terça-feira, 1 de março de 2011

O Sentido da Vida

Para que agir? Para que empreender o que quer quer seja? E como amar os homens, nesta época conturbada na qual o ama­nhã não é senão uma ameaça!... Tudo isto que começamos, nos­sas ideias que amadurecem, nossas obras vislumbradas, aquele pouco de bem que teríamos podido fazer, não será carregado pe­la tempestade que se prepara?... Por toda parte o terreno treme sob nossos pés, e nosso horizonte vai-se cobrindo de nuvens que não nos serão benéficas.

Ah! Se não fosse preciso temer a revolução da qual se fez um espectro!... Incapaz de imaginar uma sociedade mais detes­tável do que a nossa, tenho pela que a sucederá mais desconfian­ça que temor. Se devesse sofrer com a transformação, consolar-me-ia pensando que os verdugos do dia são as vítimas da vigília e que a expectativa do melhor faria suportar o pior. Mas não é este perigo longínquo que me assombra: vejo um outro, mais perto e sobretudo mais cruel; mais cruel porque não tem qualquer des­culpa, porque é absurdo, porque não pode resultar em bem al­gum: a cada dia pensam-se as probabilidades de guerra do amanhã, e elas, dia-a-dia, tornam-se mais cruéis.

O pensamento retrocede diante de uma catástrofe que apa­rece no pináculo do século como o término do progresso de nos­sa era e contudo, é preciso habituar-se: há vinte anos todas as forças do saber exaurem-se para inventar instrumentos de destrui­ção e dentro em pouco bastarão alguns tipos de canhão para abater um exército; colocam-se em armas, não mais, como antes, mi­lhares de pobres diabos cujo sangue era pago, mas povos inteiros que estão a ponto de se estrangularem mutuamente; rouba-se de­les o tempo (obrigando-os a servir) para roubar-lhes mais segura­mente a vida; a fim de prepará-los para o massacre, atiça-se seu ódio, persuadindo-os de que são odiados; e homens dóceis deixam-se lograr, e logo se verão atirando-se uns sobre os outros, com ferocidade de bestas, turbas furibundas de pacíficos cidadãos a quem uma ordem inábil colocará nas mãos o fuzil, sabe Deus por que ridículo incidente de fronteira ou por que mercantis interes­ses coloniais!...

Marcharão, como ovelhas ao matadouro, mas, sabendo aonde vão, sabendo que deixam suas mulheres, sabendo que seus filhos sofrerão fome, ansiosos e ébrios, pelas sonoras e mentirosas palavras trombetadas em seus ouvidos.

Marcharão sem se rebelar, passivos e resignados, enquanto são a massa e a força, e poderiam, se soubessem entender, estabelecer o bom senso e a fraternidade em lugar das selvagens práticas da diplomacia.

Marcharão, tão enganados, tão iludidos, que acreditarão ser o massacre um dever e pedirão a Deus para abençoar seus apetites sanguinários.

Marcharão, pisoteando as colheitas que semearam, incendiando as cidades que construíram, com cantos de entusias­mo, com gritos de alegria, com músicas de festa. E seus filhos erigirão estátuas àqueles que melhor tiverem massacrado!...

A sorte de toda uma geração depende da hora em que algum fúnebre homem político der o sinal, que será seguido. Sabemos que os melhores de nós serão forçados e que nossa obra será des­truída. Sabemos e trememos de cólera, e nada podemos. Ficamos presos na rede dos gabinetes e das papeladas, cuja destruição pro­vocaria uma agitação por demais violenta. Pertencemos às leis que fizemos para nos proteger e que nos oprimem. Nada somos além de coisas dessa contraditória abstração, o Estado, que torna cada indivíduo escravo em nome da vontade de todos, que toma­dos isoladamente, desejariam exatamente o oposto do que serão obrigados a fazer.

Se a geração que deverá ser sacrificada fosse ao menos ape­nas uma! Mas existem outros interesses em jogo.

Os oradores assalariados, os ambiciosos aproveitadores das más inclinações das multidões e os pobres de espírito, a quem a sonoridade das palavras engana, têm a tal ponto exacerbado os ódios nacionais que a guerra de amanhã colocará em perigo a exis­tência de uma raça: um dos elementos que constituíram o mundo moderno está ameaçado, aquele que será vencido deverá moral­mente desaparecer e, qualquer que seja este, ver-se-á uma força aniquilada — como se, para o bem, houvesse uma a mais! — ver-se-á formar-se uma Europa nova, sobre tais bases, tão injustas, tão brutais, tão sanguinolentas, embrutecida por tão monstruosa mancha, que não pode ser ainda pior do que a de hoje, mais iniqua, mais bárbara e mais violenta.

Assim, cada qual sente pesar sobre si um imenso desencorajamento. Agitamo-nos num caminho sem saída, com fuzis apontados para nós de todos os telhados. Nosso trabalho parece o dos mari­nheiros que executam a última manobra quando o navio começa a afundar. Nossos prazeres assemelham-se aos do condenado a quem se oferece uma iguaria de seu agrado, quinze minutos antes do suplício. A angústia paralisa nosso pensamento, e o mais belo esfor­ço de que seja capaz de calcular, soletrando os vagos discursos dos ministros, alterando o sentido das palavras dos soberanos, mudando as palavras atribuídas aos diplomatas e que os jornais divulgam de­sordenadamente — se será amanhã ou depois de amanhã, este ano ou próximo que nos degolarão. De modo que em vão se buscaria na História uma época mais incerta e mais repleta de angústias... ("O Sentido da Vida", Edouard Rod, páginas 208-213)


Destas linhas resulta que a força está nas mãos daqueles que se perdem por si mesmos, nas mãos de indivíduos isola­dos que compõem a massa, e que a fonte do mal está no Estado. Parece evidente que a contradição entre a consciência e a vida tenha atingido limites que não poderiam ser ultrapas­sados, e nos quais a solução se impõe.

Mas o autor não é deste parecer. Ele vê o caráter trágico da vida humana e, após haver mostrado todo o horror da si­tuação, conclui que a vida humana deve transcorrer neste erro.

Extrato de O Reino de Deus Está em Vós" de Leon Tolstoi


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