capital (mercadoria, valor, dinheiro, trabalho abstrato, Estado, política)?

Não há dúvida de que a luta social organizada extraparlamentarmente pelas necessidades materiais e culturais da vida, em resistência contra a brutal redução do nível de civilização, é a única alternativa à colaboração parlamentar «política» de «esquerda» com a administração estatal da crise. Inevitavelmente, surgirá também um contramovimento social constituído de novo, inicialmente como «tratamento da contradição» imanente, que já não delega as necessidades no Estado, mas apresenta exigências autônomas, ainda que estas tenham de ser erguidas contra o Estado. É o caso, por exemplo, de um salário mínimo legal suficientemente elevado, da resistência contra novos cortes nas transferências sociais e contra a chicana repressiva das medidas coercivas da administração do trabalho, contra a privatização ou encerramento de infra-estruturas públicas vitais (por exemplo, de cuidados médicos). Mas também estão na ordem do dia o debate sobre o orçamento da educação e as críticas da rígida ligação dos conteúdos do ensino e da investigação às necessidades de valorização do capital que se tornaram obsoletas.

Existe um momento importante na mediação da «crítica categorial» que consiste em aprender como se pode distinguir entre formas de «tratamento da contradição» que fazem avançar e formas afirmativas. Isto inclui, em primeiro lugar, o reconhecimento de que a defesa das necessidades vitais pela via oficial da política se tornou totalmente ilusória. Têm de ser evidenciados os conteúdos alternativos de reivindicações sociais diretas, por um lado, e a esperança fútil em programas estatais de conjuntura para novos investimentos de capital, por outro. Estes últimos amarram à partida as necessidades sociais ao «sucesso» da valorização do capital, na base arruinada do trabalho abstrato, e à «financiabilidade» daí derivada, segundo critérios capitalistas. Os primeiros, pelo contrário, podem abrir caminho para a negação do «terror da financiabilidade» e para se aproximar da suplantação da forma-valor e do dinheiro. 

Esta alternativa, a ser tornada efetiva nas novas condições de crise, também se pode colocar entre os elementos «de esquerda» da classe política, aí conduzindo a polarizações; desde que, no entanto, se constitua um contramovimento social. No antigo movimento operário já havia elementos desta alternativa, ainda que sob o fundo ideológico de uma ontologia do trabalho abstrato. Precisamente por isso é que os contramovimentos sociais (também em correspondência com a sua própria consciência baseada na ontologia do trabalho), sempre foram transformados em orientação estatal e, como «marxismo de partido», vinculados a uma intervenção política; pois o Estado é precisamente a instância social de síntese na base do trabalho abstrato. Nos limites históricos do trabalho abstrato e da valorização real do capital, a alternativa entre contramovimento social e estatismo coloca-se agora em formas completamente novas e deve ser formulada consequentemente, quando a esperança no crédito do Estado apenas pode envergonhar-se com o desencadeamento da inflação e já não contém qualquer potencial social.

Um segundo momento da mediação é a crítica de todas as formas de exclusão social, sejam elas articuladas abertamente ou indireta e subliminarmente. Enquanto os movimentos sociais operarem no plano do «tratamento da contradição» imanente, haverá sempre essas tendências. 

Já no antigo movimento operário havia fortes sentimentos negativos contra as camadas inferiores desqualificadas. Hoje podem também observar-se posturas semelhantes da parte de uma «aristocracia operária» globalizada, entretanto já em dissolução, contra os «caídos fora», ou contra os trabalhadores dos sectores de baixos salários; e até mesmo nas camadas inferiores da «cultura dominante», contra os migrantes. Acima de tudo, porém, são as classes médias acadêmicas e sub-acadêmicas, sob a ameaça de queda nos centros capitalistas, que pretendem salvar a própria pele e estilizar como ideal de emancipação geral os seus interesses específicos enquanto «capital humano», quando na realidade a vida dos «outros» lhes é indiferente. À medida que se constituir um contramovimento social, a tarefa da «crítica categorial» é precisamente identificar analiticamente os diversos potenciais de exclusão social complexamente sobrepostos e enfrentá-los.

Isso só pode ter sucesso se a crítica também transmitir que, além das categorias capitalistas, facilmente será possível satisfazer as necessidades da vida «para todos». Neste contexto, a tarefa é a de tornar os contramovimentos sociais (contando que surjam) conscientes da enorme discrepância entre os potenciais de riqueza material e a impossibilidade de continuar a captá-los na forma capitalista. Embora a reflexão teórica sobre as categorias reais do capital, forma-valor e mercadoria, mais-valia, trabalho abstrato, etc., e a sua modulação político-estatal, não esteja presente na consciência de massas, pode ainda assim ser mobilizada a experiência prática de que existem, do ponto de vista técnico-prático e material, as capacidades para satisfazer as necessidades materiais, sociais e culturais, mas são paralisadas pelo capitalismo, porque já não pode ser satisfeito o absurdo fim em si mesmo da transformação de «trabalho» em «mais trabalho» e de «dinheiro» em «mais dinheiro». Se cada vez mais pessoas ficam sem abrigo, enquanto simultaneamente há habitação vazia em massa, ou se cada vez mais doentes e com necessidade de cuidados de saúde já não são adequadamente tratados, enquanto, ao mesmo tempo, a administração fecha hospitais, médicos e pessoal de saúde ficam sob pressão ou «desempregados», então essa experiência pode ser fundamentalmente transformada em crítica radical da forma da mercadoria e do dinheiro, enriquecendo a experiência com a reflexão teórica.

Essa abordagem também é correta quando se invoca o chamado problema «ecológico» (degradação do clima, culturas exaustivas, erosão dos fundamentos naturais da vida, etc.). Neste aspecto, a mediação da «crítica categorial» tem de tornar conscientes a conexão interna entre os poderes destrutivos do modo capitalista de produção de riqueza material, por um lado, e a forma capitalista das relações sociais, por outro. Não é a produção de uma quantidade suficiente de alimentos e bens culturais em si que leva à destruição da «biosfera», mas a racionalidade da lógica de valorização da economia empresarial, que cria pobreza enquanto destrói as suas próprias bases e arruína a natureza. O poder destrutivo de certas formas capitalistas de riqueza material (transporte automóvel individual, indústrias de defesa, agro-indústria enquanto disseminadora de venenos, etc.) não pode ser jogado contra a socialização das necessidades da vida social. A alternativa à «automobilização» não é a eliminação da mobilidade em si, mas a expansão do transporte público, sob controlo social, na resistência contra a privatização. É particularmente pérfido responsabilizar as pessoas, condenadas a indignas rações de miséria e capitalisticamente empobrecidas, por supostamente «consumirem demais» e destruírem o clima. 

Enquanto a «catástrofe climática» ainda recentemente, em tempos de conjuntura de déficit, causava sensação mediática, agora, na crise, os objetivos oficiais de redução dos poluentes são novamente cortados, porque tem de ser mantida a forma capitalista de produção a qualquer preço. É perfeitamente possível que a administração da crise procure flanquear mais restrições sociais com uma legitimação «ecológica». Nesta contradição, move-se também a ideologia «ecológica» apoiada por uma parte das classes médias, que pretende falar dos «limites do capitalismo» apenas no sentido de um «limite exterior» de recursos naturais, enquanto o «limite interno» do trabalho abstrato e da «valorização do valor» é percebido apenas de forma truncada («limites do crescimento») ou completamente esquecido, porque cada um gostaria de se envolver «ecologicamente» na administração de crise. Do ponto de vista de um maior desenvolvimento da crítica da economia política, este «reducionismo ecológico» é tão criticável como a orientação econômica afirmativa para um «keynesianismo de crise».

Outro passo na mediação da «crítica categorial» seria a reabertura de um debate sobre planejamento social, não mais baseado no trabalho abstrato, na forma-valor e no Estado. Como herança da época passada, o «socialismo» atual é mais do que nunca equiparado com a «nacionalização», o que continua a levar apenas a frases paradoxais, como «socialismo do mercado financeiro», em que se exprime, no entanto, o paradoxo real das novas condições de crise. Para uma verdadeira transformação para lá do capitalismo, a tarefa é organizar em novos moldes o fluxo social mundial dos recursos materiais e sociais como tais e deixar de os representar nas categorias do «valor» e da sua «substância trabalho», que historicamente se tornaram obsoletas. Isso inclui o problema dos momentos da reprodução social que nunca bateram certo com o trabalho abstrato e a valorização, e historicamente foram delegados às mulheres (tomar conta das crianças, enfermagem, trabalho doméstico, «trabalho do amor», etc.). 

Nos limites da valorização do capital também este «cimento social» se esboroa. Uma transformação social também tem de reorganizar estes momentos, libertá-los da sua atribuição sexual e criar para eles um fundo social de tempo livre que há muito é possível.
Seria preciso desencadear um amplo debate social sobre isto, em que entrem as múltiplas experiências e competências, não se limitando a um enfoque estritamente teórico. A crítica teórica só pode tentar encorajar esse debate de acordo com o desenvolvimento da crise e tornar consciente de novo o problema do planejamento social.

Precisamente porque a «crítica categorial», no contexto da forma capitalista, apesar da histórica crise desta, é insusceptível de transmissão sem rupturas e, nos limites das «formas de pensamento objetivas» (Marx), esbarra na consciência social, ela não pode limitar-se à direção estrita da argumentação político-econômica «objetiva» em sentido burguês. Um momento essencial da mediação é também a crítica radical da ideologia. Toda a digestão afirmativa da crise na consciência é produção de ideologia, e não apenas na orientação estatal ou no reducionismo ecológico. Também as ideologias básicas modernas do nacionalismo, anti-semitismo, racismo, anticiganismo (o ressentimento contra os sinti e os roma como «párias» da modernidade) e sexismo são mais fortemente invocadas e reconfiguradas na crise. Como pano de fundo, está sempre a agressiva defesa de determinadas vidas capitalistas específicas por classes sociais em luta de concorrência. Fulcral a este respeito, hoje, é a ideologia da «nova classe média» perante os processos de crise, na luta pelo poder de interpretação e pela hegemonia. Os vários elementos da produção de ideologia formam amálgamas, ainda que indireta e subliminarmente. A tarefa da «crítica categorial» é, portanto, analisar os «dispositivos» modulados pela elaboração ideológica e penetrar profundamente o conceito de ideologia, para lá do marxismo tradicional, a fim de combinar um programa de transformação social com um programa de intervenção da crítica da ideologia. A atual esquerda do movimento, com a sua orientação teoricamente desarmada para «lutas» meramente simbólicas, está muito longe de tudo isto. Por isso se observa, por todo o lado, uma nada santa conversão entre posições de «esquerda» e de «direita» na crítica truncada do capitalismo.

Que papel pode ter hoje a luta de classes para difundir a consciência de classe, no sentido de Lukács?

O entendimento tradicional da «luta de classes» já não é susceptível de mobilização na nova situação de limite interno absoluto da valorização. Historicamente, a representação sindical e política do «proletariado» nada mais era que a representação do «capital variável» auto-afirmativo e, portanto, a representação do trabalho abstrato. Construiu-se aqui uma oposição meramente relativa entre o princípio do «trabalho» alegadamente trans-histórico e antropológico e a forma da propriedade privada capitalista entendida juridicamente, quando, na realidade, trabalho abstrato e propriedade privada jurídica dos meios de produção representam apenas diferentes determinações no sistema de referência comum sobrejacente da «valorização do valor». Marx designou este contexto sobrejacente como «sujeito automático» da sociedade moderna fetichista, em que todas as posições sociais estão cativas como «funções» da lógica da valorização. Não existe qualquer «princípio» ontológico susceptível de ser invocado para a emancipação social, pelo contrário, o capitalismo só pode ser suplantado através duma crítica histórica concreta das suas formas básicas. A «luta de classes» foi essencialmente um movimento de «luta pelo reconhecimento» no terreno das categorias capitalistas. Por isso, o antigo movimento operário adotou do protestantismo e da ideologia burguesa do Iluminismo não só a ontologia do trabalho abstrato, mas também a ontologia da relação capitalista de gênero, ou seja, das atribuições históricas à «masculinidade e à feminilidade». O que saiu da «luta pelo reconhecimento» (direito à greve, liberdade de associação, liberdade de reunião, direito de voto, etc.) acabou sempre apenas na nacionalização das categorias capitalistas não suplantadas. O entendimento socialista de «luta de classes» esgotou-se nisso.

Na nova situação histórica, o «reconhecimento» há muito alcançado pelos assalariados, como sujeitos econômicos e cidadãos estatais da sociedade fetichista, torna-se uma cadeia e uma armadilha. As pessoas estão, para o melhor e para o pior, amarradas à coerção da valorização. 

Não é apenas uma questão de consciência. Mesmo objetivamente, a base social da velha «luta de classes» desfaz-se. Sob as condições da Terceira Revolução Industrial, o capital já não pode organizar exércitos «produtivos» de trabalho abstrato. Uma vez que o processo de individualização, como fenômeno de crise, destrói os filtros sociais, os sujeitos socialmente atomizados referem-se diretamente à relação de valor global, que simultaneamente se torna virtualizada sob a forma do crédito já insusceptível de cumprimento, e assim obsoleta. Na aparência, surgiu uma «multiplicidade» de situações sociais difusas que já não podem ser integradas na base das categorias capitalistas. Pessoal permanente e eventual, trabalhadores a prazo e subcontratados, desempregados com subsídio como objetos da administração de crise, falsos autônomos e empresários de miséria, etc., já não representam qualquer massa homogênea de um «proletariado criador de mais-valia». A ideologia do movimento, desde a década de 1990, limitou-se a assumir afirmativamente esta «multiplicidade» e a reuni-la sem a conceitualizar, sob a capa da «multitude», não a suplantando. Para uma nova organização das lutas sociais, o objetivo já não é o «reconhecimento» como ser criador de mais-valia, mas apenas a crítica e transformação da própria categoria valor e da relação de gênero que lhe está associada. A base não pode ser uma organização capitalista do «trabalho» encontrada, que está dissolvida e desmoralizada, mas apenas a auto-organização consciente da crítica histórica concreta das categorias dominantes, a partir do «tratamento da contradição» imanente e para lá dele. Não é uma questão de constituição «objetiva» da classe como representação do «capital variável», mas uma questão de consciência. Não, porém, qualquer consciência «idealista», em termos, por exemplo, de uma «ética» da filosofia moral, mas uma consciência que se confronta com o limite histórico da valorização e com a queda do nível de civilização.

Neste ponto, é necessário voltar mais uma vez ao problema da «nova classe média» ameaçada pela queda. A desorganização dos «exércitos do trabalho» industriais e a decadência do antigo movimento operário veio de mãos dadas com a ascensão dessa classe média qualificada, na fase de prosperidade fordista. A base econômica não era a produção de mais-valia real imediata, mas a expansão do crédito estatal. A autoconsciência social que a acompanhava não estava tanto na ontologia do «trabalho», mas muito mais no estatuto de «capital humano» com «formação superior». Já a nova esquerda, a partir de 1968, era essencialmente um movimento de classe média, ainda que continuasse a procurar, ideológica e abstratamente, a partir do fundo marxista, a inútil mediação com a esgotada «luta de classes» do «proletariado». Na era da economia das bolhas financeiras, não em último lugar as «novas classes médias» ficaram dependentes da expansão do crédito privado e cada vez mais precarizadas. Foi precisamente neste processo que a «visão do mundo» da consciência de classe média ganhou uma posição dominante também na esquerda. Os revivalismos da velha retórica da «luta de classes», e, sobretudo dos seus derivados, por exemplo, na figura da «multitude» pós-operária, são todos implicitamente (e por vezes explicitamente) formulados a partir da perspectiva da consciência categorialmente afirmativa da classe média. Hoje não é tanto a ontologia do «trabalho», há muito corroída, que bloqueia a transição do marxismo do movimento operário para a «crítica categorial», mas a ideologia da classe média, teimosa com o seu «capital humano», que se esconde sob a «multiplicidade» das abordagens do movimento. Uma vez que as classes médias estão inevitavelmente envolvidas num grande contramovimento social, a ruptura com essa ideologia é de uma importância decisiva.

O problema da organização da luta social, que tem de integrar de maneira diferente a desesperada «multiplicidade» de situações sociais para lá do paradigma da «luta de classes», não parte teoricamente do zero. A transição para a «crítica categorial» encontra-se em abordagens de grandes teóricos nas fronteiras do marxismo tradicional, como Lukács (e, de outra forma, Adorno). Lukács forneceu as primeiras indicações no livro publicado em 1923, História e consciência de classe, especialmente no grande ensaio central sobre a «reificação». Como era de esperar, dada a situação de então, ele combina pela primeira vez a ontologia do trabalho implícita e a tradicional «posição de classe» daí derivada, com a discussão da constituição fetichista moderna socialmente sobrejacente. Lukács deixou-se dissuadir pelo marxismo de partido dos seus pontos de vista inovadores, apresentados como alegadamente «idealistas», e mais tarde voltou a uma explícita e bastante aborrecida ontologia do trabalho abstrato. O seu trabalho de 1923 também foi aproveitado pelas novas abordagens da «crítica categorial», desde os anos 1980, em especial sob o ponto de vista da consciência de classe «atribuída» e do proletariado como suposto «sujeito-objeto da história». Mas o seu anterior ensaio teórico não se resume a isso. Uma leitura renovada nas atuais condições retira conhecimentos surpreendentes. O que ele refere com o conceito de «reificação» já representa uma crítica das formas básicas do capitalismo, durante muito tempo sem paralelo; para alguns, é lida como uma crítica antecipada do pensamento pós-moderno. Decisivo é o postulado de um «tornar-consciente» pela crítica a forma da mercadoria como forma geral de vida no capitalismo, incluindo a mercadoria força de trabalho. Com isto, Lukács reaproximou-se da definição de Marx das categorias capitalistas, como «condições reais de vida» e, simultaneamente, «formas objetivas de pensamento», definição que tinha sido escondida pelo movimento operário.

Se despirmos esta abordagem teórica da sua «atribuição» a um «ponto de vista» do «trabalho», muito dela pode ser assumido para uma nova «crítica categorial» sob as condições da individualização e da relação de valor em decadência. Essencial é, em primeiro lugar, incluir no plano categorial a moderna relação de gênero, ainda não abordada por Lukács. Em segundo lugar, as relativizações críticas da «consciência de classe proletária» formuladas no ensaio sobre a reificação são hoje sobretudo relacionáveis com a consciência de classe média (também para isso já se encontram abordagens neste ensaio). Coloca-se, portanto, a tarefa de reformular a visão de Lukács nesta situação histórica fundamentalmente diferente, a fim de tornar fecundo o «tornar-consciente» criticamente a forma da mercadoria, para uma reintegração da luta social para lá da falsa objetividade capitalista.

Como definiria um conceito de revolução para o tempo presente que pudesse romper com o fetichismo e com uma vida quotidiana totalmente subordinada à reprodução do capital?

O conceito de «revolução» foi historicamente ocupado pelo paradigma da grande Revolução Francesa, das subsequentes revoluções burguesas do século XIX e das revoluções de «modernização atrasada» na periferia do mercado mundial no século XX (Rússia, China, «Terceiro Mundo»). Nesse contexto, a «revolução» limitou-se à forma política da «tomada do poder» e, no século XX, à nacionalização das categorias capitalistas. Nessa medida, este conceito pertence à história da imposição do trabalho abstrato, da lógica da valorização e da relação de gênero moderna. Parece, portanto, que a sua carreira terminou. No marxismo residual e na ideologia do movimento, a «revolução» como ato político de subversão já não desempenha qualquer papel. Mas estão a deitar fora o bebê com a água do banho. Uma vez que a esquerda arquivou o conceito de revolução sem o atualizar, ela limitou-se a ratificar a sua auto-entrega à forma capitalista de vida, na base social da classe média.

Marx criticou o conceito de revolução limitado à política logo nos primeiros escritos. Para ele, a «revolução social» apresenta uma qualidade diferente que suprime também o estatismo da forma-política, juntamente com a relação de valor e a forma-mercadoria. Tal como depois no caso de Lukács, este revolucionamento, no entanto, também ainda figurava em Marx como «revolução proletária». Foi precisamente este paradigma, no entanto, que se manteve na fase do conceito de revolução reduzido à política. Além da ontologia do trabalho, no limite interno da valorização, coloca-se de forma nova e diferente a questão da «revolução social», ou seja, como rompimento da síntese social dominante nas formas do valor e da relação capitalista de gênero. «Síntese social» mais não significa que a forma específica de socialização, no sentido de uma «totalidade negativa», que também só pode ser suplantada por um revolucionamento do conjunto da sociedade.

Precisamente por isso, é preciso um movimento social em grande escala, e agora à escala transnacional, para se chegar à síntese social em geral. Não bastam, por exemplo, ocupações de empresas pelo pessoal que, em seguida, apenas se torna sujeito coletivo do capital e continua entregue à síntese feita através do mercado e da concorrência. Daí que até ao momento todas essas tentativas falharam (como durante a grande crise na Argentina). Não é possível uma transformação ao nível de cada capital, ou mesmo de uma reprodução particular, mas a questão da síntese e, assim, do planejamento social para lá da forma-mercadoria já constitui sempre o ponto de partida (e não um qualquer ponto final) da ruptura prática com o capitalismo. Neste contexto, o conceito de «revolução» não é simplesmente irrelevante, apesar de ele já não ter nada a ver com o antigo entendimento «politicista». A teoria crítica como «crítica categorial» tem de persistir neste ponto de vista da síntese social, mesmo contra a consciência do movimento meramente «simbólica», que não se coloca esta questão decisiva.

A esquerda do movimento pós-operário gosta de falar hoje em Mudar o mundo sem tomar o poder (John Holloway). A síntese social é substituída por um difuso conceito de «vida quotidiana» que tem feito carreira já desde o movimento de 1968. O que muitas vezes se designa como «revolução» cultural «da vida quotidiana» é sempre, de uma maneira ou de outra, a música de fundo da mudança social; mas, reduzida a este ponto de vista, também pode tratar-se de uma adaptação cultural à dinâmica capitalista. Tais conceitos de 1968 e da esquerda pós-moderna foram há muito adotados pelo management de crise do capitalismo, por exemplo, sob a forma da propaganda neoliberal da «auto-responsabilização» individual. O tema da «vida quotidiana» não pode substituir a verdadeira intervenção ao nível da síntese social; tal como não pode dispensar a necessária força de intervenção (por exemplo, através de greves, bloqueios, paralisação das vias nevrálgicas capitalistas). A «questão do poder» não se limita ao paradigma «politicista» do poder de Estado, mas, por maioria de razão, coloca-se como questão de um «contrapoder» social, em resistência contra a administração de crise. Na realidade, a «vida quotidiana» por si só não é um refúgio de «resistência», cujo conceito desta forma se torna oco. A resistência, pelo contrário, começa quando os indivíduos se levantam contra o seu «quotidiano», determinado pelo capitalismo em todos os poros, e se tornam em geral capazes de organização.

A metafísica do quotidiano da esquerda também se refere, em parte, na continuação do fracassado movimento da alternativa dos anos 1980, a tentativas de «outro» modo de vida e de produção na pequena escala de «comunidades» particulares, que se legitimam neo-utópica ou pragmaticamente. Estas tentativas, por exemplo, na forma da chamada «economia local» ou do movimento digital open-source, tal como a ocupação de empresas, também não podem alcançar o nível da síntese social. Como alternativa aparente a um movimento de resistência social a partir da imanência capitalista correm o risco de se transformar numa «auto-administração da pobreza». Se aí ainda aparecer a idéia de uma «crítica da forma-mercadoria», será rebaixada para um formato em que tal crítica não é possível sem perder o seu conteúdo decisivo e sem se envolver em contradições sem saída. As supostas alternativas permanecem amarradas a relações contratuais burguesas, e não só; elas também dizem respeito apenas a pequenos segmentos da reprodução, que permanece no seu conjunto determinada à maneira capitalista. Por isso, os «projetos de práxis» particulares normalmente estão de olho num financiamento externo do Estado, seja na forma de uma «renda básica» seja na forma de um patrocínio autárquico. Estatismo keynesiano e ideologia da alternativa são apenas duas faces da mesma moeda; o denominador comum é a orientação direta ou indireta para o crédito estatal. Aqui se expressa, mais uma vez, a inconfessada dominância da consciência de classe média, que sempre quer lavar a pele sem a molhar. As esquerdas keynesiana e da ideologia da alternativa têm, portanto, de recalcar e negar igualmente a nova qualidade da crise, porque as suas ilusões não podem sobreviver ao fim do sistema de crédito global e da economia das bolhas financeiras. Elas serão confrontadas com o verdadeiro limite da síntese social dominante, o mais tardar quando o grave desabamento da economia mundial atingir também a «vida quotidiana» nos centros capitalistas.

Original INTERVIEW MIT DER PORTUGIESISCHEN INTERNET-ZEITSCHRIFT. "ZION EDIÇÕES" em www.exit-online.org. (30.11.2008)

Pré-publicação de entrevista a sair em “SHIFT”, ZION EDIÇÕES, Fev. 2009. Título da SHIFT. http://www.zionedicoes.org/

Banqueiros São Bandidos



"homem algum jamais foi verdadeiramente autoridade, ou trouxe algum proveito ao outro por sê-lo". Sören Kierkegaard


The Royal Bank of Scotlang

O The Royal Bank of Scotland Group PLC é um dos maiores bancos britânicos. Foi fundado em 1727 em Edimburgo por carta régia. Hoje é o maior banco da Escócia, o segundo maior do Reino Unido e da Europa e o quinto maior do mundo em capitalização em bolsas de valores.


Crise

Em 26 de fevereiro de 2009, o grupo financeiro anunciou perdas no no total de £24 bilhões ou US$37 bilhões (cerca de R$90 bilhões), o maior prejuízo financeiro do sistema bancário na história da Grã-Bretanha, causado pela perdas geradas pela crise do subprime nos Estados Unidos em 2008, que se espalhou pela Europa e pelo mundo. 

Muito do histórico prejuízo do grupo, também se deu devido a sua participação, com £22 bilhões, na compra do grupo financeiro holandês ABN Amro em 2007


Ataque

Em 26 de março de 2009, um grupo chamado Banqueiros São Bandidos, em inglês: Bank Bosses Are Criminals (BBAC), assumiu a responsabilidade pelo ataque ao carro e à casa do banqueiro Fred Goodwin. O há pouco principal executivo do Royal Bank of Scotland teve sua luxuosa mansão e sua Mercedes S600 em Edinburgh apedrejadas pela madrugada. O BBAC emitiu o seguinte comunicado: “É inadmissível que pessoas ricas, como ele, vivam no luxo e gastem uma quantia enorme de dinheiro, enquanto pessoas comuns vivem sem-teto, na miséria e no desemprego. Isso é um crime. Esses banqueiros deveriam ir para a cadeia. Isso é apenas o começo".

terça-feira, 24 de março de 2009

Encontro Libertário


Lançamento de "O Deus de Carne"

A autorreplicação da sociedade de classes na prevalencia da prática do discurso sobre a prática do diálogo



Na história, as sociedades divididas em classes receberam muitos nomes. Há quem diga que o que mais se ajusta é "Sociedade do Espetáculo".

"O espetáculo é o discurso ininterrupto que a ordem presente faz sobre si própria, o seu monólogo elogioso. É o autorretrato do poder no momento da sua gestão totalitária das condições de existência. A aparência fetichista de pura objetividade nas relações espetaculares esconde o seu caráter de relação entre homens e entre classes: uma segunda natureza parece dominar o nosso meio ambiente com as suas leis fatais. Mas o espetáculo não é necessariamente um produto do desenvolvimento técnico do ponto de vista do desenvolvimento natural. A sociedade do espetáculo é, pelo contrário, uma formulação que escolhe o seu próprio conteúdo técnico. O espetáculo, considerado sob o aspecto restrito dos «meios de comunicação de massa» -- sua manifestação superficial mais esmagadora -- que aparentemente invade a sociedade como simples instrumentação, está longe da neutralidade, é a instrumentação mais conveniente ao seu automovimento total. As necessidades sociais da época em que se desenvolvem tais técnicas não podem encontrar satisfação senão pela sua mediação. A administração desta sociedade e todo o contato entre os homens já não podem ser exercidos senão por intermédio deste poder de comunicação instantâneo, é por isso que tal «comunicação» é essencialmente unilateral; sua concentração se traduz acumulando nas mãos da administração do sistema existente os meios que Ihe permitem prosseguir administrando. A cisão generalizada do espetáculo é inseparável do Estado moderno, a forma geral da cisão na sociedade, o produto da divisão do trabalho social e o órgão da dominação de classe". Tese 24 de A Sociedade do Espetáculo, Debord

O discurso que reivindica para si a expressão da verdade total, quando não se opõe à verdade, limita sua percepção. É, pois, imprescindível a contraposição, o confronto, o questionamento, a dúvida. As considerações e reflexões contrárias ao que é exposto devem fluir livres como o vento, sem constrangimentos, em qualquer situação, em igualdade de condições, sem hierarquias, sem limitações de tempo ou espaço.   

Como no método científico, o dialética e a coerencia daqueles que defendem suas posições deve fixar a experimentação como guia. Chega-se à verdade experimentalmente. Ou seja, a procura pela verdade é mais importante do que a manutenção das convicções. Os canais para novas abordagens à verdade devem sempre estar abertos, pois a perspicácia de outras novas abordagens pode conduzir à verdade. 

Uma sociedade livre, onde cada homem vale um homem e cada mulher uma mulher, traria as  revelações pessoais de cada um ao conjunto para discernimento e clareza.   

Como uma seta que avança inabalável em direção ao alvo, ferindo o ar, superando situações, a busca pela verdade deve seguir firme, pois sempre se revelará correta quando confirmada pela experimentação. Assim, no caminhar em tal ou qual direção, cada passo deve ser cuidadosamente delineado, e apesar do caminho não se mostrar previamente conhecido, chegará o momento em que ele se tornará aparente. Quando o caminho não abrir, a condução correta da direção será reformulada.

Numa sociedade onde o diálogo prevalece sobre o discurso, a procura conjunta pela verdade encontrará seu alvo na tomada dialética das decisões que a afeta, sem abalar a unidade. Numa sociedade livre a unidade nunca seria normalmente unanimidade, um acordo sem dissensão. A unidade seria mais freqüentemente um acordo que, embora reconhecendo a dissensão, manteria todos juntos, e apesar das diferenças, e avançaria adiante mantendo os valores comuns.   

sexta-feira, 20 de março de 2009

Primeiro brasileiro dispensado do serviço militar obrigatório por “razões políticas e filosóficas”


 

 

Phydia de Athayde

 

Caio Maniero D’Auria é um enxadrista. Calculista. Paciente. Insistente. Irritante, até. Graças a essas características, tornou-se, aos 22 anos, o primeiro brasileiro dispensado do serviço militar obrigatório por “razões políticas e filosóficas”. Na prática, significa que ele foi dispensado sem nem precisar jurar à bandeira. Para muitos, a formalidade é apenas um detalhe. Para ele, uma batalha de quase cinco anos de duração em defesa da “liberdade”.

 

Todos os anos 1,6 milhão de jovens alistam-se e cerca de 100 mil são incorporados ao Exército, à Marinha ou à Aeronáutica (em 2008 foram 80 mil), segundo o Ministério da Defesa. Desses, 95% declararam no alistamento desejo de servir. Os que não queriam, foram convocados por ter alguma habilidade necessária à unidade militar da região. “A Estratégia Nacional de Defesa pretende alterar esse quadro, de modo a que o serviço militar seja efetivamente obrigatório, e passe a refletir o perfil social e geográfico da sociedade brasileira”, anuncia o Ministério da Defesa, sem dar detalhes de como isso será feito.

 

Por ora, a única exigência feita para os dispensados é uma pastosa cerimônia de Juramento à Bandeira, tão esvaziada quanto a obrigação de executar o Hino Nacional antes das partidas de futebol em São Paulo. Ninguém reclama. Caio recusou-se.

 

Determinado a encontrar um meio válido de não jurar à bandeira, entranhou-se nas leis militares. Telefonou para o Comando Militar do Sudeste e soube que podia pedir para prestar um serviço alternativo e que, por não haver convênio firmado, isso resultava na dispensa automática. “Mas a secretária da Junta Militar me falou que só Testemunhas de Jeová podiam alegar objeção de consciência. Ela me mandou jurar à bandeira, mas eu estaria mentindo se jurasse dar a vida pela nação, pois jamais faria isso”, diz, com um sorriso tímido de quem mal deixou a adolescência.

 

De próprio punho, Caio redigiu uma “declaração de imperativo de consciência”, e declarou-se anarquista. A Junta Militar exigiu a declaração de uma associação anarquista confirmando o vínculo. Caio, então, contatou mais de vinte organizações em busca de, como diz, uma “carta de alforria”. Perdeu um ano nessa. “Os anarquistas brasileiros não tiveram a coragem de colocar em prática o que tanto pregam. A maioria está mais interessada em festinhas”, reclama. E pondera: “Acho que eles tiveram medo de ser fichados pelo Exército”.

 

Desiludido, encontrou na internet a organização Movimento Humanista. Enfim, sentiu que seria atendido. “Pregamos a não-violência e somos contra o serviço militar obrigatório”, diz Paulo Genovese, coordenador do grupo, que faz reuniões semanais e promove a Marcha Mundial pela Paz e pela Não-Violência.

 

Diante de nova declaração de objeção de consciência, a Junta pediu dados dos integrantes e o CNPJ da organização. Três meses depois, foi preciso detalhar quais eram as incompatibilidades do movimento com o serviço militar.

 

Era janeiro de 2008. “Passei noites em claro redigindo. Fui pessoalmente entregar”, diz, satisfeito. Sustentou que os humanistas colocam “o ser humano como valor central”, enquanto os militares devem defender a pátria “mesmo com o sacrifício da própria vida”. E que o “repúdio à violência” é incompatível com o “amor à profissão das armas”.

 

Quatro anos e oito meses após se alistar, Caio pegou seu Certificado de Dispensa do Serviço Alternativo. Em 2008, apenas seis jovens foram eximidos por objeção de consciência. Nos últimos cinco anos, 232. Mas Caio foi pioneiro. “Nunca motivos políticos livraram alguém, o meu processo é o número 001/08. Abri um precedente e agora tenho onde lutar por minha liberdade e pela dos demais”, comemora ele, que é analista de dados de telemarketing. Há anos quer prestar concurso público. Agora pode.