sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Acampadas

O texto abaixo foi preparado pel@s indignad@s da Acampada Puerta del Sol (#acampadasol) com o intuito de explicar como nasceu o movimento, o que são as acampadas, seus valores, seus objetivos e como se organizam.


O movimento 15M é formado por centenas de acampadas espalhadas por todo o mundo, todas unidas e conectadas através da rede, elas são os motores dessa revolução, responsáveis pela organização dos grupos de trabalho, assembleias, debates, protestos e tantas outras atividades sociais, são formadas por pessoas normais que dedicam um pouco do seu tempo em prol do bem comum, que deixam as suas diferenças de lado para unir-se contra as injustiças do sistema.
A cada dia novas acampadas surgem, novos grupos independentes, livres da influência de partidos políticos, livres de ideais extremistas, abertas à participação de qualquer pessoa, todas com desejo de escutar, debater e juntas, de forma horizontal, chegarem a um consenso sobre aquilo que será melhor para a maioria.
Esperamos que essa leitura te inspire.
1.  Quem somos nós?    


Somos “os indignados”
No dia 15 de maio de 2011, um grupo de cidadãos com diferentes formas de pensar iniciou um movimento político não-partidário conhecido como 15M. Após a manifestação realizada naquele dia, espontaneamente decidimos acampar nas ruas e praças da nossa cidade, como repúdio visível da situação política e econômica que está se tornando mais insuportável a cada dia, e como um meio de organizar os nossos esforços para encontrar juntos uma maneira de construir um mundo melhor.
Mais de 50 cidades na Espanha se uniram ao movimento, estabelecendo acampamentos em todo o país, e pontos de apoio apareceram em muitos outros países. Já não estamos acampados nas praças do país, mas estamos reunidos em centenas de assembleias de bairros que foram criadas desde então.
Nós não somos representados por partidos políticos, associações ou sindicatos, nem queremos ser, porque acreditamos que o povo pode decidir por si mesmo. Queremos pensar entre nós como construir um mundo onde as pessoas e a sustentabilidade do planeta prevaleçam sobre os interesses econômicos. Queremos criar o mundo mais justo possível. Unidos, podemos e vamos. Sem medo.

2. Por que tomamos as ruas?
Porque os espaços públicos sempre foram nossos, apesar de que isso foi esquecido há muito tempo. Eles nos chamam “os indignados”, os cidadãos indignados que sofreram o suficiente e isso é o que somos.
Estamos cansados de ser tratados como bucha de jornal, estatísticas, consumidores em potencial, números; chega de ser mercadoria para políticos e banqueiros.
Estamos cientes de ter um voto mas nenhuma opinião sobre aquilo que está ocorrendo, estamos frustrados com a falta de vontade dos políticos para criar mecanismos de participação direta no processo de tomada de decisões. Mecanismos que ponham fim à corrupção e à falta de transparência na política e nas instituições públicas, para colocar o cidadão acima das forças de mercado e interesses privados.
Não conseguimos entender por que devemos pagar os custos da crise, enquanto seus instigadores continuam a anunciar lucros recordes. Estamos enojados e cansados de uma injustiça atrás da outra. Queremos a dignidade humana de volta.
Este não é o tipo de mundo que queremos viver, cabe a nós decidir sobre o mundo que queremos, sabemos que podemos mudá-lo e estamos vivendo esse grande momento.
Nós tomamos as ruas e praças pelas mesmas razões que os movimentos da Islândia, dos países Árabes e tantos outros também o fazem, agimos localmente, mas pensamos globalmente. Nossos problemas globais exigem soluções globais.

3. O que fazemos?

Sentimos, observamos, pensamos, escutamos, falamos, propomos, discutimos, cooperamos, aprendemos, comunicamos, tentamos mutuamente nos entender, trabalhamos, construimos…
Lutamos… para mudar um sistema injusto, questionamos as leis, os métodos de participação e o sistema econômico e propomos alternativas concretas e possíveis Nosso objetivo é melhorar a vida nesse planeta para todos os seus habitantes.
Criamos… redes humanas digitais que dão origem a novas formas de conhecimento coletivo, aprimorando cada vez mais a nossa capacidade analítica e consequentemente o nosso mecanismo de tomadas de decisões conjuntas. Somos a inteligência coletiva do mundo, em processo de organização.
Desenvolvemos… novos meios de organizar, interagir e viver. Combatemos o êxtase induzido pelo sistema e buscando o nosso desenvolvimento e aperfeiçoamento contínuo, participação ativa, de reflexão e de análise, de decisão e ação.

4. Como fazemos tudo isso?

Recuperando e usando o espaço público: tomando as ruas e praças das nossas cidades para nos conhecer e trabalharmos juntos, aberta e visivelmente. Informando a população sobre os nossos objetivos e convidando a todos para se juntarem a nós. Discutindo problemas, buscando soluções e chamando os cidadãos para a ação e manifestação. Nossas redes digitais e ferramentas são todas de código aberto: toda a informação está disponível online, assim como em nossas ruas e praças.
Nos organizando através de assembleias, tomando decisões de forma aberta, democrática e horizontal. Não temos líderes, nem hierarquia.
Como há muito trabalho a realizar, dividimos todas as tarefas em três grupos: comissões, grupos de trabalho e assembleias gerais.
As comissões e grupos de trabalho operam de forma independente. As comissões têm funções organizacionais e estruturais e servem como ferramentas para o movimento (A comissão Legal e IT são dois exemplos). Os grupos de trabalho são plataformas para o pensamento coletivo, debate e pesquisa sobre temas específicos (temos grupos de trabalho sobre temas como política, economia e meio ambiente, por exemplo).
Estas comissões e grupos de trabalho estão abertos a qualquer pessoa que queira participar. Eles realizam suas reuniões em espaços públicos, anunciando com antecedencia e todas as suas decisões são registradas em atas que são publicadas online. Todos se organizam em torno de assembleias horizontais, mas cada grupo coletivamente estabelece a própria forma de operar, que está permanentemente aberta a mudanças e otimização.
Todas as decisões importantes feitas por essas comissões e grupos de trabalho são posteriormente levadas à assembleia geral para avaliação e ratificação pelo movimento como um todo. Assim, enquanto o nosso trabalho é feito de forma eficiente e independente, ele é coordenado horizontalmente por nossas assembleias.
No domínio virtual, criamos redes sociais e ferramentas para melhorar a comunicação e unir esforços. Usamos a rede social N-1 e outras ferramentas para nos relacionar, assim como nossos próprios websites: takethesquare.net (internacional), tomalaplaza.net (Espanha) e tomalosbarrios.net (Espanha) e também usamos o Twitter e o Facebook para dar maior visibilidade e alcançar todos os cantos e recantos do ciberespaço.

5. Qual o Organograma?

Lista de algumas das nossas comissões:
Comunicação – A comissão de comunicação é, na verdade, um agrupamento de várias subcomissões. Duas das suas principais tarefas são interagir com a mídia e publicar informações em sites e redes sociais. Sua subcomissão de tradução ajuda a transmitir o desenvolvimento do movimento ao redor do mundo.
Assuntos Legais (Jurídico) – Fornece assessoria jurídica ao movimento, mediações com a polícia, e identifica possíveis riscos legais nas propostas apresentadas.
Dinamização das Assembleias – Prepara a metodologia a ser seguida nas assembleias, elaboração da agenda e estabelece o regime de moderação, os tempos e uso da palavra. Esta comissão também controla o tempo geral das assembleias.
Informação – Instala e mantem postos de informações das ruas para prover todo tipo de informação sobre o movimento aos cidadãos.
Ação – Organiza as atividades internas (conferências, reuniões, protestos) e planeja ações para alertar, prover informação pública ou exercer pressão política.
Coordenação Interna – Coordena trabalhos das comissões, compilando as decisões tomadas por todas as comissões 15M, transmitindo-as aos estandes de informações. Também coordena informações logísticas sobre todas as comissões (tal como onde se encontram e pessoas de contato de cada comissão).
Análise – Analisa o movimento como um todo, realiza discursos internos e externos, bem como questões organizacionais e a forma em que o movimento se expande. Sua tarefa é compilar, analisar, converter, sintetizar e, posteriormente, relançar informações.
Outras comissões focam essencialmente os acampamentos e suas necessidades
Infraestrutura – Fornece os recursos materiais necessários para acampamentos e atividades fora dos seus limites: lonas, estações de trabalho, uso do espaço, stands de informação, energia elétrica (geradores), banheiros e chuveiros, para citar alguns. Muitos desses recursos são doados e distribuídos sob princípios de autogestão.
Respeito – Sua função é trabalhar para manter um ambiente pacífico e seguro, mediação em caso de incidentes ou provocação e prevenção de riscos potenciais. Sua força é apenas verbal: sua tarefa é explicar e persuadir, enquanto transmite a importância de um ambiente respeitoso no acampamento.
Enfermaria – fornece os primeiros socorros quando necessário e gerencia os suprimentos médicos.
Alimentos – Tem a função de gerenciar e coordenar os alimentos doados e estabelece turnos para as refeições.
Limpeza – Organiza o acampamento de forma que o mesmo esteja sempre limpo e saudável. Não é um serviço de limpeza: somos todos responsáveis pela nossa limpeza.
Abaixo listamos alguns dos nossos grupos de trabalho:
Educação e universidade
Cultura
Meio-ambiente
Economia
Trabalho social
Política
Feminismo
Imigração e mobilidade
Ciência e tecnologia
Reflexão

6. Quais os Links?

[Internacional] www.takethesquare.net  contact.takethesquare@gmail.com @takethesquarehttp://www.facebook.com/Take.the.Square 
[Rede Social] www.n-1.cc 

Extraído de 
http://www.democraciarealbrasil.org/?page_id=581

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Anotações sobre estalinismo e trotskismo (*)

por Ken Knabb

Para aqueles que não estão familiarizados com o fundo político internacional da história de Ngo Van, as anotações a seguir podem ser úteis. Abordam estalinismo e trotskismo e traçam algumas das voltas e reviravoltas da III Internacional sob o controle de Stalin.

A Revolução Russa de 1917 consistiu de duas etapas relativamente distintas. A "revolução de fevereiro", uma série de lutas populares, em grande parte espontânea, iniciada em fevereiro e que continuou ao longo dos próximos meses, e a "revolução de outubro", essencialmente um golpe de Estado realizado pelo Partido Bolchevique, sob a liderança de Lênin e Trotsky. Os bolcheviques tinham a reputação de revolucionários radicais, em parte devido ao fato de terem sido um dos poucos grupos de esquerda a se opor a I Guerra Mundial, mas uma vez no poder, reprimiram as tendências radicais de base transformando-se numa nova classe dominante. Embora mudassem o nome para "Partido Comunista" em 1918, o sistema que eles criaram nada tinha a ver com o comunismo no verdadeiro sentido da palavra, era simplesmente uma versão mais crua e mais concentrada de capitalismo. A propriedade privada foi substituída pela propriedade estatal, mas o próprio capitalismo (sistema de mercantilização das relações sociais) não foi de modo algum eliminado. Os trabalhadores antes explorados por uma multidão de capitalistas privados eram agora explorados por uma única empresa capitalista proprietária de tudo: o Estado. Embora este processo fosse complexo e gradual, a transformação tornou-se bastante clara em 1921 quando os marinheiros revolucionários de Kronstadt foram esmagados pelo regime "comunista", sob a liderança direta de Trotsky. (Veja "A Revolução Desconhecida" por Voline e "Os bolcheviques e o Controle sobre os Trabalhadores: 1917-1921" por Maurice Brinton).

Após a morte de Lenin, em 1924, a facção liderada pelo Partido Comunista de Stalin tornou-se cada vez mais poderosa, a ponto de Trotsky ser colocado na defensiva e, finalmente, expulso do Partido e forçado ao exílio. Stalin, em seguida, impôs vários desdobramentos internos totalitários que não serão discutidos aqui, por serem geralmente bem conhecidos —  A polícia do Estado-ditadura, a coletivização forçada, os campos de trabalho chamados Gulag, julgamentos públicos, etc. (Entre as boas narrativas deste processo está Stalin: Uma Pesquisa crítica do bolchevismo por Boris Souvarine,  O Enigma russo por Ante Ciliga, e Memórias de um revolucionário por Victor Serge ).

O regime stalinista também exerceu uma influência perversa sobre os movimentos radicais em outros países ao redor do mundo. A Terceira Internacional (também conhecida como Internacional Comunista ou Comintern) formou-se em Moscou em 1919 para unir os partidos comunistas revolucionários em todo o mundo, após a maioria dos partidos socialistas da Segunda Internacional ter traído seus princípios socialistas e internacionalistas por mobilizar seus respectivos governos durante a primeira Guerra Mundial. Sob o controle de Stalin, o Comintern tornou-se cada vez mais centrado no objetivo de defender o regime de Stalin a todo custo. Para isso, ao longo das próximas duas décadas impôs uma sucessão de políticas de ziguezague sobre os subservientes partidos comunistas em outros países, a maioria das quais funcionou desastrosamente.

Após o fiasco "aventureiro" no início de 1920 (Alemanha 1923, Estônia 1924, etc.), o Comintern adotou uma política defensiva de compromissos e alianças com várias forças burguesas em todo o mundo. A falha mais dramática dessa política foi na China em 1925-1927. Num momento em que trabalhadores radicais alcançavam vitórias significativas nas principais cidades da China, Stalin insistiu que o Partido Comunista Chinês se subordinasse ao Kuomintang, o partido nacionalista liderado pelo general Chiang Kai-shek. Assim que os trabalhadores de Xangai tomaram a cidade em abril de 1927, a liderança comunista, exortou-os a acolher o exército de Chiang Kai-shek e entregar-lhe todas as suas armas. Quando o fizeram, o exército de Chiang entrou na cidade massacrando milhares de trabalhadores radicais. (Veja A tragédia da Revolução Chinesa por Harold Isaacs). Este resultado catastrófico da política de Stalin, que Trotsky previu com precisão e tentou impedir, foi sem dúvida um fator importante para esclarecer a disposição dos radicais vietnamitas de juntar-se a posições trotskistas nos anos seguintes.

Em 1928, Stalin impôs uma outra mudança política, argumentando que, após o período de levante revolucionário no início do pós-guerra (1917-1923) seguiu-se o refluxo, e a defensiva (1924-1928), até o movimento internacional dos trabalhadores entrar em um novo "Terceiro Período", no qual as revoluções radicais entrariam novamente na agenda. O principal inimigo era agora, supostamente, os partidos socialistas, que os estalinistas qualificavam como "social-fascistas". Seguindo essa política, o Partido Comunista Alemão focado em atacar os socialistas alemães, ignorava os nazistas, ajudando assim a pavimentar o caminho para os nazistas tomarem o poder em 1933 (que logo levou à destruição tanto de socialistas como de comunistas na Alemanha).

Em 1935, a linha do Comintern deslocou-se para o extremo oposto. Agora era supostamente necessário aliar-se aos socialistas, e de fato com qualquer um que não fosse declaradamente fascista, incluindo os partidos de centro e mesmo conservadores, para formar uma "frente unida contra o fascismo". Esta política levou a Frente Popular a ganhar as eleições na Espanha e na França em 1936. Mas as correntes radicais que tinham apoiado essas frentes já estavam comprometidas, com as mãos atadas devido a suas alianças com as forças mais centristas. Na Frente Popular espanhola.  Na França, o governo da Frente Popular, pressionado por uma onda de greves e ocupações de fábricas, cedeu alguma legislação progressista (40 horas semanais, férias remuneradas, direito de greve, etc.), mas não fez nada para eliminar o colonialismo francês ou mesmo melhorar as condições nas colônias, além de algumas poucas reformas que nem foram implementadas em sua maioria. Isso colocou os estalinistas vietnamitas na incômoda posição de ter de defender o regime colonial francês que tinham combatido desesperadamente durante tanto tempo.

Em seguida, o Pacto Hitler-Stalin de 1939 causou outro zigue-zague. Agora o foco era mais uma vez a luta contra a França, enquanto a ameaça do fascismo era jogada para baixo do tapete (embora a Alemanha nazista estivesse à beira de invadir a França e o Japão prestes a invadir a Indochina).

Então, quando Hitler traiu Stalin ao invadir a Rússia em 1941, foi mais uma vez , uma "guerra contra o fascismo". Os estalinistas vietnamitas, assim, novamente se encontraram com os seus aliados franceses senhores coloniais (embora o regime colonial na Indochina fosse pró-Vichy e, portanto, mais ou menos aliado com os fascistas).

Então, no vácuo de poder depois da derrota dos japoneses, em 1945, num momento em que o povo vietnamita tinha condições de evitar quaisquer forças significativas francesas de entrar novamente no país (a França estava se recuperando de anos de ocupação nazista e desmoralizada pela colaboração do regime Vichy com os nazistas, e a maioria de suas forças armadas estava a meio caminho ao redor do mundo), o líder stalinista Ho Chi Minh assinou uma série de compromissos com americanos, britânicos, chineses e franceses, o que lhe permitiu aumentar o seu poder, destruir os trotskistas, outros potenciais rivais, e assumir o controle total sobre as forças nacionalistas, mas que ao mesmo tempo permitiu às forças francesas reinserir o país, resultando mais 30 anos de guerra para obter uma independência nacional, que poderia muito bem ter sido conquistada em 1945. Somente em 1975 o país foi finalmente libertado de seus senhores estrangeiros — mas submetido a uma ditadura stalinista nativa.

A maioria dessas políticas estalinistas foi duramente criticada por Trotsky. Por volta de 1923-1934 Trotsky e seus seguidores se denominavam "Oposição de Esquerda", uma oposição dentro do Partido Comunista russo, tentando recuperar o poder da facção estalinista, para trazer o partido de volta a uma direção revolucionária e internacionalista. Depois de serem expulsos do partido russo em 1928, eles voltaram sua atenção para os partidos comunistas de outros países e para a Terceira Internacional. Esta estratégia mostrou-se igualmente infeliz na medida em que as tendências trotskistas foram sistematicamente eliminadas dos partidos dominados por Stalin em todo o mundo. Por volta de 1933 ou 1934 muitos trotskistas concluiram que a Terceira Internacional estava irremediavelmente perdida e que era necessário formar uma Quarta Internacional. Isto ocorreu em 1938 (razão pela qual alguns grupos provisórios como a Liga Ngo Van de comunistas internacionalistas a denominaram "pela Construção da Quarta Internacional").

Seria muito tedioso discutir aqui as diferenças complexas entre os numerosos grupos trotskistas e as tendências dos anos 1930 até os dias atuais. Basta dizer que o envolvimento direto de Trotsky no processo do Partido Comunista, fez dele uma força contra-revolucionária na Rússia, e por nunca ter reconhecido que o partido transformara-se numa nova classe dominante burocrática, sua tentativa de levar o partido a retomar uma política revolucionária internacional estava fadada ao fracasso. "Trotsky foi condenado pela sua perspectiva fundamental, porque quando a matriz burocrática cientificou-se de ter-se transformado numa classe contra-revolucionária, ela foi obrigada a optar por um papel igualmente contra-revolucionário em outros países "(Guy Debord, A Sociedade do espetáculo # 112). É por isso que a polêmica trotskista, por mais radical que possa parecer em alguns aspectos, volta e meia sempre acaba tropeçando na mesma conclusão errônea: o stalinismo é criticado de muitas maneiras, mas em última análise, ainda consideram os regimes estalinistas "progressistas". Os regimes estalinistas são chamados de "estados com trabalhadores degenerados" ou "estados com operários deturpados", implicando que o sistema sócio-econômico é basicamente bom, apenas mal orientado por uma liderança política defeituosa que precisa ser substituída por uma direção correta à la Lênin e Trotsky. Os trotskistas deixam de reconhecer a origem do estalinismo nas velhas práticas autoritárias de Lênin e de Trotsky e na estrutura hierárquica do Partido Bolchevique, que já inaugurara o sistema estatal-capitalista bem antes de Stalin chegar ao poder.

Note-se que nenhuma dessas tendências políticas têm muita relação com Marx, apesar de todos eles declararem-se marxistas. Uma das razões do apreço de Ngo Van por Maximilien Rubel foi a convicção revelada de como o leninismo e o trotskismo (para não dizer nada do stalinismo) divergem significativamente do ponto de vista real de Marx. Embora Marx tivesse evidentes divergências com alguns anarquistas de seu tempo, sua perspectiva era na realidade muito mais próxima ao anarquismo do que de qualquer uma das vertentes do socialismo de Estado. A prevalência estatista do "marxismo" durante o último século abafou outras correntes do marxismo bem mais próximas de Marx (e das vertentes mais coerentes do anarquismo), tais como Rosa Luxemburgo, Pannekoek Anton, Korsch Karl, Socialismo ou Barbarie, e a Internacional Situacionista.



(*) Extraído de http://www.bopsecrets.org/vietnam/stalinism-trotskyism.htm, submetido ao google tradutor e rápidamente revisado, o texto acima foi escrito por Ken Knabb e é um dos apêndices de In the Crossfire: Adventures of a Vietnamese Revolutionary por Ngo Van (AK Press, 2010). Qualquer contribuição no sentido de melhorar a tradução aqui apresentada será sempre bem vinda.

domingo, 4 de setembro de 2011

Democracia direta: A mais poderosa bomba já feita pelo homem

O encontro começa às 17 horas. As pessoas já estão a postos, grupos de afinidade conversam entre si. As pessoas trocam olhares umas com as outras. Há um clima de guerra no ar, tem-se a falsa sensação de que o inimigo são os outros, as outras pessoas. De que uma batalha terrível está prestes a ser desencadeada e onde haverá vencidos e vencedores, e ninguém ali quer, após a batalha, estar listado entre os vencidos, entre os perdedores.

Mas ali não poderá haver vencidos, pois se cada um vencer a si mesmo todos serão vencedores. O inimigo está dentro de nós mesmos. O monstro a ser destruído está no desejo de cada um de nós de sobrepor-se aos demais, de dominá-los, de fazer com que se submetam aos nossos desejos, aos nossos métodos, para que assim ele possa realizar o desejo oculto de ser um líder, ou de trazer todos a seguir meu líder. Esse monstro tem que ser vencido, calado, superado.

A democracia direta é diferente de tudo o que se viu até agora. Não há outra vanguarda, não há outra linha de frente senão a própria ideia, o próprio método, que não pertence a um grupo ou pessoa específica, mas que pertence a todos os grupos e pessoas, e é a única ideia que prevalece e que não pode ser superada.

Continua...


sábado, 3 de setembro de 2011

Governo dos EUA cria perfis falsos nas redes sociais

Operação de espionagem estadunidense manipula redes socias na internet.



Os militares dos EUA estão a desenvolver um software que permitirá secretamente manipular sítios de redes sociais ao usar entidades virtuais falsas para influenciar conversações na internet e espalhar assim propaganda pró-estadunidense.

Uma corporação Californiana venceu o concurso para um contrato com o Comando Central dos EUA (Centcom) que supervisiona as operações armadas dos EUA no Oriente Médio e Asia central, para desenvolver o que é descrito como um "serviço de gerência de entidades virtuais" que permitirá a um militar dos EUA controlar até 10 entidades virtuais espalhadas por diversos cantos do mundo.

O projeto foi comparado por peritos da internet às tentativas da China para controlar e restringir a liberdade de expressão na rede. Os críticos certamente irão queixar-se de deixar militares americanos criar um falso consenso nas conversações na net, abafar opiniões menos convenientes e comentários ou reportagens que não correspondam aos seus objetivos.

A descoberta de que os militares americanos estão a desenvolver entidades falsas na net - conhecida pelos usuários da media social como "sock muppets" - poderá encorajar outros governos, companhias privadas e ONG's a fazerem o mesmo.

O contrato com a Centcom estipula que cada entidade virtual falsa tenha um histórico e dados de apoio convincentes de forma que até 50 controladores situados nos EUA sejam capazes de operar essas mesmas entidades falsas das suas estações de trabalho "sem medo de serem desmascarados por adversários sofisticados".

O porta-voz da Centcom, Comandante Bill Speaks disse: "Essa tecnologia dará apoio ao rastreamento de "blogs" de língua estrangeira para que o Centcom reaja diante da propaganda extremista e violenta fora dos EUA".

Ele disse que nenhuma das intervenções seria em Inglês porque seria ilegal "atingir o público dos EUA" com esta tecnologia e que qualquer uso da língua inglesa na media social pela Centcom seria claramente criminoso. As linguagens em que as intervenções serão feitas serão: Árabe, Farsi, Urdu e Pashto.

A Centcom disse que não vai intervir em sítios dos EUA em Inglês ou qualquer outra lingua e especificamente disse que não iria intervir em redes sociais como o Facebook ou Twitter.

Quando desenvolvido, este software poderá permitir aos militares americanos trabalhar intensamente numa localidade para responder a conversações emergentes na net com qualquer número de mensagens coordenadas, "posts" em blogs, "chatrooms" entre outras intervenções. Os detalhes do contrato sugerem que a localização seria a base aérea MacDill situada perto de Tampa, Florida onde fica o Comando de Operações Especiais dos EUA.

O contrato com a Centcom requer para cada controlador um "servidor virtual privado" localizado nos EUA e outros que aparentarão estar fora dos EUA para dar a impressão que as entidades são pessoas reais localizadas em partes diferentes do mundo.

Fará também "traffic mixing", fundindo o uso dessa mesma entidade falsa com o uso de pessoas fora da Centcom de maneira que permitirá um "excelente disfarce e poder de dissimulação".

O contrato de multi-entidades foi talvez concebido como parte de um programa chamado "Operação Ernest Voice" (OEV) que foi primeiro desenvolvido no Iraque como uma arma de guerra psicológica contra a presença na net de adeptos da al-Qaida e outros grupos que se opuserem às forcas de coalizão.

Desde então, a OEV expandiu-se em um projeto no valor de 200 milhões de dólares, que provavelmente foi usado contra jihadistas no Paquistão, Afeganistão e no Oriente Médio.

A OEV e visto, por comandantes americanos, como peça vital de contra-terrorismo e o programa de contra-radicalização. Em provas prestadas ao comitê dos serviços armados do senado dos EUA no ano passado, o General David Petraeus, na altura comandante do Centcom, descreveu a operação como um esforço para "contrapor-se à ideologia e propaganda extremista e para se certificar de que vozes credíveis seriam ouvidas na região". Ele disse que o objectivo dos militares dos EUA era ser o "primeiro a chegar com a verdade".

Neste mês o sucessor de Petraeus, General James Mattis, disse ao mesmo comitê que o OEV "apoia todas as atividades associadas com o denegrir narrativa inimiga, incluindo o envolvimento na internet e capacidade de distribuição de produtos na internet".

Centcom confirmou que  2.76 milhões de dólares do contrato foram atribuídos a Ntrepid, uma corporação nova registrada em Los Angeles. Não se desvendou se o projeto de multi-entidades ja estava em operação ou a discussão de contratos relacionados.

Ninguém da parte da Ntrepid esteve disponível para comentar.

No seu depoimento ao comitê do Senado, o General Mattis disse: "a OEV procura destabilizar o recrutamento e treino de homens-bomba; negar lugares seguros para os nossos adversários; e contra-agir a ideologia e propaganda extremista." Ele disse também que o Centcom estava a trabalhar em conjunto "com os parceiros das forcas de coalizão" para desenvolver novas técnicas e táticas que os EUA poderá usar "para agir contra o adversário no domínio da internet".

De acordo com um relatório do inspetor geral do departamento da defesa dos EUA no Iraque, a OEV era gerida por forcas multinacionais e não pela Centcom.

Quando foi questionado se houve envolvimento por parte de militares do Reino Unido na OEV, o Ministro da Defesa do Reino Unido disse que "não encontrava provas de tal facto". O Ministro recusou a dizer se houve envolvimento nos programas de gerencia de entidades falsas, dizendo: "Nao comento sobre a nossa capacidade cibernética".

A OEV foi discutida no ano passado num encontro de especialista em guerrilha eletrônica em Washington DC, onde um oficial da Centcom disse aos delegados que o seu proposito era "comunicar mensagens criticas e agir contra a propaganda dos nossos adversários".

A Gerencia de entidades falsas pelos militares americanos enfrentaria desafios legais se fosse usado contra cidadãos americanos, onde um numero de pessoas que se envolveram em "sock puppetry" foram condenados.

No ano passado, um advogado de Nova York que se fez passar por um educador foi condenado a prisão depois de ser julgado por "personificação criminal" e roubo de identidade.

Não esta claro se o programa de gerencia de entidades falsas iria contra as leis do Reino Unido. Peritos legais dizem que não anda longe de se enquadrar no Ato de Falsificação e Forjamento de 1981, que diz que "a pessoa é culpada de falsificação se fizer um instrumento falso, com a intenção de induzir alguém a aceitar algo como genuíno e pela razão de aceitar fazer ou não fazer esse ato que prejudica alguém". No entanto, isto só se aplica se um sitio ou rede social pudesse provar que sofreu "prejuízo" como resultado.

-Este artigo foi emendado no dia 18 de Março de 2011 para remover referencias ao Facebook e ao Twitter, feito durante o processo de edição, e para adicionar um comentário da Centcom, recebido depois da publicação, de que nao esta a usar esses sítios para os seus fins.

Extraído de:   http://www.guardian.co.uk/technology/2011/mar/17/us-spy-operation-social-networks?CMP=twt_iph